Resumo: O presente trabalho tem como escopo analisar o conceito de trabalho decente e as diversas formas de violação de direitos no exercício do trabalho humano subordinado, principalmente, no que tange ao trabalho forçado e em condições degradantes. Para consecução de tal fim, far-se-á mister uma discussão teórica do tema, bem como buscar-se-á analisar as fontes materiais e formais do direito atinentes ao problema do trabalho decente, especialmente, nos textos internacionais da Organização Internacional do Trabalho. No que tange à construção analítica, serão tratadas as seguintes questões: o conceito de trabalho decente, os princípios jurídicos e filosóficos do trabalho, a relação entre direitos humanos e fundamentais e o trabalho, bem como a dimensão real do tema sob o contexto brasileiro. Por fim, verificaram-se as implicações do tema por meio de sua problematização.
Palavras-Chaves: Trabalho Subordinado; Trabalho Decente; Dignidade da Pessoa Humana; Direitos Humanos; Direitos Fundamentais; Realidade Brasileira.
Abstract: This paper aims to analyze the concept of decent work and the various forms of rights violations in the course of human labor subject, especially in relation to forced labor in degrading conditions. Therefore, to achieve this end, it will do the necessary a theoretical discussion of the issue and it will analyze the matter of material and formal Source of law Work as well as the issue of decent work, emphatically, the international texts of the International Labor Organization This construction cost will be addressed the following issues: the concept of decent work, the legal and philosophical work, the relationship between human and fundamental rights and labor, as well as the actual size of the topic from the Brazilian background. Finally, there were the implications of the theme through their questioning.
Keywords: Work Subordinate; Decent Work; Dignity of the Human Person; Human Rights; Fundamental Rights; Brazilian Background and Framework.
INTRODUÇÃO
Enquanto categoria de análise, o trabalho aparece para a sociedade contemporânea como o elemento que conduz a história social e jurídica. Nesse sentido, busca-se identificar e analisar as variações sob as quais o trabalho humano é submetido.
Para tanto, conduzir-se-á a análise do trabalho decente como objeto conceituado com base nos princípios jurídicos e filosóficos, cujo problema metodológico se refere basicamente à sua definição objetiva e positiva, necessária à ciência jurídica. Desse modo, o trabalho decente conhece na literatura internacional definições que podem ser lidas sob pontos de vista diversos, mas, na sua essência, todas carregam o mesmo princípio: o da dignidade da pessoa humana legitimada necessariamente pelos Direitos Fundamentais. A partir disso, o trabalho passa a ser estudado sob essa nova perspectiva jurídica, que desdobrar-se-á na atualidade sob os princípios Fundamentais como fontes norteadoras do trabalho decente.
Inicialmente, propõe-se no primeiro capítulo uma abordagem sobre os principais fatos históricos, partindo-se da conceituação do trabalho humano subordinado desde a Grécia Antiga até o contexto contemporâneo. Aborda-se, também, o trabalho humano sob o prisma da história brasileira.
Na segunda parte do trabalho serão analisados os Direitos Humanos e os Direitos Fundamentais sob a ótica e conceito da literatura pertinente, outrossim, estendendo-se ao princípio da dignidade da pessoa humana. No terceiro capítulo à dignidade aparece como conceito central na discussão acerca da sua significação e aplicabilidade no contexto jurídico.
Ato contínuo, no capítulo seguinte, acrescenta-se à análise o caráter social do direito, sob um olhar clínico de um novo paradigma, não mais individualista, mas que relaciona o indivíduo (homem-trabalhador) à chamada questão social. Nos dois capítulos posteriores discorre-se acerca dos direitos mínimos do homem-trabalhador sob a perspectiva do trabalho decente, através da abordagem dos textos internacionais, sobretudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O contraponto ao debate teórico do trabalho decente aparece no último capítulo como ponto crítico da realidade jurídica, que reconhece no Brasil, a existência de diversas formas de trabalho forçado.
Por fim, verificar-se-ão as implicações do tema, por uma revisão geral do trabalho em considerações finais.
I – DO TRABALHO SUBORDINADO NA HISTÓRIA.
