Resumo: O artigo analisa a possibilidade de aplicação analógica do recurso adesivo, cuja previsão consta do Código de Processo Civil, no âmbito do Direito Processual Penal. Para tanto, enceta-se com um estudo sobre os meios de impugnação das decisões judiciais, perpassando pelo conceito de recurso e sua diferenciação com as ações autônomas de impugnação. Em seguida, analisa-se o recurso adesivo e seus conceitos, sua natureza jurídica bem como alguns requisitos de admissibilidade dessa forma especial de recurso. Estuda de forma meticulosa a possibilidade de aplicação do recurso adesivo no processo penal. Ao final, apresenta-se uma conclusão circunstanciada sobre o tema, destacando a possibilidade de aplicação do recurso adesivo no processo penal por meio da analogia, convocando-se a doutrina e a jurisprudência a traçarem as características e respectivas adaptações à realidade do sistema recursal penal.
Palavras-chave: recurso adesivo – aplicação – processo penal
Sumário: 1. Introito. 2. Meios de impugnação das decisões judiciais. 2.1. Conceito de recurso. 2.2. Recurso adesivo. 3. A analogia como método de aplicação do direito. 4. Considerações sobre o artigo 3º do Código de Processo Penal. 5. A possibilidade de aplicação do recurso adesivo no processo penal por meio da analogia. 6. Considerações finais.
1 INTRÓITO
O trabalho pretende analisar a possibilidade de aplicação do recurso adesivo, cuja previsão está no Código de Processo Civil, no Direito Processual Penal. Não se pretende, com essa pesquisa, apresentar qualquer sugestão de projeto de lei para criação do instituto do recurso adesivo no Código de Processo Penal (CPP) vigente, mas tão somente convocar a comunidade jurídica para uma discussão quanto à possibilidade de aplicação do recurso adesivo no processo penal.
O atual Código de Processo Penal não traz previsão legal para aplicação do instituto do recurso adesivo, mas permite em caso de lacuna da lei que o exegeta utilize-se do instituto da analogia. Com efeito, no próprio CPP, em seu artigo3º, caput, consta: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”. Nesse sentido, indaga-se: sob o enfoque da analogia enquanto método integrador no processo penal, haveria possibilidade de utilização do recurso adesivo?
Para responder a tal questionamento, a presente pesquisa será organizada em três capítulos. Num primeiro momento buscou-se analisar os meios de impugnação das decisões judiciais. Ato contínuo analisou-se o instituto da analogia como método integrativo da norma, de modo a situar o leitor em relação aos conceitos e objetivos desse método para o aplicador do direito dentro da constatação das lacunas da lei. Num terceiro momento apresentou-se, de modo sucinto, o sistema recursal penal atual e foram enumeradas as espécies recursais vigentes, com destaque para a possibilidade de aplicação do recurso adesivo no Direito Processual Penal.
A verificação/análise da viabilidade da aplicação analógica do recurso adesivo no processo penal é feita de modo metodologicamente teórico, a partir de um corte epistemológico da teoria geral dos recursos, das fontes integrativas do processo penal e dos da dogmática processual.
2 MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
Cumpre esclarecer, inicialmente, que, segundo Jorge (2010), a necessidade de impugnar determinada decisão judicial decorre da possibilidade de erro em sua prolação, da natureza humana de não se conformar com decisões desfavoráveis e da necessidade da rápida solução dos litígios. Em nosso ordenamento pátrio, podemos impugnar as decisões judiciais lançando mão dos recursos e das ações autônomas de impugnação[1].
De forma sintética, uma vez que abordaremos esse assunto no próximo subitem com mais exatidão, recurso pode ser conceituado como meio de impugnar, dentro de um mesmo processo, uma determinada decisão judicial proferida, ou seja, não se estabelece nova relação processual.
“Recurso, como já vimos, é o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna. A nota distintiva do recurso reside no aspecto de que o recurso é uma extensão do próprio direito de ação exercido no processo, ou seja, recurso é impugnativa dentro da mesma relação jurídica processual”[2].
Embora exista alguma proximidade entre o recurso e a ação autônoma de impugnação, os institutos não se confundem. De fato, o segundo tem o condão de inaugurar nova relação jurídica processual, enquanto o primeiro apenas prolonga a relação processual já instaurada.
2.1 CONCEITO DE RECURSO
Na doutrina encontra-se a seguinte definição de recurso:
“Em linguagem jurídica a palavra recurso é usualmente empregada num sentido lato para denominar todo o meio empregado pela parte litigante a fim de defender o seu direito, como, por exemplo, a ação, a contestação, a exceção, a reconvenção, as medidas preventivas. Nesse sentido diz-se que a parte deve recorrer às vias ordinárias, ou deve recorrer ao processo cautelar, ou deve recorrer à ação reivindicatória etc.
Mas, além do sentido lato, recurso em direito processual tem uma acepção técnica e restrita, podendo ser definido como o meio ou remédio impugnativo apto para provocar, dentro da relação processual ainda em curso, o reexame de decisão judicial, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter-lhe a reforma, invalidação, esclarecimento ou integração”[3].
Resta clarividente que o traço característico do recurso, que não se confunde com as ações autônomas de impugnação, é a continuidade da relação processual já instaurada. Os recursos, com efeito, podem ser diferenciados das ações autônomas de impugnação pelo fato de que estes apenas prolongam uma relação jurídica processual já existente, impugnando certa decisão proferida antes de ocorrer o seu trânsito em julgado, enquanto naquelas ocorre justamente o inverso, ou seja, por meio de uma nova ação, é impugnada uma decisão judicial já transitada em julgado[4].
