Resumo: O presente trabalho tem por objeto a análise do processo, observada a teoria constitucionalista, como forma de garantia dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito. Para tanto, analisar-se-á o conceito de direitos e garantias fundamentais, fazendo a necessária distinção entre estes, bem como diferenciando os direitos fundamentais dos direitos humanos. Posteriormente, será feita uma breve apreciação do conceito de Estado Democrático de Direito e suas características principais, marco teórico do presente trabalho. Após, será analisado o modelo constitucional de processo e a ruptura da teoria geral do processo com a teoria da relação jurídica de Bullow e Liebman. Por derradeiro, para finalizar o estudo, será abordada a questão principal, qual seja, o processo constitucional como garantia de direito fundamental no Estado Democrático de Direito, a partir das questões anteriormente debatidas, visando afastar a noção de que o juiz é o responsável pela promoção da justiça social e, por consequência, combatendo o ativismo judicial. Para o presente estudo, utilizar-se-á a pesquisa bibliográfica e o método dedutivo, partindo-se de uma perspectiva macro para uma concepção micro analítica acerca do tema ora em estudo e, por fim, como procedimento técnico a análise temática, teórica e interpretativa, buscando sugestão para a solução da questão destacada.
Palavras chaves: Direitos fundamentais; Direitos humanos; Garantias fundamentais; Estado Democrático de Direito; Democracia; Devido processo legal; Fundamentação das decisões; Teoria estruturalista; Modelo constitucional de processo; Ativismo Judicial.
Abstract: This paper aims to examine the process, observed the constitutional theory, as a guarantee of fundamental rights in a democratic state. To do so, it will examine the concept of fundamental rights and guarantees, making the necessary distinction between these, as well as differentiating the fundamental rights of human rights. Later, there will be a brief assessment of the concept of a democratic state and its main features, theoretical framework of this study. Following will analyze the constitutional model of tprocess and the rupture of the process general theory with the theory of legal relationship from Bülow and Liebman. For the last, to finish the study, the main issue will be addressed, namely, the constitutional process as guaranteed fundamental right in a democratic state, based on the issues previously discussed, aiming to get away from the notion that the judge is responsible for the promotion of social justice and therefore combating judicial activism. For the present study, we will use the literature search and the deductive method, starting with a macro to a micro analytic design on the subject now under study and, finally, as a technical procedure thematic analysis, theoretical and interpretive seeking suggestions for resolving the outstanding issue.
Keywords: Fundamental Rights; Human Rights; Fundamental Guarantees; democratic state; Democracy; Due process of law; Reasons for decisions; Structuralist theory; Model constitutional process; Judicial Activism.
Sumário: 1 Introdução; 2 Direitos e Garantias Fundamentais; 3 Estado Democrático de Direito; 4 O Modelo Constitucional de Processo; 5 O Processo como Garantidor de Direitos Fundamentais; 6 Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO
Com a promulgação da Constituição da República, em 1988, e término da fase política ditatorial, inaugurou-se no Brasil o Estado Democrático de Direito e, por conseqüência, foram incluídos no texto constitucional um extenso rol de direitos humanos, que alçaram a posição de direitos fundamentais.
O princípio da dignidade da pessoa humana e todos os direitos fundamentais que lhe são inerentes tornaram-se fundamento do Estado Democrático de Direito, nos termos do art. 2º, II, da Constituição da República.
Desse modo, a proteção de tais direitos e seu efetivo exercício passaram a ser o objetivo principal do Estado Democrático de Direito. E, para que tais direitos se tornassem também efetivos, foram previstas garantias fundamentais.
As garantias constitucionais passam a ter grande relevância no estudo do processo, tendo em vista que várias dessas garantias, apesar de previstas no texto constitucional, possuem natureza processual, motivo pelo qual, no Estado Democrático de Direito, torna-se inviável desvincular o processo da Constituição.
Em assim sendo, revela-se necessário, para a compreensão adequada do tema proposto, a análise do denominado modelo constitucional de processo, visando analisar o processo sob a perspectiva da disciplina principiológica constitucional, abandonando a concepção do processo como relação jurídica entre juiz, autor e réu e de que este seria o instrumento da jurisdição.