1. Intróito.
O trabalho subordinado, nos moldes em que conhecemos na realidade do mundo contemporâneo, encontra as suas raízes na Primeira Revolução Industrial, em meados do século XVIII. A relação atual entre empregado e empregador construiu suas bases históricas neste momento de grandes transformações e rupturas na maior parte do mundo ocidental. Outrora, não somente as práticas produtivas, mas, sobretudo, as relações de produção eram diversas. Logo, as abordagens jurídicas passaram a se realizar de outras formas, trazendo consigo todo um pensamento social de sua própria época.
Nesse sentido, faz-se mister uma análise histórica do tema, de modo sintético, com o fito de trazer uma análise acurada sobre a questão de vital importância para os direitos humanos e para compreensão de seu delineamento no tempo.
1.1. Do Trabalho Humano na Antigüidade.
Na Antigüidade, por exemplo, como descreve OTÁVIO AUGUSTO REIS DE SOUSA[1], predominou o trabalho escravo, que contribuiu para emprestar ao labor uma conotação de desprestígio infamante, sendo exíguo o trabalho prestado por homens livres.
De maneira geral, na Antigüidade clássica eram a personalidade jurídica e os direitos reconhecidos e praticados apenas pelos homens livres, o que poderiam ser qualificados hoje como cidadania. Na tradição grega inserta nesse período histórico, o homem tem uma dignidade própria e independente do trabalho, o que o coloca acima das demais criaturas [os não-livres].
Nesse diapasão, da Antiguidade o trabalho era, na maioria das vezes, relegado ao escravo submetido à postesta do paterfamiliae ou, então, quando feito pelos homens livres, era submetida ao direito civil. O contrato civil de locação de serviços[2] era o mais comum para a prática de serviços, além do contrato de mandato.
1.2. Do trabalho Humano na Idade Média.
Na idade média, especialmente, no pano de fundo do feudalismo, muito embora os aspectos do trabalho fossem diferentes, ainda permanecia uma relativa falta de liberdade dos trabalhadores, pois nesse período, submetiam-se os servos (vassalos) aos seus senhores, presos às glebas que eles mesmos cultivavam.
O modo feudal de produção tinha como estrutura básica de seu desenvolvimento a propriedade estamental, consoante assevera OLIVEIRA[3]:
“[…] a propriedade do senhor sobre a terra (os feudos) e a propriedade era limitada do senhor para o camponês servo (servidão). Através dessa propriedade limitada do senhor sobre a pessoa do camponês servo, foi edificada a coerção feudal. Ela permitia que o senhor pudesse exigir os tributos e as prestações pessoais. Não se trata aqui da propriedade total e absoluta como no escravismo. Aliás, cabe distinguir essas duas relações sociais distintas: o escravo era parte integrante da propriedade, ele em si podia ser comprado ou vendido, em qualquer tempo ou lugar. Já com o servo isso não acontecia, ele em si não podia ser vendido, ou seja, ele não podia ser vendido fora de sua terra. O que podia ocorrer era a venda da posse de um feudo de um senhor a outro, e isso se traduzia apenas uma nova realidade: o servo tinha outro senhor, entretanto permanecia em ‘sua’ parcela de terra”.
Ainda na Idade Média, também se organizaram as corporações de ofício, disciplinando os exercícios das artes e das profissões urbanas. Nelas já se podem ver o embrião do trabalho humano subordinado atual.
Conquanto aparentemente as corporações fossem formadas por três classes: mestres, companheiros e aprendizes, e com os integrantes das últimas podendo ascender as primeiras, não há dúvidas de que os aprendizes, salvo exceções, ao aprender o ofício, no máximo podiam aspirar à chegada a condição de companheiros, que eram tão-somente os trabalhadores na corporação, e com mínimas chances de alcançar a condição de mestres.
Isso, a propósito, fixa a característica perene do trabalho humano em que há subordinação sob qualquer título, e que impõe sua proteção, qualquer que seja a forma de relação: a dependência.
Salvo raras exceções, o trabalhador sempre guarda com o tomador dos serviços uma relação de dependência, quer em grau extremado, como no caso dos escravos, dos servos ou dos companheiros, quer na hipótese atual da regulamentação do trabalho humano subordinado pelo contrato de trabalho.
