Resumo: O Código de Processo Civil (CPC) vigente vem sendo objeto de inúmeras discussões a fim de que mudanças no sistema processual pátrio sejam implementadas. O princípio motor que vem embasando este movimento legislativo consiste no princípio da razoável duração do processo juntamente com o acesso à justiça. O direito a um processo sem dilações indevidas foi incluído no inciso LXXV do artigo 5º da CF para reforçar a idéia de que uma prestação jurisdicional qualificada é aquela que além de cumprida, deve ser célere. O presente trabalho trata sobre a (in)efetividade da instituição das mudanças almejadas pelo projeto do CPC (Projeto de Lei do Senado nº 166 de 2010- PLS 166/2010) no que concerne ao regime da apelação. Ao final, será feita uma reflexão sobre os impactos que essas modificações poderão oferecer no âmbito jurídico e social, à luz do princípio constitucional da Razoável Duração do Processo.
Palavras-chave: Regime da apelação; Projeto do novo CPC; PLS 166/2010; Direito Processual Civil.
Sumário: 1. Introdução; 2. O regime da apelação no anteprojeto do CPC e a razoável duração do processo; 3. A retirada do efeito suspensivo como regra e a razoável duração do processo; 4. Estabelecimento de único recurso de apelação em face das decisões interlocutórias proferidas no curso do processo; 5. A ampliação do efeito devolutivo da apelação; 6. A não instituição da “apelação por instrumento” e a mudança do órgão responsável pela realização do juízo de admissibilidade; 7. Conclusão; referências.
1 INTRODUÇÃO
A construção contínua de um ordenamento jurídico capaz de seguir as mudanças sociais é uma exigência de toda a humanidade. A instituição de novos mecanismos a fim de propiciar a efetividade dessa evolução deve ser o local, por excelência, da elaboração criativa, inventiva e dinâmica do saber, jamais se atendo ao legado cultural acumulado por legislações anteriores.
Nessa linha, tendo assumido o compromisso com a busca permanente da prestação de serviços dotados de máxima qualidade e efetividade, os Poderes Legislativo e Judiciário tentam adequar o sistema processual à contemporaneidade.
Tendo em vista o panorama crítico de demora processual do nosso País e de tantos outros, a obtenção da celeridade surge como uma grande meta a ser alcançada. Para isso, vem sendo adotadas medidas para conferir maior efetividade processual, como o incentivo às formas de composição de conflitos por vias extrajudiciais, bem como a criação de novos diplomas legislativos.
O Código de Processo Civil – CPC é o instrumento utilizado para a composição das lides civis, sendo o diploma solucionador da maioria esmagadora das demandas judiciais, que deve primar pela celeridade e efetividade. E tendo o CPC vigente sido promulgado no ano de 1973, é fácil constatar que este foi editado em condições sociais, políticas e econômicas que não as apresentadas hodiernamente pelo País. Consequentemente encontra-se um tanto quanto ultrapassado, sendo considerado excessivamente formalista, sem primar pela rapidez processual e não mais refletindo as necessidades dos jurisdicionados.
Dessa forma, em outubro de 2009, o Presidente do Senado Federal, por meio do Ato nº 379, instituiu uma Comissão de Juristas para a elaboração do anteprojeto do CPC, que em dezembro do mesmo ano findou seus trabalhos, ao apresentar proposições temáticas sobre os mais diversos temas processuais, tornando-se o Projeto de Lei nº 166 de 2010 – PLS 166/2010.
O principal fundamento do PLS 166/2010 consiste na celeridade processual já que a noção atual de justiça encontra-se intrinsecamente ligada à efetividade e tempestividade das prestações jurisdicionais. As possíveis alterações do sistema processual constantes no PLS 166/2010 tendem a transpassar o grande obstáculo da morosidade dos processos, objetivando o finalidade o amplo acesso ao Judiciário e a concretização da tutela jurisdicional plena.
Não se pode perder de vista que a questão do acesso a justiça é um problema jurídico e social, tendo em vista que os seus reflexos vão além da aplicação de um processo rápido, instantâneo, repercutindo diretamente na vida dos cidadãos. Uma atividade jurisdicional lenta resulta na quebra da segurança jurídica, bem como na fragilização da paz social, sendo esta preocupação de suma relevância.
Com a elaboração e futura promulgação do PLS 166/2010, pretende-se que o CPC vigente sofra diversas modificações no seu conteúdo, tais como, a instituição do incidente de coletivização, redução do número de recursos existentes (eliminação dos embargos infringentes e do agravo retido), adoção de única forma de impugnação na primeira instância, da sentença final, salvo a tutela de urgência impugnável de imediato por agravo de instrumento, instituição do procedimento único para o processo de sentença, entre outros.
Em razão do grande número de proposições temáticas contidas no PLS 166/2010 que visam alterar o Código atual, o presente estudo se debruçará sobre as alterações no regime da apelação, examinando os seus efeitos no âmbito jurídico, sugerindo, inclusive, alternativas capazes de conferir celeridade em face das proposições temáticas contidas no PLS 166/2010.
2 O REGIME DA APELAÇÃO NO ANTEPROJETO DO CPC E A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO
A Comissão de Juristas responsável pela elaboração do novo CPC trouxe inúmeras inovações no PLS 166/2010, visando conferir efetividade ao processo, aos direitos fundamentais e aos princípios constitucionais, em especial o princípio da razoável duração do processo.
A unificação de prazos, valorização da conciliação, abolição do excesso de formalismo, utilização da informática, redução de recursos meramente protelatórios, dentre outras, são medidas contempladas nesse mencionado instrumento.
Dispõe Bruno Dantas (2010, p. 02), um dos integrantes da Comissão, em entrevista, que:
“O anteprojeto pretendeu o equilíbrio entre segurança e celeridade. Em nome desta, foram eliminados alguns recursos que já nem sequer contribuíam para aquela, como é o caso dos embargos infringentes. Apostou-se na conciliação como forma rápida e barata de solução de litígios, e enrijeceram-se as sanções financeiras aos que optam pela aventura judicial simplesmente porque os juros no processo são mais baixos que os do banco. Essas e muitas outras inovações têm, sem dúvida, o potencial de mudar a relação do cidadão com a Justiça.” (grifos nossos).
Para o mencionado jurista, as alterações constantes no PLS 166/2010 serão capazes de alcançar uma tutela jurisdicional justa desde que haja a ponderação entre os princípios da razoável duração do processo e da segurança jurídica, bem como a estabilidade entre ambos.
A partir da EC 45/2004, que inseriu o inciso LXXV ao art. 5º da CF, o direito a todos os cidadãos a um processo célere foi instituído expressamente, não sendo mais possível apenas a preocupação com a segurança jurídica, devendo ambos os valores nortear a prestação jurisdicional. Ademais, sendo estes princípios corolários do due process of law (devido processo legal), necessitam estar em harmonia.
Para Carlos Eduardo Rios do Amaral (2010, p. 02), o novo CPC
“será algo com começo, meio e fim, diploma antenado com a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, sem promover a desigualdade de armas. A atual codificação de 1973 é instrumento para quem pode esperar, para o despreocupado com a entrega da prestação jurisdicional.” (grifos nossos).
Dessa maneira, a ocorrência de um processo que se desenvolva de maneira célere e efetiva consiste em um dos objetivos do PLS 166/2010, sendo para a moderna processualística, proteção da garantia constitucional do devido processo legal e do acesso à justiça. O direito fundamental a um processo sem dilações indevidas necessita servir de diretriz à atuação do Poder Judiciário, devendo ser acompanhado de mudanças legislativas que o instrumentalizem, como é o caso da elaboração do novo CPC e das inúmeras reformas pontuais dirigidas à legislação infraconstitucional processual que já foram promovidas pelo legislador, a fim de se extinguir a morosidade da Justiça.
“A morosidade continua a ser um dos grandes males da Justiça. E o processo, por suas deficiências, continua a não desempenhar do melhor modo a sua função de solucionar as controvérsias que lhe são submetidas. Isso ocorre porque o tempo em que expõe a vida dos direitos constitui ameaça à efetividade da promessa da tutela jurisdicional prevista na Constituição da República, tanto que se passou a afirmar que só há processo efetivo quando a tutela é tempestiva. A excessiva duração do processo justifica que se adotem mecanismos processuais para combater essa deficiência. Direcionaram-se essas técnicas processuais para os escopos sociais, políticos e jurídicos do processo, pois assim estariam em consonância com a concepção instrumentalista do processo, que visa ao célere atendimento do direito substancial violado” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 16) (grifos nossos).