Neste sentido, o presente trabalho tem por objetivo demonstrar como o processo constitucional é imprescindível à garantia dos direitos fundamentais e como a observância destes é necessária à efetividade do próprio processo constitucional, o que afasta a noção de que é o juiz o responsável pela busca da paz social e que o processo teria por objetivo alcançar escopos metajurídicos, o que leva, também, ao afastamento do atualmente tão aclamado ativismo judicial.
Apesar de há muito já ter sido superada a ideia e crença de que o exercício do Poder decorreria de “delegação divina” ou de qualquer outra fonte mítica, ainda persiste, não só na sociedade, mas também prevista em diversos dispositivos do ordenamento jurídico pátrio, uma demasiada proteção daqueles que o exercem, principalmente os juízes, que acabam sendo vistos na sociedade como seres intocáveis, responsáveis pela busca pela Justiça e pela pacificação social, o que lhes autorizaria a atuar de forma arbitrária no processo jurisdicional.
Para tanto, analisar-se-á o conceito de direitos fundamentais e a sua positivação no ordenamento jurídico pátrio, o Estado Democrático de Direito e o modelo constitucional de processo, visando demonstrar a evolução da teoria geral do processo até o momento em que o processo passou a ser estudado e desenvolvido como forma de garantia de tais direitos.
Portanto, tem o presente trabalho o principal objetivo de analisar o processo no Estado Democrático de Direito, rompendo com a teoria do processo como relação jurídica, e o seu papel como garantidor dos direitos fundamentais.
2 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Inicialmente, para que se possa compreender o processo como garantidor dos direitos fundamentais, revela-se necessário definir o conceito de tais direitos, diferenciando-os, portanto, dos direitos humanos.
Os direitos humanos, conforme estudo de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, são “aqueles direitos inerentes à natureza do ser humano reconhecidos e declarados nas normas das convenções, pactos e tratados internacionais, criando um sistema de proteção”.[1]
Entende-se por os direitos fundamentais aqueles direitos humanos que alcançaram a expressa proteção no ordenamento jurídico constitucional, “atingindo, por conseguinte, grau maior de certeza e efetiva possibilidade de serem garantidos”.[2]
Desse modo, de acordo com lição de Paulo Bonavides, os “direitos fundamentais são aqueles que direitos que o direito vigente qualifica como tais”[3].
Gilmar Mendes assevera que os direitos fundamentais são direitos de defesa, destinados a proteger determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público. Essa situação pode se estabelecer pelo não-impedimento da prática de determinado ato, seja pela não-intervenção em situações subjetivas ou pela não-eliminação de posições jurídicas[4].
Segundo José Cirilo Vargas, os direitos fundamentais “são aqueles vigentes numa dada e concreta ordem jurídica, enquanto que os direitos do homem tem uma dimensão jusnaturalista, ou seja, são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempo”[5].
Ressalte-se que expressão “direitos humanos” remonta à Revolução Francesa, momento histórico em que a proteção dos direitos humanos tornou-se necessária e relevante, culminando na Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos, em 1789.
Consagrou-se, no entanto, a proteção aos direitos humanos, em momento posterior, após a Segunda Guerra Mundial, com a sua positivação nos ordenamentos jurídicos, como contraponto às atrocidades praticadas pelos regimes nazistas, sendo essa a motivação para “incluir um catálogo de proteção dos direitos humanos nos textos dos tratados internacionais e das Constituições surgidos após aquele sombrio período histórico”[6].
No Brasil, a positivação de tais direitos também decorreu da quebra do regime totalitário ditatorial, com a promulgação da Constituição da República de 1988, que criou “um bloco compacto de salvaguarda das pessoas e de suas liberdades contra quaisquer atos de abuso do poder ou de arbítrio provenientes do Estado, incompatíveis com o princípio maior da vinculação de qualquer ato estatal ao Estado Democrático de Direito”[7].
Induvidoso que a Constituição deve não somente tutelar determinados direitos humanos, mas como também inserir em seu texto meios de garantias para que esses direitos possam ser amplamente exercidos, ou seja, a positivação dos direitos humanos é insuficiente para assegurar “a efetividade do livre exercício de tais direitos”, exigindo-se que o ordenamento jurídico também crie garantias que os tornem eficazes.[8]
No mesmo sentido, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias afirma que “de nada adiantaria um extenso rol de direitos fundamentais, se mecanismos que assegurassem sua concretização também não fossem selecionados e incluídos no texto constitucional”[9].
