Resumo: Este trabalho visa a apresentar uma reflexão teórica sobre o saneamento compartilhado sob a ótica do novo Código de Processo Civil. Para tanto, merecem destaque os Princípios do Contraditório e da Cooperação, que, bem aplicados, viabilizam, na fase de saneamento do processo, uma melhor prestação jurisdicional, qual seja, pela maior atuação das partes e procuradores no processo, mormente nos casos de maior complexidade fática e jurídica. O presente artigo objetiva analisar os princípios do contraditório e da cooperação e trazer à tona como a sua aplicação possibilita ao juiz promover o saneamento compartilhado, valendo-se, para tanto, da colaboração escorreita das partes parciais do processo. A escolha desse tema justifica-se em desvendar o que é o saneamento compartilhado, em que situações pode vir a ocorrer, e se tal instituto, corretamente utilizado, pode vir a evitar decisões judiciais surpresas e, por conseguinte, promover a efetividade da justiça. Para alcançar esse objetivo, a pesquisa é, basicamente, bibliográfica e baseada no nova legislação processual .
Palavras chaves: Princípios do Contraditório. Princípio da Cooperação. Saneamento Compartilhado.
Abstract: This paper aims to present a theoretical reflection on the shared sanitation from the perspective of the new Civil Procedure Code. Therefore, deserve Featured the principles of adversarial and Cooperation, which, when well applied, allow, in the sanitation phase of the process, a better instalment jurisdictional, which is higher actuation of the parties and attorneys in the process, especially in cases of higher legal and phatic complexity. This article aims to analyze the principles of adversarial and cooperation and to bring up the question of how its application allows the judge to promote shared sanitation, using, therefore, of collaboration of the parts of the process. The choice of this theme is justified in uncovering what is shared sanitation, in which situations it may occur, and if this institute, properly used, could avoid judgments surprises and, consequently, increase the effectiveness of justice. To achieve this goal, research is basically jurisprudential and based on the new procedural legislation.
Keywords: Contradictory Principle. Cooperation Principle. Shared sanitation.
Sumário: Introdução. 1. Princípios do Contraditório e da Cooperação. 2. O Saneamento do Processo e o Saneamento Compartilhado, à luz do novo Código de Processo Civil de 2015. Conclusão.
Introdução
Lesionado um direito ou ante a ameaça de lesão pode a parte exercer o direito de ação, garantido constitucionalmente, qual seja, de postular perante o Estado-juiz, apresentando, para tanto, seu(s) pedido(s) de tutela jurisdicional. Tal ato provoca a jurisdição estatal, até então inerte, a prestar a tutela jurisdicional, e, ao final, julgada parcialmente procedente, procedente ou improcedente a demanda, cumpre-se, assim, a função jurisdicional na primeira instância de dizer a justiça ao caso concreto.
A partir da distribuição da petição inicial, o processo caminha, seguindo os traços e contrapontos que o procedimento estabelece, até se chegar à sentença, cumprindo-se, assim, aquilo que se espera da primeira instância. Ocorre que, durante esse caminhar (lembrando sempre que processo é um “caminhar para frente”), o Estado também deve manter a regularidade da atividade jurisdicional.
Diante disso, há a necessidade de a tutela jurisdicional ser prestada pelo Estado, de forma a desobstruir, extinguir os conflitos, solucionando-os.
Para tanto, o processo deve estar regular, ou seja, de acordo com as normas de processo e procedimento. Isso implica um desenvolvimento válido e eficaz, o que não é fácil de se atingir quando a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito.
Nestes casos complexos, inovou o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) ao prever o saneamento compartilhado, no sentido de auxiliar o caminhar progressivo do processo de forma eficaz e célere, bem como por incentivar a cooperação entre as partes.
O caput do artigo 357 da Lei nº 13.105/15 estabelece que a competência será do juiz para proferir decisão de saneamento e de organização do processo, quando não ocorrer a extinção do processo (artigo 354), o julgamento antecipado do mérito (artigo 355) e o julgamento antecipado parcial do mérito (artigo 356), ou seja, as chamadas “hipóteses de julgamento conforme o estado do processo”.
Antes de maiores considerações acerca do saneamento e do saneamento compartilhado, importante destacar o que seria esse momento processual conhecido como Julgamento conforme o Estado do Processo. O que significa a fase de Julgamento Conforme o Estado do Processo?