1.3. Do Trabalho Humano na Modernidade (Idade Moderna e Contemporânea).
Faz-se imperioso destacar que, até o advento capitalismo e do ideário protestante, o trabalho não estava associado à dignidade humana, mas à idéia degradante e vil, própria de escravos e servos, ou dos economicamente desfavorecidos. Até então o trabalho não era considerado dignificante, mas sim degradante.
Com o desenvolvimento das relações capitalistas de produção, bem como com a apropriação dos meios de produção e da riqueza e a necessidade de se permitir a apropriação de mercadorias, levaram a valorização (imputação de dignidade) do trabalho como valor ético central da sociedade.
Destarte, era preciso difundir a valorização do trabalho para legitimar o sistema formado pela sociedade burguesa a pouco instaurada, justificando-se pelo trabalho a apropriação privada e a acumulação, concebidos, principalmente, com o protestantismo, e não mais como condenável à vinculação a bens materiais.
Nesse diapasão com advento o protestantismo, o trabalho adquire um novo prisma que se desenvolveu na construção da ética do capital. No que tange dessa nova tipologia, MAX WEBER[4] aborda em sua obra:
“A habilidade de concentração mental, tanto o sentimento de dever, absolutamente essencial, em relação ao trabalho, são aqui muitas vezes combinados com uma economia rígida, que calcula a possibilidade de altos ganhos, um frio autocontrole e frugalidade que aumentam enormemente o desempenho. Isto fornece fundamento mais favorável para a concepção do trabalho como um fim em si mesmo, como uma vocação necessária ao capitalismo: as oportunidades de superar o tradicionalismo são maiores por conta da formação religiosa”.
Dessarte, o trabalho passou a ser um fim em si mesmo, assumindo um papel simbólico de consagração do homem. O trabalho sob a égide da ética do capitalismo passou a ser compreendido como único meio de vida e libertação.
Ato contínuo, a partir da segunda metade do Século XVIII, com o marco fundamental da chamada Primeira Revolução Industrial inicia-se uma nova movimentação nos fluxos de trabalhadores em toda a Europa, sobretudo na Inglaterra. A expropriação dos camponeses e a sua expulsão da terra efetivaram uma intensa transformação na estrutura produtiva, na qual revela o surgimento de um mercado de trabalho urbano nas grandes cidades.
Nesse processo, por sua vez, não somente transformou-se a estrutura geral do trabalho, mas também a estrutura organizativa interna dos trabalhos em grandes fábricas, cujas necessidades de exploração do trabalho trouxeram consigo a coletivização concentradora de trabalhadores.
Dessa imensa fuga de trabalhadores do campo para a cidade, tem-se um momento que revela a desproporcionalidade quantitativa entre os processos que regem essa passagem histórica de formação de um mercado de trabalho: a demasiada oferta de mão-de-obra abarrota o mercado de trabalho, que não consegue absorver a maioria dos trabalhadores, cria condições para que a exploração da força de trabalho torne-se abusiva. Por ainda não existirem normas que regulamentem essa exploração do trabalho, os proprietários dos meios de produção são os que ditam as normas de trabalho na produção.
Assim, impõem-se condições de trabalho e regras tão abusivas e degradantes que por uma própria contradição interna, põem em xeque as relações de poder. Aquela mesma coletivização dos trabalhadores ou socialização do trabalho traz consigo a criação de um ambiente explosivo, no qual originam as primeiras formas de agrupamento de trabalhadores, que posteriormente se desenvolverão para os contemporâneos sindicatos.
Com o chamado desenvolvimento das forças produtivas, do artesanato para a manufatura, da manufatura para a maquinofatura, seguida da formação da grande indústria, surgem também, quase que, naturalmente, o descontentamento e o sentimento de revolta contra os responsáveis não só pelas condições degradantes de trabalho, mas também pela condição inversa, a de não-trabalho, de desemprego. Apontada como principal culpada, a máquina passou a ser a causa das revoltas, mais conhecidas como movimentos ludistas. Nesse sentido, ARION SAYÃO ROMITA[5], a respeito desse período, aponta que:
“Durante as últimas décadas do século XVIII e as primeiras do século XIX, os motins foram endêmicos, várias vezes, mineiros e marinheiros, operários da construção naval e das docas e assalariados de múltiplas atividades de Londres destruíram ferramentas, quebraram instalações e queimaram em efígie aqueles que consideravam responsáveis pelas agruras por eles vividas. Os tumultos do século XIX já eram mais perturbadores, porque os seus participantes não eram os operários de fábricas, mas os trabalhadores ligados aos antigos processos de produção: cultivadores do campo, fabricantes de malhas e tecelões manuais. Homens subempregados e subalimentados não teorizavam a causa da sua miséria era natural que atacassem e tentassem destruir as máquinas que acusavam de lhes ter tirado o pão”.