Assim, conclui-se, conforme o ensinamento de José Cirilo Vargas, que a mera previsão e proclamação dos direitos é insuficiente, vez que é preciso “dar os meios para exercê-los, para desfrutá-los”, de modo a “afastar a ideia de mero complexo de princípios filosóficos e generosos, sem eficácia executória”[10].
Ressalte-se que, apesar de parte da doutrina considerar direitos fundamentais e garantias fundamentais como sinônimos, estes devem ser diferenciados, tendo em vista a redação do texto constitucional, em seu título II, adota as duas expressões, mencionando “direitos e garantias”, motivo pelo qual devem ser tratado com institutos diversos.
Sobre tal questão, é o ensinamento de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias:
“(…) enquanto os direitos fundamentais são os direitos humanos expressamente enumerados e declarados no ordenamento jurídico-constitucional, as garantias constitucionais, por isto, garantias fundamentais, diversamente, compreendem as garantias processuais estabelecidas na própria Constituição.”[11]
Afirma também José Cirilo Vargas:
“Os direitos individuais são direitos oponíveis pelo homem ao Estado, visando precipuamente à proteção dos direitos à liberdade, à segurança, à propriedade, à igualdade. As garantias são os instrumentos de efetividade desses direitos.”[12]
Ressalte-se, ainda, que, ao contrário do entendimento de parte da doutrina, os direitos fundamentais não podem ser considerados normas programáticas, meras diretrizes e promessas da Administração Pública, mas sim devem ser elevados ao status de títulos executivos líquidos, certos e exigíveis[13], conforme leciona Rosemiro Pereira Leal:
“Os direitos postos por uma vontade processualmente demarcada, ao se enunciarem constitucionalmente fundamentais, pertencem a um bloco de direitos líquidos (autoexecutivos) e certos (infungíveis) de cumprimento insuscetível de novas reconfigurações provimentais e, por conseguinte, só passíveis de lesão ou ameaças após efetivamente concretizados ex officio pela Administração Governativa ou por via das ações constitucionais (devido processo legal) a serem manejadas por todos indistintamente ao exercício da auto-inclusão auferidora dos direitos fundamentais criados e garantidos no nível constituinte da normatividade indeclinável.”[14] ido processo legal) a serem manejadas por todos indistintamente ao exercte fundamentais, pertencem a um es direitos fundamentais nos textos constitucionais e ordenamentos jurzaç"2).
TAS, p. nal do Estado, segundo a metodologia normativa do processo co
Assim, no Estado Democrático de Direito, o correto seria “conceber a constituição como título executivo extrajudicial quanto a direitos fundamentais”[15], conforme leciona José Alfredo de Oliveira Baracho:
“O processo, como garantia constitucional, consolida-se nas constituições do século XX, através da consagração de princípios de direito processual, com o reconhecimento e enumeração de direitos da pessoa humana, sendo que esses consolidam-se pelas garantias que os torna efetivo e exequíveis”.[16]
Esclarece Paulo Bonavides:
“(…) temos visto nos ordenamentos constitucionais contemporâneos crescer de importância a figura da garantia constitucional, que repercute não somente no campo do direito constitucional de amplitude clássica, senão também dilata à esfera do direito processual, atraindo-o, no tocante à tutela jurisdicional da liberdade e dos direitos fundamentais, para o vasto território onde se renova e amplia cada vez mais o estudo da matéria constitucional.”[17]
Portanto, o texto da Constituição de 1988 não cuidou somente de tutelar determinados direitos humanos, levando-os à condição de direitos fundamentais, mas também inseriu no ordenamento jurídico uma série de garantias, tais como o devido processo legal (que abrange o contraditório, a ampla defesa, a fundamentação das decisões), as ações constitucionais (Habeas Corpus, Mandado de Segurança, Habeas Data, Mandado de Injunção), a gratuidade judiciária, o juízo natural, dentre outros.
3 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O atual texto constitucional dispõe em seu art. 1º que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, o que expressa a realidade do Estado contemporâneo, fundamentado no exercício do poder pelo povo e limitação deste poder pelo princípio legalidade.