“Ultrapassada a fase de providências preliminares – em que o juiz ordenará o processo e fará os reparos necessários para que a causa possa vir a ter uma correta decisão de mérito, – a fase de “Julgamento conforme o Estado do processo” significa julgar o feito no estado em que ele se encontra. Em outras palavras, significa julgar o processo fora do momento “normal” (ou seja, o momento posterior à fase instrutória, após a colheita das provas, quando então a demanda estaria apta a produzir uma sentença de mérito). Portanto, após a fase de providências preliminares, dar-se-á o Julgamento conforme o Estado do processo, que variará de ótimo – (conceder desde logo a tutela jurisdicional de mérito) – ao péssimo (extinguir o feito sem apreciação do mérito)”. (DANTAS, 2015, p. 953).
Assim, quando não for o caso de abreviação do procedimento comum, seja pela extinção do processo, ou julgamento antecipado do mérito (antigo julgamento antecipado da lide) ou mesmo julgamento antecipado parcial do mérito, a demanda deverá ser saneada e organizada e, a partir daí, iniciar-se-á o saneamento e a organização do processo. Subentende-se a não ocorrência do disposto nos artigos 354 a 356 do novo Código de Processo Civil, o que não obsta tal reconhecimento em fase posterior.
O Saneamento compartilhado implica na participação das partes sob a mais ampla e irrestrita observância dos princípios do contraditório e da cooperação, razão pela qual, antes de qualquer outra consideração acerca do assunto, serão os referidos princípios destacados no item seguinte.
1. Princípios do Contraditório e da Cooperação
Antes de tratar sobre o saneamento do processo e o saneamento compartilhado propriamente dito, imperioso traçar considerações acerca dos princípios do contraditório e da cooperação.
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro preleciona :
“O contraditório contemporâneo encontra-se escorado em duas linhas mestras: a vedação às decisões surpresa – corolário do direito de participação – e o direito de influenciar a decisão judicial, a qual tem no dever judicial de motivar a decisão o seu escudo protetor. Todavia, nenhuma das perspectivas assinaladas será desenvolvida se o processo não for pautado na paridade de armas e na cooperação entre os sujeitos processuais.”( 2015, p. 78) (Grifo nosso).
Falar do princípio do contraditório é, falar também, acerca do princípio do devido processo legal. Previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, aduz que às partes é assegurado o devido processo legal. Assim, é vedado a privação da liberdade ou de bens de um homem médio sem que ele possa se defender. Sem que o mesmo possa defender-se sem ter tido a possibilidade de influenciar o julgamento,
Nas palavras de Leonardo Carneiro da Cunha (2013, s/p):
“É necessária, portanto, obediência ao devido processo legal, daí se extraindo o princípio do contraditório, previsto no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual ninguém poderá ser atingido por uma decisão judicial, sem ter a possibilidade de influir na sua formação em igualdade de condições com a parte contrária. Tais disposições constitucionais, em outras palavras, garantem que não haverá perdimento de bens nem da liberdade, sem que haja decisão judicial, proferida num procedimento adequado, com obediência às regras processuais; enfim, somente haverá tais perdas, se obedecido o devido processo legal e respeitados o contraditório e a ampla defesa
O contraditório pressupõe não somente a cientificação das partes acerca de cada ato processual, mas também, um rol mais extensivo: direito de ser ouvido, de produzir provas, de manifestar-se. Nesta mesma linha, CUNHA (2013, s/p) preleciona:
“O princípio do contraditório deveria compreender: (a) o direito de ser ouvido; (b) o direito de acompanhar os atos processuais; (c) o direito de produzir provas; (d) o direito de ser informado regularmente dos atos praticados no processo; (e) o direito à motivação das decisões; (f) o direito de impugnar as decisões. Para que tudo se realizasse, seria preciso a ciência das partes”.
O direito de participar do processo é direito que as partes possuem durante todo o iter processual, já que o juiz não é superior a nenhuma das partes que estejam em juízo. Portanto, os direitos de participação e de diálogo, características do contemporâneo princípio do contraditório, são garantias decorrentes do referido princípio. Daí decorre dizer que o juiz não pode proferir decisão sem que antes a parte possa ser previamente ouvida, podendo, assim, influenciar a decisão judicial.
