Resumo: O presente trabalho objetiva discutir a falta de atuação/manifestação da Administração Pública em face da interpretação da Constituição e das leis infraconstitucionais, bem como a relação jurídica nascida em virtude da ausência dessa manifestação expressa da Administração em face da pretensão deduzida pelo administrado e a possibilidade de atuação do Poder Judiciário para sanar a ilegalidade perpetrada pela Administração Pública.
Palavras-chaves: Direito Administrativo. Silêncio Administrativo. Princípios.
Abstract: This article focuses on the lack of action/manifestation of Public Administration in the face of interpreting the Constitution and laws of infra-constitutional as well as the legal relationship which emerged due the absence of the express manifestation of the Administration in the face of the claim raised by administered and the possibility of performance of the judiciary to remedy the illegality perpetrated by the Government.
Keywords: Administrative Law. Administrative silence. Principles.
Sumário: Introdução. 1. Conceito. 2 Natureza Jurídica. 3. O silêncio administrativo em face das garantias fundamentais dos administrados. 3.1. Princípios constitucionais e infraconstitucionais. 3.2. Garantias constitucionais. 4. Controle do silêncio administrativo pelo poder judiciário. Considerações Finais.
Introdução
O presente artigo nasce de uma preocupação que nos foi incitada no exercício da atividade jurídica, vez que, algumas vezes, nos deparamos com decisões em que o Poder Judiciário supre a omissão da Administração Pública.
Assim, a proposta desse trabalho é analisar a relação jurídica nascida em face da ausência de manifestação expressa da Administração em relação à pretensão deduzida pelo administrado, traçando um caminho interpretativo na construção do sentido para o silêncio administrativo; definindo, sob uma perspectiva retórica, a natureza jurídica do silêncio bem como propondo a interpretação dos dispositivos referentes ao direito de petição (art. 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal).
Observa-se que o silêncio administrativo não tem recebido a devida atenção por parte dos legisladores, bem como dos estudiosos e aplicadores do direito. No entanto, a falta de interesse dos mesmos não retira nem diminui a grandeza do tema proposto, vez que a falta de atuação/manifestação da Administração Pública afrontaria as garantias fundamentais conferida pela Constituição de 1988 aos cidadãos, notadamente quando se analisa os princípios norteadores da autuação Administrativa, vez que os mesmos servem de canal para a realização dos fins almejados pela ordem jurídica, bem como afastar o desvio de poder e fiscalizar a prestação do serviço público.
Diante deste quadro, algumas dúvidas são suscitadas: 1) qual é a natureza jurídica do silêncio administrativo? 2) quais as hipóteses de silêncio administrativo?[1] 3) qual o significado do silêncio administrativo (deferimento ou indeferimento da pretensão deduzida pelo administrado em face da Administração Pública)? 4) há possibilidade de o Poder Judiciário suprir a omissão da Administração Pública? Se houver essa possibilidade quais os limites do mesmo, face a separação de Poderes (art.2º da CF)?
Enfim, esses são os questionamentos que buscamos responder a partir de uma analise coordenada do ordenamento jurídico, observando-se, em particular, a possibilidade de aplicação, por analogia, da regra contida no artigo 49 da lei nº 9.784/1999 (que regula o processo administrativo no âmbito federal).
1.Conceito e classificação do silêncio administrativo
Inicialmente deve-se conceituar o silêncio administrativo, como sendo uma omissão administrativa. No entanto, cumpre ressaltar que nem toda omissão administrativa é um silêncio administrativo, vez que a omissão administrativa é gênero do qual o silêncio é espécie.
O professor Raimundo Márcio Ribeiro Lima magistralmente leciona que:
“(…) o silêncio administrativo não pode ser confundido com a inatividade administrativa, uma vez que esta possui campo inercial maior; quer dizer, enquanto o silêncio administrativo se consubstancia na omissão do Poder Público diante de um dever legal de atuação; a inatividade administrativa, por sua vez, opera-se mesmo com a inexistência de tal dever ou de imposição concreta de agir. Portanto, o silêncio administrativo representa uma inatividade formal da Administração Pública.”[2]
E continua o autor:
“Dessa forma, e para compreensão meramente tipológica, tem-se o seguinte: (a) a inatividade administrativa em sentido amplo, ou genérica, compreende (a.1) o silêncio administrativo; e (a.2) a inatividade administrativa em sentido restrito.