Entende-se, portanto, por Estado Democrático de Direito, uma junção entre o Estado de Direito e o princípio democrático, conforme o ensinamento de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias:
“Tem-se, portanto, um Estado submetido às normas do direito e estruturado por leis, sobretudo a lei constitucional, um Estado no qual se estabeleça estreita conexão interna entre dois grandes princípios jurídicos, democracia e Estado de Direito, ou seja, um Estado Constitucional Democrático de Direito.”[18]
Afirma Brêtas, ainda, que:
“(…) essa fusão permite criar um sistema constitucional marcado de forma preponderante pela associação do poder político legitimado do povo (democracia) com a limitação do poder estatal pelas normas constitucionais e infraconstitucionais que integram seu ordenamento jurídico (Estado de Direito), sobretudo aquelas pertinentes aos direitos fundamentais”.[19]
No que se refere ao princípio democrático, primeiramente, deve-se observar que democracia remete, primariamente, à ideia “governo do povo”, ou seja, há democracia quando se permite a participação do povo, conferindo legitimidade à atuação do Estado, nas esferas legislativa, administrativa e judicial.
Nesse sentido, dispõe o art. 1º, parágrafo único, da Constituição da República de 1988: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
Em razão da referida participação popular, em um Estado democrático, o ordenamento jurídico consagra uma série de institutos que introduzem o povo no governo do Estado, seja diretamente, seja por meio de representantes, ou, ainda, permitindo-se a cidadãos ligados a associações e partidos diversos que participem da vida do Estado e concorram a cargos políticos.
Assim, o Estado deve “se ater à principiologia constitucional da democracia”, rompendo com “a teoria do Estado Mínimo dos neoliberais” e comprometendo-se, de modo amplo e irrestrito, “com a liberdade política de participação para equacionar o número de demandas e as respostas surgidas na problemática do povo”[20].
Do Princípio democrático resulta, ainda, no âmbito jurisdicional, o dever do Estado e o direito do jurisdicionado de buscar uma resposta adequada às suas pretensões, com a devida fundamentação, mediante a garantia de ampla participação na construção das decisões, observado, assim, o devido processo legal.
Assevera, ainda, Humberto Theodoro Junior, acerca do tema, que “o Estado Democrático de Direito não pode apenas garantir a tutela jurisdicional, mas tem de assegurar uma tutela qualificada pela fiel observância dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente”[21].
Assim, ao estudar o Estado contemporâneo, afirma André Del Negri que o “Estado, dessa forma, é uma instituição que se legitima na Constituição, não podendo ultrapassar a medida de seu caminho traçado por esse texto articularizador”[22].
Desse modo, tem-se que o devido processo legal é a garantia constitucional que deve direcionar os estudos sobre o processo democrático, sendo seu principal alicerce, tendo em vista que somente é possível se falar em processo democrático mediante a sua devida observância, por ser a garantia que permite a democratização do provimento jurisdicional pela ampla participação das partes interessadas.
4 O MODELO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO
Os estudos da teoria constitucionalista do processo surgem como uma superação da teoria processo como relação jurídica entre autor, juiz e réu e da escola instrumentalista, segundo a qual o processo seria mero instrumento da jurisdição, e também como uma complementação da teoria estruturalista de Elio Fazzalari.
A teoria do processo como relação jurídica foi desenvolvida por Oskar Von Bullow, em 1868, que entendeu o processo como “uma relação jurídica existente entre o Estado e as partes”, sendo que nesse momento histórico “começa a se formar uma ciência própria do Direito Processual”[23].
Tal teoria foi trazida ao Brasil por Enrico Tulio Liebman, influenciando Alfredo Buzaid na elaboração do Código de Processo Civil de 1973 e disseminando a teoria pela denominada Escola Paulista/Instrumentalista de Processo, principalmente por Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco.
Segundo Rosemiro Pereira Leal, os teóricos dessa escola instrumentalista “conectaram o Processo à Jurisdição, em escopos metajurídicos, definindo processo como se fosse uma corda a serviço da atividade jurisdicional”[24], que culminaria na “Justiça Redentora para todos os homens, trazendo-lhes paz e felicidade”.[25]
No mesmo sentido, afirma Lênio Luiz Streck que os defensores da concepção instrumentalista do processo “admitem a existência de escopos metajurídicos, estando permitido ao juiz realizar determinações jurídicas, mesmo que não contidas no direito legislado”[26]
Em razão de tais objetivos metajurídicos do processo, admite-se, portanto, uma atuação livre do magistrado.
