Resumo: Objetiva-se, neste trabalho, expor informações sobre o fenômeno do ativismo judicial dentro da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, traremos breves noções sobre o Estado Social, a divisão de atribuição dos Poderes segundo Montesquieu, seguindo-se à omissão desses Poderes no fazimento das suas atribuições, assim como a função jurisdicional diante da negligência do Poder Legislativo e suas constantes mudanças até a efetiva concretização dos direitos postulados em sede de mandado de injunção. Por fim, com a aprovação da nova Lei do Mandado de Injunção, Lei Federal n. 13.300/16, defendeu-se a ideia segundo a qual o legislador ordinário positivou sua inaptidão para resolver os problemas da sociedade, no que tange às suas atribuições. Positivou-se, assim, o próprio ativismo judicial defendido atualmente pelo Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Ativismo Judicial. Mandado de Injunção. Reconhecimento. Poder Legislativo.
Resumen: El objetivo de este trabajo es exponer información acerca del fenómeno del activismo judicial en la jurisprudencia de la Corte Suprema de Justicia. Para ello, daremos algunas nociones sobre el estado de bienestar, la división de la asignación de poderes según Montesquieu, seguido por la omisión de dichos poderes en fazimento de sus responsabilidades, así como la función judicial ante la negligencia del poder legislativo y sus constantes cambios a la aplicación efectiva de los derechos postulados en la orden de arresto. Finalmente, con la aprobación de la nueva Ley de la orden de arresto, la ley federal nº 13.300/16, defendió la idea según la cual el legislador positivou regular su incapacidad para resolver los problemas de la sociedad, en términos de sus asignaciones. Es, pues, el Positivou muy activismo judicial propugnado por el Supremo Tribunal Federal.
Palabras-llaves: Activismo Judicial. orden de arresto. Reconocimiento. el poder legislativo.
Sumário: Problemática Inicial. 1. O Ativismo Judicial como Necessidade de Implementação de Direitos a uma Prestação Positiva do Estado. 1.1. Direitos Sociais e sua Implementação. 1.2. Da Mora dos Poderes Legislativo e Executivo e o Crescimento do Poder Judiciário com a Constituição Republicana de 1988. 1.3. Ativismo Judicial: Breves Considerações. 2. A Nova Lei do Mandado de Injunção e o Reconhecimento da Omissão Legislativa e Executiva. 2.1. Mandado de Injunção: Conceito e Características. 2.2. Sentença e Teorias sobre a Aplicabilidade do Mandamus. 2.3. Nova Lei do Mandado de Injunção. Considerações Finais.
PROBLEMATICA INICIAL
Não é recente a ideia segundo a qual ao Estado incumbe gerir os direitos dos indivíduos. Desde o seu nascedouro, ele avocou para si o poder de dizer o direito, por conseguinte retirando uma parcela de alguns direitos dos particulares, sempre em prol do coletivo.
Para bem e fielmente exercer seus misteres, difundiu-se a ideia de que o Estado deve cindir-se em órgãos de competência, denominados Poderes. Assim, um ficaria com atribuições precípuas (isto é, típicas) de legislar, outro de administrar e outro de julgar.
Sobremais, é ultrapassada a ideia segundo a qual ao Estado incumbe apenas abster-se, a fim de não lesar os particulares. Com efeito, entende-se que a ele incumbe uma obrigação de fazer, consistente em promover melhorias na qualidade de vida dos indivíduos.
Entretanto, o que se nota é que os setores do Estado, incumbidos de determinadas atividades, notadamente as de legislação e regulamentação, encontram-se omissos, relegando diversos direitos para a coletividade, que fica literalmente desamparada.
Nesse contexto, baseado no fato de que a divisão é meramente de competência, bem como que incumbe ao Estado, como um todo, bem tratar sua população, os deveres legislativos e regulamentares de um poder vem sendo colmatados por outro, aquele a quem incumbia, inicialmente, tão somente julgar.
É nesse contexto que surge o ativismo judicial. Sobre isso, o Supremo Tribunal Federal sempre teve uma posição muito conservadora, porém nos últimos anos tem evoluído no sentido de conceder de plano o direito pleiteado pelo particular lesado por uma omissão legislativa.