Outrossim, não há que se falar do Princípio da Cooperação sem tratar do contraditório. Isto porque ele ocorre em todas as fases processuais, cuja finalidade é influenciar no desenvolvimento e na solução da lide. Porém, para que tal princípio seja respeitado e efetivo, necessária se faz a atuação do juiz, além das partes.
Sendo o juiz o responsável por conduzir o andamento regular do processo, lhe cabe determinar a intimação das partes e de seus procuradores nos momentos cabíveis, deferir produção de provas, oitivas, presidir as audiências, bem como solucionar o mérito discutido no processo.
Diante da atuação de todos os sujeitos processuais para se chegar à solução do litígio, imprescindível que a relação jurídica processual se dinamize, fazendo com que todos os sujeitos processuais, imparcial (o juiz) e parciais (autor e réu), atuem de forma colaborativa, uns em cooperação com os outros.
Nesta mesma linha de raciocínio explana Leonardo Carneiro da Cunha (2013, s/p):
“É preciso observar o contraditório, a fim de evitar um “julgamento surpresa”. E, para evitar “decisões surpresa”, toda questão submetida a julgamento deve passar antes pelo contraditório. Quer isso dizer que o juiz tem o dever de provocar, preventivamente, o contraditório das partes, ainda que se trate de uma questão que possa ser conhecida de ofício, ou de uma presunção simples. Se a questão não for submetida ao contraditório prévio, as partes serão surpreendidas com decisão que terá fundamento numa questão que não foi objeto de debate prévio, não lhes tendo sido dada oportunidade de participar do convencimento do juiz. A decisão, nesse caso, não será válida, faltando-lhe legitimidade, haja vista a ausência de participação dos litigantes na sua elaboração”.
Não é demais dizer, portanto, que o princípio do contraditório e o princípio da cooperação andam juntos, e com muito mais razão se pode assim compreender, em razão da entrada em vigor da novel legislação processual civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015, que estabelece, na Parte Geral, Livro I, um Título único, denominado de “Normas Fundamentais e da Aplicação das Normas Processuais”.
Portanto, por serem normas fundamentais de direito processual civil, é certo que deverá ser observada irrestritamente em todo e qualquer tipo de processo, a fim de que os valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal sejam observados na sua inteireza nas demandas civis distribuídas perante o Poder Judiciário.
É certo que o Princípio do Contraditório pode ser observado nos artigos 7º, 9º e 10º e o Princípio da Cooperação está previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil de 2015, que estabelece, in verbis: Artigo 6º: Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Este princípio estabelece ser obrigação de todos aqueles que possam ser afetados pelo exercício de determinado poder Estatal a participarem em cooperação do processo.
Conforme Tatiana Machado Alves e Humberto Dalla Bernardina:
“Independentemente de previsão normativa expressa de regras específicas que concretizem o seu comando, o princípio da cooperação pode ser aplicado de forma direta para exigir de todos os sujeitos processuais (i.e. partes e magistrados) uma atuação cooperativa e proporcional aos fins do processo. Com base nisso, conclui o autor pela possibilidade de se “cogitar de situações jurídicas processuais atípicas decorrentes da eficácia direta com função integrativa do princípio da cooperação” (2015, p. 254).
Essa exigência de colaboração das partes permite que o magistrado possa deferir, sempre que possível, a intervenção de pessoas, órgãos e entidades com interesse (mesmo indireto) no processo.
Destaca-se que sua efetividade nasce com a intimação das partes para que se manifestem a cada ato/decisão proferida, como amplamente reiterado.
Claro que isso instiga os sujeitos do processo a atuarem de forma responsável e proba frente a um processo instaurado, a gerirem melhor os atos processuais a serem praticados, o que engloba o dever de participação e de consulta, de forma que se pauta, também, na boa-fé e ética, os quais geram deveres.
Destaca-se que a cooperação vincula o juiz na aplicação de suas ordens e na produção da decisão lato sensu. Com isso, entende-se que tal princípio gera deveres para todos os sujeitos do processo, conforme salienta PINHO; ALVES (2015, p. 257):
“Quando aplicada aos magistrados, a cooperação gera uma série de deveres, que visam, em suma, aperfeiçoar a prestação jurisdicional e garantir a prolação de decisões mais justas. Com relação às partes, a cooperação também é apta a gerar deveres que têm como objetivo incentivar uma atuação mais ética e escorreita, e, com isso, colaborar para a entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável e com menor custo”.
