O significado do princípio do devido processo legal

Há bem pouco tempo atrás, o Código Civil era considerado como a única norma que deveria ser consultada para lides cíveis, o mesmo ocorrendo com a área processualista (civil, penal e trabalhista) e os demais ramos como o penalista e o comercialista.

É curial lembrarmos que o Direito é um todo harmônico e interligado só sofrendo tal divisão muito mais por caráter didático do que científico.

O Brasil vivenciou diversos fenômenos culturais, sociais e políticos até conquistar o Estado de Direito em regime democrático galgando por fim a estabilidade política. Ainda assim há os que acreditam que a democracia entre nós ainda engatinha…

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Daí a pouca relevância do Direito Constitucional, é, portanto, justificável principalmente diante do desprestígio de nossas Constituições tão comumente aviltadas e pouco aplicadas efetivamente.

Recentemente, o ECA (Lei 8069/90), que comemorou 12 anos, apesar de extraordinária dicção, sendo consagrado como lei de première monde, ainda possui uma série de dispositivos que aguardam do Poder Público a devida regulamentação bem como estrutura para atingir sua plena eficácia.

Entretanto, gradualmente é cada vez maior o interesse pela Constituição Federal e, ipso facto a tendência de valorizar o Direito Constitucional vindo a ocupar o lugar de base crucial para o direito brasileiro.

A hermenêutica jurídica deve atender ao caso concreto tendo sempre como pressuposto o exame da Constituição Federal. E se a lei infraconstitucional estiver dissonante ao ditame constitucional, não deve obviamente, ser aplicada.

Se editada a lei antes da Lei Magna, dá-se o fenômeno da não-recepção da nova ordem constitucional. Caso contrário, será a lei inconstitucional e estará sujeita à declaração em concreto ou in abstracto dessa inconstitucionalidade.

Todos devem conhecer e aplicar o Direito Constitucional e, não só os operadores de direito, mas sobretudo como exercício sadio de cidadania.

O Direito Processual Civil é o ramo do direito público, é regulado por normas constitucionais e, também pela legislação infraconstitucional. Existindo também, institutos processuais cujo âmbito de incidência e procedimento para sua aplicação estão ínsitos na própria Constituição.

É pungente a unidade processual apesar de se estabelecer didaticamente, por exemplo, Direito Processual Constitucional que reúne os princípios para regular a chamada jurisdição constitucional.

Entre as normas de Direito Processual Constitucional, podemos encontrar o art. 5º, n. XXXV, art. 8º, III – CF/88. E entre os institutos temos: o mandado de segurança, o habeas data, a ação direta de inconstitucionalidade, habeas corpus e etc…

Infelizmente, não foi criado no direito pátrio um instrumento defensivo direto dos direitos fundamentais da Constituição Federal, a guisa do Verfassungsbeschwerde do direito alemão (que possui finalidade diversa do mandado de segurança), mantendo-se a necessidade de declaração da inconstitucionalidade pelos juízes e pelos tribunais inferiores.

O art. 102, § 1º da CF/88 instituiu a possibilidade de se propor a argüição de descumprimento de preceito constitucional pelo poder público. A Lei 9.882, de 03/12/99 veio a regulamentar o processo e o julgamento de tal argüição. É o similar brasileiro do agravo constitucional alemão (Verfassungsbeschwerde).

As razões do veto presidencial ao inciso II do art. 2º da referida lei que expressamente autoriza o particular a ajuizar a ação diretamente no STF, não possui sustentação jurídica, pois o instituto visa não somente a proteção do direito objetivo, mas também do direito subjetivo constitucional, fundamental que tem titular e pode defende-lo junto ao STF. Não é só destinado a proteção dos direitos gerais mas sobretudo dos subjetivos.

O próprio sistema admite ajuizamento direto a suprema Corte, do agravo constitucional por qualquer prejudicado. É a prevalência de mens legis sobre a mens legislatoris que tanto prestigia e dignifica a cidadania brasileira. Apesar de algumas decisões em sentido contrário (STF, ADPF, 11-SP, Presidente Min. Carlos Velloso, 30/01/2001 DJV 06/02/2001).

A jurisdição constitucional é equacionada através do  controle da constitucionalidade das normas, ponto importante para o equilíbrio entre os órgãos que exercem o poder.

O STF(Supremo Tribunal  Federal) é a Corte Constitucional Federal apesar de não ser dotado de excelente perfil, pois é carecedor de legitimidade para apreciar em último e definitivo grau, as questões constitucionais que lhe são submetidas. Os componentes do STF são nomeados pelo Presidente da República, sem qualquer critério de proporcionalidade ou representatividade dos demais poderes.

Na Alemanha, por exemplo, o tribunal constitucional é órgão de todos os Poderes, situando-se ao lado do Executivo, Legislativo e Judiciário, não sendo portanto, órgão do Poder Judiciário. É composto por pessoas oriundas dos três poderes, com mandato certo e transitório, sendo vedada e contínua ou posterior recondução. É, portanto, suprapartidário sem ser supranacional ou acima dos três poderes tradicionais.