As técnicas processuais trazidas pelo PLS 166/2010, no que tange ao regime da apelação, também se inspiraram na efetividade do processo, consistindo na eliminação do efeito suspensivo da apelação, como regra (art. 520, 1ª parte, do CPC), e que este seja o recurso cabível para julgamentos de incidentes, passando o juiz de primeiro grau a apreciá-los juntamente com o mérito da demanda na sentença final, bem como a ampliação do objeto do efeito devolutivo para causas que se encontrem prontas para serem julgadas de imediato. Em que pese a instituição da apelação por instrumento tenha sido objeto de discussão pela Comissão, este meio de impugnação não foi inserido no anteprojeto do novo CPC.
3 A RETIRADA DO EFEITO SUSPENSIVO COMO REGRA E A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO
De acordo com o art. 467 do CPC, os recursos, ao serem admitidos, possuem o efeito essencial de evitar a preclusão, bem como de impedir o trânsito em julgado da decisão objeto de impugnação.
Os recursos dispõem, ainda, dos efeitos devolutivo e suspensivo. A maioria dos recursos possui o efeito devolutivo, ou seja, com a interposição do recurso a matéria impugnada, seja total ou parcialmente, é remetida ao juízo ad quem com o intuito de que seja apreciada de modo diverso, sendo proferida pelo órgão julgador uma nova decisão.
Em relação ao efeito suspensivo, ao ser o recurso recebido com este, a eficácia da decisão impugnada é obstada, não produzindo efeitos até que haja o julgamento do recurso, atingindo, portanto, a eficácia da decisão e, consequentemente, sendo vedada a execução provisória, já que o ato não produzirá efeitos imediatos.
Caso o recurso seja recebido com efeito suspensivo, em razão do poder de cautela conferido ao juiz, este poderá determinar providências urgentes a fim de impedir a ocorrência do perecimento da coisa.
Conforme já analisado em tópico próprio (capítulo 2, item 2.2.1), o efeito suspensivo consiste numa técnica que subtrai a eficácia de uma decisão impugnável por recurso, de modo que pode ser obtido mediante dois critérios, quais sejam, definição legal (ope legis) ou concessão judicial (ope judicis), neste caso se houver requerimento da parte. Em relação ao recurso de apelação no Brasil, a lei estabelece expressamente algumas decisões que não produzirão efeitos de imediato, bem como a possibilidade de que seja atribuído ao mencionado recurso o efeito suspensivo mediante provocação da parte e demonstração de possíveis lesões ao seu direito e a viabilidade processual do recurso.
No cenário atual, a sentença, via de regra, não produz efeitos até que o tribunal se pronuncie acerca da matéria recorrida e na extensão do quanto devolvido, de modo que o processo será suspenso somente na matéria impugnada. Em relação à parte não impugnada, haverá preclusão e a decisão operará todos os efeitos, cabendo neste capítulo a execução definitiva da sentença. Conforme o art. 505 do CPC, havendo a impugnação parcial, apenas a decisão passível de revisão, que se encontra sujeita à apelação, é que se submete ao regime da execução provisória.
O recebimento da apelação com efeito suspensivo, em que pese seja a regra utilizada no Ordenamento pátrio, possui exceções expressas previstas no art. 520, 2ª parte, incs. I ao VII, do CPC, e em outros dispositivos constantes na legislação. Dessa forma, o legislador optou por considerar a suspensividade dos efeitos imediatos da sentença como regra geral, e em trazer expressamente as hipóteses em que este recurso será recebido apenas no efeito devolutivo. O critério adotado de fixação dos efeitos suspensivo e devolutivo foi o ope legis.
“O sistema adotado pelo legislador (ope legis) é anacrônico, na medida em que estabelece de forma casuística (casuísmo fechado) – como se fosse possível prever todos os casos – as hipóteses em que a sentença produzirá efeitos desde logo, não permitindo ao juiz que conceda esse efeito em situações que, pelas peculiaridades, o justificavam”. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 19)
O recebimento da apelação somente no efeito devolutivo faz com que o apelado possa promover, desde logo, a execução provisória da sentença, extraindo a respectiva carta, conforme o art. 521 do CPC vigente. Entretanto, se a apelação for recebida tanto no efeito devolutivo quanto no suspensivo, o juiz não poderá inovar no processo, e o efeito suspensivo retroagirá à data da publicação da sentença impugnada, não sendo possível a prática de atos pelas partes de seguimento ao procedimento, até que haja o trânsito em julgado da decisão recorrida, somente sendo cabíveis providências de urgência determinadas pelo juiz. Este preceito previsto no art. 521 é similar à do art. 928, inserido no Capítulo II, “DA APELAÇÃO”, do anteprojeto do novo CPC, divergindo apenas na sua redação.
De acordo com Isabela Lessa de Azevedo Pinto Ribeiro (2010, p. 08),
“O efeito suspensivo deve ser entendido não propriamente como um efeito dos recursos, já que não é uma decorrência necessária da interposição recursal, mas como uma técnica acautelatória que sobrepõe a segurança jurídica à celeridade, impedindo a produção dos efeitos de uma determinada decisão até que seja julgado o recurso que lhe impugnou”.
Dessa forma, segundo a mencionada autora, sendo o efeito suspensivo uma medida cautelar, a partir do momento em que o recurso de apelação é recebido no ordenamento pátrio, via de regra, com este efeito, percebe-se que a segurança jurídica prevalece sobre o valor da efetividade na prestação jurisdicional.
Ocorre que, sendo o processo um método de prestar a jurisdição, não basta que se submeta à segurança jurídica, devendo simultaneamente ser célere, sendo ambos os valores uma preocupação vital do processo. Segundo Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (2010, p. 03),
“tais valores cooperam para um ordenamento justo, não se rechaçam, segurança jurídica e celeridade na prestação jurisdicional devem estar de mãos dadas, pois – a efetividade só se revela virtuosa se não colocar no limbo outros valores importantes do processo, a começar pelo da justiça, mas não só por este.”
A partir do momento em que o Estado vedou a autotutela, avocou para si o dever jurídico de prestar a jurisdição, prevendo uma jurisdição inafastável conforme se observa do artigo 5º, inc. XXXV, da CF, devendo realizá-la de maneira efetiva, adequada e tempestiva. Dessa forma, o tempo para satisfazer o jurisdicionado deve ser razoável, sobretudo se já possui uma decisão favorável, ainda que passível de modificação por não se encontrar acobertada pela coisa julgada. Entretanto, para que isto ocorra é necessário que haja ponderação entre a segurança jurídica e a efetividade da tutela jurisdicional, a fim de que a decisão tomada não gere insegurança jurídica, devendo haver equilíbrio entre ambos os valores.
“A necessidade de maneiras aptas a efetivar a tutela jurisdicional tempestivamente não pode, de modo algum, ser enfocada sob uma perspectiva unívoca, exige uma perspectiva dialética do interprete, que deve sempre ponderar aquele valor a ser alcançado e o valor segurança jurídica que não pode ser esquecido.
É que tanto o princípio da segurança jurídica quanto o da razoável duração do processo são em verdade corolários do due process of law. Eles se harmonizam e se complementam, pela noção de que uma decisão que demora a ser tomada ou executada gera, no interregno de sua gestação, insegurança jurídica.” (RIBEIRO, 2010, p. 04).
Assim sendo, os pronunciamentos proferidos pelos órgãos julgadores devem ser céleres e justos, de modo que os direitos e interesses dos cidadãos não restem lesionados.
A regra da apelação ser recebida, via de regra, com efeito suspensivo no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que não se permite que a decisão impugnada produza efeitos e nem possa ser executada provisoriamente, reflete a prevalência da segurança jurídica em detrimento de uma célere prestação jurisdicional. Sendo a produção imediata dos efeitos da sentença uma exceção, a esfera de interesse do executado/devedor resta salvaguardada, consistindo simultaneamente numa limitação ao direito à satisfação do exequente/credor que, apesar de ter obtido do órgão julgador uma decisão favorável, não pode executá-la.