Com o surgimento da nova lei do mandado de injunção, a sistemática manteve-se praticamente a mesma, sempre com o intuito de manter hígido o Estado Social, mas respeitando a Separação dos Poderes. A seguir, veremos em que medida essa sistemática manteve-se, além de analisarmos se houve ou não um verdadeiro reconhecimento, por parte do legislador ordinário, de sua desídia e mora nas suas atividades típicas, tudo sob o método dialético.
1. O ATIVISMO JUDICIAL COMO NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DE DIREITOS A UMA PRESTAÇÃO POSITIVA DO ESTADO
1.1. Direitos Sociais e sua Implementação
Logicamente, antes de adentrar no busílis do presente trabalho, vale a pena, porque necessário, tecer algumas breves considerações sobre o que é e como se desenvolveu o ativismo judicial, bem assim seu papel na implementação de direitos que exigem um facere do Estado.
Os direitos humanos fundamentais exsurgiram em civilizações antigas, porém seu surgimento se deu de forma pungente na idade média, quando imperava o Estado absoluto. Seu surgimento se deu por intermédio de institutos criados para limitar o poder deste Estado. Eram movimentos denominados constitucionalismo, presente através de expoentes como John Locke, Jean Jacques Rosseau, Immanuel Kant e Montesquieu, especialmente este último, com a criação da teoria da separação dos poderes.
Com isso, surgiram-se direitos de cunho negativo, non facere, com o condão de impor uma prestação negativa ao Estado, consubstanciada em não violar a esfera física ou íntima de um indivíduo. Nascem, então, os direitos humanos da liberdade, igualdade e fraternidade.
Assim, releva notar que o surgimento dos direitos fundamentais foi, a priori, neutralizar ações violadoras do Estado, visando resguardar a integridade do cidadão. Entretanto, a evolução social demonstrou que ao Estado não se podia apenas exigir uma prestação negativa. Direitos foram se tornando necessários à medida em que uma vida digna foi sendo tida por imprescindível. É nesse contexto que surgem os direitos fundamentais positivos ou de segunda geração, visando garantir aos cidadãos Moradia, Trabalho, Saúde, Educação, Assistência Social, etc.
Os direitos sociais tiveram como principal marcos em sua evolução, a Constituição do México de 1917, a Revolução da Rússia de 1918, a Constituição de Weimar na Alemanha em 1919, vindo assim, a serem garantidos com isso aos cidadãos os direitos sociais ou mínimos existencial, para que possam viver com dignidade no seio social. (BEURLEN, 2007, p. 193)
Esses direitos encontram-se previstos na Constituição Federal, cujo art. 6º está assim redigido, verbis:
“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Para Pedro Lenza, em sua obra Direito Constitucional Esquematizado, os direitos sociais são assim definidos:
“Assim, os direitos sociais, direitos de segunda dimensão, apresentam-se como prestações positivas a serem implementadas pelo Estado (Social de Direito) e tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida, estando, ainda, consagrados como fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1.º, IV, da CF/88).” (LENZA, 2017, p. 1022)
Esses direitos, como bem se mencionou acima, são aqueles de segunda geração, haja vista representarem uma atuação positiva do ente estatal. São, por excelência, permissivos de um mínimo de dignidade possível, resultante do dever daquele ente de garantir a subsistência da sua população, seus interesses básicos, como contraprestação do pagamento de tributos.
É inegável, nesse rumo, a característica programática dos direitos fundamentais sociais, carecendo, por isso, de complementações pelo Legislativo e pelo Executivo; este, implementando políticas públicas que promovam bem estar e respeitem a dignidade humana; aquele, elaborando e aprovando projetos de lei para tal efetivação destes direitos sociais pelo Executivo, em atenção ao mínimo existencial que deve permear toda a atividade estatal.