“Em verdade, o juiz é a figura central do processo, e deve participar ativamente da relação jurídica que nele se desenvolve, equilibrando as partes e permitindo a efetivação do devido processo legal. Ao Estado cabe a pacificação social com justiça, escopo que se não atingido implica na ruína de todo um sistema”.[27]
Para a doutrina instrumentalista, “o conceito de jurisdição não seria jurídico, mas, político, já que ela é expressão do poder do Estado”[28], fazendo com que a atividade do juiz seja influenciada por seus próprios princípios ideológicos, construída unilateralmente por sua clarividência, em uma atividade solitária e solipsista.
Ou seja, ao tratar o processo como um instrumento de busca pela paz social e pela justiça, admite-se que o magistrado se torne a figura suprema da relação processual e atue de forma discricionária e arbitrária, desconsiderando a atuação das partes.
Como superação da mencionada teoria, surge a teoria estruturalista[29] de Elio Fazzalari, segundo o qual o processo seria o procedimento em contraditório. Assim, cuida Fazzalari de diferenciar procedimento de processo e de elevar o contraditório à condição de pressuposto essencial para a existência de processo.
Acerca da teoria de Fazzalari, é o ensinamento de Rosemiro Pereira Leal:
“O ilustre processualista explicitou que o processo não se define pela mera sequencia, direção ou finalidade dos atos praticados pelas partes ou pelo juiz, mas pela presença do atendimento do direito ao contraditório entre as partes, em simétrica paridade, no procedimento que, longe de ser uma sequencia de atos exteriorizadores do processo, equivalia a uma estrutura técnica construída pelas partes, sob o comando do modelo normativo processual.”[30]
No Brasil, a teoria estruturalista e as idéias de Fazzalari foram trazidas por Aroldo Plínio Gonçalves, que define “processo como ‘espécie’ de procedimento realizado através do contraditório entre os interessados”, conceituando contraditório como a “igualdade de oportunidade no processo” e “oportunidade de igual tratamento, que se funda na liberdade de todos perante a lei”[31].
Como complementação da teoria de Fazzalari, tem-se a teoria constitucionalista do processo, que não afasta a alegação de ser o processo um procedimento em contraditório, apenas acrescentando que seria o processo também uma garantia ao exercício dos direitos fundamentais, o que concede ao processo uma perspectiva constitucional.
“a teoria estruturalista de Fazzalari carece de alguma complementação pelos elementos que compõe a teoria constitucionalista, porque a inserção do contraditório no rol das garantias constitucionais decorre da exigência lógica e democrática da co-participação paritária das partes, no procedimento formativo da decisão jurisdicional que postulam no processo, razão pela qual conectada está à garantia também constitucional da fundamentação das decisões jurisdicionais centrada na reserva legal, condição de efetividade e legitimidade democrática da atividade jurisdicional constitucionalizada”.[32]
Em assim sendo, em conformidade com o ensinamento de Humberto Theodoro Junior, “formou-se e consolidou-se o fenômeno da ‘constitucionalização do processo’, cujos princípios ganharam assento na sede reguladora dos direitos fundamentais”[33]
Assim, “o modelo constitucional do processo civil assenta-se no entendimento de que as normas e os princípios constitucionais resguardam o exercício da função jurisdicional”[34], levando ao entendimento de que a jurisdição é direito fundamental, sendo, por consequência, inviável entender que o processo seja mero instrumento de sua realização, devendo ser compreendido como forma de garantia não só deste, mas de todos os direitos fundamentais positivados pelo texto constitucional.
A origem dos estudos acerca do processo em conjunto com o texto constitucional remonta ao mexicano Hector Fix-Zamudio e ao uruguaio Eduardo Couture[35], sendo sistematizada no direito brasileiro por José Alfredo de Oliveira Baracho, segundo o qual “o direito processual tem linhagem constitucional, circunstância que dá maior significação à proteção efetiva dos direitos processuais, em todas as instâncias”[36], afirmando também que “o processo constitucional visa tutelar o princípio da supremacia constitucional, protegendo os direitos fundamentais”[37].