Os deveres da ética e boa-fé são a base de qualquer atuação dos sujeitos processuais. Ou seja, quando o magistrado entender da conveniência da cooperação das partes no sentido de colaborarem para com o saneamento do feito, é fato que autor e réu deverão atuar de molde a cumprir o consectário legal de agir com probidade, boa-fé processual e ética profissional.
Por sua vez, cabe ao juiz dirigir o processo de forma a amenizar as diferenças, asseguradas a liberdade e a igualdade das partes, assim como instigar as partes a falarem mais, possibilitando maior entendimento e compreensão sobre a lide.
O que não deve ocorrer é maximizar as funções, seja das partes, do advogado, seja do magistrado. Pois, não é dever de nenhum fiscalizar o outro. No entanto, é obrigatório que a ética e a boa-fé individual e pessoal esteja presente para que, em conjunto, todos possam colaborar com a solução da lide.
Obtempera PINHO; ALVES (2015, p. 257):
“A experiência mostrou que, sem a cooperação das partes, não há como promover a celeridade do processo judicial. A existência no processo civil brasileiro de inúmeros instrumentos e recursos à disposição das partes para assegurar os direitos e garantias constitucionais processuais demanda uma atuação cooperativa das partes e de seus procuradores que atente para as necessidades do caso concreto, para o uso adequado dos instrumentos processuais e para as limitações do Poder Judiciário, já assoberbado de processos”.
Portanto, elucidada a importância dos princípios do contraditório e da cooperação das partes, indaga-se: o que eles poderiam agregar ao saneamento compartilhado a fim de evitar as chamadas “decisões surpresa”?
Para tanto, imperioso explicitar a fase de Saneamento do processo e, claro, o instituto do Saneamento Compartilhado, à luz do novo Código de Processo Civil.
2. O Saneamento do Processo e o Saneamento Compartilhado, à luz do novo Código de Processo Civil de 2015.
O saneamento do processo é a providência de que se vale o magistrado para eliminar os vícios, irregularidades ou nulidades processuais, a fim de preparar o feito para, ao cabo do procedimento de primeiro grau, proferir a sentença. Significa que o processo não pode ser julgado de forma anormal, ou seja, não fora extinto com ou sem resolução de mérito (total ou parcial) e necessitará, portanto, adentrar a fase probatória, para que, ao final, culmine com uma sentença.
No Código de Processo Civil revogado (1973), o saneamento era todo concentrado, escrito, e feito por intermédio do despacho saneador. No Código de Processo Civil 2015, houve uma grande evolução doutrinária e legislativa, já que o a Seção IV do Capítulo X do Código atual prevê que seja feito o Saneamento e a Organização do Processo, melhor adequando o direcionamento a produção probatória àquilo que realmente interessa nessa fase processual, qual seja, a fixação dos pontos controvertidos que necessitarão ser comprovados nos autos.
O artigo 357 estabelece, in verbis :
“Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:
I – resolver as questões processuais pendentes, se houver;
II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;
III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373;
IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;
V – designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.
§ 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.
§ 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.
§ 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações”.
Na novel legislação processual, continua a existir uma forma concentrada de organização e saneamento do processo, destinando um momento específico para sua realização.
Se a causa não apresentar complexidade, a organização pode ocorrer de maneira escrita, e tais determinações serão realizadas tão-só pelo magistrado. Esse é o saneamento puro e simples efetuado pelo magistrado, sem a colaboração das partes parciais.
Luiz Rodrigues Wambier (s/a, p. 05), preleciona:
“Esse momento processual destina-se substancialmente a que o juiz extraia do processo todos os eventuais vícios de que o mesmo padeça. Serve também para que o juiz decida a respeito das questões processuais que ainda se achem pendentes e para a preparação da instrução probatória, com a finalidade de torná-la a mais objetiva (e produtiva) possível”.
Em apertada síntese, o magistrado, na decisão de saneamento, enfrenta as preliminares arguidas na contestação e réplica, define as provas a serem produzidas, além de indicar os pontos controvertidos que devem ser esclarecidos. Tudo isso ocorre, via de regra, sem a presença das partes.
Se, porém, a causa for complexa em matéria de fato e de direito, então deve o juiz designar uma audiência para o saneamento, que, em situações dessa natureza, será realizado de forma compartilhada, em respeito ao principio do contraditório cooperativo, a fim de que a organização do processo seja feita em cooperação com as partes parciais do processo (autor e réu). O saneamento compartilhado estimula o debate e a responsabilidade das partes parciais do processo.