1.2. Da Mora dos Poderes Legislativo e Executivo e o Crescimento do Poder Judiciário com a Constituição Republicana de 1988
No entanto, o que se contata hodiernamente é um completo abuso e negligência de ambos os Poderes, tanto no que tange à aprovação de leis, quanto à implementação efetiva de políticas públicas, quando se tem ciência de que o Brasil é o país que tem a maior carga tributária da América Latina e do Caribe (Nakagawa, 2017).
Segundo FERRAZ JUNIOR (2008, p. 235), é implícita a delegação de responsabilidades pelo Legislativo ao Judiciário quando aquele deixa de propor, editar ou regulamentar matéria de seu interesse. A inércia, assim, é causa de transferência de atribuições.
Para o bem da sociedade, não restou outra alternativa ao Poder Judiciário do que intervir para determinar a esses Poderes inertes que concretizem os direitos fundamentais sociais. Tal intervenção se dá em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, atento à natureza jurídica de aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais (Constituição Federal, art. 5º, §1º).
É exatamente aqui onde surge o ativismo judicial. Com efeito, a magistratura, após as atribuições conferidas pela Constituição Federal de 1988, viu seu poder expandindo-se, mudando completamente o comportamento da função judiciária dantes. (ARAGÃO, 2012, p.55)
O Poder Judiciário, com a promulgação da Constituição Republicana, tem sido constantemente instado a resolver problemas constantes de políticas públicas e atos legislativos deficientes, em razão, sobremais, da negligência das instituições estatais, das atitudes inconstitucionais, do desrespeito a metas programáticas constitucionais.
Logo, podemos afirmar que o Poder Judiciário brasileiro tem assumido papel de poder legislador e implementador de políticas públicas. Não raramente, temas polêmicos e desafiadores são debatidos no seio do Supremo Tribunal Federal, como resultado da legitimação constitucional do Judiciário. Àquele Órgão, por exemplo, são submetidas questões amplas, a exemplo de pesquisas com células tronco-embrionárias, direito de greve dos servidores públicos, união homoafetiva, dentre outras, mas todas sempre implementando ou colmatando ou equívocos cometidos pelos Poderes originariamente competentes.
1.3. Ativismo Judicial: Breves Considerações
No presente item, buscaremos trazer breves digressões teóricas sobre o ativismo judicial. E, quando aludimos a “breves”, estamos dizendo que o cerne deste trabalho não é especialmente o ativismo judicial em si ou seus meandros, assim como também não é de esgotá-lo em sua teoria, mas um tema específico dele, devidamente reconhecido pelo Poder Legislativo.
Pois bem.
Por todo o exposto até o presente momento, ficou claro que o ativismo judicial representa a ingerência constitucional do Poder Judiciário nas atribuições dos outros Poderes, ou, melhor, na implementação dessas atribuições, sempre com o desiderato de promover os valores e objetivos previstos na Constituição. Sua atribuição ocorre na declaração de inconstitucionalidade de normas originárias do Poder Legislativo, na determinação de condutas positivas ao Poder Publico, tudo derivado de interpretações da Constituição.
O Ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, à época da posse do também Ministro Gilmar Mendes na Presidência do Órgão, proferiu um discurso com teor irrepreensível, senão o compreendamos:
“Práticas de ativismo judicial, Senhor Presidente, embora moderadamente desempenhadas por esta Corte em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade. A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” (MELLO, 2012)
A formação do conceito de ativismo judicial surge como conotação negativa, no contexto histórico-político de autores como Habermas, o qual citado por Marcelo Casseb CONTINENTINO (2007, p. 230) aduz que o Poder Judiciário deve verificar se se cumprem os deveres e procedimentos democráticos previstos na Carta Magna, “sin assumir él mismo el papel del legislador político”. Entretanto, é preciso que se desmistifique que todo ativismo judicial é necessariamente indevido ou prejudicial à população.
O que não é crível, tampouco admissível, é um Poder Judiciário acovardado, absolutamente inerte diante das mazelas perpetradas pelos Poderes que, em tese, teriam condições de concretizar os direitos fundamentais dos indivíduos. Exsurge, assim, como um verdadeiro herói.
