Letícia Oliveira Calixto de Jesus[1]
Resumo: Parte dos habitantes no Brasil sempre enfrentou uma peculiar situação: a de imigrante. Esse projeto visa explanar o amparo constitucional almejado e o materializado a favor dessa classe. Busca analisar dentro das visões prática e jurídica como é desenvolvida a proteção aos direitos fundamentais que a Constituição de 1988 ambiciona consolidar. Trata explicitamente sobre os âmbitos social e legal da imigração. Oportuna transcursar a fundo em uma reflexão pragmática levando em conta os princípios da carta magna. Aponta para uma questão de pauta iminente no curso de normas e políticas a fim de proporcionar clareza e alternativas a realidade imigratória nacional. Pretende em seu discorrimento analisar se a existência de garantias positivadas que abordem a relação do imigrante assegura sua real aplicabilidade por meio da investigação dos regramentos constitucionais que foram instituídos. Descreve os desafios que o Estado e a legislação enfrentam na aplicabilidade dos direitos humanos. Por meio de uma pesquisa bibliográfica, contextualiza medidas tidas como solucionadoras no saneamento de precariedades legítimas a fim de expor os reflexos disso na comunidade brasileira. Anseia fazer um exame das circunstâncias básicas de seguridade e acessibilidade a um digno tratamento ofertadas a pessoas de outros países que entram em território brasileiro.
Palavras-chave: Imigrante. Constituição. Direitos Humanos. Comunidade Brasileira.
The Brazilian Constitutional Revérbero in the Reality of Immigration
Abstract: Part of the inhabitants of Brazil has always faced a peculiar situation: that of an immigrant. This project aims to explain the constitutional support sought and materialized in favor of this class. It seeks to analyze within the practical and legal visions how the protection of fundamental rights that the 1988 Constitution aims to consolidate is developed. It deals explicitly with the social and legal spheres of immigration. It is important to reflect in depth on the principles of the Magna Carta. It points to an imminent issue in the course of norms and policies in order to provide clarity and alternatives to the reality of national immigration. In its discourse, it intends to analyze whether the existence of positive guarantees that address the relationship of the immigrant ensures its real applicability through the investigation of constitutional rules that have been instituted. It describes the challenges that the State and legislation face in the applicability of human rights. Through a bibliographic research, it contextualizes measures that are considered as solutions in the sanitation of legitimate precariousness, in order to expose the reflexes of that in the Brazilian community. It is eager to examine the basic circumstances of security and accessibility to worthy treatment offered to people from other countries entering Brazilian territory.
Keywords: Immigrant. Constitution. Human Rights. Brazilian Community.
Sumário: Introdução. 1. Análise jurídica e cultural. 2. Conceitos legais. Conclusão. Referências.
Introdução
É certo que a Constituição da República Federativa do Brasil busca em seu ordenamento amparar e igualar direitos fundamentais e indispensáveis a vivência digna de todas as pessoas.
Porém, é notável o traço de que as estruturas de políticas públicas nem sempre se mostram harmoniosas a esse fato e, às vezes, esses direitos são limitados de forma a excluir classes.
Boa parte da população que vem de outro país é discriminada e rejeitada no espectro geral da sociedade brasileira e a imigração se tornou uma verdade consolidada desde os anos retrógrados.
Relativamente a isso, Da Costa Silva (2013, p. 235-266) profere “Esse conjunto de ideias de desenvolvimento, progresso e modernização do país e formação da nação apresenta -se etnicamente marcado e materializa- se nas políticas imigrantistas que produziram um modelo de hierarquização racial que via o elemento negro da população destituído de quase todo valor ou papel positivo no processo de construção do país e da nação. Caracterizados como incapazes de contribuir para o sistema de livre iniciativa por insuficiência intelectual, incapacidade técnica ou debilidade moral; vistos como parte e irremediavelmente presos um passado de atraso económico e incivilidade, além de peso de retardo das novas energias progressistas da sociedade.”