O PLS 166/2010, em desconformidade com o procedimento vigente, prevê a eliminação do efeito suspensivo da apelação como regra e a execução imediata dos efeitos da sentença. Isabela Lessa de Azevedo Pinto Ribeiro (2010, p. 02) entende que esta modificação não se configuraria em ausência de proteção ao executado, já que o exequente possui responsabilidade objetiva por eventuais prejuízos que vier a causar ao executado:
“Objetiva-se perquerir se a execução provisória da sentença, que permite a fruição da decisão favorável, que ainda é uma exceção adstrita às hipóteses legislativas em que a apelação é desprovida de efeito suspensivo, não passaria a ser regra. Isso, não necessariamente importaria em descuido com o direito do executado à segurança jurídica, pois já existem meios de contrapor, harmonizar, os valores segurança jurídica e o direito à um processo sem dilações indevidas: o exeqüente é responsável objetivamente pelos danos processuais que possam prejudicar a outra parte e, na execução provisória, deve caucionar o juízo para que atos expropriatórios possam ser praticados, além de ser possível, enquanto medida acautelatória, o julgador conceder o efeito suspensivo ope iudicis, se provocado pelo recorrente”. (grifos nossos).
Essa alteração atinente à retirada do efeito suspensivo da apelação almejada pelo PLS 166/2010, de acordo com o art. 908, contido no Título II “DOS RECURSOS”, Capítulo I “DAS DISPOSIÇÕES GERAIS”, tem objetivo similar ao Projeto de Lei 3.605/2004, estando em conformidade com o modelo adotado por inúmeros outros ordenamentos, como, por exemplo, o Português, o Italiano, o Alemão e o Espanhol, conforme já analisado no 2º capítulo deste trabalho monográfico. Ocorre que essa modificação pretendida no sistema recursal também não é desconhecida pelo direito brasileiro, haja vista que no Direito Processual do Trabalho (art. 899 da CLT), nos Juizados Especiais Cíveis (art. 43 da Lei nº. 9.099/95), na Lei de Alimentos (art. 14 da Lei nº. 5.478/68) e na Lei de Locações (art. 58, V, Lei nº. 8245/91), dentre outras[1], a regra é de que os recursos sejam dotados apenas de efeito devolutivo. Isto ratifica o entendimento de Milton Paulo de Carvalho Filho (2010, p. 76) de que “a tendência da maior parte dos ordenamentos jurídicos é no sentido da busca da valorização de medidas que atuem sobre a realidade substancial no menor espaço de tempo possível”.
Segundo a redação do art. 908 do PLS 166/2010, “os recursos, salvo disposição legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão”. Dessa forma, caso não haja lei dispondo que o recurso deve ser recebido com efeito suspensivo, este será admitido apenas no efeito devolutivo.
Tratando-se especificamente do regime da apelação, não possuindo lei que disponha em sentido contrário ao quanto previsto no mencionado artigo, será recebida, via de regra, apenas no efeito devolutivo. A sentença poderá ser imediatamente executada, permitindo-se uma maior efetividade da prestação jurisdicional. Dessa forma, prestigia-se as decisões judiciais de 1ª instância, havendo uma inversão do sistema.
Isso não obsta que o recurso possa ter efeito suspensivo. Caso o apelante almeje que o seu recurso seja recebido desta forma, poderá requerer ao juiz, durante o processamento do recurso em primeiro grau, conjuntamente com o juízo de admissibilidade. O pedido do recorrente poderá ser formulado mediante petição autônoma, dirigida ao tribunal, que terá prioridade na tramitação, além de tornar o relator prevento, segundo o §2º, do art. 908, do projeto do novo CPC. Ademais, outra hipótese de suspensão dos efeitos da sentença é a realizada pelo relator, prevista no §1º, do supracitado art., se demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.
Com isto, a eliminação do efeito suspensivo como regra, prevista no PLS 166/2010, consiste em um instrumento de aceleração do processo, já que tem o escopo de que a prestação jurisdicional se torne efetiva e imediata. Isto porque a execução de logo do julgado de primeiro grau, ainda que provisoriamente, satisfaz o direito material da parte já reconhecido na sentença, da parte vencedora da demanda e, simultaneamente, atende à garantia constitucional da razoável duração do processo.
Segundo Milton Paulo de Carvalho Filho (2010, p. 33), “a execução imediata do julgado de primeiro grau, ainda que provisória, também evita a interposição de recursos manifestamente procrastinatórios e valoriza aquele que o proferiu”. Impedir a interposição de recursos manifestamente protelatórios consiste num dos objetivos primordiais do novo CPC, por favorecer a economia e a celeridade processual.
José Carlos Barbosa de Melo (2009, p. 467-468) aduz que
“parece aconselhável ampliar o elenco das hipóteses de apelação sem efeito suspensivo, ou até – com certas cautelas – inverter a regra, tornando excepcional a suspensividade. Tal seria capaz de contribuir para desestimular a interposição pelo réu vencido, com intuito meramente protelatório, harmonizando-se aliás com a propensão moderna à valorização do julgamento de primeiro grau. O interesse do litigante derrotado estaria suficientemente protegido pelo caráter provisório que teria a eventual execução, com as restrições características” (art. 475-O, na redação da Lei nº 11.232).
No mesmo sentido, Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 73)
“É de se dizer, aliás, que este parece ser o melhor sistema, pois permite a imediata produção de efeitos da decisão, impedindo (ou, ao menos, desestimulando) a interposição de recursos protelatórios, os quais são interpostos tão-somente com o fim de impedir que a decisão produza efeitos de imediato, protelando, assim, o início da execução forçada.”
Outra justificativa para a adoção da supressão do efeito suspensivo da apelação como regra consiste no fato de o sistema processual vigente adotar o instituto da antecipação dos efeitos da tutela. Com isto, atribui-se maior eficácia a uma decisão interlocutória do que a uma sentença proferida, ainda que observado amplamente o contraditório, já que haverá um adiantamento dos atos executivos.
“Quando há uma antecipação da tutela, não há uma antecipação da sentença, mas um adiantamento dos atos executivos. Permite-se de maneira precária a fruição da pretensão urgente e verossímil antes do exaurimento de todas as etapas processuais. E esta decisão em cognição sumária em nada vincula a decisão proferida com cognição exauriente, pode confirmá-la ou reformá-la sem qualquer vinculação. O traço marcante, desta maneira, é a possibilidade de fruição imediata dos efeitos de uma futura- e esperada – tutela definitiva, o poder de dar seguimento à execução provisória, não a precipitação da sentença em si.” (RIBEIRO, 2010, p. 06) (grifos nossos).
A coexistência do instituto da antecipação dos efeitos da tutela no cenário atual com a regra da não execução da sentença de imediato consiste num paradoxo processual. É incongruente que uma sentença proferida com cognição exauriente não possa de logo ser executada, ao passo que os atos executivos da decisão da antecipatória, cujo proferimento se fundou em cognição sumária, ocorram de imediato.
“Com efeito, afigura-se no mínimo contraditório que nosso sistema processual admita a antecipação dos efeitos da sentença de mérito e não a executividade imediata dela. Primeiro, caso o legislador dotasse a sentença dessa qualidade, talvez não houvesse a necessidade de estabelecer a tutela antecipada, diante da possibilidade de atender ao interesse da parte rapidamente. Depois, o que mais se estranha é a possibilidade que tem o autor de obter a antecipação dos efeitos da sentença mediante cognição sumária e superficial, e nem sequer poder executar esses mesmos efeitos imediatamente após a prolação da sentença, em processo em que devolvida a cognição exauriente.” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 49) (grifos nossos).
Milton Paulo de Carvalho Filho (2010, p. 45) defende, ainda, que “a eliminação do efeito suspensivo do recurso de apelação é instrumento que está inspirado no princípio motor da efetividade do processo. A medida tem por fim dotar o Poder Judiciário de mais um mecanismo que confira maior utilidade às decisões judiciais”.
Entendemos que o PLS 166/2010, no que tange à supressão do duplo efeito da apelação como regra geral, consiste numa melhoria do processo civil ao passo que propiciará uma melhor distribuição no ônus do tempo e revalorizará a figura do juiz de primeira instância, conferindo maior credibilidade às suas decisões, pois, se o juiz na sentença reconhece a existência do direito material do autor, não há porque obrigá-lo a suportar o tempo do recurso.
Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 73-74) entende que, a princípio, a eliminação do efeito suspensivo dos recursos “valoriza a sentença de primeiro grau, que num sistema em que os recursos têm efeito suspensivo acaba se tornando mera formalidade necessária para que o processo possa chegar ao segundo grau de jurisdição”.