A antítese do ativismo é exatamente a denominada “autocontenção”, comportamento advindo do próprio Poder Judiciário, que delimita sua própria atuação, a fim de não extrapolar os limites constitucionais. Recentemente, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, máxime unificador da jurisprudência infraconstitucional delimitou os conceitos do chamado “mérito administrativo”, para dizer até onde deve chegar o julgador. Achamos de bom alvitre a transcrição ipsis litteris da ementa, com a supressão de temas irrelevantes, para não alongarmo-nos:
“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. EXTINÇÃO DA PRETENSÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. ART. 267, VI, DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE RISCO DE DESLIZAMENTO DE ENCOSTAS. PRETENSÃO DE IMPLANTAÇÃO E EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS REPRESSIVAS E PREVENTIVAS AOS DESLIZAMENTOS DE ENCOSTAS DE ÁREAS QUE APRESENTEM RISCO GEOLÓGICO. LEI N. 12.340/2010
1. Recurso especial em que se discute a falta de interesse de agir em ação civil pública cujo objeto é a implementação de políticas relacionadas à repressão e prevenção de deslizamentos de encostas de áreas que apresentem risco geológico.
2. Hipótese em que, ajuizada ação civil pública pelo Ministério Público Estadual, as instâncias de origem entenderam não haver interesse de agir na demanda, porquanto não demonstrada a omissão por parte do Poder Público.
3. Reconheceu-se, nos autos, que o Município do Rio de Janeiro tem adotado várias medidas para mitigar os riscos geológicos de diversas regiões da cidade. Tais medidas estão previstas no §2° do art. 3°-A da Lei n. 12.340/2010. Desconstituir as premissas fáticas do Tribunal de origem, conforme pretende a parte recorrida, encontra óbice da Súmula n. 7 desta Corte Superior.
4. A sindicabilidade judicial sobre atos do Poder Executivo deve limitar-se, inicialmente, à verificação do cumprimento dos princípios da legalidade, legitimidade, devido processo legal, moralidade, proporcionalidade e razoabilidade. Em regra, é inviável que o Poder Judiciário aprecie o mérito de políticas governamentais. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.479.614/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015.
5. Conquanto se cuide de urgente necessidade de efetivação de políticas de contenção e prevenção de calamidades públicas, é razoável que se espere dos Entes Políticos responsáveis a continuidade da implementação das medidas cabíveis sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
Recurso especial improvido (Grifo nosso) (Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.518.223/RJ. Rel. Min. Humberto Martins. Julgamento em 09 de junho de 2015)”
Nota-se, assim, que o ativismo judicial é uma realidade no Brasil. Advindo de competências outorgadas pela Constituição Federal, os juízes e tribunais aplicam a melhor interpretação à lei para determinar a promoção e realização de políticas públicas em favor dos carentes.
2. A NOVA LEI DO MANDADO DE INJUNÇÃO E O RECONHECIMENTO DA OMISSÃO LEGISLATIVA E EXECUTIVA
Adredemente, vimos ser competência dos Poderes Legislativo e Executivo a criação e a implementação de políticas públicas, abstrata e concretamente, em prol da população, resultante do Estado Social em que vivemos, bem como que ao Judiciário é dado agir, em caso de omissão inconstitucional.
Em tópicos vindouros, veremos como esse ativismo judicial se desenvolveu e se desenvolve no contexto do remédio constitucional denominado “Mandado de Injunção”, destinado exatamente a resguardar direitos negligenciados pelos poderes da república.
2.1. Mandado de Injunção: Conceito e Características
O Mandado de Injunção é um remédio constitucional destinado a qualquer pessoa que se sinta lesada pela falta de norma regulamentadora que inviabilize o exercício de direitos, liberdades e garantias constitucionais. A preocupação, assim, é conferir efetiva aplicabilidade ao texto constitucional, para que não durma em berço esplêndido diante da inércia do legislador ordinário.
Sua previsão decorre do art. 5º, inc. LXXI, da Constituição Federal, verbis:
“LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora tome inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;”
Nesse caso, as normas constitucionais que carecem de regulamentação, total ou parcial, pelo legislador infraconstitucional denominam-se “normas de eficácia limitada”, dentro da classificação denominada pelo jurista José Afonso da Silva e amplamente aceitas pela doutrina e jurisprudência.