Desse modo, tem-se que as normas processuais devem observar a supremacia da Constituição[38], conforme ensinamento de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias:
“a teoria constitucionalista do processo toma por base a idéia primeira da supremacia das normas da Constituição sobre as normas processuais. Considera o processo uma importante garantia constitucional, daí a razão pela qual surge consolidada nos textos das Constituições do moderno Estado Democrático de Direito, sufragando os direitos das pessoas obterem a função jurisdicional do Estado, segundo a metodologia normativa do processo constitucional.” [39]
Segundo Dierle José Coelho Nunes, o “processo começa a ser percebido como um instituto fomentador do jogo democrático”[40]. E, por consequência, torna-se também uma garantia ao exercício dos direitos fundamentais.
No mesmo sentido, ensina Cattoni de Oliveira que o processo constitucional é forma de garantia de “direitos de participação e condições procedimentais que possibilitam a geração legítima do provimento jurisdicional”[41]
Sobre o modelo constitucional de processo, no ordenamento jurídico brasileiro, comenta Luigi Paolo Comoglio, ao analisar o sistema de garantias constitucionais do processo, a partir da experiência da civil law, que “la Costituzione federale de 1988 – pure caratterizzata dal requisito dela rigiditá – configura um sistema di garanzie processual”[42]
A denominação “modelo constitucional de Processo” foi cunhada pelos italianos Italo Andolina e Giuseppe Vignera, que também se destacam na ora analisada teoria constitucionalista, reconhecendo que “o Processo, em seus novos contornos teóricos na pós-modernidade, apresenta-se como necessária instituição constitucionalizada”[43]
Leciona André Cordeiro Leal:
“Andolina e Vignera buscam demonstrar, em análises objetiva e subjetiva, que é forçoso entender o processo como modelo constitucionalizado a ser obedecido na construção dos procedimentos na infra-constitucionalidade”.[44]
Segundo Andolina e Vignera, conforme leciona Dierle José Coelho Nunes, o processo tem como características a expansividade, a variabilidade e a perfectibilidade, que permitem que o modelo constitucional abranja qualquer tipo de processo, seja jurisdicional, legislativo ou administrativo.
Corrobora o presente entendimento, a afirmação de André Del Negri:
“(…) percebe-se, pois, que a expressão devido processo constitucional é vista como instituição regenciadora de todo e qualquer procedimento (devido processo legal), a fim de tutelar a produção de provimentos, seja administrativo, legislativo ou judicial.”[45]
Ensina Flaviane Magalhães de Barros, no mesmo sentido, que todo processo é constitucional, vez que constituído sobre uma base principiológica uníssona aplicável a todo e qualquer processo. Prossegue:
“Tal compreensão de modelo constitucional de processo, de um modelo único e de tipologia plúrima, se adapta à noção de que na Constituição encontra-se a base uníssona de princípios que definem o processo como garantia.”[46] (BARROS, 2009, p. 335).
Assim, resta induvidoso que foram incluídas no texto constitucional, em 1988, diversas garantias processuais, que pretendem a efetividade dos direitos fundamentais, o que não só aproxima o processo da Constituição, mas torna o texto constitucional indispensável para o devido processo, situação esta que torna clara a denominação “modelo constitucional de processo”.
5 O PROCESSO COMO GARANTIDOR DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
O Processo Democrático é uma garantia constitucional à construção da cidadania, por meio da participação ampla e irrestrita do povo no controle e construção dos provimentos estatais (legislativo, administrativo e judicial), observada a disciplina constitucional principiológica, sendo induvidoso que o processo deve atender à supremacia da constituição.
É o ensinamento de Lenio Luiz Streck:
“Parece óbvio dizer que, vivendo sob a égide de uma Constituição democrática, compromissória e, quiçá, dirigente, o que se esperaria dos juristas, no que se relaciona ao processo de aplicação do direito, é que tivéssemos construído um sentimento constitucional-concretizante nesses vinte anos, a partir de um labor avassalador, pelo qual as leis infraconstitucionais seriam simplesmente devassadas a partir de uma implacável hermenêutica constitucionais”.[47]
No entanto, parte da doutrina e dos aplicadores do direito continuam atrelados à visão instrumentalista do processo, reconhecendo-o como uma relação jurídica e conferindo um excesso de poderes ao julgador.