Consistiria em mero formalismo, pois a sentença do juiz de primeiro grau não estaria operando seu real efeito, qual seja, efetivar os direitos certificados de maneira célere e tempestiva, conferindo à parte vencedora, ainda que provisoriamente, o bem da vida almejado. Como se não bastasse, “é preciso salientar que o perigo do credor provocar danos irreparáveis ao devedor é menor do que o de não receber o seu crédito, uma vez que já dispõe de um reconhecimento de seu direito pela sentença”. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 36).
“A sentença, para que o processo seja efetivo e a função do juiz de primeiro grau valorizada, deve poder realizar os direitos e interferir na vida das pessoas. Perceba-se, além disso, que o recurso, na hipótese de sentença de procedência, serve unicamente para o réu tentar demonstrar o desacerto da tarefa do juiz. Assim, por lógica, é o réu, e não o autor, aquele que deve suportar o tempo do recurso interposto contra a sentença de procedência. Se o recurso interessa apenas ao réu, não é possível que o autor – que já teve o seu direito declarado – continue sofrendo os males da lentidão da justiça”. (MARINONI, 1999, p. 184).
Outro argumento utilizado para que a apelação, via de regra, tenha efeito suspensivo é o duplo grau de jurisdição. De acordo com o mencionado instituto, mediante a interposição de recurso ou por meio de ação de impugnação, há a possibilidade de se permitir nova apreciação da causa, por um órgão superior. Com isto, percebe-se que a existência do princípio do duplo grau de jurisdição não deve ser empecilho para que a sentença de primeiro grau seja de logo cumprida, consistindo apenas na possibilidade de a decisão proferida pelo juízo a quo ser reexaminada por instância superior, caso instado para tanto.
“A propósito, é preciso lembrar que o duplo grau de jurisdição não é garantia constitucional (item 4.6), e por isso não pode ser um componente inibidor do valor efetividade tutelado pela ordem jurídica, a impedir a imediata eficácia das decisões judiciais de primeiro grau”. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 35).
Conforme exposto, a limitação à utilização dos recursos não fere a Constituição, já que o princípio do duplo grau de jurisdição é uma garantia expressa, mas implícita, ainda que decorrente do princípio do devido processo legal. Isto porque a solução do litígio não deve ser lesionada em virtude da grande quantidade de recursos, nem mesmo a entrega da prestação jurisdicional efetiva. Nesse sentido, Nelson Nery Junior (2004, p. 44) entende que a exigência do princípio do duplo grau de jurisdição deve ter limites, devendo ter freios, “pois não tem o litigante direito de retardar-lhe o curso com a interposição de apelação de toda e qualquer decisão de primeiro grau, desprestigiando a eficácia da justiça em detrimento da paz social, escopo primeiro da atividade jurisdicional”.
Há, portanto, a possibilidade de limitação da aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição pelo legislador infraconstitucional, de modo que “a imposição legal da execução provisória da sentença, sem que o recurso contra ela interposto tenha sido julgado definitivamente pela instância superior, não implica ofensa ao princípio referido” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 63).
Segundo Luiz Guilherme Marinoni (1999, p. 215), o duplo grau de jurisdição desvaloriza o juiz de primeiro grau, pois, “se as sentenças não têm, em regra, execução imediata, e mesmo aquelas que dizem respeito à matéria de fato, e que são marcadas pela oralidade, devem ser submetidas ao tribunal, o juiz de primeiro grau pode ser confundido com um instrutor”.
Dessa forma, a possibilidade de o órgão ad quem proferir decisão substitutiva à expedida pelo juiz de primeiro grau e a regra da não executividade da sentença de imediato fazem com que as decisões deste órgão não possuam valor, atuando como mero instrutor do litígio ao analisar as provas e o direito, que posteriormente serão analisados definitivamente pela instância superior. É como se a regra do efeito suspensivo da apelação transformasse a sentença de primeiro grau em continuidade do processo.
A proposta do novo CPC em suprimir a regra do recebimento da apelação com efeito suspensivo, de modo que a sentença de primeiro grau será provisoriamente executiva entre as partes, consiste em uma técnica processual de valorização das decisões proferidas na primeira instância, além de propiciar rápida solução ao litígio.
“A valorização do juiz de primeiro grau é, ademais, propósito que está em consonância com o espírito atual das reformas processuais, uma vez que elas visam a uma participação mais ativa, próxima das partes e consciente do juiz no processo, outorgando-lhes maiores poderes derivados de disposições legais abertas, repletas de conceitos vagos e indeterminados, que o autorizam a decidir com certa discricionariedade, sempre buscando viabilizar o maior acesso à justiça, o acerto das decisões, a celeridade do processo, sua efetividade, seu resultado justo. Ora, não se afigura coerente e compatível conceder e exigir do juiz de primeiro grau tão importante e delicado papel durante o curso da demanda, e retirar o valor do seu ato mais relevante no processo, em que externa sua convicção após trabalho criteriosamente desenvolvido, próximo das partes, de seus argumentos e de suas provas, que lhe impôs muito estudo, empenho e dedicação”. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 65)
Ante o exposto, percebe-se que a mencionada modificação está de acordo com os anseios processuais de efetividade da prestação jurisdicional, capaz de proporcionar um bom funcionamento da Justiça.
4 ESTABELECIMENTO DE ÚNICO RECURSO DE APELAÇÃO EM FACE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS NO CURSO DO PROCESSO
A apelação confere à parte inconformada com a decisão proferida pelo órgão de primeiro grau o direito de que a causa seja revista por um tribunal. Este órgão julgador fica adstrito a apreciar apenas as matérias de fato apresentadas no curso do processo da primeira instância, ou seja, que já foi objeto de apreciação do juízo a quo, sendo esta uma espécie de limitação da cognição da segunda instância. Com isto, o tribunal superior tem a possibilidade de corrigir eventuais erros cometidos pelo órgão inferior quando do proferimento da sentença.
De acordo com o regramento processual vigente, a apelação é o meio de impugnação da sentença proferida pelo juiz de primeiro grau, sendo possível nas hipóteses de error in iudicando, como também nas de error in procedendo, e cabível em face de todas as sentenças (art. 162, §1º), quer definitivas ou meramente terminativas, não sendo possível a sua interposição quando o pronunciamento judicial se limite a resolver um incidente no processo. Os incidentes no processo são denominados de decisões interlocutórias, não sendo estes capazes de resolver o litígio como um todo, se referem a questões incidentes no curso do processo, e são impugnáveis por meio do agravo de instrumento ou retido, a depender da natureza da decisão.
Uma das novidades constantes no PLS 166/2010 consiste na alteração dessa sistemática do cabimento da apelação, de modo que as partes poderão se insurgir contra as decisões interlocutórias somente no momento da interposição do recurso de apelação, ressalvadas as questões urgentes que continuam sendo objeto do agravo de instrumento. Com isto, o PLS 166/2010 extinguiu a figura do agravo retido, que é o recurso cabível para resolver as questões incidentais comuns.
Segundo o art. 923 do PLS 166/2010, inserido no Capítulo II, “DA APELAÇÃO”,
“Da sentença cabe apelação.
Parágrafo único. As questões resolvidas na fase cognitiva não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final.”
De acordo com o Ministro Luiz Fux, presidente da Comissão de Reforma do CPC (2010, p. 01), pretende-se reduzir o número de recursos, de maneira racional, e instituir um único ao final. Com as alterações processuais almejadas busca-se maior efetividade nas prestações jurisdicionais, a fim de que seja propiciado ao cidadão um processo sem dilações indevidas.
“Procuramos reduzir formalidades capaz de permitir a duração razoável dos processos e o advento da resposta judicial num prazo mais rápido”, indica Fux. Ao apontar para a possível duração de um processo após a aprovação do anteprojeto, ele afirma que a redução poderá chegar a 70%.
Da forma como fizemos eliminando os recursos itinerantes e estabelecendo um único ao final, vamos reduzir o tempo de duração do processo em 50%. Se forem ações de massa, essa redução será mais expressiva, para 70% menos do que dura hoje.”
Com essa reforma no sistema recursal, o recurso de apelação, que antes seria interposto contra a sentença, passa a ter sua função ampliada, em decorrência de mudança na essência do objeto a ser impugnado, fazendo com que os incidentes sejam julgados conjuntamente com o mérito da causa. Segundo Luiz Fux (2010, p. 02),
“acaba também o julgamento de incidentes que geram novos recursos antes da decisão de mérito. “Não caberá mais 30 recursos, mas apenas um, feito somente contra a sentença final”, disse. O motivo é que o juiz passará a julgar os incidentes junto com o mérito da matéria, concentrando tudo em uma só sentença.