A impetração do mandamus pode ocorrer por qualquer do povo ou coletividade, sendo um processo eminentemente subjetivo, id est, destinado a expor a vulneração a direito individual ou coletivo (referente a uma classe), tendo efeitos inter partes, diferentemente da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, em que o processo é objetivo e fulcrado numa violação de difuso, por isso mesmo tendo legitimados diversos (Presidente da República, Procurador-Geral da República, Mesa do Senado Federal, etc.).
A legitimidade passiva, noutro giro, é da autoridade que está efetivamente vulnerando as liberdades e os direitos do cidadão, representada, aqui, pelo órgão ou Poder a quem incumbe a edição da lei tida como omissa, verbi gratia, Congresso Nacional e Assembleias Legislativas.
Resumidamente, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p. 218) expõe com maestria:
“São, portanto, três os pressupostos legais do mandado de injunção:
a) falta – total ou parcial – de norma regulamentadora de um preceito constitucional de natureza mandatária;
b) inviabilização, para o impetrante, do exercício de um direito ou liberdade constitucional, ou prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania, decorrente (a inviabilização) dessa falta da norma regulamentadora; e
c) o transcurso de razoável prazo para a elaboração da norma regulamentadora, sem que ela seja editada. (PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 217)”
A competência está ligada diretamente ao órgão legiferante, a saber: a) Supremo Tribunal Federal: quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores ou do próprio STF (CF, art. 102, I, “q”); b) Superior Tribunal de Justiça: quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do STF e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal (CF, art. 105, inc. I, “h”);
Até meados do ano de 2016, o procedimento desse remédio constitucional era feito ora por analogia à Lei do Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/09) ora por analogia à Lei das ADIs (Lei n. 9.868/99), bem como, intensamente, pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Hodiernamente, após quase três décadas de omissão legislativa na edição de lei regulamentando o Mandado de Injunção (parece irônico, omissão de um remédio para suprir omissões…), o Congresso Nacional finalmente editou a Lei Federal n. 13.300/16, trazendo em seu bojo a possibilidade tanto de MI individual quanto coletivo, podendo este ser agitado por pessoa jurídica que se ache ofendida por negligência regulamentar.
Além de efetivamente regulamentar o instituto, a nova Lei do Mandado de Injunção trouxe consigo inovações que, em sua imensa maioria, refletem o entendimento jurisprudencial, mormente no que tange à natureza jurídica da sentença de procedência: é o que veremos no tópico a seguir.
2.2. Sentença e Teorias Sobre a Aplicabilidade do Mandamus
Questão importante no Mandado de Injunção é saber sobre a parte final do seu procedimento, qual seja, a sentença, assim como os efeitos que irradiam dela. Em outras palavras, faz-se imperioso conhecer se o Judiciário assume uma postura passiva ou ativa diante da falta de norma regulamentadora.
Antes da edição da Lei Federal n. 13.300/16, doutrina e jurisprudência oscilavam sobre qual tese seria aplicada, em caso de procedência dos pedidos do mandado de injunção, se de natureza concretista ou não concretista, a depender da efetiva “concretização” do direito ou não pelo órgão julgador.
Tal celeuma se deu, frise-se, devido à mora do legislador em editar uma lei regulamentando o remédio constitucional, fazendo com que os tribunais competentes (e, em alguns casos, até o mesmo tribunal) oscilasse no resguardo dos direitos do postulante com maior ou menor eficácia.