Com efeito, surge uma grande pressão social decorrente da insatisfação generalizada, tanto daqueles que se viam diante da impossibilidade de efetivar a única condição que lhes restara, de vendedores da própria força de trabalho, como daqueles que não aceitavam as condições pelas quais vendiam a sua força de trabalho. Nesse sentido, era iminente a necessidade de um controle, pelo Estado, da exploração da força de trabalho alheia, e das condições a que eram submetidos os seus possuidores.
Nessa senda, como meio de contenção social e forma de garantir que a exploração do trabalho continuasse de maneira mais duradoura e menos penosa, o Estado e os proprietários dos meios de produção e do capital vêem-se diante de uma situação contingente e cedem, uma vez que a igualdade jurídica, em tese, já estava instituída.
Nesse período histórico são criadas as primeiras leis e normas que regulamentam as relações de trabalho e o próprio trabalho, que logo, tornar-se-á o denominado Direito do Trabalho nos moldes como conhecemos na contemporaneidade.
Em 1848, com a revolução popular francesa (Comuna de Paris), fruto da situação insuportável decorrente do individualismo pregado pela Revolução de 1789 e com a publicação do Manifesto Comunista, de Marx e Engels, que estimula os trabalhadores à união, inicia-se um segundo período na história que é aquele da contestação ao liberalismo[6].
A partir dessa fase, assiste-se a uma crescente intervenção do Estado nas relações trabalhistas, empregando, paulatinamente, alguns direitos aos trabalhadores.
Durante o início do século XX, os direitos dos trabalhadores, vistos como direitos humanos, passam à condição de direitos fundamentais, isto é, direitos humanos positivados no ordenamento jurídico dos Estados Soberanos. Os primeiros países a terem em suas constituições a tutela dos direitos do trabalho foram a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição alemã de Weimar de 1919[7].
Nesse prisma, a efetiva intervenção estatal nas relações de trabalho humano subordinado, dá-se com o final da Primeira Grande Guerra, quando, internacionalmente, é reconhecida a necessidade dessa intervenção, a fim de ser solucionada a questão social.
O Tratado de Versalhes de 1919, cuja assinatura assinala o término da guerra, prevê a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, como organismo que se ocupa na proteção das relações entre empregados e empregadores, no âmbito internacional, expedindo convenções e recomendações nesse sentido.
Nesse mesmo período, a Encíclica Rerum Novarum[8], do Papa Leão XIII, datada de 1890, traça diretrizes no que se refere à intervenção estatal, fixando-as aos direitos trabalhistas, como, por exemplo, a limitação de jornada de trabalho.
Assim, nesta fase intervencionista da história do trabalho humano subordinado, após intensas lutas, passam os empregados a ter reconhecidos seus direitos, bem como os meios hábeis a fazer valer os direitos, quando não respeitados.
1.4. Do Trabalho Humano no Direito Pátrio.
Em relação ao trabalho humano no direito o pátrio, sua história teve seu início com muito atraso, pois até 13 de maio de 1888, a economia brasileira era pautada na escravidão, quando da Edição da Lei Áurea, ainda havia pouco espaço para o trabalho livre.
Não somente no âmbito internacional, mas também no contexto brasileiro podemos verificar inúmeras tendências históricas que transformaram as relações de trabalho. Nesse sentido, o Direito do trabalho brasileiro reflete em sua própria história o movimento e as mudanças ocorridas na realidade do trabalho no Brasil.
Desse modo, pode-se identificar transformações substanciais nas relações de trabalho quando correlacionadas aos sistemas políticos vigentes e aos princípios reguladores. Do período que vai desde a independência em 1822 aos dias hodiernos, BUENO MAGANO[9] cria uma divisão em três períodos principais: o liberalismo monárquico de 1822 a 1888; o liberalismo republicano de 1889 a 1930; e o período intervencionista a partir de 1930.