Excepcionalmente, portanto, será o saneamento compartilhado efetuado, para as causas mais complexas e é certo que os reparos e fixação de meios de prova passarão a ser feitos em conjunto com as partes. As partes, mais do que ninguém, sabem quais os principais pontos de controvérsia e quais as provas que necessitam ser produzidas a fim de que uma melhor sentença seja proferida.
O saneamento compartilhado está previsto no § 3º, artigo 357, do novo Código de Processo Civil, aduz que “se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações”.
E tal saneamento não é inovador, pois no Código de Processo Civil de 1973, no artigo 331, já havia a ideia do saneamento compartilhado, em que havia a colaboração das partes, ocasião em que o juiz fixaria pontos controvertidos, bem como definiria as provas a serem produzidas. Mas o novo Código de Processo Civil trouxe sensíveis mudanças, além do aprimoramento deste instituto.[1]
Oportuno lembrar que, seguindo a linha de contratualização do processo, o Código de Processo Civil de 2015 permitiu que as partes apresentem uma “delimitação consensual das questões de fato e de direito” para homologação judicial , sendo certo, porém, que o consenso entre as partes não afasta a possibilidade de o juiz determinar prova diversa daquela acordada .
O juiz, então, terá que proceder à organização do processo, ou seja, terá que sanear o processo e prepará-lo para a instrução processual e o respectivo julgamento da causa.
Segundo preleciona MARINONI; MITIDIERO (2015, p 232):
“(…)essa fase tem dupla direção: i) Retrospectiva : correção de eventuais óbices processuais capazes de impedir a apreciação do mérito da causa e ii) Prospectiva : tem por objeto a delimitação do thema probandum, a especificação de provas , a distribuição do ônus da prova e a delimitação do thema decidendum( questões de direito relevantes para o julgamento da causa) e a designação da audiência de instrução e julgamento.
Portanto, pode-se dizer que o Saneamento Compartilhado é uma modalidade do saneamento comum, apresentado no novo Código de Processo Civil como um diferencial, qual seja, a união de todos os sujeitos do processo para esclarecimentos e definições em casos complexos. No entanto, antes de tratar dele, resumir-se-á no que consiste o saneamento ordinário.
Destaca-se a vantagem do saneamento compartilhado por ser uma atividade realizada com a participação e a colaboração das partes, possibilitando o diálogo entre elas. Isso auxilia e muito a diminuição do número de recursos que eventualmente pudesse vir a ser interposto dessa decisão judicial proferida nessa fase processual, já que se ambas as partes colaboraram para com a mesma, não teria sentido dela interporem recursos.
Elucidativos esclarecimentos de TALAMINI (2016, s/p):
“A rigor, se a fixação dos pontos controvertidos ocorrer de modo a que as partes, por seus procuradores, dessa atividade participem ativamente, é possível que ocorra a delimitação de pontos controvertidos e das respectivas provas em regime de consenso, não havendo sequer interesse recursal para que a parte se insurja contra essa decisão, seja como preliminar de futura apelação, seja, no caso do art. 1.015, XI, por meio de agravo de instrumento (essa é também uma perspicaz observação de Wambier, em “A audiência preliminar como fator de otimização do processo. O saneamento ‘compartilhado’ e a probabilidade de redução da atividade recursal das partes”, RePro 118/137)”.
Ademais, economiza tempo com a resolução ou o indeferimento de questões e incidentes processuais que, por vezes, não se relacionam com o mérito discutido.
Com relação à distribuição do ônus da prova, o juiz permite, por ocasião da decisão de saneamento, que as partes iniciem a fase instrutória já sabendo o que cada uma deverá provar. Positiva a função de distribuir o ônus da prova, pois promove uma maior objetividade e celeridade, em razão de as partes se focarem nos pontos e matérias que efetivamente devem ser debatidos, esclarecidos ou provados para o deslinde do processo até seu julgamento ou recurso.
Como o saneamento compartilhado fica restrito às causas que apresentem complexidade em matéria de fato e direito, imperioso ressaltar que cabe ao juiz avaliar se a causa se enquadra ou não no disposto pelo § 3º, artigo 357, do novo Código de Processo Civil.