Entendemos de bom alvitre trazer os ensinamentos do mestre Pedro Lenza, o qual, em sua obra, assim expõe de forma ímpar:
“■ posição concretista direta: a concessão da ordem no MI “concretiza” o direito diretamente, independentemente de atuação do órgão omisso, até que a norma constitucional venha a ser regulamentada. A decisão vale ou para todos (geral) e, nesse caso, terá efeitos erga omnes, ou para um grupo, classe ou categoria de pessoas (coletivo), ou apenas para o impetrante, pessoa natural ou jurídica (individual);
■ posição concretista intermediária: julgando procedente o mandado de injunção, o Judiciário fixa ao órgão omisso prazo para elaborar a norma regulamentadora. Findo o prazo e permanecendo a inércia, o direito passa a ser assegurado para todos (geral), para grupo, classe ou categoria de pessoas (coletivo) ou apenas para o impetrante, pessoa natural ou jurídica (individual);
■ posição não concretista: a decisão apenas decreta a mora do Poder, órgão ou autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora, reconhecendo-se formalmente a sua inércia. (LENZA, 2016, p. 1269-1270)”
Parte da doutrina entendia, por exemplo, que a adoção de critérios pelo Judiciário “deve ser analisada com muito cuidado, haja vista a impossibilidade de que o Poder Judiciário determine ao legislador o dever de atuar, diante da independência imposta entre os poderes”, como bem pontuou CARVALHO (2017, p. 412).
Essa é a posição não concretista, pela qual incumbiria, sob pena de vulneração à Separação dos Poderes, apenas e tão somente ao julgador declarar a mora do legislador e condená-lo a supri-la. Natureza declaratória e condenatória, pois.
Essa posição não concretista sofre críticas de outra parte da doutrina, a exemplo de José dos Santos Carvalho Filho, para quem havia uma supressão da “eficácia e da praticidade da decisão, e, de outro lado, dificultaram a tutela dos bens jurídicos que a Constituição pretendeu preservar, prejudicando bastante os titulares de direitos constitucionais impossibilitados de seu exercício” (CARVALHO FILHO, 2017, p. 592)
A verdade é que, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, as divergências também pairavam, fato que culminava com decisões não unânimes. Desde a vigência da Constituição Federal, aquele Tribunal tem julgado diversos mandados de injunção supedaneado na tese não concretista – limitado apenas à constituição de mora legislativa.
Embora predominasse a posição não concretista[1], no julgamento do MI nº 232[2], verificou-se uma evolução positiva de orientação, eis que, ao apreciar pedido de entidade beneficente da assistência social – EBAS, fixou prazo de seis meses para edição do ato normativo faltante, sob pena de, ultrapassado o prazo, o postulante passar a gozar da imunidade pretendida (posição concretista individual intermediária).
No ano de 2007 a questão mudou: foi prolatada uma decisão na qual se garantia diretamente o exercício do direito. O caso tratava de uma servidora pública, com 25 anos de serviço em atividade insalubre (enfermeira de fundação hospitalar), o direito à aposentadoria especial prevista no art. 40, § 4º, da CF – direito esse que não podia exercer pela inércia do Poder Público em regulamentar o dispositivo por meio de lei complementar, tal como nele previsto[3].
A decisão, sem dúvida, constituiu um avanço na aplicação dessa ferramenta jurídica, de modo que, após esse leading case, o Excelso Tribunal passou a adotar a posição concretista na modalidade individual, atribuindo-lhe efeitos inter partes, circunscrevendo-se à relação jurídica travada no processo judicial.
Mais tarde, em ações como os MIs 670[4], buscando assegurar o direito de greve para seus filiados, tendo em vista a inexistência de lei regulamentando o art. 37, VII, da CF/88, a Corte decidiu, à unanimidade, declarar a omissão legislativa e, por maioria, determinou a aplicação, no que couber, da lei de greve vigente no setor privado, Lei n. 7.783/89. Além disso, o STF evoluiu, atribuindo-lhe eficácia erga omnes, pelo que sua aplicação se circunscreveria não mais às partes envolvidas no processo, como também a todos os que se encontrassem naquela situação jurídica: dava início, aquela Corte, à fase de adoção da teoria concretista geral.
Nota-se, dessa forma, que o STF se afastou de sua posição adotada inicialmente, a não concretista, perpassando pela concretista individual e culminando ao outro lado do iceberg, a tese concretista genérica. Sua posição, firmada introdutoriamente, apenas declarando a existência da mora legislativa, alterou para a própria edição de norma regulamentadora especifica, de forma analógica, ou seja, regulamentou-se provisória o direito.