Variados são os relatos de imigrantes escravizados, desamparados e menosprezados. Há uma grande necessidade de entender o que permeia esse fator negativo e como a lei maior do Brasil trata disso intencionando sanar essa variação desabonadora.
Barreto (2001, p. 64) comenta “A imigração no Brasil começou com os próprios descobridores, os portugueses, no processo de colonização. Posteriormente, com o desenvolvimento da lavoura, principalmente para exportação, tivemos a imigração forçada de africanos que chegaram ao Brasil como escravos. Entretanto, com o fim da escravidão, tornou-se imperiosa a vinda de imigrantes para suprir a necessidade de mão-de-obra para as pequenas propriedades, que objetivavam o desenvolvimento e a segurança do sul do país, bem como para a lavoura cafeeira de exportação. Nesse contexto, chegaram italianos, alemães e japoneses.”
Apesar da firmeza do texto constitucional, os imigrantes, refugiados ou não, recebem de boas-vindas más condições de trabalho, muitas vezes análogas à escravidão, pouca ou quase nenhuma inserção coletiva e um tratamento baseado na xenofobia implantada de forma intrínseca na estrutura nacional. É relevante meditar em como isso é disciplinado e influenciado ou deveria ser pela carta magna do País.
Gilmar Ferreira e Paulo Gustavo (2011, p. 196) dizem que “Há direitos que se asseguram a todos, independentemente da nacionalidade do indivíduo, porquanto são considerados emanações necessárias do princípio da dignidade da pessoa humana. Alguns direitos, porém, são dirigidos ao indivíduo enquanto cidadão, tendo em conta a situação peculiar que o liga ao País. Assim, os direitos políticos pressupõem exatamente a nacionalidade brasileira. Direitos sociais, como direito ao trabalho, tendem a ser também compreendidos como não inclusivos dos estrangeiros sem residência no País.”
Quais os efeitos jurídicos e garantias fundamentais baseados na Constituição da República Federativa do Brasil são alicerçados e respeitados sob a perspectiva do cidadão imigrante?
É preciso entender o que isso significa para a cadeia interna e desmistificar os conceitos arcaicos construídos sob uma ótica taxativa e cruel que persiste em impor seus traços.
Assis e Magalhães (2016, p. 246) ponderam que “A discriminação e preconceito a esse “outro” tão diferente na sua cultura, na sua cor, no seu modo de falar, na sua religião, colocam novos desafios de inclusão e diálogo intercultural para um Estado que construiu sua identidade muito pautada nas contribuições que trouxeram os imigrantes do século XIX, brancos e europeus e que agora recebe novos imigrantes vindos do Haiti e de outros países, os quais vem ao Brasil procurar oportunidades de trabalho e de reconstruírem suas vidas.”
É necessário refletir nessa problemática e compreender o porquê a extensão de proteção aos direitos fundamentais individuais e coletivos não chegam à classe imigrante.
O objetivo do artigo consiste em descobrir quais impactos o ordenamento constitucional brasileiro traz ou deixa de trazer aos imigrantes que se estabelecem.
O intuito é averiguar e transcorrer o caminho dos direitos fundamentais e humanos até a rotina do trabalhador imigrante.
Para o desenvolvimento deste artigo serão utilizadas diversas fontes, tais como, artigos, doutrinas de juristas renomados e teses disponíveis para pesquisa pública. Trata-se de artigo científico fundado em pesquisa bibliográfica e documental.
Desde os primórdios, o Brasil recebe imigrantes de diversas nacionalidades, contando, porém, com picos de imigração que merecem destaque, como por exemplo a vinda de mais de um milhão e meio de portugueses na metade do século 19.
Apesar da participação dos portugueses na construção demográfica, populacional e histórica, nessa época, o País já havia conquistado sua independência.
A centralização dos novos moradores se deu principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, sendo facilitada pela compatibilidade de idiomas e regressão econômica que ocorria então em Portugal.