Assim, sendo, considera-se silêncio administrativo aquele decorrente da inatividade formal da Administração Pública, quer dizer, por conta da inobservância de um dever legal de prestar/controlar/regulamentar.”[3]
Desta feita, a Administração Pública pode ser omissa quanto à implementação de políticas públicas, quanto à segurança, mas estas omissões não se enquadram como silêncio administrativo. Este se manifesta quando o interessado apresenta um pleito em face da Administração Pública e esta queda-se inerte.
Celso Antônio Bandeira de Melo leciona que:
“Se a Administração não se pronuncia quando deve fazê-lo, seja porque foi provocada por administrado que postula interesse próprio, seja porque um órgão tem de pronunciar-se para fins de controle de ato de outro órgão, está-se perante o silêncio administrativo.”[4]
Assim, para o desenvolvimento deste trabalho o silêncio administrativo será definido como a omissão/inércia administrativa quando esta deveria apresentar manifestação.
Neste momento importa apresentar, em linhas gerais, classificação quanto ao silêncio administrativo. Este pode ser analisado em relação aos seus efeitos, podendo ser positivo ou negativo[5]. Em relação aos destinatários da decisão/manifestação da Administração Pública, o silêncio administrativo pode ser interno ou externo. Não podemos olvidar o silêncio administrativo inominado ou não qualificado.
O silêncio administrativo positivo impõe a concessão de efeito favorável ao administrado ante o simples decurso do prazo legal ou regulamentar sem manifestação da Administração Pública. Já o negativo impõe um efeito denegatório do requerimento do administrado[6].
O silêncio administrativo interno simplesmente representa a falta de manifestação de órgão controlador sobre a atividade de órgão/servidor controlado. O silêncio administrativo externo decorre da ausência de manifestação da Administração Pública em face de requerimento do administrado.
Considera-se silêncio administrativo inominado ou não qualificado aquele que não possui qualquer efeito regulamentado em lei, sendo, simplesmente a inatividade formal/omissão da Administração Pública.
2. Natureza jurídica
Importa analisar a essência do silêncio administrativo. A doutrina discute se o silêncio teria a natureza jurídica de ato administrativo ou de fato jurídico administrativo.
Importa distinguir, de inicio, fato administrativo do fato jurídico administrativo. José dos Santos Carvalho Filho explica referida distinção:
“A idéia de fato administrativo não tem correlação com tal conceito [de fato jurídico], pois que não leva em consideração a produção de efeitos jurídicos, as revés, tem o sentido de atividade material no exercício da função administrativa, que visa a efeitos de ordem prática para a Administração. Exemplos de fatos administrativos são a apreensão de mercadorias, a dispersão de manifestantes, a desapropriação de bens privados, a requisição de serviços ou bens ou privados etc. Enfim, a noção indica tudo aquilo que retrata alteração dinâmica na Administração, um movimento na ação administrativa. Significa dizer que a noção de fato administrativo é mais ampla que a de fato jurídico, uma vez que, além deste, engloba também os fatos simples, ou seja, aqueles que não repercutem na esfera de direitos, mas estampam evento material ocorrido no seio da Administração.”[7]
Desta feita, é necessário conceituar, também, ato jurídico, bem como fato jurídico e traçar a distinção entre eles[8]. Nesse ponto, impõe-se afirmar que fato jurídico é o gênero do qual o ato jurídico é espécie.
O conceito de fato jurídico leva em conta apenas os fatos relevantes para o ordenamento jurídico, quais sejam, todos os fatos que importem no nascimento, modificação ou extinção de direitos. Observa-se, como já afirmado acima, que o fato jurídico, em seu sentido amplo, é gênero que comporta as seguintes espécies: a) fatos naturais ou fatos jurídicos strictu sensu (resultam da simples manifestação da natureza, exemplo: nascimento, morte, maioridade etc.), e, b) fatos humanos ou fatos jurídicos latu sensu (resultam de uma atividade humana).