No primeiro período chamado de liberal monárquico, tem-se como principal característica a predominância do trabalho escravo negro legitimado pelo poder do Estado ainda monárquico, cuja tendência liberal econômica trouxe consigo a sua própria dissolução. Com os ideais republicanos e abolicionistas em todo o mundo ocidental, o poder monárquico brasileiro é dissolvido pouco tempo após a instituição do trabalho livre em lugar do escravo. Passa-se, então, para o segundo período o liberal republicano.
Nesse segundo período, já não predominam mais as formas de sujeição do trabalho aos moldes escravistas, o trabalho livre assalariado traz consigo uma outra relação de trabalho na qual o salário, em tese, corresponde e paga ao trabalhador todo o trabalho realizado. Apesar dessas mudanças de âmbito político e econômico, o Estado liberal não intervinha de modo efetivo da regulamentação dessas novas relações que se formavam entre empregado e empregador. Nesse momento, surgem no Brasil, os primeiros movimentos operários com forte influência dos ideais associativistas trazidos por imigrantes europeus, cuja reação repressiva por parte do Estado revelava a sua inspiração jurídica liberal que impedia o direito de associação.
A partir de 1930, com a Revolução que coloca Getúlio Vargas no poder, inicia-se o terceiro período chamado de intervencionista. Nessa fase, rompe-se radicalmente com os ideais liberais e começam a ser editadas leis trabalhistas interferindo diretamente nas relações de trabalho. Instituem-se leis de permissão e regulamentação sindical e, além disso, um dos maiores marcas da regulamentação do trabalho no país – a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943.
Portanto, com esses fatos, proporciona-se desde então uma intensa intervenção do Estado, como um regulador e mediador nas relações, muitas vezes conflituosas, entre empregado e empregador.
II – DOS DIREITOS HUMANOS
2. Introito
Ao elaborar o estudo sobre o trabalho decente com destaque ao conceito e normas que regem o tema, cabe fixar, desde o início, algumas generalidades acerca de Direitos Humanos.
Desse modo, faz-se mister, outrossim, indicar alguns elementos que permitem definir as diversas formas e denominações dadas pela doutrina e pela própria legislação, ao se referirem aos Direitos Humanos.
Para execução desse fito perquirir-se-á a literatura jurídica e filosófica pertinente, para se evitar uma oclusão semiótica do tema, ou seja, uma compreensão parcial na realidade em o que problema encontra-se inserto.
2.1 Da literatura dos direitos humanos e a relação elaborada sobre a dignidade da pessoa humana.
A maioria dos autores vincula a dignidade da pessoa humana aos Direitos Humanos ou Fundamentais, seja tratando-a como um deles ou, ainda a classificando como seu núcleo e valor supremo do qual decorre a fundamentação de todos os demais direitos.
A origem dos conceitos de Direitos Humanos e Direitos Fundamentais é diversa, estando os Direitos Humanos voltados ao Direito anglo-saxão, e os Direitos Fundamentais ao Direito alemão e os direitos do homem e liberdades fundamentais ao Direito francês.
WILLIS SANTIAGO GUERRA FILLHO[10], estabelece que:
“De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os direitos fundamentais são originariamente, direitos humanos, contudo estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, situadas em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas do direito interno”.
Nessa senda, INGO WOLFANG SARLET[11], assevera que os Direitos Fundamentais são aqueles reconhecidos pelo Direito Constitucional interno de cada Estado; e, os Direitos Humanos, os positivados no plano internacional. Para este autor, apesar de comumente utilizados “Direitos Fundamentais” e “Direitos Humanos”, ambos têm significados distintos. Neste ponto, o autor esclarece e chama atenção para as distinções:
“Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos e ‘direitos fundamentais’ comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que reconhecem ao ser humano como tal, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional”.
Outrossim, FÁBIO KONDER COMPARATO[12], reflete acerca dessa temática. Para ele, a qualificação dos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, é dada pela doutrina da seguinte forma:
“A doutrina jurídica contemporânea, como tem sido reiteradamente assinalada nesta obra, distingue os direitos humanos dos direitos fundamentais, na medida em que estes últimos são justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas”.