Diferente não é o orientação de Nelson Nery Junior, que traz como traço diferenciador desses dois meios/instrumentos de impugnação às decisões judiciais o fato de que os recursos são utilizados contra decisões não transitadas em julgado (os recursos retardam os efeitos da preclusão e/ou da coisa julgada), dentro da mesma relação processual; e as ações autônomas são aviadas em face de decisões revestidas do fenômeno da coisa julgada (NERY JUNIOR, 2000).
Recursos são, portanto, meios para impugnar uma determinada decisão judicial, ainda não transitada em julgado, visto que não podem ser utilizados contra decisões acobertadas pelo manto da coisa julgada.
2.2 O RECURSO ADESIVO
O recurso adesivo é uma forma especial de interposição de determinados recursos, regulamentado em nosso ordenamento pelo artigo 500 do CPC. Tal modalidade de interposição de recurso não existia no CPC/39, surgindo apenas com o Código Buzaid de 1973. E o que vem a ser o recurso adesivo. Na doutrina colaciona-se a seguinte orientação:
“Dessa forma, podemos conceituar o recurso adesivo como o recurso interposto pelo recorrido contra o recorrente principal, após a fluência do prazo comum, com a finalidade de obter o reexame, pela superior instância, da parte da decisão que lhe seja desfavorável”[5].
Cheim Jorge (2010) atribui ao conceito de recurso adesivo a característica da sucumbência recíproca, ao entender que é uma forma de interposição de recursos que poderá ser escolhida pela parte parcialmente vitoriosa no julgamento da lide, que em um primeiro momento não apresentou recurso principal, mas resolveu interpor seu recurso ao ser informado do recurso aviado pela outra parte.
Fica evidente que, em caso de sucumbência recíproca, ou seja, as partes são ao mesmo tempo vencedoras e vencidas, poderá ser utilizado o recurso adesivo, que é aquele interposto contra o recurso principal da outra parte, decorrido o prazo comum para impugnar, ficando seu reexame subordinado à admissibilidade do principal.
O recurso adesivo, diferente do que ocorre em outros sistemas recursais estrangeiros, não possui em nosso ordenamento pátrio status de espécie recursal, sendo apenas uma forma especial de interposição das espécies recursais já estabelecidas, não constituindo um recurso-tipo.
Orione Neto (2009), por sua vez, acertadamente pontua que, diferentemente do sistema recursal venezuelano, que estabelece duas espécies de recurso de apelação (principal e adesivo), no sistema pátrio, o recurso adesivo não é espécie de recurso. A natureza jurídica do recurso adesivo em nosso sistema recursal é de forma especial de interposição de determinados recursos. Assim, certos recursos, como apelação, embargos infringentes, recurso especial e recurso extraordinário, podem ser apresentados/interpostos de duas formas: principal ou adesiva.
Portanto, muito embora o recurso adesivo tenha natureza recursal, não poderá ser considerado como espécie de recurso, pois sua natureza jurídica está relacionada a uma forma especial de interposição dos recursos previstos no artigo 496 do CPC. Dessa forma, não se pode tratar o recurso adesivo como uma espécie recursal, como um recurso-tipo, uma vez que não o é, tendo apenas natureza jurídica de forma peculiar/especial de apresentar determinados recursos já existentes no ordenamento, como os recursos de apelação, de embargos infringentes, especial ou extraordinário.
Para interposição de um determinado recurso de forma adesiva, a parte recorrente deverá observar alguns requisitos de admissibilidade para que seu recurso venha a ser admitido pelo órgão julgador e passe para análise do mérito do recurso. Entre eles, está a subordinação ao recurso principal, no sentido de que o recurso adesivo só será admitido se o recurso principal assim o for. Orione Neto ratifica a importância dessa subordinação:
“O primeiro requisito de admissibilidade do recurso adesivo está na sua subordinação ao recurso principal. Essa subordinação decorre das expressões “fica subordinado ao recurso principal” e “não será conhecido, se houver desistência do recurso principal, ou se for declarado inadmissível ou deserto”, encontradiços no caput e no inciso III do art. 500, respectivamente”[6].
Dessa forma, conhecido o recurso principal, o órgão apreciador também realizará a análise da admissão do recurso adesivo; de modo que, não conhecido o recurso principal, o recurso adesivo também não o será, e, portanto, não passará o julgador para a análise meritória do recurso – sendo essa a característica da subordinação do recurso adesivo ao recurso principal.
Além do elemento subordinação, intrínseco à natureza desse instituto, a parte que optar por apresentar seu recurso na forma adesiva deverá observar o requisito da tempestividade. O artigo 500, I, do CPC vaticinou que o referido prazo é o mesmo que a parte dispõe para responder/contrarrazoar o recurso principal.
Logo, além de o recurso adesivo ficar subordinado à admissão do recurso principal pelo órgão apreciador – vale ressaltar que essa subordinação é referente apenas ao recebimento/admissão do recurso, não ficando de maneira alguma subordinado ao mérito do recurso o principal –, deverá a parte interpor seu recurso adesivo no prazo que dispõe para contrarrazoar o recurso principal.
Outro requisito que deverá ser obrigatoriamente cumprido/verificado pela parte que recorre de forma adesiva, para admissão de seu recurso, é o preparo. Tal requisito é de suma importância para a análise da admissibilidade dos recursos em espécie, não podendo ser tratado o recurso adesivo de forma diversa, uma vez que é apenas forma especial de interposição dos recursos-tipo (para as espécies de recurso previstas no artigo 500, II, do CPC).
