Resumo: Investiga o sistema de justiça conflitiva e as formas alternativas a esse sistema.
Palavras-chave: Sistema de justiça conflitiva. Sistemas alternativos.
O sistema penal brasileiro passa por uma profunda crise. Tal diagnóstico é cantado em verso e prosa pela sociedade civil, pela mídia, pela comunidade jurídica e pelo próprio Estado. A sobrecarga de processos, a morosidade da Justiça, o modelo burocrático e o fetiche formalista do rito processual, o descaso com a efetividade do processo, a perplexidade decorrente da impunidade gerada pela prescrição são alguns dos aspectos que corroboram para este consenso.
É preciso repensar o atual modelo, priorizando uma prestação jurisdicional consentânea com o modernismo que orienta, hoje, nosso direito constitucional. Não se pode falar efetivamente em neoconstitucionalismo, pós-positivismo, respeito à dignidade da pessoa humana e em Estado inserido no sistema internacional de direitos humanos, sem que antes se implemente um sistema penal comprometido com uma prestação jurisdicional efetiva, expedita e adequada.
Luis Flavio Gomes1 leciona sobre os modelos de resolução dos conflitos penais existentes, conforme doutrina de GARCIA-PABLOS DE MOLINA e GOMES, L. F., Criminologia, 6. ed., São Paulo: RT, p. 398 e ss.):
“(a) modelo dissuasório clássico, fundado na implacabilidade da resposta punitiva estatal, que seria suficiente para a reprovação e prevenção de futuros delitos. A pena contaria, portanto, com finalidade puramente retributiva. Neste Direito penal punitivista retributivista não haveria espaço para nenhuma outra finalidade à pena (ressocialização, reparação dos danos etc.). (…)
(b) modelo ressocializador, que atribui à pena a finalidade (utilitária ou relativa) de ressocialização do infrator (prevenção especial positiva).(…)
(c) modelo consensuado (ou consensual) de Justiça penal, fundado no acordo, no consenso, na transação, na conciliação, na mediação ou na negociação (plea bargaining).
Dentro deste terceiro modelo (que se ancora no consenso) impõe-se distinguir dois sub-modelos bem diferenciados:
(a) modelo pacificador ou restaurativo (Justiça restaurativa, que visa à pacificação interpessoal e social do conflito, reparação dos danos à vítima, satisfação das expectativas de paz social da comunidade etc.) e
(b) modelo da Justiça criminal negociada (que tem por base a confissão do delito, assunção de culpabilidade, acordo sobre a quantidade da pena, incluindo a prisional, perda de bens, reparação dos danos, forma de execução da pena etc., ou seja, o plea bargaining).
(…)Diante do que acaba de ser exposto, parece correto (e necessário) distinguir, no âmbito da Justiça criminal, atualmente, o “espaço de consenso” do “espaço de conflito”. Aquele resolve o conflito penal mediante conciliação, transação, acordo, mediação ou negociação. Este não admite qualquer forma de acordo, ou seja, exige o clássico devido processo penal (denúncia, processo, provas, ampla defesa, contraditório, sentença, duplo grau de jurisdição etc.). (…)”.
A nós nos parece que o sistema conflitivo deve coexistir com o consensual, reservando-se ao primeiro a tutela jurisdicional que proteja os direitos indisponíveis dos indivíduos e da coletividade, vez que não compete aos jurisdicionados abrir mão (vida, liberdade, p.ex.). Ocorre que nem todos os bens jurídicos tutelados pelo direito penal são de tal índole, pelo que ante o atual cenário de abarrotamento do Judiciário brasileiro, necessário que se admita modelo que dê tratamento distinto às infrações penais menos graves.
O sistema consensual, portanto, foi concebido para o deslinde das infrações de menor potencial ofensivo, onde “conciliação” e “mediação” exsurgem como técnicas concebidas ao alcance do desiderato de solução efetiva e célere de persecução de crime de pouca gravidade. Foi neste espírito que foi concebida a Lei 9.099/99 que possibilitou, em certa medida, a migração do “modelo” de justiça criminal conflitiva para o “modelo” de justiça criminal consensuada.
Acerca do impacto da Lei da lei 9.099/95 em nosso sistema processual penal, extraímos da melhor doutrina2:
Em sua aparente simplicidade a Lei 9.099/95 significa uma verdadeira revolução no sistema processual-penal brasileiro. Abrindo-se às tendências apontadas no início desta introdução, a lei não se contentou em importar soluções de outros ordenamentos, mas – conquanto por eles inspirado – cunhou um sistema próprio de Justiça penal consensual que não encontra paralelo no direito comparado.”
Sobre a aplicação das ferramentas do modelo consensual no direito pátrio, leciona Luis Flavio Gomes3:
“Se de um lado ainda não temos amplas iniciativas de mediação já desenvolvidas em nosso País, de outro, no que concerne à conciliação, a realidade é bem diferente. A lei dos juizados especiais criminais (Lei 9.099/95, art. 74) prevê a possibilidade de conciliação como resolução final do conflito (isso se dá nas infrações de menor potencial ofensivo e desde que a ação penal seja de iniciativa privada ou pública condicionada). Nesses casos, a conciliação (acordo) quanto à reparação dos danos significa renúncia ao direito de queixa ou de representação (extinguindo-se o ius puniendi).
No modelo consensual adotado pela Lei 9.099/95 privilegia-se o juízo de oportunidade ou discricionariedade regrada, em que o Ministério Público pode, dentro de algumas situações, abrir mão da persecução do crime que compete ao Estado nas ações penais públicas incondicionadas ou condicionadas, quebrando-se a inflexibilidade do tradicional princípio da obrigatoriedade processual. De outra banda, franqueia-se a possibilidade de composição do conflito entre autor e “réu”, mediante consentimento do acusado, de forma a preservar sua autonomia de vontade. Destaque-se, por oportuno, que no novo modelo rompe com a noção de necessidade de privação de liberdade para o sucesso da persecução penal, vez que a pena privativa de liberdade é nefasta, embrutece e constitui forte fator criminógeno.
Procurador do Estado de Goiás, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-LFG
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