Embora o novo Código seja extremamente limitado quanto à propositura de agravos, decisões interlocutórias que tenham tocado o mérito das questões poderão ter recurso apreciado, inclusive com sustentação oral nos tribunais. “Não há só fumus boni iuris, mas provas verossímeis. Mesmo no mérito, o juiz não trabalha com verdades absolutas, mas com verdades suficientes nos autos”, justificou.”
Assim sendo, tanto a decisão judicial que resolva o mérito, quanto questões incidentais devem ser suscitadas em preliminar de apelação que eventualmente venha a ser interposta contra decisão final. Até este momento as questões discutidas no bojo do processo não ficam acobertadas pela preclusão, pois não serão impugnadas de imediato, sendo revistas apenas com o julgamento da apelação interposta.
Esse sistema pretendido pelo novo CPC brasileiro assemelha-se à “final judgement rule”, que em tradução livre significa “regra do julgamento final”, utilizado pelo sistema recursal norte-americano. Esta regra objetiva que somente seja cabível apelação contra a decisão que tenha resolvido todas as questões submetidas à apreciação judicial. Dispõe Flávio Mirza (2010, p. 01) que,
“Cumpre reconhecer, portanto, que a regra do julgamento final diz respeito ao momento processual em que determinado pleito recursal será analisado, adiando o exame pela instância superior de decisões interlocutórias até o momento propício à interposição da apelação. Por óbvio, não se está afirmando que as decisões interlocutórias são inapeláveis, mas que, em princípio, não admitem apelação imediata após sua prolação”.
Há de se notar que tal regra é capaz de propiciar economia processual, pois, com a sua adoção, na condução do processo serão evitados desperdícios em relação aos atos processuais e ao tempo, de modo que ele possa fluir sem demais delongas. A possibilidade de as partes se insurgirem contra uma decisão tem como consequências práticas a concessão de prazo, a necessidade de confecção da peça processual, o colhimento de documentos comprobatórios, dentre inúmeras outras providências processuais.
Além de a não revisão imediata das decisões interlocutórias ser um meio apto de ocasionar a economia processual, também é capaz de propiciar celeridade processual. Isto porque, ao ser esta a tentativa de solução rápida e eficiente do conflito sobre o caso concreto quando não se tem a possibilidade de recorrer de cada decisão judicial proferida no curso do processo, inevitavelmente este se dará de modo mais ágil e evitará interposição de recursos meramente protelatórios. Segundo Flávio Mirza (2010, p. 03), “demais disso, deve ser observado que a possibilidade de recorrer de cada julgamento, ainda mais quando se admite a atribuição de efeito suspensivo ao remédio judicial interposto” retarda o processo.
O mencionado autor (2010, p. 03) entende, ainda, que há ainda outras razões para a escolha da regra do julgamento final como a
“existência de questões que poderiam ser alvo de solicitação de revisão à instância superior por alguma das partes, mas que, ao final do processo, restariam prejudicadas, tendo em vista a declaração de procedência dos pedidos, no caso da parte autora, ou, à improcedência deles, no caso da parte ré. A resignação de uma das partes com alguma decisão interlocutória que lhe tenha sido desfavorável em virtude de uma vitória no desfecho final foi capaz de economizar precioso tempo na resolução do conflito”.
Outro argumento trazido à baila por Flávio Mirza consiste na valorização do julgador de primeiro grau, já que as decisões interlocutórias não podem de logo ser apreciadas, devendo aguardar o julgamento da apelação.
“Motivação não menos importante à adoção da mencionada regra é a deferência maior ao ofício dos juízes de primeira instância, haja vista a impossibilidade de revisão imediata das decisões interlocutórias pela instância superior. Concede-se, portanto, maior autoridade às suas decisões”. (MIRZA, 2010, p. 03).
Entretanto, o entendimento acerca da aplicação da regra do julgamento final não é unânime em relação aos benefícios que podem gerar ao processo e o supracitado autor os põe em xeque, alegando que “argumenta-se que a possibilidade da apelação imediata das decisões interlocutórias evitaria um julgamento desnecessário, mormente quando a questão decidida versar sobre o prosseguimento do processo”, bem como que a análise das questões incidentais de logo refletiriam em um julgamento final mais claro sobre as questões incidentais controvertidas.
Percebe-se, portanto, que há ponderações tanto em favor da utilização da regra do julgamento final, quanto da sua inaplicabilidade. No sistema norte-americano, as decisões interlocutórias normalmente não são passíveis de apelação de imediato, devendo apenas ser revistas no momento do julgamento da apelação, característica próxima do sistema de unirrecorribilidade das decisões de primeiro grau pretendido pelo Brasil, a ser instituído pelo novo CPC.
“Não se pode negar também a similitude entre o julgamento final do direito norte-americano e a apelação das sentenças no direito pátrio. Entretanto, apesar de serem decisões aptas a por fim ao processo, o julgamento final norte-americano deve dizer respeito ao mérito. Neste ponto, há diferenças, pois, no direito brasileiro, são apeláveis tanto as sentenças terminativas, quanto as definitivas. […] Este expediente recursal pode, numa primeira impressão, fazer lembrar o sistema do agravo retido do direito brasileiro. Todavia, essa similitude, a nosso ver, inexiste, pois, apenas para citar uma diferença, suas formas de interposição diferem bastante”. (MIRZA, 2010, p. 05).
No direito brasileiro, o estabelecimento de único recurso em face das decisões interlocutórias proferidas no curso do processo não pode olvidar que algumas delas são capazes de prejudicar bastante as partes. Como se não bastasse, fazer com que os litigantes aguardem a prolação da sentença, para que só então se insurjam contra tal, pode agravar ainda mais a sua situação.
Atento à possibilidade de ocorrência de situações excepcionais, o PLS 166/2010 mantém a utilização do agravo de instrumento e prevê no art. 929, Capítulo III, “DO AGRAVO DE INSTRUMENTO”, que este recurso será cabível contra decisões interlocutórias:
“I- que versarem sobre tutelas de urgência ou da evidência;
II – que versarem cobre o mérito da causa;
III- proferidas na fase de cumprimento de sentença ou no processo de execução;
IV- em outros casos expressamente referidos neste Código ou na lei.
Parágrafo único. As questões resolvidas por outras decisões interlocutórias proferidas antes da sentença não ficam acobertadas pela preclusão, podendo ser impugnadas pela parte, em preliminar, nas razoes ou contrarrazões de apelação.”
Atento, ainda, a tais situações excepcionais, conforme o quanto disposto no art. 857, §1º, Capítulo II, “DA ORDEM DOS PROCESSOS NO TRIBUNAL”, o PLS 166/2010 prevê a possibilidade de que o agravo de instrumento seja sustentado oralmente no tribunal, caso verse sobre o mérito da causa, devendo os advogados requerer a sustentação até o início da sessão.
“Art. 857. Na sessão de julgamento, depois de feita a exposição da causa pelo relator, o presidente, se o recurso não for de embargos declaratórios de agravo de instrumento ou de agravo interno, dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente e ao recorrido, pelo prazo improrrogável de quinze minutos para cada um, a fim de sustentarem as razões do recurso ou do pedido de rescisão.
§ 1º Assegura-se a defesa oral prevista no caput à ação rescisória e ao agravo de instrumento interposto de decisões interlocutórias que versem sobre o mérito da causa.
§ 2º Os advogados que desejarem proferir sustentação oral poderão requerer, até o início da sessão, que seja o feito julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais”. (grifos nossos).
Tratando a respeito dessa proposta do novo CPC, Pedro Henrique Pedrosa Nogueira, no editorial n. 94 de Fredie Didier (2010, p. 02), entende que
“É louvável a previsão de sustentação oral no agravo de instrumento. O ideal, inclusive, seria que evoluíssemos para acabar com os julgamentos em mesa, sem prévia publicação em pauta e para a ampla possibilidade de sustentação oral nos recursos.
A eliminação dos julgamentos em mesa – prática com reminiscências inquisitoriais -, poderia ser disciplinada com a previsão da sessão em que o recurso, uma vez interposto, deveria ser julgado (tal como, mutatis mutandis, se previu no art. 12 da Lei n. 12.016/2009 para a suspensão de liminar em mandado de segurança), exigindo-se, na hipótese de não se realizar o julgamento no momento previsto, a prévia publicação em pauta.”