Conforme amplamente demonstrado, a parte que escolhe/opta por apresentar o seu recurso adesivo deverá observar uma série de exigências para que venha a ser admitido o seu recurso. Entre essas exigências e questões, está a impossibilidade de aviar seu recurso adesivo quando houver interposto anteriormente seu recurso principal.
Assim, a parte que deseja recorrer adesivamente terá seu recurso subordinado ao recurso principal, ou seja, ao recurso apresentado pela outra parte, e deverá observar, entre outros requisitos, a tempestividade, o preparo e a impossibilidade de interpor recurso adesivo se houver apresentado/interposto recurso principal anteriormente, sob pena de ter seu recurso não admitido pelo órgão apreciador competente, em caso de não cumprimento dessas observâncias.
3 A ANALOGIA COMO MÉTODO DE APLICAÇÃO DO DIREITO
Segundo França (1999), o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil – hoje chamada de Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, segundo nova redação dada pela Lei 12.376 de 2010 – contém a especificação das formas de expressão do direito vinculativo, de modo que apresenta ao magistrado a possibilidade, em caso de omissão da lei, de aplicação da analogia, dos costumes e princípios gerais do direito.
Diferentemente do que ocorre em alguns sistemas jurídicos internacionais, como o Código Português, ao magistrado, no ordenamento pátrio, não é dado o arbítrio para resolver situação omissa da lei (entenda-se: lacunas) com base em norma criada pelo próprio intérprete, devendo utilizar os métodos ofertados pelo próprio sistema, pois indica as fontes supletivas do direito objetivo, como bem anotado por Pauperio:
“Também o novo Código português, em seu art. 10, nº. 3, determina que, quando não é possível aplicar a analogia, se resolva a situação segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houve de legislar dentro do espírito do sistema.
O nosso Código, entretanto, com fundamento no italiano não dá tal arbítrio ao juiz, que deve servir-se, nos casos de lacuna, da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito.
Diante, assim, das lacunas da lei, o nosso juiz ou o nosso intérprete há de servir-se, em primeiro lugar da analogia […]”[7].
Dessa forma, o juiz, ao se deparar com uma omissão legislativa, ou seja, com espaços em branco, lacunas da lei, não deve se esquivar de proferir sua decisão. Deve buscar a solução, de acordo com o artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do direito[8].
Desse modo, a analogia bem como os costumes e os princípios gerais de direito surgem para facilitar que o magistrado possa resolver uma situação em que ordenamento jurídico não previu. Indaga-se, a propósito: qual seria o conceito de analogia?
“O vocábulo analogia deriva do grego ana logon, que significa segundo a razão. É a percepção de uma similitude de valores que justificam uma solução justa dentro do sistema. Na analogia há uma identidade de razão.
A analogia consiste na aplicação ao caso concreto de uma norma que se refere a outra hipótese, mas que guarda com a primeira semelhança, permitindo que o intérprete considere suficiente para que a aplicação esteja justificada, por incorrer em uma e outra hipótese a mesma razão. A grande dificuldade na aplicação analógica consiste, primeiro, em identificar a semelhança das hipóteses e, depois, constatar a mesma razão de decidir dentro do sistema”[9].
Diferente não é o entendimento de Pauperio (1998) quando, ao tratar sobre a analogia em sua obra, pontua que para haver aplicação de tal método integrativo existe a necessidade de estar presente a afinidade de fato e a identidade de razão. Nesse caso, poderá ser utilizada a analogia para que o magistrado possa proferir uma solução justa e satisfatória diante de um determinado caso não previsto na lei[10].
Insta esclarecer que a analogia pode ser classificada em duas categorias: analogia legis, também chamada de analogia legal ou analogia da lei, e analogia iuris, também chamada de analogia jurídica ou analogia de direito. José Oliveira (2006) as diferencia da seguinte forma: a primeira utiliza a aplicação de determinada norma positivada no ordenamento jurídico para uma hipótese em que o sistema não apresentou norma alguma para o caso, mas que, para evitar injustiças ou ausência de uma decisão, aplica uma norma prevista à hipótese não prevista; na segunda classe, não existe norma prevista para resolver o caso lacunoso, devendo o aplicador partir de um conjunto de normas particulares, e não apenas de uma determinada norma, abstraindo-as, para então extrair uma norma geral e aplicá-la ao caso particular, consistindo em procedimento de aplicação dos princípios gerais de Direito.
Muito embora exista uma diferenciação na doutrina entre a analogia legal e analogia jurídica, sendo a primeira hipótese aquela em que o paradigma para o caso lacunoso se encontra em determinado ato legislativo (leia-se lei), e a segunda aquela em que o paradigma é o próprio ordenamento jurídico, não existindo lei específica sobre o assunto, Nader (2007) entende que não existe analogia jurídica, pois a mesma se revela como um aproveitamento dos princípios gerais de Direito, de maneira que não pode ser espécie do gênero analogia, existindo apenas a analogia legis.
Em suma: a analogia pode ser legal, quando o legislador não traz norma expressa e, por isso, se usa norma legislativa existente em uma hipótese similar (não precisa ser idêntica), ou jurídica, quando não há uma norma específica para se utilizar no caso sub judice, ou seja, na ausência total de norma para aquele tema, de modo que o julgador deve extrair uma norma geral/abstrata de outras normas particulares para aplicar ao caso lacunoso, não podendo ser confundida com os princípios gerais do direito, embora seja o entendimento de Nader (2007). Os princípios gerais do direito são instrumentos institucionais e não quase-lógicos como a analogia, segundo a classificação de Ferraz Junior (2007).