Uma vez colmatando a norma faltante, o STF deu uma guinada na jurisprudência que até o momento seguia, acabando por incrementar seu âmbito de competência ao tomar típica função de Legislativo – criação de normas regentes da vida em sociedade, exercendo, demais disso, uma função eminentemente política, judicializando função, até então, estranha.
Fixou, aquele Tribunal, o posicionamento de que o Judiciário não só pode como deve exercer atividades políticas, diante do cenário de evolução do Estado Liberal para o Estado Social. Este Poder teve que assumir postura mais ativa para garantir a concretização dos direitos, representando o já falado ativismo judicial.
É verdade que inicialmente a mais alta Corte do país pretendia não interferir no campo legislativo. Ocorre que, a intenção do constituinte ao prever o mandado de injunção não é outra senão usá-lo como um instrumento de proteção aos direitos e liberdades constitucionais, e o mero reconhecimento pelo Legislativo da ausência da norma não se prestava para resolver o problema.
Esclarecida a divergência doutrinária e jurisprudencial, bem como qual posição atualmente prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a seguir veremos em que termos a nova Lei do Mandado de Injunção trouxe essa sistemática dos efeitos da decisão.
2.3. Nova Lei do Mandado de Injunção.
A Lei Federal n. 13.300/06 seguiu linha de entendimento parecida com o já aplicado na jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal, no sentido de dar efetividade ao direito da parte, sôfrego pela negligência do Poder Legislativo. Vejamos a seguir o que dispõe o art. 8º, verbis:
“Art. 8º – Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para:
I – determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora;
II – estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado.
Parágrafo único. Será dispensada a determinação a que se refere o inciso I do caput quando comprovado que o impetrado deixou de atender, em mandado de injunção anterior, ao prazo estabelecido para a edição da norma.”
Para a unanimidade da doutrina pátria, o legislador ordinário optou pela posição concretista intermediária, sendo então mais conservador do que as decisões do STF, ao menos em regra (MORAES, 2017, p. 142). Permite-se, assim, primeiro, ao órgão legislativo, o suprimento da omissão, quando, ao se constatar sua mora mesmo após informado, sobrevirá decisão judicial concretizadora do direito fundamental violado. Tal posição foi idealizada pelo ex-Ministro do STF Néri da Silveira.
Ademais, ressalte-se que tal decisão terá eficácia inter partes, salvo quando, nos termos do §1º do art. 9º, o órgão julgador decidir pelo efeito erga omnes, “quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração”.
No entanto, não se pode dizer ter havido regressão, tampouco incoerência, se compararmos a Lei multicitada com as decisões do Supremo Tribunal Federal. Neste ponto, segue a logicidade de dar a quem de direito (Legislativo) a oportunidade de suprir a mora. Só então, quando descumprido o prazo dado, é que serão tomadas as medidas concernentes à satisfação do direito malferido. Adequa-se a necessidade de implementação do direito postulado com o Princípio da Separação dos Poderes (BARROS, 2017, p. 328).
Sobre isso, releva notar que o legislador ordinário, querendo ou não, reconheceu sua própria desídia ao positivar a posição concretista aplicada pelo STF. Elogie-se, contudo, o fato de se importar com a colmatação do direito omisso pela legislação, pelo que delega ao órgão jurídico tal decisão.
O ativismo judicial, neste ponto, foi devidamente reconhecido pela legislação pátria, ao se permitir que outro órgão, com funções típicas de julgar, possa exercer verdadeira e típica atividade legislativa (a sentença como norma entre as partes), até mesmo com poderes normativos gerais e abstratos.
Questão importante dessa avocação de atribuições pelo Judiciário diz respeito à lentidão do Poder Legislativo. É inegável a morosidade do para produzir a legislação esperada pela sociedade e tão pedida pelos fatos sociais, resultando daí a inafastabilidade jurisdicional (CF, art. 5º, inc. XXXV[5]), com o intuito de solucionar os problemas que exigem soluções prestativas e rápidas. Afinal, até a própria lei que regulamenta o remédio sobre omissões legislativas demorou quase 30 anos para sair do Congresso…
Além disso, as questões objeto de debate e regulamentação se valem da jurisprudência, uma vez que esta é suscetível a uma adaptação mais rápida de acordo com os anseios da sociedade, posto que de maior facilidade de mutação para se adequar a vida em sociedade (PEREIRA, 2017, p. 66).