Os fatos jurídicos latu sensu decorrem de uma atividade humana que acaba por criar, modificar ou extinguir direitos e, por seu turno, dividem-se em atos ilícitos (decorre de um ato contrário ao ordenamento jurídico e que causa dano, mesmo que apenas moral, a outrem, não importando se há ou não intenção de causar dano) ou lícitos (atos jurídicos lícitos, ou, simplesmente, “atos jurídicos”, sendo também conhecido como atos humanos ou atos jurígenos). Os atos jurídicos lícitos nascem de uma atividade humana praticada em conformidade com o ordenamento jurídico e produz os efeitos almejados pelo sujeito[9].
Assim, percebe-se que o fato jurídico é gênero que comporta duas espécies, sendo que o fato jurídico em sentido estrito consiste em eventos da natureza, isto é, acontecimentos que independem da manifestação da vontade humana, mas deles resultam conseqüências jurídicas. Já os atos jurídicos caracterizam-se como manifestação da vontade humana que têm como finalidade a constituição, modificação ou extinção de direitos.
Esclarecido este ponto, seguimos com a necessidade de abrir outro parêntese para relembrar que o ato administrativo é um tipo de ato jurídico, conforme lição de Carvalho Filho:
“Os elementos estruturais do ato jurídico – o sujeito, o objeto, a forma e a própria vontade – garantem sua presença também no ato administrativo. Ocorre que neste o sujeito e o objeto têm qualificações especiais: o sujeito é sempre um agente investido de prerrogativas públicas, e o objeto há de estar preordenado a determinado fim de interesse público. Mas no fundo será ele um instrumento da vontade para a produção dos mesmos efeitos do ato jurídico. Temos, assim, uma relação de gênero e espécie. Os atos jurídicos são o gênero de qual os atos administrativos são a espécies, o que denota em que ambos são idênticos os elementos estruturais.”[10]
A doutrina administrativista, em regra, reconhece a manifestação de vontade como requisito de existência do ato administrativo tal qual acontece com o ato jurídico. Ressalta-se que essa manifestação de vontade é entendida como uma declaração de vontade.
Então, o silêncio administrativo, por não constituir manifestação/declaração de vontade do Poder Público, mas por produzir efeitos na esfera do Direito Administrativo é considerado um fato jurídico (strictu sensu) administrativo. Celso Antônio escreve que:
“O silêncio não é um ato jurídico. Por isso, evidentemente, não pode ser ato administrativo. Este é uma declaração jurídica. Quem se absteve de declarar, pois, silenciou, não declarou nada e por isto não praticou ato administrativo algum. Tal omissão é um ‘fato jurídico’ e, in casu, um ‘fato jurídico administrativo’. Nada importa que a lei haja atribuído determinado efeito ao silêncio: o de conceder ou negar. Este efeito resultará do fato da omissão, como imputação legal, e não de algum presumido ato, razão por que é rejeitar a oposição dos que consideram ter ai existido um “ato tácito’”.[11]
3. O silêncio administrativo em face das garantias fundamentais dos administrados
Neste ponto analisaremos os principais princípios constitucionais e infraconstitucionais, bem como as garantias fundamentais conferida pela Constituição de 1988 aos cidadãos que são agredidos com a falta de atuação/manifestação da Administração Pública.
3.1. Princípios constitucionais e infraconstitucionais
O Estado brasileiro é qualificado como sendo um Estado de Direito (art.1º da CF), desta feita a atuação da Administração deve ser baseada nas regras impostas no ordenamento jurídico. Observa-se que a própria Constituição elenca vários princípios que regem a Administração Pública (art. 37 da CF), dentre os quais destacamos o princípio da legalidade, sem desmerecer os demais princípios. Ressaltamos que referido princípio serve de liga mestre para toda ordem jurídica, e não somente para a Administração Pública.
O mestre Hely Lopes Meirelles ensina que “Na Administração não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é licito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”[12]. Assim, o princípio da legalidade traduz a idéia de controle estatal, sendo este também amplo corolário do Estado de Direito, nos quais somente a lei determina o que deve nortear toda a atividade da administração pública, sendo que este deve sempre visar à defesa do interesse público.