Em defesa da atuação do magistrado sob a ótica da teoria da relação jurídica, tem-se o seguinte entendimento:
“(…) a figura do juiz como legítimo representante estatal se revelou fundamental, já que possui o importante papel de pacificar os conflitos sociais. Sua participação no processo como mero espectador cedeu lugar a uma conduta mais enérgica, imprimindo maior diligência e controle no desenrolar das disputas judiciais, assegurando aos jurisdicionados um processo mais igualitário, justo e tempestivo3, distribuindo justiça a quem efetivamente a merece, e não a quem possui mais condições financeiras ou sociais de obtê-la.”[48]
E mais:
“Afasta-se, pois, a neutralidade do magistrado – antes reduzido a mero espectador, que deixava que o fluxo do processo fosse guiado pelos litigantes −, para dar ensejo a um juiz ativo, que dirige o processo de modo que ele sirva ao direito material, alcançando seu propósito de justiça, e não seja objeto de manipulação pela parte jurídica, econômica ou socialmente mais forte.”[49]
Hermes Zanetti Junior, apesar de supostamente se filiar à teoria constitucionalista do processo, entende que “os valores na Constituição não têm aplicação absoluta e imediata” e prossegue definindo a sentença como ato criativo e de vontade do juiz, que estaria “influenciado pela sua conformação social, pelo seu conhecimento da matéria e pelas peculiaridades do caso”. Assim, segundo Hermes Zaneti Junior, a atividade criativa do juiz seria um complemento indispensável para a atividade legislativa ordinária, atuando “como político, com a ponderação de critérios de conveniência (proporcionalidade) advindos da sua sensibilidade e humanidade, sempre dentro do ordenamento constitucional”[50].
Em razão de tais entendimentos equivocados e atrelados à concepção instrumentalista do processo, certos julgamentos apresentam pronunciamentos totalmente em desconformidade com o modelo constitucional de processo e o Estado Democrático de Direito, como é o caso do Habeas Corpus nº 84.665-6/RO, julgado pelo Supremo Tribunal Federal e relatado pelo Ministro Carlos Veloso, que afirmou que
“o que a Constituição exige é que o juiz ou Tribunal dê as razões do seu convencimento, não estando ele obrigado a responder todas as alegações dos réus, mas tão somente àquelas que julgar necessárias para fundamentar sua decisão.”[51]
No mesmo sentido, merece destaque o acórdão do Recurso Extraordinário nº 140265 / SP, em que o Ministro Marco Aurélio de Mello afirma que:
“(…) o juiz, ao defrontar-se com uma lide, deve idealizar a solução mais justa para a controvérsia, valendo-se, nesta primeira fase, apenas da formação humanística que possua. A seguir, então, em respeito à almejada segurança das relações jurídicas, passa ao cotejo da solução com os preceitos legais pertinentes à hipótese”.[52]
O supracitado entendimento do Ministro Marco Aurélio de Mello explicita a denominada “tese do fingimento”[53], segundo a qual “os juízes, diante de um caso que não apresenta referência normativa precedente, decidem conforme suas convicções e tentam fundamentá-las juridicamente”[54]. Assim, afirma Ronaldo Brêtas:
“há casos em que o juiz julga em razão do que o direito deveria ser, segundo sua convicção ou formação supostamente privilegiada e superior, mas tentando fundamentar ou justificar a decisão no ordenamento jurídico vigente.”[55]
Sobre as decisões judiciais proferidas sob o ponto de vista instrumentalista, explica Streck:
“São decisões que se baseiam em um conjunto de métodos por vezes incompatíveis ou incoerentes entre si ou, ainda, baseadas em leituras equivocadas de autores como Ronald Dworking ou até mesmo Gadamer, confundindo a ‘superação’ dos métodos com relativismos e/ou irracionalismos.”[56]
Sobre a mesma questão, afirma Rosemiro Pereira Leal:
“É óbvio que enquanto perdurar, por uma jurisprudência de eruditos, a filiação proselitista a uma dogmática solitária e taumaturga de salvação do direito pelo decisor, é mesmo impensável esperar de um intérprete-julgador, ainda não convencido do esgotamento do paradigma da filosofia da consciência, a teorização de um espaço processualizado de auto-includência, legitimado a todos, ao exercício de direitos líquidos e certos já acertados no plano constituinte originário”.[57]
André Del Negri que tal entendimento equivocado sobre o que seja o processo constitucional e o Estado Democrático de Direito, “faz com que o órgão administrativo-governativo tome decisões aleatórias e antiquadas”[58], atuando de forma chamada “ativista”, justamente por acreditar em um suposto excesso de poderes do julgador, em razão das nobres razões que motivariam o exercício de suas funções, chamados por Cândido Rangel Dinamarco de “escopos metajurídicos do processo”.