Mauro Cappelletti (1993, p. 16), disserta muito bem sobre o possível exercício do controle jurisdicional sobre os demais poderes, de modo que também analisa a análise da construção jurisprudencial e criação do Direito por meio da interpretação judicial. Para ele, o fenômeno é de excepcional importância, não restrito ao campo do direito judiciário, e sim refletindo mais amplamente o crescimento da atividade estatal. Assim, a expansão do judiciário nada mais seria do que uma decorrência do aumento da atividade desenvolvida no âmbito dos outros Poderes.
O citado autor (CAPPELLETTI, 1993, p. 20) ainda explica que o fenômeno da sobreposição do Judiciário decorre de um contrapeso dentro do sistema democrático, decorrente do aumento das atividades do Estado nos últimos anos, mais conhecida dentre nós como checks and balances.
Esse argumento é relevante na medida em que, hoje em dia, o Poder Judiciário está mais acessível do que o Legislativo, o que faz com que a sociedade demande mais atividade daquele Poder, por meio de um pronunciamento judicial. A insatisfação social gera mais atividade judicial, que por sua vez é geradora de maior quantidade de processos judiciais.
Nesse aspecto, Ives Gandra da Silva Martins (2012, p. 7), ao tratar da questão do ativismo judicial, sublinha o respeito e a confiança que a sociedade tem nos membros do Poder Judiciário, os quais demonstram coragem e dignidade suficientes para bem julgar o que lhes é posto, no que diz respeito à violação de direitos dos cidadãos. Tal confiança, segundo ele, que, em tese devia ser depositada nos demais Poderes (políticos), é confiada ao Judiciário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo o que foi exposto, pedimos licença para nos manifestar no sentido de que o Brasil ainda está em evolução, por isso mesmo se encontrando muito aquém no que concerne ao resguardo dos direitos fundamentais sociais mais basilares dos indivíduos.
Na sua grande maioria, tal retrocesso se deve ao poder político, neste particular referindo-nos ao Poder Legislativo, incumbindo, com isso, a intervenção do Judiciário visando garantir à população brasileira ao menos o mínimo existencial, a dignidade da pessoa humana, consoante comando constitucional do art. 1º, inc. III.
Deveras, tal atitude do Judiciário não malfere o princípio da Separação dos Poderes, tampouco qualquer outro princípio da Constituição Federal, pois o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, bem como estará ele aplicando os direitos e garantias fundamentais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, que é um fundamento constitucional. Mais relevante, em uma escala de ponderação de interesses, é a vida, a saúde, educação, moradia, entre outros direitos.
Logo, é indubitável que a intervenção do Poder Judiciário nessas questões sobre a efetiva aplicabilidade dos direitos sociais, em especial os vulnerados e atacados por meio do mandado de injunção, porque se permanecer a situação dos não concretistas, como querem os políticos, parte da doutrina e da jurisprudência, é o mesmo que voltarmos para o período absolutista.
Entendemos, nessa esteira de raciocínio, que o Poder Legislativo agiu com firmeza e pensando no bem coletivo, ao positivar a possibilidade de o Judiciário intervir mais efetivamente, na nova lei do mandado de injunção, garantindo e aplicando os direitos fundamentais sociais no caso concreto.
Entretanto, um acerto não justifica todos os erros, pelo que ainda entendemos máxime importante que o Poder Legislativo desça em si e entenda que, como poder político (e não eminentemente jurídico, como o é o Judiciário), deve ouvir e atender aos anseios da sociedade.
Coach, graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Tiradentes, Advogado, Procurador do Município de Nossa Senhora do Socorro-SE, Pós-Graduado em Ensino Superior Jurídico e em Direito Previdenciário, atualmente cursando o doutorado em Direito Constitucional na Universidade de Buenos Aires – UBA
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