Nos trabalhos da Assembléia Constitucional de 1998 no Brasil fora apresentada a sugestão no sentido de dotar-se de um tribunal constitucional a exemplo dos existente na Itália e Alemanha, porém, não foi aceita e se manteve a competência e o perfil do STF para o julgamento das questões constitucionais.

A ilegitimidade do STF segundo Nelson Nery Junior como Corte Constitucional está na nomeação vitalícia dos ministros e, ainda reside no fato de que os Poderes Judiciário e Legislativos não participarem eficazmente da escolha de seus membros (o Senado apenas aprova ou sujeita o nome proposto pelo Presidente da República). O Executivo é assim o único dos três poderes que pode indicar e nomear juiz integrante do tribunal constitucional federal brasileiro.

No sistema constitucional anterior a competência do STF era mais ampla, incumbindo-se de proferir apalavra definitiva na interpretação da lei federal brasileira.

Porém, pela atual constituição brasileira, tal tarefa relativamente à lei federal passou a ser da competência do STJ, criado especificamente para a função.

Como órgão do Poder Judiciário, o STF só possui legitimidade para interpretar a Constituição em casos concretos que lhe chegassem pelas vias normais de competência originária recursal. Não pode, portanto, decidir em abstrato sobre a inconstitucionalidade de atos típicos dos outros dois poderes.

Alias, o sistema brasileiro é cópia fiel do sistema norte-americano, no qual a Suprema Corte norte-americana afirmou que o Judiciário pode exercer o controle da constitucionalidade das leis, incluindo o famoso caso Marbriry versus Madison. Mas até hoje nos EUA não existe o controle abstrato da constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário, justamente para manter equilíbrio e a harmonia entre eles.

A função do supremo não é decidir a inconstitucionalidade em tese, mas sim julgar um ato em hipótese, oriundo de um caso concreto, que pode autorizar a intervenção federal (Buzaid, Alfredo – Da ação direta da declaração de inconstitucionalidade ao direito brasileiro).Tal comentário refere-se ao sistema anterior à Emenda Constitucional 16/1965.

Não havia no Brasil o controle abstrato da constitucionalidade das leis até 1965, quando foi introduzida a ação direta de inconstitucional (em 26/11/1965 DOU 06/12/65) a Constituição Federal de 1946, inserindo-a entre as medidas de competência originárias do STF. Tal instituto foi introduzido com o nome: representação de inconstitucionalidade e, foi mantida nas Constituições Federais seguintes de 1967, 1969 e 1988.

Face a inexistência de uma corte constitucional brasileira com componentes oriundos dos três poderes, não pode o Poder Judiciário assim declarar em tese e em abstrato, a inconstitucionalidade de lei ou do ato normativo resultantes das atividades típicas dos Poderes Legislativo e Executivo.

Somente é legítimo o controle concreto de constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário dentro do exercício constitucional e legítimo de resolver conflitos. Apesar de uma certa parte da doutrina afirmar que o Brasil possui um dos mais interessantes sistemas de controle da constitucionalidade das leis e atos normativos.

O princípio fundamental do processo civil é o do devido processo legal, expressão oriunda da inglesa “due process of law” (art. 5º, LIV CF/88). Daí decorrem todas as conseqüências processuais que garantiriam  aos litigantes o direito a um processo  e uma sentença justa.

São manifestações do “devido processo legal”, o princípio da publicidade dos atos processuais, a impossibilidade de utilizar-se em juízo de prova obtida por meio ilícito, bem como o postulado do juiz natural do contraditório e do procedimento regular.

Foi na Magna Charta de João Sem Terra em 1215, quando se referiu a lei da terra (law of the land) em seu art. 39 que ocorreu a original menção desse princípio, cuja expressão foi utilizada em 1354 no reinado de Eduardo III, no Estatuto de Westminster sobre as Liberdades de Londres por meio de um legislador desconhecido. Tal princípio representava uma garantia dos nobres contra os abusos da coroa inglesa, que continha institutos originais e eficazes do ponto de vista jurídico e que até hoje tem a admiração dos estudiosos de história do direito.

O Direito Romano não considera o processo civil como ramo autônomo e, sim parte do direito privado. Daí a origem do designativo pejorativo de direito adjetivo. Tal conceito permaneceu durante todo período medieval e, na fase de recepção do Direito Romano, havendo sido mantida pela doutrina pandectista alemã, na época da pré-codificação por que passou a Europa no final do século XVIII e começo do século XIX.

A própria definição da ciência prescinde da informação dos princípios. Com o advento da obra clássica de Oskar Von Büllow (Die Lehre von den ProzeBeireden und do prozefvoraussetzungen – La teoria de lar excepciones processales), o processo foi promovido à categoria de ciência autônoma, independente do direito civil.

Mancini, Pisanelli e Scialoja representando o melhor da doutrina do século passado dividiu os princípios do Direito Processual Civil em princípios informativos e fundamentais.

Os primeiros são considerados como axiomas que se baseiam em critérios extremamente técnicos e lógicos com pouco ou nenhum conteúdo ideológico – são princípios: o lógico, o jurídico, político e o econômico (que são universais e praticamente incontroversos).