Dessa forma, em que pese o agravo somente se tornar cabível contra tutelas de urgência ou da evidência, decisões interlocutórias de mérito da causa e decisões proferidas na execução, apenas as decisões interlocutórias de mérito poderão ensejar a defesa via oral pelo advogado. Todas as demais questões, como, por exemplo, as ligadas à ausência de “condições da ação” ou pressupostos de validade do procedimento, serão impugnáveis por meio do recurso de apelação. Assim sendo, o fito deste recurso passa a ser a concessão de oportunidade de revisão aos erros judiciais, rediscussão do mérito em segunda instância e verificar se o procedimento do julgamento proferido na primeira instância foi ou não regular, gerando ausência de preclusão temporal das decisões emitidas no curso do processo. Assim, a apelação devolverá ao tribunal o exame do mérito da sentença e das decisões interlocutórias emitidas no curso do procedimento.
De acordo com Pedro Henrique Pedrosa Nogueira (2010, p. 02),
“o agravo somente seria cabível contra tutelas de urgência, decisões interlocutórias de mérito e decisões proferidas na execução. Se assim for, parece ser recomendável ampliar o cabimento do agravo para admiti-lo também contra as decisões que recebem a apelação, que, de regra, somente deverá ser recebida no efeito devolutivo.
Isso parece aconselhável para que se evite o uso (desvirtuado) do mandado de segurança para possibilitar o recebimento da apelação com efeito suspensivo, a exemplo que aconteceu durante muito tempo com o agravo de instrumento, quando o mandamus era utilizado para potencializar a obtenção do efeito suspensivo em favor do agravante.” (grifos nossos).
Tendo em vista a eliminação do agravo retido do ordenamento pátrio e o conteúdo com que é possível a interposição do agravo de instrumento na sistemática objetivada pelo novo CPC, conforme art. 929, Pedro Henrique Pedrosa Nogueira (2010, p. 02) entende que se faz necessário incluir no rol de cabimento do agravo de instrumento as decisões que receberem a apelação, sob pena de ser interposta uma quantidade excessiva de mandados de segurança com este objetivo. Dessa forma, estar-se-ia evitando que a ação mandamental não tivesse sua finalidade desvirtuada, conforme analisaremos de maneira mais aprofundada no tópico 4.4.
Com a consagração da irrecorribilidade das decisões interlocutórias no curso do processo, ressalvadas as que ensejem situações de perigo, a apelação consistirá no meio adequado para impugná-las. Ocorre que, com isto, tem-se ausência de preclusão das decisões proferidas pelo órgão de primeiro grau até o julgamento do apelo. E com eventual provimento do apelo no juízo ad quem, a tramitação de todo o processo teria sido desnecessária. Este inconveniente poderia ser impedido se a questão já estivesse sido analisada pelo juízo a quo.
No âmbito trabalhista e dos juizados especiais federais o sistema de ausência de preclusão e da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, que se pretende instituir com o advento do novo CPC, já é aplicado. Fredie Didier (2010, p. 01) não concorda com a transposição desta regra para o processo civil.
“Generaliza-se o regramento dos Juizados Especiais Federais. Não nos parece boa a proposta. Preclusão é técnica processual que favorece a duração razoável do processo e a segurança jurídica. A preclusão também serve para efetivar o princípio da boa-fé, pois protege a confiança na estabilidade da relação processual. É, pois, técnica que está em total conformidade com a intenção de aprimoramento da legislação processual e com o princípio do devido processo legal, que estrutura o modelo de processo civil brasileiro.
A principal justificativa para a elaboração de um novo CPC é a necessidade de simplificar o processo,facilitando o julgando de mérito, que deve ser prestigiado. Pode-se dizer que um dos fundamentos do novo CPC é o princípio da primazia da decisão de mérito.”
O mencionado autor entende ser incongruente a aplicação da ausência de preclusão no ordenamento pátrio, pois isto confrontaria com o atual princípio motor processual da celeridade, tão almejado pelo novo CPC, para ele, “ao invés de processo, retrocesso”.
O instituto da preclusão no PLS 166/2010 ocorreria da seguinte maneira: se a decisão interlocutória é impugnável, sendo uma das hipóteses em que é cabível o agravo de instrumento, caso o indivíduo não recorra no primeiro momento que lhe couber no processo, operará preclusão, de modo que o que foi decidido não poderá mais ser reexaminado. Entretanto, caso a decisão interlocutória seja irrecorrível, somente no recurso contra a sentença, se a parte não requerer a revisão da decisão proferida no curso do procedimento, é que ocorrerá a preclusão. Ao passo que, se a parte incluir no objeto da apelação a decisão interlocutória, o tribunal poderá apreciá-la. Mister ressaltar que a eventual preclusão da decisão interlocutória não obsta a análise de questões oriundas de fatos supervenientes.
Para Fredie Didier (2010, p. 01), caso o tribunal acolha a apelação e reexamine a decisão interlocutória, isto poderá gerar situações inacabáveis de instabilidade, pois apesar da decisão ter sido exarada há bastante tempo, “o processo será anulado, a questão voltará à primeira instância e tudo terá de ser refeito. Situações estabilizadas seriam desfeitas”, e completa alegando que “em vez de decisão de mérito, reinício de fases procedimentais já superadas. Segurança jurídica e duração razoável, “estados de coisas” que precisam ser atingidos por força dos mencionados princípios constitucionais, simplesmente desprezados”
Dessa forma, ele entende que é ilógica a possibilidade de existir decisão que não opere a preclusão, pois, assim, a decisão proferida pelo julgador de primeira instância, no curso do procedimento, não teria validade alguma. E caso o apelo seja acolhido no capítulo da decisão interlocutória, todos os atos do procedimento supervenientes à decisão anulada também seriam anulados, devendo estes atos anulados ser novamente praticados. Para ele (DIDIER JR, 2010, p. 02), “decisão sem possibilidade de preclusão é situação que claramente ofende a segurança jurídica. Avilta, inclusive, o papel do juiz de primeira instância”.
O mencionado doutrinador defende, ainda, que o ordenamento pátrio deveria conservar o sistema vigente no que tange à decisão interlocutória. Assim, as decisões interlocutórias que não causassem risco à parte deveriam ser impugnadas por meio do agravo retido, e que, caso isto não ocorra, que se opere a preclusão, pois desta maneira se estaria evitando que a questão fosse reexaminada, e o consequente retrocesso processual.
O procedimento comum ordinário, por possuir muitas fases, propicia a ocorrência de incidentes ao longo do seu curso, havendo diversas situações aptas a ensejarem decisões interlocutórias, que ocorrem em momentos distintos, inúmeras vezes bem antes, do proferimento da sentença. À título exemplificativo, algumas decisões interlocutórias são listadas por José Carlos Barbosa Moreira (2009, p. 493):
“no processo de conhecimento–além das mencionadas acima, a que manda riscar dos autos expressões injuriosas; a que resolve sobre o pedido de assistência (art. 51 e seu inciso III); a que defere ou indefere a nomeação à autoria (art. 64); a que ordena ou nega a reunião de ações propostas em separado (art. 105); a que acolhe ou rejeita a argüição de incompetência absoluta, ou a declara ex officio (art. 113); a que defere ou indefere a produção de qualquer prova, ou a determina de ofício (art. 130); a que aprecia impugnação ao valor atribuído à causa (art. 261); a que defere ou indefere requerimento de antecipação da tutela (art. 273); a que julga a exceção de incompetência relativa (art. 309); a que resolver sobre cantradita a testemunha ou sobre escusa de depor (art. 414, §§1º e 2º) […]”.
Entendemos que a proposta do PLS 166/2010, no que tange à aplicação da ausência de preclusão, poderá consistir em um problema processual, já que não respeita os princípios constitucionais da segurança jurídica e da razoável duração do processo. Havendo a possibilidade de a decisão ser anulada a qualquer momento e o processo que se encontrava na fase de julgamento retornar ao início, não há que se falar em segurança jurídica. A garantia de que haja um processo sem dilações indevidas também restaria ofendida, afinal a conseqüência da anulação do processo em fase já avançada poderá contribuir, ainda mais, para a ocorrência de processos morosos e para a falta de efetividade e tempestividade da prestação jurisdicional.