Pasckes (1990/1991, p. 35-70) relembra “Na medida em que as condições de viagem eram superiores às condições gerais de vida nas aldeias de origem, estes emigrantes experimentavam o sentimento de uma aventura bem sucedida antes mesmo de aqui chegarem. Foi este sentimento que muitas vezes levava os trabalhadores a se amargurarem com a precariedade da vida inicial no Brasil, imaginamos que tanto a idéia de um enriquecimento no Brasil como o sofrimento saudosista e as dificuldades de adaptação material na chegada estimulavam os imigrantes portugueses a uma dedicação quase integral ao trabalho. Sobretudo se este trabalho era por conta própria.”
Pouco depois, em meados de 1870, os italianos chegaram buscando amparo trabalhista nas lavouras e fábricas, estimando-se em mais de um milhão e meio de imigrantes também.
A partir dessa data, em 1972, mais de 700 espanhóis adentraram o solo brasileiro. Se instalaram na maioria em São Paulo buscando labores nas imensas plantações de café, se sujeitando as mais diversas condições desumanas em nome da subsistência.
Ainda na mesma referência, conforme o Ministério da Justiça e o Comitê Nacional Para Refugiados, o Brasil vem recebendo grande quantidade de pessoas que buscam escapar de guerras em sua região de origem ou vítimas de precariedade social, com o aludido sonho de alcançar um capítulo mais digno em suas vidas. Nessa situação, se enquadram os imigrantes do Haiti, Angola, Palestina, Gana, Bangladesh, Senegal e Síria.
Cánovas (2001) expõe “Estima-se que cera de 10% da população espanhola emigrara entre 1901 e 1911, sendo que o destino preferido era a Argentina e o Uruguai, seguido pelo Brasil, com 2/3 tendo como destino a América. Deve-se considerar que a opção de destino era, em geral, individual, definida por fatores como conexões portuárias, subsídios concedidos pelos receptores, propagandas, cartas de parentes e amigos. Dos imigrantes espanhóis que se deslocaram para o Brasil na passagem do século XIX para o XX, 79% dirigiram-se para o Estado de São Paulo.”
Fonseca (2016, p. 969-984) pontua ainda “Reaproximamo-nos aqui da ideia de um esvaziamento do Estado de direito perante uma das concretizações mais contundentes da biopolítica no presente, a questão dos deslocamentos populacionais. Diante desta concretização biopolítica de nosso tempo, pode-se questionar a insuficiência das respostas que o Estado de direito tem sido capaz de oferecer. Ainda que, formalmente, a juridicidade estatal oriente estas respostas, percebe-se o quanto estão distantes de possuírem efetividade, de serem dotadas de legitimidade e, no limite, de serem justas.”
Aprofundando os dados em um período mais recente, muitos refugiados da Venezuela vêm se instalando em território nacional.
A atual crise que lá assola, gerada pela disputa política, falta de emprego, de alimentação e recursos médicos fez com que o índice de pedidos de refúgio no Brasil aumentasse bruscamente.
Por exemplo de 17.685, o número subiu para 61.681 pedidos, o que equivale a uma expansão de 245% conforme o Ministério Da Justiça e Segurança Pública de 2017 a 2018.
Porém, apesar do sonho de conforto, a maioria não encontra a dignidade procurada, pelo contrário, se deparam com o preconceito, escassa sobrevivência, desamparo político-social e segregação comunitária.
Na perspectiva de Pereira e Gil Filho (2014, p. 191-214): “Nesse movimento, a humanidade tem construído marcadores sociais, distinções com pretextos biopsicologizantes, criando imagens do bem e do mal, do belo e do feio, e constituindo, de modo cruel e crescente, a segregação social e a pobreza. É nesse contexto que as migrações forçadas acontecem. Não é uma jornada em busca de melhorar uma sobrevivência estabelecida, é uma busca pela própria sobrevivência, geralmente desesperada e marcada por um acontecer de grande sofrimento e incertezas. Falar do luto no contexto migratório é uma tentativa de trazer ao debate as “mortes cotidianas”, às quais o imigrante está vulnerável especificamente por sua condição. (…) Nesse sentido, morrer pode ser um ato individual, mas a mundanidade da morte é “vivida” na coletividade que lhe conforma simbolicamente.”