Portanto, é de se ressaltar a importância da cooperação das partes, seja ao influenciar o mérito pelo contraditório, seja por impossibilitar a existência de decisões-surpresa. Em resumo, a cooperação baseia-se no comparecimento das partes à audiência de instrução e julgamento para auxiliarem no desenvolvimento do processo, devendo tal garantia estar assegurada. Enquanto o contraditório ocorre quando as partes são instadas a se manifestarem a respeito de questões e provas suscitadas aos autos, elas cooperam na busca da verdade real, apresentando suas versões de fato e seus fundamentos de direito.
As partes devem cooperar com o desenvolvimento do processo até que este esteja apto a receber a decisão sentencial, ou seja, o saneamento compartilhado reforça o dever do requerente e do requerido comparecerem à audiência designada, prestarem esclarecimentos pertinentes e/ou necessários ao juiz, removendo obstáculos ou lacunas que impeçam a eficácia do processo ou o exercício regular do direito.
No entanto, o juiz pode precisar de provas que não foram pedidas ou mesmo de esclarecimentos. É neste sentido que a autonomia das partes não obsta a que o juiz tente decidir de forma mais justa e célere possível.
Conclusão
Por fim, relativamente à cooperação e sua relação com o Saneamento Compartilhado pode-se concluir que o juiz é o responsável por conduzir o andamento regular do processo, assim sendo, o competente para determinar a intimação das partes para se manifestarem em todo o feito.
Além do exposto acima, a cooperação e o princípio do contraditório agregam um maior diálogo entre o magistrado, as partes e seus procuradores e os terceiros juridicamente interessados no processo e respectivo saneamento compartilhado. Portanto, ambos os Princípios se fazem imprescindíveis entre todos os que atuam no processo.
Assim, se a causa for complexa (fática e juridicamente falando), em respeito ao contraditório e ao princípio da cooperação, deverá o juiz convidar as partes parciais para que , em conjunto, numa audiência, chamada de audiência de saneamento, organizem o processo, saneiem o feito, corrijam eventuais vícios ainda existentes, determinem as provas a serem produzidas . Ou seja, promove-se o debate , o diálogo entre os sujeitos processuais, e a consequente responsabilidade dos que estão a atuar no processo .
Vale ressaltar que também geram deveres como o da ética e da boa-fé, os quais respeitados, induzem a um melhor desenvolvimento do processo para posterior solução do litígio.
Ou seja, o contraditório ocorre desde que o magistrado intime os procuradores das partes para se manifestarem a respeito de fatos e direito alegados no desenvolver do feito, mesmo quando possível que o juiz atue de ofício. Por sua vez, é dever dos advogados postular no processo para que não deixem de contribuir de forma dialógica para com a decisão final de primeira instância.
O Saneamento Compartilhado é a forma do magistrado sanear o processo que apresenta causas complexas, de tal forma que enseja a presença das partes e de seus procuradores, a fim de que os envolvidos lhe esclareçam os pontos duvidosos e escuros, possibilitando ao juiz decidir o mérito conscientemente, indene de dúvidas.
A clareza que o saneamento compartilhado induz, é absorvida por todos os sujeitos do processo, os quais podem acompanhar de forma mais presente e consciente cada fase.
Assim, essa maior presença e acompanhamento do processo possibilita maior conhecimento dos fatos e direitos ali discutidos, os quais, evidentemente, impossibilitam a ocorrência de decisões surpresas.
Apesar de aparentar ser mais demorado o desenvolvimento do processo neste caso, o saneamento compartilhado pode provocar, indiretamente, a diminuição do número de recursos, já que , em tese, ambas as partes atuaram em conjunto com o juiz na tomada de decisões processuais e não faria sentido, uma vez tendo colaborado para com a decisão, dela recorrer.
A participação efetiva e ampla das partes no processo de tomada de decisões , em respeito aos princípios do contraditório e da cooperação processual, por certo fomentará sentenças mais consentâneas com a realidade fática trazida pelas partes ao processo. Com isso, evitar-se-à as chamadas “decisões-surpresa”, já que a cooperação e o diálogo obstam a que decisões sejam tomadas pelo juiz sem que as partes sejam devidamente ouvidas.
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Notas
Bacharel em Direito formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS-CPTL Campus de Três Lagoas/MS
Escrevente do TJ/SP, Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus II de Três Lagoas/MS
Coautora e Orientadora. Professora Mestre em Direito docente do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Campus Três Lagoas
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