Definido o conceito de analogia, enquanto espécie de método integrativo do direito, e diferenciada as duas classes que compõem o gênero analogia, é necessário estabelecer os requisitos a serem observados para que exegeta utilize-se da analogia juris, a que de fato interessa para a presente pesquisa. Seguem os requisitos anotados por França:
“1º) o caso deve ser absolutamente não previsto em lei;
2º) deve existir ao menos um elemento de identidade entre o caso previsto e aquele não previsto;
3º) a identidade entre os dois casos deve atender ao elemento em vista do qual o legislador formulou a regra que disciplina o caso previsto, constituindo-lhe a ratio legis”[11].
4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ARTIGO 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Inspirado na legislação processual italiana, criada em 1930, em pleno regime fascista, o atual Código de Processo Penal brasileiro entrou em vigor em 1941. Cumpre esclarecer que seu princípio fundamental norteador consiste na presunção de culpabilidade, com traços notórios do autoritarismo. A observação desses traços é crucial para entender a previsão e a ausência de determinados institutos no código (OLIVEIRA, E., 2010).
Além de toda base principiológica e inspiração no autoritarismo do regime fascista italiano, o legislador originário, ciente de que a lei admite lacunas uma vez que não consegue cobrir todo o universo de comportamentos, previu, expressamente, no Código de Processo Penal a possibilidade da aplicação de outras fontes supletivas do direito, como interpretação supletiva, analogia e princípios gerais do direito. De fato, o artigo 3º, caput, diz: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.
É oportuno destacar que, para Marques (2000), a admissão da analogia no caput do artigo 3º do CPP revela a tentativa do legislador de evitar no processo as restrições feitas a tal método integrativo no campo do Direito Penal.
Para que não exista futura confusão por parte do leitor quanto aos conceitos de interpretação extensiva, analogia e princípios gerais de direito apontados no caput do artigo 3º do CPP, faz-se necessário tecer breves comentários a respeito de cada um desses métodos de supressão de lacunas.
O primeiro método apontado pelo legislador ordinário no caput do artigo 3º do CPP é a interpretação extensiva, que, segundo Pedroso (1985), se revela como método de interpretação da lei. Na medida em que o caso já está disciplinado na norma, tal método visa a sanar a dissonância entre o texto positivado e o sentido jurídico da expressão, ampliando a compreensão acerca do texto para restabelecer a coincidência entre a norma e o exato significado do preceito.
Aponta, ainda, o legislador ordinário, no caput do artigo supracitado, o instituto da analogia como método que poderá ser utilizado pelo aplicador do direito no processo penal. É válido destacar que é um método integrativo, e não interpretativo como a interpretação extensiva, na medida em que, detectado espaço vazio na lei (lacuna), esse deve ser preenchido, integrando o ordenamento jurídico por meio desse instrumento, segundo Tourinho Filho (2001).
Assim, a analogia sinteticamente pode ser definida como um método de integração da lei, em que, existindo uma lacuna involuntária dessa, deverá ser aplicada ao fato não normatizado uma norma particular que trata de hipótese semelhante, de modo a contribuir para que o aplicador do Direito possa preencher a lacuna ou a obscuridade existente na lei (MIRABETE, 2002).
Pela analogia o aplicador do direito processual penal pode encontrar resposta para diversas situações em que a lei foi omissa, ou seja, deixou espaços vazios/lacunas. Pode-se citar como exemplo, segundo Nucci (2006), a quantidade de testemunhas a serem ouvidas no caso de exceção de suspeição suscitada contra o magistrado. Para o autor, deverá ser utilizada a regra do artigo 407, § único do CPC, que determina três testemunhas para cada fato.
Sobre a aplicação da analogia no processo penal, Tourinho Filho (2001) entende que, no caso de embargos de declaração, embora o CPP não deixe claro se a apresentação do mesmo interrompe o prazo para interposição de outro eventual recurso, deve, por analogia, ser aplicado o disposto no artigo 538 do CPC, segundo o qual o prazo fica interrompido para interposição de outros recursos.
Ainda a respeito da utilização do método analógico no processo penal, Mirabete (2002) aponta diversas outras hipóteses em que o legislador processual penal foi silente, mas que, por analogia, poderá ser aproveitada norma já prevista dentro do sistema processual penal, do sistema processual civil, e outros sistemas:
“Especificamente, o artigo 3º do Código de Processo Penal admite a aplicação analógica. Pode-se citar como exemplo do emprego da analogia, às vezes equivocadamente chamada de interpretação analógica, o cabimento do recurso em sentido estrito nas hipóteses de revogação da prisão preventiva e de concessão da liberdade provisória por analogia com o artigo 581, V, do CPP, na sua antiga redação, referente aos casos de indeferimento da prisão preventiva e relaxamento de prisão em flagrante.
Por analogia com o artigo 296 e respectivos parágrafos do CPC, se tem permitido o direito do indiciado de oferecer contrarrazões em recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público de decisão em que se rejeita a denúncia. Também se permitiu a representação processual de pessoa jurídica por quem estava à frente dos negócios, sem apresentação dos respectivos estatutos, por analogia com a jurisprudência cível”[12].