Para Redin (2013, p. 27) o “fruto da crença da justiça do direito e o enquadramento legal do sujeito de direitos permitem que a violência do direito, sob a égide dos dogmas autoridade/poder/Estado/vontade geral, seja perpetuada e legitimada.”
Por isso, preceitos jurídicos devem ser levantados a fim de discutir os já construídos pilares legais de quem se encontra nessa situação.
Dentro da Constituição, no artigo 1º, encontra-se a previsão dos princípios fundamentais, são eles:
– Princípio da Soberania;
– Princípio da Cidadania;
– Princípio da Dignidade da Pessoa Humana;
– Princípio dos Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa;
– Princípio do Pluralismo Político.
Na definição por De Plácido e Silva (1993, p. 447): “No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. (…) Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio direito.”
Para Ávila (2004, p. 28) “os princípios não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios”.
A Lei 13.445/2017, conhecida como Lei de Migração, embasada na Constituição, cita em seu artigo 3º o direito do imigrante a uma “acolhida humanitária”, inclusão social, laboral e produtiva por meio de políticas públicas.
O artigo 4º dessa lei pauta realmente o imigrante como sujeito de direitos e reforça as garantias fundamentais já elencadas.
A criação e aplicação dessa Lei foi um marco de grande vitória a favor dos Direitos Humanos e da adequação do cenário geral de garantias a Constituição Federal. Mais especificadamente, em seu artigo 3º e 4º (2017) diz: “3º A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios: I – universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; II – repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação; III – não criminalização da imigração; IV – não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional; V – promoção de entrada regular e de regularização documental; VI – acolhida humanitária; VII – desenvolvimento econômico, turístico, social, cultural, esportivo, científico e tecnológico do Brasil; VIII – garantia do direito à reunião familiar; IX – igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e seus familiares; X – inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas; XI – acesso igualitário e livre do imigrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social; XII – promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante; (..)4º Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como são assegurados: I – direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos; II – direito à liberdade de circulação em território nacional; III – direito à reunião familiar do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes; IV – medidas de proteção a vítimas e testemunhas de crimes e de violações de direitos; V – direito de transferir recursos decorrentes de sua renda e economias pessoais a outro país, observada a legislação aplicável; VI – direito de reunião para fins pacíficos; VII – direito de associação, inclusive sindical, para fins lícitos; VIII – acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social, nos termos da lei, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória; IX – amplo acesso à justiça e à assistência jurídica integral gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; X – direito à educação pública, vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória; XI – garantia de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória; XII – isenção das taxas de que trata esta Lei, mediante declaração de hipossuficiência econômica, na forma de regulamento; XIII – direito de acesso à informação e garantia de confidencialidade quanto aos dados pessoais do migrante, nos termos da Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011; XIV – direito a abertura de conta bancária; XV – direito de sair, de permanecer e de reingressar em território nacional, mesmo enquanto pendente pedido de autorização de residência, de prorrogação de estada ou de transformação de visto em autorização de residência; e XVI – direito do imigrante de ser informado sobre as garantias que lhe são asseguradas para fins de regularização migratória.”
Isto demonstra a responsabilidade objetiva que o Brasil possui de respeitar todos que o adentrem, tal como o dever de fiscalizar o devido cumprimento e aplicação na prática, independente do obreiro ser nato, naturalizado ou estrangeiro.
São normas gerais, que refletem os direitos básicos de todo ser humano, sem distinção de cor, raça ou nacionalidade, aplicando-se aos brasileiros ou imigrantes em geral.