A atuação do julgador deve ser analisada sob essa perspectiva democrática, o que significa que o exercício da função jurisdicional deve ocorrer mediante ampla participação dos interessados, observando o princípio do contraditório, colocando, assim, as partes no centro do processo e não o julgador, buscando a efetivação do princípio da eficiência na atividade jurisdicional.
Ao contrário, na disciplina constitucional principiológica, todos os provimentos (jurisdicionais, administrativos e legislativos) devem ser fundamentados, observado, principalmente o contraditório e a legalidade, “impedindo os espaços de criação (discricionariedade judicial na sua aplicação) e que sejam preenchidos de forma arbitrária e ilegítima”[59]
Em assim sendo, o provimento produzido nessa postura ativista é inválido pela ausência de ampla participação das partes em sua construção, conforme ensina Dierle José Nunes:
“Assim, em decorrência da conjugação das garantias constitucionais do contraditório e da defesa, cria-se uma impossibilidade de atuação monológica do juiz na construção de todos os provimentos, pois estes seriam inválidos toda vez que levassem em consideração aspectos fáticos e jurídicos não debatidos e problematizados com as partes.
Cria-se, então, obrigatoriamente, uma estrutura procedimental intersubjetiva e comparticipativa de formação de todos os provimentos judiciais”.[60]
Por derradeiro, conforme lição de Streck “não se pode olvidar a ‘tendência’ contemporânea (brasileira) de apostar no protagonismo judicial como uma das formas de concretizar direitos”[61].
Desse modo, não se admite, no Estado Democrático de Direito, tal visão instrumentalista ou visão equivocada do processo constitucional, que culminam no excesso de poderes do julgador e no ativismo judicial, devendo o processo ser compreendido sob a perspectiva da teoria constitucionalista do processo.
Não é o protagonismo judicial e, por consequência, decisões solipsistas que concretizam os direitos, ao contrário do que acreditam alguns processualistas e julgadores, como se viu anteriormente. Pelo contrário, tais decisões marcadas pelo ativismo judicial violam as principais garantias processuais previstas no texto constitucional, sendo, por conseguinte, completamente inválidas, nulas, inexistentes e inconstitucionais.
Somente é possível falar em concretização de direitos pelo devido processo constitucional, permitindo às partes o devido exercício do contraditório, da ampla defesa, do acesso à jurisdição, da fundamentação das decisões.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tais considerações, percebe-se que a positivação dos direitos fundamentais e a instituição do Estado Democrático de Direito ocasionaram grandes alterações nos estudos do direito processual, tornando estreita a vinculação entre o processo e a Constituição, de modo que somente é possível estudar o processo a partir de uma perspectiva constitucional, ou seja, partindo da afirmativa que todo processo é constitucional estando sujeito à Supremacia da Constituição.
Desse modo, o processo, analisado pela teoria constitucionalista, passa a ser compreendido como garantidor de direitos fundamentais, rompendo, por consequência, com a teoria do processo como relação jurídica e com a escola instrumentalista do processo.
Assim, não mais é possível admitir que sejam proferidos provimentos arbitrários, discricionários e solipsistas, sejam eles administrativos, legislativos ou jurisdicionais, sendo também inadmissível que o processo seja concebido como uma relação jurídica entre as partes, conferindo excesso de poderes aos julgadores, sob um falso argumento de busca pela paz e justiça social.
Diante das diretrizes decorrentes do princípio do Estado Democrático de Direito, o provimento deve ser construído, em contraditório, pelas partes, a partir de suas alegações, argumentações e produções probatórias, com o devido exercício das garantias fundamentais processuais (devido processo legal, ampla defesa, contraditório, fundamentação das decisões), e não por meio de uma atividade solitária, sensitiva e de clarividência dos julgadores.
Somente é possível que um provimento (jurisdicional, administrativo ou legislativo) garanta, de forma devida e eficaz, o direito pretendido, caso permita a participação de todos os interessados, observando o devido processo legal, oportunizando, assim, o contraditório e a ampla defesa, garantindo a construção de um provimento participado, mediante a disciplina constitucional.
Portanto, pode-se concluir que somente é possível garantir aos jurisdicionados o efetivo exercício dos direitos fundamentais por meio do processo constitucional.
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