Embora os dois primeiros métodos apontados pelo caput do artigo 3º do CPP possam parecer semelhantes, muitas vezes confundindo o aplicador do direito no caso concreto, de fato, não se confundem, sendo necessária a sua diferenciação doutrinária. Sobre a distinção entre interpretação extensiva e analogia:
“Poder-se-á diferenciá-las, tendo como ideia basilar o problema da integração do direito. A interpretação extensiva, ao admitir que a norma abrange certos fatos-tipos ainda que implicitamente dentro do espírito da lei (ratio legis), não é considerada como instrumento integrador. A norma possui um cerne significativo e uma zona de penumbra, sendo sua aplicação dentro dos limites dessa zona de penumbra é interpretação. Já na aplicação analógica o juiz terá que ir além do próprio texto legislativo que rege situações típicas, mas que, por razões de similitude, poderia abarcar outras, indo portanto, além dos limites da sua zona de penumbra”[13].
Do exposto, verifica-se que a interpretação extensiva não pode se confundir com a analogia, tendo em vista que a primeira é método de interpretação, que visa a ampliar a zona de aplicação da lei dentro do seu sentido literal, fixando o sentido da lei, e a segunda é método de integrativo, ou auto integrativo, como entende Diniz, na medida em que preenche o espaço deixado pela lei, ou seja, não existe norma contemplando determinada hipótese sub judice, e, com uma norma particular existente para caso semelhante, parte-se da análise comparativa entre os dois casos.
O terceiro método destacado pelo legislador ordinário no caput do artigo supramencionado são os princípios gerais de direito. Os princípios gerais do direito são utilizados pelo aplicador como método de abstração e abrangem todos os princípios postos no ordenamento jurídico e também aqueles que são anteriores e transcendentes ao sistema, segundo entendimento de Cintra, Grinover e Dinamarco (2008).
Os princípios gerais do direito consistem numa espécie de fonte supletiva do direito, podendo ser invocados para preenchimento de lacunas. Para Diniz (1999), todo o conjunto normativo do sistema está pautado em tais princípios, que só devem ser invocados pelo aplicador do direito em caso de existirem lacunas que não possam ser preenchidas por lei, pelo uso da analogia nem pelos costumes, sendo fonte subsidiária utilizada caso os outros meios não consigam resolver.
Importante salientar ainda que, em alguns casos em que a lei processual penal em nada se manifestou quanto aos procedimentos a serem adotados pelo aplicador do direito, em determinadas situações, por analogia, podem ser extraídas as respostas fornecidas por outros sistemas, como o Código de Processo Civil.
5 A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO RECURSO ADESIVO NO PROCESSO PENAL POR MEIO DA ANALOGIA
O recurso é um meio que a parte dispõe para impugnar, voluntariamente, determinada decisão judicial dentro da mesma relação jurídica processual, e o CPP, a partir do seu título II, do livro III, apresenta diversas espécies de recurso, todos com prazo e forma de interposição. No entanto, o legislador originário não trouxe a hipótese do recurso adesivo no texto do CPP, existindo lacuna quanto ao tema.
A ausência de norma expressa no CPP a respeito do tema em questão conduz ao seguinte questionamento: proferida determinada decisão penal – uma sentença, por exemplo – em que as partes são sucumbentes, a parte que em primeiro momento resolveu não recorrer, ao ter conhecimento sobre a existência de recurso da outra, poderá agora interpor seu recurso na forma adesiva, ficando esse subordinado ao principal? A questão demanda aprofundamento na sua análise.
O Código de Processo Penal não trouxe resposta em seu texto com relação à possibilidade ou não de se aviar recursos na forma adesiva, existindo, portanto, uma lacuna na lei. Conforme exposto no segundo capítulo, uma das formas de se integrar a norma para preencher lacunas normativas é a analogia, instrumento previsto no artigo 3º do CPP, que consiste em aproveitar regra positivada para hipótese semelhante e aplicá-la ao caso lacunoso (analogia legal).
No caso da hipótese de apresentação do recurso na forma adesiva, a lei processual penal não trouxe previsão. Por outro lado, o CPC prevê tal possibilidade. Cumpre analisar, então, se há a semelhança entre as hipóteses, ou seja, entre a que possui norma expressa (CPC) e a que não dispõe de norma particular (CPP), para eventual utilização da norma prevista no primeiro por meio da analogia.
O objetivo da analogia é de justamente fornecer tratamento igualitário para hipóteses semelhantes (FERRAZ, 2007). Nesse sentido, surge o seguinte questionamento: se no processo civil há possibilidade de a parte que foi sucumbente interpor algumas formas recursais apenas após ser intimada do recurso da outra parte (recurso adesivo no prazo das contrarrazões), e, no processo penal, a parte também parcialmente sucumbente resolver não interpor recurso em um primeiro momento e tomar ciência do recurso apresentado pela outra parte, existe semelhança entre os dois casos? Certamente! Desse modo, deve ser dado o mesmo tratamento para os casos, permitindo-se que a parte de uma lide penal utilize-se da forma adesiva de apresentação dos recursos.
Com efeito, se as hipóteses são semelhantes e não existe norma expressa no CPP a respeito do tema, não existe razão para não se permitir a aplicação de regra já consagrada no processo civil. Não se pode olvidar que, segundo Ferraz (2007), a lacuna é inerente ao método positivista.
Assim, sabendo-se da existência da lacuna, as normas de processo civil deverão ser aproveitadas no processo penal de forma subsidiária. Ademais, cumpre destacar que o processo civil “é a parte tecnicamente mais aperfeiçoada do Direito Processual” (MARQUES, 2000, p. 44).
Permitir a interposição de recursos na forma adesiva no processo penal por meio da analogia é possibilitar a maximização da ampla defesa, que, segundo Moraes (2005), é corolário do devido processo legal, e consiste em conceder todos os instrumentos para que o réu possa esclarecer ou se omitir dentro de um determinado processo:
“O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, conforme texto constitucional expresso (art. 5º, LV). […]
Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário […]”[14]
A possibilidade de a parte utilizar-se do recurso adesivo no processo penal é uma garantia de um processo que atende aos princípios constitucionais, dentre eles, o do devido processo legal, no aspecto da ampla defesa, pois o recorrente terá a possibilidade de se manifestar de uma decisão que lhe fora desfavorável.