Quanto aos fundamentais ou gerais, são princípios sobre os quais o sistema jurídico pode fazer opção, considerando aspecto políticos e ideológicos. Por essa razão, admitem que em contrário se oponham outros, de conteúdo diverso dependendo do alvedrio do sistema que os está adotando.

A Declaração do Direitos da Virgínia, de 16/08/1976, tratava do referido princípio e mais tarde ressurgiu na liberação de Delaware que ampliava e explicitava melhor tal princípio em sua seção 12.

A expressa referência ao trinômio (vida-liberdade-propriedade) foi pela 1ª vez expressa na Declaração dos Direitos de Maryland (1776) em seu inciso XXI. Depois veio a Declaração dos Direitos da Carolina do Norte (1412/1776) os considerando como valores fundamentais protegidos pela lei da terra. Mais tarde, o postulado foi incorporado à Constituição de Filadélfia pelas emendas 5ª e 14ª.

O princípio do due process of law, caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-prosperidade, onde se tem a tutela àqueles bens em lato sensu.

O direito a liberdade, por exemplo, significa liberdade de opinião de imprensa e de religião.

A cláusula due process of law não indica somente a tutela processual, possui sentido genérico. Há substantive due process e o procedural due process para indicar a incidência do princípio em seu aspecto substancial (no que diz respeito ao direito material).

O conceito “devido processo” foi-se alterando com o tempo, e a doutrina e a jurisprudência alargaram seu âmbito de abrangência da cláusula, de sorte a permitir interpretação elástica abarcando os direitos fundamentais do cidadão.

Nos países do common law adotou-se alguns dos desdobramentos do due process, fazendo-os explícito nas normas legais. Exemplos.: Constituição EUA – art. 1º, seção 9ª, inciso III proíbe o Bill of attainder (um ato legislativo que considerava o cidadão culpado sem prévio julgamento) bem como ainda veda a edição de leis penais com efeito retroativo (ex post facto law).

É perceptível a manifestação do devido processo legal nos mais diversos campos jurídicos. No direito administrativo, por exemplo, o princípio da legalidade nada mais é do que manifestação da cláusula substantive due process.

E é denominado de garantia da legalidade e dos administrados. Já se identificou a garantia dos cidadãos contra os abusos do poder governamental, notadamente pelo exercício do poder de política, como sendo manifestação do devido processo legal.

Não há atipicidade no direito administrativo que só pode agir secundum legen (ou seja, somente os atos permitidos pela lei podem ser objeto da atividade administrativa). Este princípio pode chamar-s de princípio da submissão da administração à lei o que espelha fielmente o Estado de Direito.

O substantive due process serve para delimitação do poder governamental e teve sua origem no final do século XVIII. Daí a imperatividade de o legislativo produzir leis que satisfaçam o interesse público, traduzindo-se no princípio da razoabilidade da leis. A lei não razoável, é contrária ao Direito e, deve ser controlada pelo Poder Judiciário.

O due process significa o dever de propiciar-se ao litigante:

a) comunicação adequada sobre a recomendação ou base da ação governamental;

b) um juiz imparcial;

c) a oportunidade de deduzir defesa oral perante o juiz;

d) a oportunidade de produzir novas provas ao juiz; utilizadas contra o litigante;

e) a chance de reperguntar ‘as testemunhas e de contrariar provas que forem utilizadas contra o litigante;;

f) o direito de ter um defensor no processo perante juiz ou tribunal;

g) uma decisão fundamentada com base que do que consta nos autos.

No sistema norte-americano possui outras conseqüências adicionais, verbis:

a) direito a processo com a necessidade de haver provas;

b) o direito de publicar-se e estabelecer conferência preliminar sobre as provas que serão produzidas;

c) o direito a uma audiência pública;

d) o direito à transcrição dos atos processuais;

e) julgamento pelo tribunal de júri (civil);

f) o ônus da prova, que o governo deve suportar mais acentuadamente do que litigante do que o litigante individual.

A doutrina brasileira decifrou a locução “devido processo legal” com a enumeração de garantias:

a) direito a citação e ao conhecimento do teor da acusação;

b) direito a um rápido e público julgamento;

c) direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais;

d) direito ao procedimento contraditório;

e) direito de não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto;

f) direito à plena igualdade entre acusação e defesa;

g) direito contra medidas ilegais de busca e apreensão;

h) direito de não ser acusado nem condenado com base em provas ilegalmente obtidas;

i) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita;

j) privilégio contra a auto-incriminação.

A cláusula procedural due process of law, nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça deduzindo pretensão e defendendo-se da forma mais ampla, e de ter his day in Court (o seu dia na corte).

Se a CF/88 tivesse enunciado expressamente o referido princípio do devido processo legal e, a maioria dos incisos do art. 5º teriam absolutamente desnecessários. Se bem que a explicitação das garantias fundamentais derivadas do devido processo legal é a forma correta e enfatizar a relevância e o significado de tais garantias que deve nortear a administração pública, o Legislativo e o Judiciário.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Gisele Leite

 

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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