i – Introdução
Mediante ação civil pública, tem sido questionada pelo MP a validade jurídica de leis que fixaram e aumentaram subsídios de agentes políticos municipais.
A discussão jurídica reside na interpretação do parágrafo único do art. 21 da Lei Complementar Federal 101/2000, que prevê ser “nulo de pleno direito o ato que resulte aumento de despesa com pessoal expedido nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo poder ou órgão referido no art. 20”.
ii – A previsão constitucional
Parece (respeitosamente) equivocado extrair dessa regra jurídica a vedação à edição das leis que vêm sendo questionadas.
Há um seguro fundamento, de natureza constitucional, para revelar a correta interpretação do tema jurídico.
Sabido é que “a Constituição de 1988, art. 29, incs. V, VI e VII, reafirmou a tradição, MUITO JUSTA, da remunerabilidade do mandato de Vereador, nos limites ali expressos, ao dispor que a remuneração dos Vereadores, fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura, para a subseqüente, corresponderá a, no máximo, setenta e cinco por cento daquela estabelecida, em espécie, para os Deputados Estaduais, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 150, II, 153, III e 153 § 2º, I, mas o total da despesa com a remuneração dos Vereadores não poderá ultrapassar o montante de cinco por cento da receita do Município. O texto não confere uma simples faculdade. confere um direito, ao determinar que a remuneração corresponderá a, no máximo, setenta e cinco por cento da estabelecida para os deputados estaduais. o direito decorre da própria norma constitucional, não mais comporta lei complementar que o estabeleça, como se exigia no sistema constitucional revogado” (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Manual do Vereador”, Malheiros, 1997, 3ª ed., p. 76, sem destaques no original).
Fazendo valer este direito que cabe aos agentes políticos municipais, a Câmara de Vereadores votou as leis em questão, fixando e majorando os subsídios (e a verba das sessões extraordinárias), VALENDO-SE DE FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA, no caso o inciso VI do art. 29 da CF/88 (regra que está em vigor desde a Emenda Constitucional 25/2000).
A doutrina aponta que o texto constitucional “impõe às Câmaras a obrigatoriedade de a fixação dos subsídios ocorrer ao final de uma legislatura para vigorar na subseqüente…” (JAIR EDUARDO SANTANA, “Subsídios de agentes políticos”, Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2004, p. 69, sem destaques).
Como se sabe, O DIREITO EXISTE PARA REALIZAR-SER, não fugindo o direito constitucional a esse desígnio, não se devendo concluir pela ausência de fundamento jurídico para o que é questionado, quando a CARTA MAGNA, claramente, reveste de plena juridicidade as leis questionadas. Ou seja: havendo a possibilidade de interpretar determinada norma constitucional de forma a considerá-la auto-aplicável ou de aplicabilidade imediata e integral, não há porque optar por caminho diverso, que sempre será considerado pobre e insuficiente para atender à noção de FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO.
É certo, pois, que a tese veiculada pelo MP COLIDE com a regra do inciso VI do art. 29 da CF/88.
De lembrar o que já anotou MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (“Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal”, Saraiva, 2001, p. 156, obra coletiva coordenada por Ives Gandra da Silva Martins), especificamente quanto à regra do parágrafo único do art. 21 da LRF: “O dispositivo, se fosse entendido como proibição indiscriminada de qualquer ato de aumento de despesa, inclusive atos de provimento, poderia criar situações insustentáveis e impedir a consecução de fins essenciais, impostos aos entes públicos pela própria Constituição”.
Como, então, considerar que a fixação dos subsídios se deu de forma viciada ?
ALEXANDRE DE MORAES (“Constituição do Brasil Interpretada”, Atlas, 2002, p. 718), respeitado constitucionalista, revela o acerto do que se afirma:
“A EC 25/00, além de alterar os limites possíveis de fixação dos subsídios dos vereadores em relação aos subsídios dos deputados estaduais, REINTRODUZIU a denominada ‘regra da legislatura’, que havia sido abolida pela EC 19/98” (sem destaques no original).
O que se fez, portanto, relativamente à fixação e majoração dos subsídios na mesma legislatura, foi no sentido de implementar algo que era possível juridicamente e de natureza impositiva, não sendo caso de se impor regra de LEI contra aquilo que está previsto, de forma absolutamente clara, no ESTATUTO JURÍDICO FUNDAMENTAL, diante mesmo da noção da supremacia hierárquica das normas do texto constitucional nacional (eis uma decisão do STF: “A superioridade normativa da Constituição traz, ínsita, em sua noção conceitual, a idéia de um estatuto fundamental, de uma ‘fundamental law’, cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda a ordem positiva instituída pelo Estado”, RTJ 140/954, RE 107.869, Rel. Min. Célio Borja).
É de lembrar que o próprio MP, na sua inicial, transcreve acórdãos relativos a atos viciados, mas relativamente a subsídios fixados na mesma legislatura, o que bem demonstra o desacerto do que se postula.
iii – Outras questões
Outras considerações podem ser apresentadas, reveladoras da validade jurídica das leis questionadas:
a) interpretando-se a Constituição (quanto aos arts. 163 e 169, que servem de fundamento de validade à LRF, bem como quanto ao inciso VI do art. 29), o que se vê é que não existe vinculação entre tais normas jurídicas, estabelecendo-se, em verdade, a necessidade da fixação dos subsídios de agentes políticos, NA MESMA LEGISLATURA, sem delimitar o período em que isto deve ser efetivado. Importante é considerar, inclusive, que a Constituição, quando tratou dos limites com gastos da Câmara de Vereadores, o fez em dispositivo que não remete à LRF, porque adotou limitações totalmente diferenciadas (art. 29-A, com a redação da Emenda 25/2000);
b) “mutatis mutandis”, imagine-se a hipótese de o Poder Público Municipal garantir, por lei, reajuste da remuneração de servidores públicos, nas suas datas-bases, no final do mandato do Prefeito. Situação como esta também não seria vedada pela norma da LRF. É o que anota a literatura jurídica: “Embora a redação adotada pelo legislador no parágrafo único do art. 21 seja taxativa, o bem-senso leva a crer que devem ser observadas as data-bases para concessão dos reajustes anuais, mesmo que incidentes no decorrer do segundo semestre do último ano de mandato…” (FLÁVIO DA CRUZ, “Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada”, Atlas, 2ª ed., 2001, p. 84).
iv – Conclusão
Entendemos, pois, ser possível a fixação e a elevação dos subsídios dos agentes políticos municipais também nos últimos 180 dias do mandato.
Advogado constitucionalista em Campo Grande/MS
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