Ademais, o recurso adesivo é figura já existente no ordenamento jurídico desde o CPC de 1973, bem como é aproveitado de forma subsidiária no processo trabalhista, mesmo sem previsão na CLT, consistindo, portanto, em instituto sedimentado. Conforme Hamilton (2002) é de se estranhar o motivo do legislador processual penal ao longo dos anos não ter estabelecido de forma expressa o recurso adesivo, já que várias leis alteraram a sistemática do processo penal com o passar dos tempos, e a adesividade é uma solução prática e de grande utilidade.
Outro aspecto a ser pontuado, ainda que de forma perfunctória, é a possibilidade de se aviar recurso na forma adesiva no processo penal e o instituto doutrinário da reformatio in melius. A reformatio in melius, embora não seja tema pacífico na doutrina e na jurisprudência (GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES, 2005), é entendida como a possibilidade de beneficiar o réu em um recurso exclusivo da acusação.
Segundo Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2005), a doutrina e a jurisprudência divergem quanto à aplicação desse instituto. A primeira corrente entende não ser possível a aplicação da reformatio in melius, em virtude do princípio da igualdade de partes, e também porque o Tribunal pode sanar irregularidades da decisão, beneficiando assim o réu, por meio de outro instrumento que é o habeas corpus de ofício (MIRABETE, 2002). Porém Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2005) fazem menção a uma segunda corrente, segundo esses autores, acolhida por uma parcela maior da jurisprudência, que admite a possibilidade de favorecer o réu em recurso exclusivo da acusação, em virtude do favor libertatis, do favor rei, em consonância com os princípios da economia processual e da simplicidade, sendo esse o entendimento também de Rangel (2008) e Hamilton (2002).
Diante do instituto da reformatio in melius, admitida por grande parte da jurisprudência (GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES, 2005), outra questão se levanta: se o Tribunal permite melhorar a situação do réu em recurso exclusivo da acusação, qual seria a razão de não permitir menor direito, qual seja, apresentar seu recurso na forma adesiva, ficando subordinado ao recurso principal? Se o réu pode ter melhorada sua situação em recurso exclusivo da acusação, qual seria o óbice quanto à apresentação do seu recurso adesivo?
A respeito da possibilidade de utilização do recurso adesivo no processo penal, poucos são os julgados que versam sobre a matéria. A maioria da jurisprudência, da mesma forma que ocorreu no âmbito do processo laboral, tem apresentando inicialmente seu posicionamento de forma contrária, ou seja, entendimento no sentido de não ser possível a aplicação do recurso adesivo no processo penal, trazendo como fundamentos a suposta violação ao princípio da taxatividade, princípio norteador da teoria geral dos recursos, por ausência de previsão no CPP. No sentido do exposto:
“RECURSO ADESIVO – NÃO CONHECIDO EM APELAÇÃO CRIMINAL – FALTA DE PREVISÃO NO PROCESSO PENAL – ROL DE RECURSOS TAXATIVO – APELO DO ESTADO DE SERGIPE – CONDENAÇÃO DO ENTE ESTATAL ÀS VERBAS HONORÁRIAS DO ADVOGADO DATIVO – ÔNUS DO ESTADO – QUANTUM ARBITRADO DE FORMA RAZOÁVEL – IRRESIGNAÇÃO IMPROCEDENTE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO
I – A apelação adesiva não pode ser conhecida, pois inexiste no processo penal previsão de tal recurso, devendo-se observar o princípio da taxatividade.
II – A condenação do Estado em honorários advocatícios em favor do defensor dativo não se mostra excessiva, principalmente quando restou comprovada a qualidade dos serviços desempenhados pelo procurador a partir da sua nomeação.
III – Quantia arbitrada inferior à prevista no art. 101, da Tabela de Honorários da OAB.
IV – Apelação criminal conhecida, porém improvida e recurso adesivo não conhecido. Decisão unânime”[15].
Nos julgados acima, o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) apenas fundamentou a impossibilidade de aplicação do recurso adesivo na apelação criminal com base em ausência de previsão legal do instituto no Código de Processo Penal, e consequente violação ao princípio da taxatividade. O princípio da taxatividade, segundo Rangel (2008), está relacionado ao fato que os recursos devem estar previstos na lei processual, de modo que as partes não podem criar um recurso para impugnar determinada decisão, devendo utilizar somente aqueles que estejam previstos.
O fundamento da falta de previsão legal, entrementes, não parece ser suficiente. De fato, o próprio CPP permite em seu art. 3º recorrer-se à analogia. E o CPC prevê a possibilidade de utilização do recurso adesivo. Analogicamente, tal instituto pode ser aplicado no processo penal.
Ademais, o recurso adesivo não é recurso-tipo, ou seja, não é espécie de recurso, mas apenas uma forma peculiar de interposição dos recursos já existentes, pois, embora tenha natureza recursal, não o é, não se caracterizando como espécie de recurso. Se o recurso adesivo não é espécie de recurso, não há ratio em dizer que sua utilização configura violação ao princípio da taxatividade, pois não se está criando um novo recurso; mas, tão somente, aproveitando-se um método de interposição.