Para sanar tais problemas apresentados sobre a ausência de preclusão no PLS 166/2010, em razão da sua omissão, entendemos ser necessário que seja transplantado para o Processo Civil o instituto do protesto utilizado no Processo do Trabalho, pois, além de exigir que as partes fiquem atentas ao processo, gerará celeridade e segurança jurídica.
Segundo a solução proposta pelo presente estudo, a parte interessada deverá protestar no momento oportuno, que, de acordo com o art. 795, caput, da CLT, consistiria na “primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos” e aguardar a sentença final, já que as decisões interlocutórias se tornarão irrecorríveis de imediato. Isto porque, como no processo do trabalho, o protesto consignaria o inconformismo da parte. Caso a sentença final proferida pelo juízo a quo seja desfavorável para a parte, e estando inconformada com a decisão prolatada, ela deverá se insurgir por meio do recurso de apelação de modo que neste, antes mesmo de adentrar ao mérito, poderá inserir como preliminar o protesto realizado anteriormente e as suas razões, requerendo a nulidade do julgamento, que os autos retornem à primeira instância, e, por fim, se necessário, que haja a reabertura da instrução processual.
Outra questão pertinente consiste em como compatibilizar a interpretação de dois artigos previstos no PLS 166/2010, o art. 923 e o 925, §1º, ambos inseridos no Capítulo II, “DA APELAÇÃO”. Isto porque, enquanto o primeiro afirma que as decisões interlocutórias que venham a ser resolvidas ao longo do procedimento não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de eventual apelação a ser interposta em face da decisão final, o §1º do art. 925 dispõe que serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, resolvidas ou não pela sentença.
A necessidade de se refletir sobre uma maneira de compatibilizar tais dispositivos nasce da divergência existente entre ambos. A partir da análise do art. 923 do PLS 166/2010, as decisões interlocutórias, via de regra, seriam irrecorríveis ao longo do processo, com o proferimento da decisão final pelo juiz de primeiro grau estas devem ser suscitadas em preliminar de apelação, sob pena de operar a preclusão temporal sobre estas questões. A leitura do mencionado artigo deve, ainda, ser conjunta com o parágrafo único do art. 929, que dispõe que:
“as questões resolvidas por outras decisões interlocutórias proferidas antes da sentença não ficam acobertadas pela preclusão, podendo ser impugnadas pela parte, em preliminar, nas razões ou contrarrazões de apelação”.
Depreende-se, portanto, que, ressalvadas as tutelas de urgência ou de evidência, de decisões interlocutórias que versem sobre o mérito da causa ou as decisões proferidas na execução, que são passíveis de agravo de instrumento, e devem ser impugnadas no momento oportuno, sob pena de preclusão, as demais decisões interlocutórias possuem até o momento das razões ou contrarrazões de apelação para serem suscitadas em preliminar, para não restarem acobertadas pela preclusão.
Ocorre que, de acordo com o art. 925, § 1º, do PLS 166/2010, serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal superior todas as questões suscitadas e discutidas no processo, resolvidas ou não pela sentença. Ora, enquanto o art. 923 faz menção a “questões resolvidas na fase cognitiva”, e que devem ser suscitadas por meio de “preliminar”, o §1º do art. 925 menciona que “todas as questões suscitadas e discutidas no processo”, tendo este um alcance muito maior que o art. 923, sequer exigindo que fossem suscitadas como preliminar. Conforme lição de José Carlos Barbosa Moreira (2009, p. 430),
“Como o apelante, à evidência, não pode impugnar senão aquilo que se decidiu (na sentença: não em qualquer outro pronunciamento do juiz, ainda que emitido pouco antes – vg. No curso da mesma audiência), conclui-se desde logo que a apelação não devolve ao tribunal o conhecimento de matéria estranha ao âmbito do julgamento do órgao a quo”. (grifos nossos).
Dessa forma, caso o aplicador da lei interprete o dispositivo conforme o quanto expresso no § 1º do art. 925, a matéria objeto de impugnação e conseqüente devolução da apelação ao tribunal será muito mais ampla, de modo que o instituto da duração razoável do processo pode restar comprometido. Isto porque o princípio motor do novo CPC é a celeridade, que deve estar em harmonia com a segurança jurídica, ou seja, que as prestações jurisdicionais continuem sendo justas, mas que passem a ser tempestivas, eficazes e céleres. A incompatibilidade reside também no fato de que a essência do tribunal não é a mesma do órgão inferior, em que é possível valoração de fatos e provas, em que o processo é instruído e desenvolvido, não sendo coerente que o tribunal esteja apto a apreciar e julgar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, que sequer foram resolvidas pela sentença.
5 A AMPLIAÇÃO DO EFEITO DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO
Conforme já analisado em tópico próprio, no Capítulo 2, item 2.1 (“regime atual da apelação”), este recurso, bem como todos os outros, possui o efeito devolutivo. Assim, conforme José Carlos Barbosa Moreira (2009, p. 430), “delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que matéria há de trabalhar o órgão ad quem para julgar”. Assim sendo, a análise do objeto da decisão apelada consiste na perspectiva horizontal, ao passo que os fundamentos da decisão objeto do apelo constitui a perspectiva vertical.
O artigo 515, § 3º, foi acrescentado ao CPC vigente através da Lei nº 10.352, de 26-12-2001, e dispõe que
“Art. 515 – A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.”
Com isso, uma sentença meramente terminativa, ou seja, que extingue o processo sem resolução de mérito, pode vir a ser substituída por um acórdão proferido pelo tribunal que irá resolver o mérito da causa, o que fez com que o efeito devolutivo da apelação se expandisse. Entretanto, o §3º não se aplica a todas as hipóteses possíveis de sentença terminativa, haja vista que a redação do dispositivo legal traz requisitos que devem ser adimplidos para que o tribunal superior proceda ao julgamento da lide.
Segundo José Carlos Barbosa Moreira (2009, p. 432), “é necessário que, estando em condições de fazê-lo, o órgão ad quem conclua que a apelação deve ser conhecida e, no mérito, provida para o fim de reformar-se a sentença”, devendo, para tanto, constatar se a apelação é admissível e se é válida e que não exista no órgão de primeiro grau o impedimento encontrado na instância superior, nem qualquer outro, além dos requisitos expressos no mencionado artigo, quais sejam, se a matéria é exclusivamente de direito e se está em condições de julgamento imediato, ou seja, estejam nos autos todos os elementos de provas necessários ao exame do pedido do autor. Segundo o mencionado autor,
“esses dois últimos pressupostos em certa medida superpõem-se: a entender-se que a causa estará “em condições de imediato julgamento” sempre que já não haja necessidade de outras provas além das produzidas nos autos, a cláusula abrangerá as hipóteses de discutir0se naquela “questão exclusivamente de direito”, pois só por exceção (art. 337) é concebível que se necessite de prova para resolver quaestio iuris. Teria sido preferível que se adotasse aqui, com as decidas adaptações, a fórmula relativa ao julgamento antecipado da lide, constante no art. 330, nº I: “quando a questão suscitada no recurso for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de outras provas.”
Para Nelson Nery Júnior (2004, p. 433-434), o tribunal é autorizado pelo art. 515, §3º do CPC vigente “a julgar diretamente o mérito da causa quando, no julgamento da apelação, afasta a sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC 267) e, ainda a causa versar matéria exclusivamente de direito ou, sendo de direito e de fato, encontrar-se devidamente instruída”.
O citado autor (2009, p. 434) defende que o tribunal só poderá julgar a causa, se a questão for de fato, se conceder oportunidade ao autor de provar os fatos constitutivos do seu direito (art. 333, inc. I do CPC), e ao réu a possibilidade de demonstrar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor (art. 333, inc. II do CPC). Configurar-se-á cerceamento de defesa e ofensa ao artigo 5º, inc. LV da Carta Maior, que consagra os princípios do contraditório e da ampla defesa, a não extinção do processo sem resolução de mérito caso o tribunal julgue-o, se a causa estiver suficientemente instruída para tanto.
Entretanto, o posicionamento da apreciação de imediato pelo tribunal sobre questões de fato não é unânime. Fredie Didier Jr (2008, p. 108) e Bernardo Pimentel Souza (2009, p. 475) entendem que é vedado ao tribunal apreciar o mérito caso a questão envolva análise de fatos, não incidindo, portanto, o art. 515, §3º.