Dispõe ainda o art. 1º da CF que o Estado brasileiro, além de ser de Direito é um Estado Democrático. Sendo que este deve ser entendido como aquele em que todo o poder emana do povo e é exercido em nome do povo/ da coletividade (parágrafo único do art. 1º da CF). Ressalta-se que o Estado Democrático tem como primado a supremacia do interesse público sobre o privado, vez que a Administração Pública atua visando ao atendimento dos fins almejados pela sociedade.
Nesse contexto, emerge que a atuação Administrativa deve primar pelo princípio da impessoalidade, isto é, ser objetiva e imparcial, tratando a todos de forma isonômica, evitando favorecimentos ilegais e/ou ilegítimos, salvo quando o tratamento igual afronte o princípio da igualdade, nascedouro do princípio da impessoalidade.
De outra banda, surge o princípio da publicidade, que serve de mecanismo de controle da atuação da Administração Pública pelos administrados, evitando-se a política do segredo. Desta feita, referido princípio tem o intuito de informar o atuar da Administração.
Devemos observar que esse atuar público/transparente da Administração deve ser ainda um atuar reto na condução da coisa pública. Desta feita, o princípio da moralidade é um verdadeiro vetor da atuação do agente público.
No que se refere ao principio da eficiência, a atuação Administrativa deve se pautar na busca dos fins desejados pela ordem jurídica com a utilização dos meios e instrumentos eficazes. Afirma Raimundo Márcio Ribeiro Lima “que o gestor da coisa pública não poderá olvidar os valores inerentes ou decorrentes do dever de bem promover as realizações administrativas com eficiência.”[13]
Além dos princípios que regem a Administração Pública residentes no caput do art. 37 da CF, o ordenamento jurídico comporta outros princípios. Notadamente a Lei nº 9.784/1999 em seu art. 2º, caput, elenca alguns dos principais princípios infraconstitucionais regentes da Administração Pública. Dado o objetivo deste trabalho, passaremos a analisar apenas dois princípios infraconstitucionais que se ligam diretamente ao estudo do tema proposto, quais sejam: o princípio da motivação e o princípio da segurança jurídica.
O princípio da motivação decorre logicamente do Estado Democrático de Direito, vez que como o poder emana do povo e deve ser por este controlado, bem como pelos demais Poderes, sendo que para haver controle se faz necessário verificar a motivação exposta pelo Administrador.
O art. 50 da Lei nº 9.784/1999 explicita o dever de motivar e afirma, em seu parágrafo 1º que “a motivação deve ser explícita, clara e congruente”.
A Lei nº 9.784/1999 inaugurou o devido processo legal administrativo no âmbito da Administração Federal[14], e consagrou expressamente o princípio da segurança jurídica (art. 2º, caput), vez que “O Direito, enquanto ciência, sempre esteve preocupado com a estabilidade nas relações jurídicas e, notadamente, na consolidação de institutos que expressem essa preocupação.”[15]
O silêncio administrativo, isto é, a inatividade formal da Administração ao não se manifestar acerca do peticionado pelo administrado afronta o Estado brasileiro diretamente nas suas qualificações de Democrático e de Direito.
3.2. Garantias constitucionais
A Constituição Federal de 1988 além de elencar os princípios de regem a Administração Pública, trouxe disposições que tratam dos direitos e garantias fundamentais dos administrados/cidadãos.
O art. 5º, inciso XXXIV, “a”, da Constituição Federal prevê, assegurando que todos terão, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. O inciso antecedente ainda estabelece que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Raimundo Márcio Ribeiro Lima escreve:
“A garantia constitucional do direito de petição, rectius art.5º, inciso XXXIV, constitui uma das mais concretas e efetivas formas de consolidação do Estado Democrático de Direito, na medida em que o seu exercício possibilita a concreção de toda uma plêiade de direitos salvaguardados na ordem constitucional vigente, mormente os fundamentais, bem como faz exsurgir uma idéia de Estado pautada numa perspectiva democrática e cravada sobre o império da lei e da legitimidade.”[16]
O direito de petição traz como conseqüência direta o direito à obtenção de uma resposta fundamentada da Administração Pública. A Lei nº 9.784/1999 explicitou o direito de decidir nos seguintes termos: “A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência”. (Art. 48)
Referido dispositivo deixa claro que a Administração Pública, para cumprir a sua finalidade deve tomar decisões constantes, sendo que, para um Estado Democrático de Direito, não serve apenas decidir, mas sim decidir da melhor forma possível, isto é, com qualidade ao mesmo tempo em que permiti o controle posterior da decisão tomada, assim, a decisão deve ser fundamenta.