A posição inicial da jurisprudência pátria ao percurso de aceitação do recurso adesivo no processo do trabalho; é como se a história voltasse a se repetir. No processo trabalhista, também havia o entendimento de que a utilização do recurso adesivo afrontaria o princípio da taxatividade, já que a CLT não trouxe previsão legal em seu texto, porém, com o tempo, a jurisprudência mudou sua posição, entendendo a importância desse instituto e o fato de que não se trata de uma espécie de recurso, conforme defende Almeida (1998). Nesse sentido, inexistem motivos para o recurso adesivo estar expressamente elencado no rol das espécies recursais, devendo ser permitida sua utilização.
Muito embora a jurisprudência possa apresentar alguns julgados que não permitam o recurso adesivo no processo penal por violação ao princípio da taxatividade – nos julgados acima não foi admitida apelação adesiva –, o tratamento ofertado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na ocasião do recente julgamento do Recurso Especial nº. 915.442-SC (Ministra Relatora: Maria Thereza de Assis Moura), foi diferente:
“PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 126⁄STJ. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRARIEDADE AOS ARTS. 1º, 53, 59, II, E 273, § 1º e 1º-B, I e VI, DO CP. NÃO OCORRÊNCIA. MITIGAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 273 DO CP. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO ESPECIAL ADESIVO. OFENSA AO ART. 44 DO CP. OCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. RECURSO ESPECIAL DO PARQUET A QUE SE NEGA PROVIMENTO E APELO ADESIVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, PARA SUBSTITUIR A PENA DA RECORRENTE, ALTERANDO-SE, DE OFÍCIO, O REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA PARA O ABERTO.
1. “É inadmissível o recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”. Inteligência do enunciado 126 da Súmula desta Corte.
2. A Lei 9.677⁄98, ao alterar a pena prevista para os delitos descritos no artigo 273 do Código Penal, mostrou-se excessivamente desproporcional, cabendo, portanto, ao Judiciário promover o ajuste principiológico da norma.
3. Tratando-se de crime hediondo, de perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado a saúde pública, mostra-se razoável a aplicação do preceito secundário do delito de tráfico de drogas ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.
4. O Superior Tribunal de Justiça, por diversas vezes, já assentou a possibilidade de início do cumprimento da pena em regime aberto, bem como de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, àqueles que tenham praticado crime de tráfico ilícito de entorpecentes ou outro crime hediondo, antes da entrada em vigor das Leis 11.343⁄06 e 11.464⁄07.
5. Recurso Especial do Ministério Público não conhecido, dando-se provimento ao Apelo adesivo de Vilma Maria Segalin, para determinar ao Juízo da Vara das Execuções a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, concedendo-se, de ofício, o regime aberto para cumprimento da pena.”
No julgado acima, o Ministério Público insurgiu-se contra o Acórdão do Tribunal a quo e interpôs Recurso Especial. A parte ré foi intimada para contrarrazoar o recurso do Ministério Público e, no prazo legal, a recorrida apresentou contrarrazões e recurso especial adesivo. A Sexta Turma entendeu por não conhecer do recurso do MP, porém deu provimento ao recurso adesivo da ré. O objetivo do apontamento jurisprudencial não é a discussão da subordinação do apelo adesivo ao principal, mas apenas demonstrar que há entendimento no sentido de se admitir a interposição de recurso na sua modalidade adesiva, ou seja, de se aviar recurso previsto no processo penal adesivamente.
Para Tourinho Filho (2001), se o recurso extraordinário e o recurso especial possuem o mesmo procedimento no Tribunal a quo no processo penal e no processo civil, e já existe entendimento da Sexta Turma do STJ no sentido de se admitir Recurso Especial Adesivo, qual seria a razão de não se permitir que outros recursos comuns ao CPP e ao CPC (leia-se apelação e embargos infringentes) não possam ser opostos na forma adesiva? Certamente, não existe razão para tal vedação.
Entender pela não admissão do recurso adesivo no âmbito do processo penal é afastar a aplicação subsidiária do processo civil nos casos omissos, violar o princípio constitucional da ampla defesa e, até mesmo, da instrumentalidade das formas, visto que o uso do recurso adesivo é uma forma de a parte tentar buscar uma tutela jurisdicional justa.
O CPP deixa lacuna quanto à possibilidade de utilização do recurso adesivo, porém autoriza, segundo seu artigo 3º, integrar a norma sanando os espaços vazios por meio da analogia. Embora não exista regra expressa no CPP vedando a possibilidade da utilização do recurso adesivo, há no processo civil previsão dessa modalidade de interposição recursal, guardando ambas as hipóteses semelhança. Se existe semelhança entre o caso lacunoso (CPP) e o normatizado (CPC), a ambos deve ser dado o mesmo tratamento. A possibilidade de se utilizar o recurso adesivo no processo penal permite maximizar o direito constitucional de ampla defesa do qual a parte dispõe. Ademais, parte da doutrina (Rangel, 2008), admite a concessão de um plus por meio da reformatio in melius, ou seja, admite-se a melhora da situação do réu em recurso exclusivo da acusação, não existindo razão, portanto, para vedar-se um minus, que é a apresentação do recurso na forma adesiva, que não é proibido pelo CPP.
Questão interessante em relação à admissibilidade do recurso adesivo no processo penal e a da legitimidade para interposição dos recursos na forma adesiva. Certamente, essa situação dará ensejo a futuros debates na doutrina e na jurisprudência, da mesma forma como ocorreu no processo do trabalho, cujos ensinamentos devem ser aproveitados, que já admite o recurso adesivo em seu sistema processual.