Zelaya (2018, p. 90-111) raciocina “Para o governo nacional, o aumento do número de imigrantes demostrava tanto o crescimento econômico e a consolidação do país no mercado internacional como a vocação de hospitalidade e acolhimento que caracterizaria historicamente ao Brasil reforçando a imagem do “Brasil país de imigração”. Nesse cenário, os atores que já atuavam no campo migratório intensificaram suas ações em prol da criação de uma Lei de Migrações que pusera fim ao Estatuto de Estrangeiro, aliás, muito criticado tanto por parte de organizações da sociedade civil como por certos setores do governo. A crítica mais comum referia-se ao tratamento do fenômeno migratório sob a perspectiva da segurança nacional, o que contradiz a Constituição Nacional de 1988.”
O Princípio constitucional dos Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa é incluído pela Lei de Migração 13.445/2017 quando esta anuncia a validação de diploma estrangeiro tencionando a atuação profissional no País.
Nelson Rosenvald (2005, p. 48) dilucida “Os princípios colocam-se em estado de tensão, passível de superação no curso da aplicação do direito. O sentido dos princípios só será alcançado na ponderação com outros de igual relevância axiológica, pois operam em par, em complementariedade. Eles são prima facie, pois enquanto nas regras o comportamento já é objeto de previsão textual – elas pretendem gerar uma solução específica para o conflito – os princípios não portam consigo juízos definitivos do dever-ser, eles não determinam diretamente a conduta a ser seguida, apenas estabelecem fins normativamente relevantes, cuja concretização demandará intensa atividade do aplicador do direito. O princípio não aspira a obtenção de uma solução específica, mas soma-se a outras razoes para a tomada de decisões. Assim, será na dimensão do peso que se realizará uma harmonização entre os princípios e suas diretrizes valorativas, a ponto de afastar um deles no caso concreto, solucionando-se o campo de tensão.”
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também, em seu artigo 5º, afirma a igualdade sem distinção aos estrangeiros residentes no Brasil e brasileiros, concedendo o direito à vida, liberdade, segurança, propriedade e outros, mostrando que não deve haver parcialidade ou diferença alguma entre eles.
Leia-se (1988, Art. 5º) “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; (Vide Lei nº 13.105, de 2015) (Vigência) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996) XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens (…)”.
Fermentão (2006, p. 243) discorre “O artigo 5° da Constituição Federal e seus incisos consagraram os direitos humanos fundamentais, entre eles as garantias e direitos individuais e coletivos. Por meio deste mesmo artigo, a carta magna estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
Sobre os direitos fundamentais, Perez (2005, p. 61) citado por Silva (2017, p. 182) argumenta “Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.”
Paulo e Alexandrino (2017, p. 115) dissertam que: “(…) o direito individual fundamental à vida possui duplo aspecto: sob o prisma biológico traduz o direito à integridade física e psíquica (desdobrando-se no direito à saúde, na vedação à pena de morte, na proibição ao aborto etc.); em sentido mais amplo, significa o direito a condições matérias e espirituais mínimas necessárias a uma existência condigna à natureza humana.”
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Os direitos fundamentais ficam bem abrangidos pelos conceitos dos autores acima que salientam como eles preservam não só o particular mas a comunidade geral de brasileiros e estrangeiros, sem dessemelhança.
Caminhando ao artigo 6º da mesma carta, são postos os intitulados Direitos Sociais, que são direitos a:
– Educação
– Saúde
– Alimentação
– Trabalho
– Moradia
– Transporte
– Lazer
– Segurança
– Previdência Social
– Proteção à maternidade e à infância
– Assistência aos desamparados
Flávia Piovesan (2013, p.65) discursa eloquentemente ao estender-se com relação aos direitos certificados pela Constituição, a justiça e a liberdade: “(…) sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a mera categoria formais, enquanto que, sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida em seu amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira significação. Não há mais como cogitar liberdade divorciada da justiça, como também infrutífero pensar na justiça divorcida da liberdade. Em sumam todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, em que diferentes direitos estão necessariamente interelacionados e são interdependentes entre si.”