Observa-se que o dever de fundamentar na atividade administrativa encontra-se expressamente previsto no art. 93, X, da Constituição Federal, que assim dispõe: “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros.”
O assunto também é tratado pela Lei nº 9.784/1999 em seu art. 50, que exige que todas as decisões administrativas relevantes sejam motivadas. Raimundo Márcio Ribeiro Lima assevera que:
“O caráter garantístico da fundamentação se deve precipuamente à instrumentalização das vias que assegurem cumprimento dos direitos dos administrados, na medida em que, com apresentação da motivação, podem ser devidamente sopesados os aspectos objetivos que vicejam a escolha pública em face do caso concreto apresentado, tudo de forma a evidenciar os eventuais erros, abusos ou desvios no exercício da função administrativa.”[17]
Não podemos olvidar que o art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Cidadã assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, que o processo terá uma duração razoável, bem como assegura os meios para garantir referida celeridade. Observa-se que a lei nº 9.784/1999, em total sintonia com o mandamento constitucional, reza que: “Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.”
O prazo esculpido no art. 49, acima citado, de acordo com maioria da doutrina, deve ser aplicado quando não havendo regra expressa a acerca do tempo razoável para manifestação da Administração Pública[18].
Nesse passo, oportuno relembrar que um Estado que se denomina de Estado Democrático e de Direito não pode permitir que a Administração Pública ao atuar visando os interesses da coletividade não informe aos administrados o conteúdo das suas decisões ou simplesmente não decida. Outro aspecto que não pode ser suportado em uma Democracia é que na falta de regra expressa quando ao prazo para manifestação da Administração fique o administrado desprotegido.
4. Controle do silêncio administrativo pelo poder judiciário
A Constituição Federal de 1988 estabelece no inciso XXXV do artigo 5º que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”[19]. Desta feita, o Poder Judiciário pode controlar os efeitos do silêncio administrativo, não havendo sequer a necessidade de acessar previamente às instâncias administrativas[20]. Alexandre de Moraes escreve que:
“Inexiste a obrigatoriedade de esgotamento da instância administrativa para que a parte possa acessar o Judiciário. A Constituição Federal de 1988, diferentemente da anterior, afastou a necessidade da chamada jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso forçado, pois já se decidiu pela inexigibilidade de exaurimento das vias administrativas para obter-se o provimento judicial, uma vez que excluiu a permissão, que a Emenda Constitucional nº7 à Constituição anterior estabelecera, de que a lei condicionasse o ingresso em juízo à exaustão das vias administrativas, verdadeiro obstáculo ao princípio do livre acesso ao Poder Judiciário”[21].
Assim, percebe-se que os efeitos do silêncio administrativo, seja ele positivo ou negativo, podem ser controlados pelo Poder Judiciário da mesma forma que os atos administrativos em geral. Isto é, o Judiciário pode controlar os aspectos formais, enquanto que o núcleo do ato administrativo discricionário (conveniência e oportunidade) não pode ser analisado. Celso Antônio explica que:
“As conseqüências do silêncio em relação ao administrado cuja postulação ficou irrespondida também não apresentam dificuldades de monta para serem deduzidas. Deveras, nos casos em que a lei atribui dado efeito ao silêncio, o problema já está de per si resolvido. Com efeito, se o efeito legal era concessivo, o administrado estará atendido; se era denegatório, poderá demandar judicialmente que a administração se pronuncie, se o ato omitido era de conteúdo discricionário, pois faz jus a uma decisão motivada; se, pelo contrário, o ato era de conteúdo vinculado e o administrado fazia jus a ele, demandará que o juiz supra a omissão administrativa e lhe defira o postulado.”[22]
No entanto, quando ocorre o silêncio administrativo inominado ou não qualificado ou, simplesmente, a inatividade formal da Administração Pública há uma dupla omissão, tanto do administrador, que deixou de decidir o pleito do administrado, quanto do legislador, que não previu uma conseqüência para o silêncio administrativo. Da falta de efeito expresso em relação a este silêncio administrativo, nascem dois problemas, qual seja, à comprovação do interesse jurídico e o alcance do provimento judicial.