Sendo o recurso um instrumento para impugnar determinada decisão que trouxe prejuízo à parte, segundo Mirabete (2002), só tem legitimidade para recorrer aquele que, em tese, sofreu um gravame. O artigo 577 do CPP aponta os legitimados ao recurso: Ministério Público, querelante e réu. Sustenta o autor que esse rol não é exaustivo, pois existem outras hipóteses no CPP que admitem interposição de recursos por pessoas que não estão previstas no rol do artigo 577.
Hamilton (2002), ao discutir o tema do recurso adesivo no processo penal, trouxe sofisticado entendimento: diferente da legitimidade concedida a ambas as partes no processo civil, no âmbito processual penal, o recurso adesivo só poderá ser interposto pela defesa, de modo que não se deveria admitir sua utilização pelo Ministério Público, pelo querelante ou pelo assistente, habilitado ou não, visto que, segundo o autor, violaria de forma reflexa o princípio da impossibilidade da reformatio in pejus:
“É evidente que sua aplicação, ao contrário do que ocorre no processo civil, só teria incidência quando interposto pro reo, não beneficiando ambas as partes.
Torna-se inconcebível pudessem o Ministério Público, o querelante, ou, ainda, o assistente, habilitado ou não (art. 598 do CPP) dele fazer uso, pois, se assim agissem, o princípio da impossibilidade da reformatio in pejus estaria atingido de forma reflexa, além do que, não há dúvida, iriam tolher o réu quando da interposição de eventual recurso, temeroso que a ele “aderissem” o Parquet, o querelante ou o assistente, conforme o caso”[16].
Dessa forma, entende o autor que o recurso adesivo só poderá ser aviado no processo penal pelo réu, diferente do que ocorre no processo civil, pois haveria suposto confronto com o instituto da reformatio in pejus em sua forma reflexa, além de poder causar temor ao réu, pois ficaria receoso de que ao seu recurso principal o Ministério Público apresentasse recurso na forma adesiva.
Hamilton (2002) entende que a legitimidade exclusiva do réu para a interposição do recurso adesivo pode ensejar questionamento da doutrina, em razão de suposta violação ao princípio da igualdade das partes, garantindo mais uma defesa para o réu em detrimento da acusação, ampliando o favor libertatis. O autor defende, no entanto, que o próprio CPP já trouxe em outras oportunidades privilégios especiais somente para o réu, a exemplo do hoje revogado Protesto por Novo Júri, não sendo esse argumento um óbice para adoção da legitimidade exclusiva do réu para interposição do recurso adesivo.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pretendeu-se, com essa pesquisa, estudar o recurso adesivo no processo penal como meio de a parte apresentar seu recurso de forma peculiar. Aproveitou-se da regra já prevista e consagrada no processo civil, pois a lacuna é inerente ao método positivista, visto que o legislador não consegue transformar todas as espécies de comportamento humano em norma.
Não se olvidou de apontar a semelhança entre as hipóteses necessárias para o emprego da analogia: a que possui norma expressa – no caso, o processo civil – e a que não possui- in casu, o processo penal.
O recurso adesivo configura-se como instituto totalmente viável no âmbito processual penal, visto que garante a maximização da ampla de defesa da parte (corolário lógico do devido processo legal), que diante da sucumbência recíproca em dada decisão, pode sair da posição de recorrido e, após apresentação do recurso da outra parte, também se tornar recorrente, visando a esclarecer a verdade por meio da impugnação da decisão que lhe foi desfavorável.
Ademais, boa parcela da doutrina e da jurisprudência já admite a aplicação do princípio da reformato in melius. Não seria razoável, dentro dessa perspectiva, admitir-se a reformatio in melius – que é um plus –, mas não se admitir a utilização da via adesiva no processo penal – que é um minus.
Na ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 915.442, a Sexta Turma do STJ entendeu por admitir recurso especial adesivo interposto pela ré, contrariando o entendimento jurisprudencial anterior, o que constituiu grande avanço em relação ao tema. Nesse contexto, cabe à jurisprudência e à doutrina a fixação das características da adesividade no processo penal, inclusive quanto aos recursos que podem ser apresentados na forma adesiva. Não se pode olvidar que o recurso adesivo é instituto de suma importância para garantir a instrumentalidade do processo, na medida em que busca encarar o processo como meio de assegurar o direito material.
Por fim, destaque-se que o presente estudo não teve o objetivo de apresentar qualquer proposta de modificação legislativa ou inovar no pensamento científico, o que seria demasiado pretensioso. O objetivo foi convocar a comunidade acadêmica para um olhar crítico em relação ao instituto do recurso adesivo no processo penal com base nas diretrizes da ciência processual contemporânea.
Bacharel em Direito e em Administração pelo Centro Universitário Vila Velha – UVV. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória. Mestre em Direito Processual pela FDV – Faculdades Integradas de Vitória. Professor Convidado da Escola Superior de Advocacia do Espírito Santo. Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Direito da UNIG-RJ. Professor convidado da Pós-Graduação em Direito do UNESC. Professor Adjunto de Direito Processual Civil do Centro Universitário Vila Velha – UVV. Já integrou a Banca Examinadora do Concurso para Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, na condição de representante da OAB-ES. Coordenador do Núcleo de Pesquisas Jurídicas do Curso de Direito do Centro Universitário Vila Velha. Advogado militante. Autor de diversos artigos publicados em jornais e em revistas especializadas e do livro “Técnica processual e tutela jurisdicional: a instrumentalidade substancial das formas”, publicado pela SAFE. É também autor do livro Curso de Execução Civil pela Editora Lumen Juris.
Bacharel em Direito pela Universidade Vila Velha – UVV, pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória e advogado militante.
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