É prudente chamar a atenção, além das proteções, para as restrições impostas ao estrangeiro pelo próprio texto constitucional.
O artigo 14 parágrafo 2º enuncia que “Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.”
Já no artigo 17, inciso II há “a proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes”.
No artigo 199, parágrafo 3º encontra-se mais uma barreira onde é “É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.”
Para Cristino (2018, p. 433-448) “A situação emblemática da imigração questiona os modelos teóricos sociais, políticos e jurídicos existentes. Nela se encontra a diversidade cultural que compõe o pluralismo desejado e defendido nas teses que vislumbram o limiar de uma nova sociedade. Nela há o anseio pelo reconhecimento da diferença que permita o espaço para a sua “voz”, para a participação política ativa considerada a base estrutural do sistema político-jurídico que se intitula democrático. Sobretudo exemplifica a necessidade da concretização dos “direitos primários”, sem os quais sequer se pode constituir o caráter humano.”
Pinto (2013) elucidando acerca da mobilidade constitucional dentro do cenário imigratório, exclama uma problemática “A crença e a credibilidade constitucional dependem da rapidez com que o texto se amolda às novas e urgentes necessidades sociais e políticas sem perder a pretensão, às vezes puramente contratual ou convencional, do equilíbrio global no tempo. Com mudanças ou não das e nas palavras há uma alteração de sentidos na direção desejada pela onda irreprimível de reivindicações adaptativas, embora se mantenha a coerência e identidade sistêmica do documento como um todo. Esse é o segredo da permanência constante e móvel da Constituição.”
É reluzente depois da perquirição arquitetada neste artigo que a Carta Magna de 1988, nomeada de Constituição Cidadã, representa ocupação protagonista na garantia de proteções fundamentais aos não brasileiros inseridos dentro do País. Fica claro que sua influência direta ou indireta, tal como por ser fundamento de legislações adicionais, precisa ser destacada quando se trata de imigração.
Conclusão
O fenômeno da imigração há muito se faz presente na construção histórica brasileira e vem sendo expresso de forma enfatizada e gradativa pela Constituição Federativa do Brasil.
Além da letra expressa, os princípios fundados por ela ecoam em todas as vertentes jurídicas e sociais dos estrangeiros.
Quando se arrazoa sobre princípios constitucionais se define as virtudes primordiais e basilares de todo o ordenamento jurídico, partindo a partir deles as compreensões e prismas legislativos.
As delimitações compulsórias no texto constitucional apontam claras divisas entre brasileiros e não brasileiros quando realizam excludentes de atos ou atuações.
Apesar disso, como fonte legal maioritária, a Constituição Federal garante em seus artigos direitos fundamentais a todos, o que logicamente inclui estrangeiros residentes no País.
Conta-se com duas formas de estrangeiros:
– Os que habitam internamente
– Os que passam transitoriamente
Porém, independentemente de qual categoria se enquadrem, aspiram ter uma situação jurisdicional respeitosa e com plenitude de direitos fundamentais estribada na Lei Maior.
Miranda (2012, p. 18) acentua que “Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas subjectivas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material – donde, direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material.”
A não criminalização do ato de migrar e a pugna contra qualquer modalidade de discriminação são pregadas e fincadas nas linhas da Constituição de 1988, que além de solidificar seu texto, serve de embasamento para todo ordenamento legal.
Mesmo com todas as demarcações legais e do fervoroso embate que a Constituição Federal traz, ainda existe uma divergência aparente entre o aspecto teórico e fático da realidade relacionada a isso.
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[1] Advogada Graduada em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Estácio de Sá. Especialista em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade Estácio de Sá. E-mail: leticiacalixtoadv@icloud.com
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