Cabe salientar, entretanto, que o PLS 166/2010 trouxe uma inovação à redação do art. 515, §3º. Esta se encontra no Capítulo II, “DA APELAÇÃO”, art. 925, §3º, que dispõe que tanto nos casos de sentença sem resolução de mérito, quanto de nulidade por não observância dos limites do pedido, o tribunal deverá de logo decidir a lide se a causa versar sobre questão exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento.
Assim, houve uma ampliação do efeito devolutivo da apelação, pois, a partir da aplicação do novo CPC, não apenas sentenças terminativas poderão ser objeto de julgamentos imediatos pelo tribunal, como também sentenças de nulidade pela não observância dos limites do pedido.
Ademais, há outra inovação em relação a esse assunto tendo em vista que a redação do art. 515, §3º, utiliza-se do termo “pode julgar desde logo”, ao passo que o novo CPC não trouxe o julgamento a ser realizado pelo tribunal como uma faculdade, mas como uma obrigação ao dispor que o tribunal “deve decidir desde logo a lide”.
Percebe-se que a Comissão de Juristas responsável pela elaboração do PLS 166/2010 não se pronunciou acerca da aplicação da mencionada regra de julgamento em relação às questões de fato, ou seja, quando algum dos argumentos invocados pelos litigantes demande instrução, produção de provas, somente ampliou o campo de incidência do efeito devolutivo em que são cabíveis julgamentos imediatos da lide.
6 A NÃO INSTITUIÇÃO DA “APELAÇÃO POR INSTRUMENTO” E A MUDANÇA DO ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELA REALIZAÇÃO DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
O recurso de apelação, ao ser interposto de acordo com o art. 513 do CPC, ou seja, em face de sentenças definitivas ou terminativas, ocorre por petição dirigida ao juiz de primeira instância, conforme os requisitos legais previstos no art. 514 do CPC vigente. Na sistemática atual, este juiz de primeiro grau é o responsável pela realização do juízo de admissibilidade do apelo, de modo que, se faltar-lhe algum dos requisitos, a apelação sequer é recebida, e contra este pronunciamento a parte poderá interpor agravo de instrumento.
Somente com o eventual reconhecimento do apelo é que será remetido ao juízo ad quem. Em virtude de, neste período, o juiz de primeira instância não poder ter em mãos os autos, todas as demais matérias, ainda que alheias ao conteúdo do recurso, não poderão ser decididas, até que o recurso seja julgado.
Nesse contexto, a apelação por instrumento se faz necessária à ocorrência da prestação de uma atividade jurisdicional mais célere e eficaz. Isto porque, conforme já explicado em tópico próprio (2.2.3), a apelação por instrumento consiste na formação de um instrumento com a apelação no juízo a quo que seria o órgão responsável pelo juízo de admissibilidade do recurso, determinando posteriormente a remessa do instrumento com a apelação, contra-razões e com a cópia dos autos principais ao tribunal superior, sendo nos autos principais certificada somente a existência do recurso em andamento.
Em que pese o mencionado recurso venha sendo utilizado por alguns países, inclusive pela Itália[2], e até a sua instituição tenha sido objeto de discussão pela Comissão de Juristas que elaborou o PLS 166/2010, não houve a sua inserção no ordenamento pátrio.
Em contrapartida, em sede de interposição do recurso de apelação houve uma novidade, que encontra previsão no art. 926, Capítulo II, “DA APELAÇÃO”, ao passar a dispor que o juízo de admissibilidade será realizado no órgão superior, não sendo mais feito pelo juiz de primeiro grau.
“Art. 926. A apelação será interposta e processada no juízo de primeiro grau; intimado o apelado e decorrido o prazo para resposta, os autos serão remetidos ao tribunal, onde será realizado o juízo de admissibilidade.”
Conforme se depreende da leitura do artigo acima, a interposição e o processamento da apelação continuam sendo no juízo a quo, todavia, a análise do juízo de admissibilidade passa a ser feita no tribunal. Conforme a leitura do art. 518 do CPC vigente, com a interposição da apelação, o juiz declara os efeitos em que a recebe e dá vista ao apelado para que este possa responder. Dispõe o §2º que, após a apresentação da resposta do apelado, é facultado ao juiz, no prazo de 05 (cinco) dias, realizar o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso.
A consequência dessa inovação proposta pelo PLS 166/2010 consiste no fim da interposição do agravo de instrumento contra a decisão que inadmitia o recurso de apelação, bem como o agravo que discutia os efeitos em que a apelação era recebida, pois agora esta só será de fato recebida na instância superior. A apelação não seria inadmitida pelo juízo de 1º grau, como é no ordenamento vigente, porque sempre será feita pelo juiz de 2º grau, logo, incabível o agravo de instrumento.
7 CONCLUSÃO
As mudanças processuais propostas pelo PLS 166/2010, por si só, não são capazes de solucionar as questões do abarrotamento das cortes judiciais e da ineficiência processual. Entretanto, tratando-se especificamente das alterações no regime da apelação é possível constatar que as mesmas estão em consonância com o princípio da razoável duração do processo.
Em relação a proposta da eliminação do efeito suspensivo, como regra geral, há que haverá uma valorização da sentença prolatada pelo juízo de primeiro grau. Sendo o efeito suspensivo uma exceção, constatou-se que a apelação somente o terá se o relator do recurso se convencer da sua “probabilidade de provimento”. A inovação mencionada é positiva. Todavia, entendemos que o critério de concessão do efeito suspensivo apresentado confere uma maior liberdade judicial, de modo que deveria ser criado um parâmetro mais objetivo para discipliná-lo, como, por exemplo, a consonância de seu conteúdo com a jurisprudência dominante no respectivo tribunal ou nos tribunais superiores.
Por sua vez, a alteração atinente ao estabelecimento da apelação como único recurso em face das decisões proferidas em primeiro grau, ressalvadas as tutelas de urgência, que continuam sendo passíveis de agravo de instrumento, ocasionará a extinção do recurso denominado de “agravo retido”. Desta forma, os incidentes passam a ser julgados conjuntamente com o mérito da causa, após a sentença final, o que faz com que haja ausência de preclusão e consequente ampliação da função da apelação. A mencionada ausência de preclusão almejada, todavia, nos parece que acarretará certa insegurança jurídica à sociedade e uma falsa celeridade. Isto porque, da forma como se apresenta, caso a instância superior, no momento do julgamento da apelação, reexamine a decisão interlocutória e dê-lhe provimento, isto gerará a anulação do processo, devendo a questão retornar ao reexame do juízo a quo, devendo os atos anulados ser novamente praticados.
Resta evidenciado que a ausência de preclusão, nos moldes indicados pelo PLS 166/2010, trará inúmeros problemas para a ordem processual, de modo que propomos que o instituto do protesto utilizado na Justiça do Trabalho seja transplantado para o Processo Civil, sendo este instrumento capaz de compatibilizar os princípios constitucionais da celeridade (inexistente no procedimento vigente em razão do uso do agravo retido) e da segurança jurídica, já que as partes deverão estar atentas aos acontecimentos no curso do processo, sob pena de não mais poder se insurgir, fazendo com que a ausência de preclusão deixe de ser um empecilho à segurança do processo.
Quanto a proposição relativa à instituição da apelação por instrumento, em que pese tenha sido objeto de discussão pela Comissão de Juristas, mas não tenha sido inserida no PLS 166/2010, condiz com a projeção almejada pelo mesmo.
Em relação à instituição da apelação por instrumento, no ordenamento pátrio, apesar de ter sido discutida em sede preliminar pela Comissão de Juristas que elaborou o PLS 166/2010 e de estar em consonância com os anseios de celeridade, não houve a sua inserção.
Por sua vez, a mudança do órgão responsável pela realização do juízo de admissibilidade, na medida em que o agravo de instrumento contra a decisão que inadmitia o recurso de apelação não mais será cabível, nem o agravo que discutia os efeitos em que era recebida na primeira instância, gerará celeridade processual.
Ante o exposto, entendemos que, embora o PLS 166/2010 não abarque todos os institutos que possam conferir celeridade processual, associados à segurança jurídica, a exemplo do protesto e da apelação por instrumento, as mudanças são positivas, sendo capazes de conferir homeopaticamente celeridade às prestações jurisdicionais, proporcionando aos cidadãos um melhor acesso à justiça.
Graduada em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS; Pós-Graduanda em Direito do Estado pelo Jus Podivim – Previsão para conclusão; Advogada
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