José dos Santos Carvalho Filho ensina que:
“Caso não tenha êxito na via administrativa para obter manifestação comissiva da Administração, não restará para o interessado outra alternativa senão recorrer à via judicial. Diferentemente do que sucede na hipótese em que a lei indica que a omissão significa denegação – hipótese em que se pretende desconstituir relação jurídica-, o interessado deduzirá pedido de natureza mandamental (ou, para alguns, condenatória para cumprimento de obrigação de fazer), o qual, se for acolhido na sentença, implicará a expedição de ordem judicial à autoridade administrativa para que cumpra seu poder-dever de agir e formalize manifestação volitiva expressa, sob pena de desobediência a ordem judicial.”[23]
Continua o autor: “(…) não pode o órgão jurisdicional substituir a vontade do órgão administrativo; pode sim, obrigá-lo a emiti-la, se a lei o impuser, arcando o administrador com as conseqüências de eventual descumprimento.”[24]
Celso Antônio tem entendimento diferente:
“Nos casos em que a lei nada dispõe, as soluções seguem, mutatis mutandis, equivalente diapasão. Decorrido o prazo legal previsto para manifestação administrativa, se houver prazo normativamente estabelecido, ou, não havendo, se já tiver decorrido tempo razoável (cuja dilação em seguida será mencionada), o administrado poderá, conforme a hipótese, demandar judicialmente:
a)que o juiz supra a ausência de manifestação administrativa e determine a concessão do que fora postulado, se o administrado tinha direito ao que pedira, isto é, se a Administração estava vinculada quanto ao conteúdo do ato e era obrigatório o deferimento da postulação;
b)que o juiz assine prazo para que a Administração se manifeste, sob cominação de multa diária, se a Administração dispunha de discrição administrativa no caso, pois o administrado fazia jus a um pronunciamento motivado, mas tão-somente a isto.”[25]
De fato, parece que se o ato omitido for discricionário não pode o juiz substituir o administrador, podendo apenas determinar que a administração se manifeste em um prazo razoável. No entanto, se o ato for vinculado, poderá o Poder Judiciário conferir prazo razoável para que a Administração responda ao pleito do administrado ou poderá suprir a omissão administrativa, desde que haja comprovação dos requisitos legais que lhe conferem o direito a um pronunciamento favorável.
Considerações finais
Ante o exposto neste estudo podemos concluir que em um Estado Democrático de Direito todos, inclusive a própria Administração Pública, deve respeitar os preceitos constitucionais e infraconstitucionais. Assim, para que a Constituição Federal tenha concretude se faz necessário que nos casos práticos sejam respeitados os princípios basilares e indispensáveis a uma atuação regular da Administração Pública.
Desta feita, ante a falta de norma expressa que trate dos efeitos do silêncio administrativo, vez que em nossa ordem jurídica há apenas regras esparsas[26], é preciso que a própria Administração, bem como os demais atores jurídicos, observe as regras principiológicas e lhe retirem o substrato necessário para o melhor desempenho das funções estatais. Para isto, pode-se socorrer da lei nº 9.784/1999.
Cumpre ressaltar que se a Administração Pública ao ser acionada pelo administrado se mantém inerte há uma violação ao próprio Estado Democrático de Direito, sendo que o Poder Judiciário poderá ser chamado para contrabalançar referida violação, conforme explanado em linhas acima.
Procuradora da Fazenda Nacional – Especialista em Direito Processual pelo Centro de Ensino superior de Maceió (Cesmac) e em Direito Administrativo pela Universidade Anhaguera Uniderp.
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