Para JOSÉ CLÁUDIO MONTEIRO DE BRITO FILHO[13], os Direitos Fundamentais são os direitos reconhecidos no plano interno dos Estados; já os Direitos Humanos encontram sua definição como “o conjunto de direitos necessários à preservação da dignidade da pessoa humana”.
Feitas essas distinções acerca das expressões Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, cumpre salientar que o conceito de dignidade da pessoa humana está presente tanto nos tratados internacionais, quanto no direito interno, evidenciado pela Constituição Federal.
A definição que se enquadra neste trabalho para os Direitos Humanos é: o conjunto de direitos necessários à preservação da dignidade da humana.
A partir de então, para compreender a idéia global de trabalho decente, devemos realizar algumas considerações sobre a universalidade dos Direitos Humanos. Tal concepção encontra o seu fundamento na existência de direitos que devem ser respeitados por todos os estados, por todos os povos, em todos os lugares.
2.2 Dos Direitos Humanos a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Para esse estudo, partiremos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, apesar de ser procedida por outras cartas de direitos, foi o primeiro documento capaz de estabelecer um ideal comum a ser alcançado por todos os povos e nações. Nessa mesma linha de idéias, FÁBIO KONDER COMPARATO[14], comenta:
“Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente por que se está diante das exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não”.
O caminho, no entanto, não é o universalismo na sua forma mais rígida ou ortodoxa. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é o instrumento de reconhecimento da igualdade e dignidade do ser humano, isto é, como fonte de todos os valores, independentemente das diferenças de raça, cor, sexo, religião ou origem social, assim fundamenta o artigo II[15]:
“Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.
Portanto, a história da dignidade está vinculada ao desenvolvimento dos Direitos Humanos e Fundamentais, na literatura pertinente, a maioria dos autores analisa as características dos Direitos Humanos, extensíveis à dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, é de todo necessário analisar a dignidade da pessoa humana, a qual será o objeto deste estudo do próximo capítulo.
III – DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
3. Intróito.
Para se compreender o conceito ou a idéia impressa na expressão dignidade da pessoa humana, faz-se necessária a explicitação de todos os conteúdos de cada uma das palavras que a formam. A primeira vista, o que se destaca é justamente a aparência de redundância quando é atribuída à pessoa o adjetivo “humana”. Esta adjetivação, bem como qualquer outra, carrega consigo uma especificação ou restrição ao sujeito. No caso, dignidade da pessoa humana é entendida como vinculada ao homem concreto e individual, já a expressão dignidade humana conteria um sentido muito amplo ligado a toda humanidade[16].
A dignidade pode ser compreendida como atributo individual e humano [dignidade da pessoa humana], enquanto que outra vertente a considera como um atributo da humanidade em geral [dignidade humana].
Desse modo, para se estabelecer uma forma concreta, necessária à forma jurídica do direito positivo, tem-se como base a individualização do individuo perante a sociedade ou à humanidade.
3.1. Da Dignidade da Pessoa Humana: Uma Análise Propedêutica.
Enquanto uma construção histórica, a individualização do ser e a sua consciência individual referem-se a um dos fundamentos filosóficos de maior relevância na elaboração da idéia de dignidade. Por isso a necessidade da inclusão do termo pessoa humana, sobretudo para a ordem jurídica vigente, que têm os indivíduos como base. Indivíduos estes, que são tidos enquanto unidades particulares que contém uma totalidade [representada pela sua cultura, religião, pelo pensamento político, pela sua visão de mundo], e que estão contidos na totalidade social; não são, portanto, indivíduos isolados, mas indivíduos essencialmente sociais.
Para tanto, pode-se admitir uma serie de enfoques diferenciados relacionado ao conceito de dignidade, ainda que a grande maioria contenha uma base filosófica como fundamento. ARION SAYON ROMITA[17] identifica alguns dos principais enfoques possíveis: o ético, o sociopolítico, o filosófico e o jurídico.
O primeiro enfoque, o ético, refere-se à idéia do respeito de si mesmo por parte dos demais e pela própria pessoa; já o segundo enfoque, o denominado de sociopolítico, traz uma idéia de convivência pacífica por meio de uma certa reciprocidade, com um “padrão mínimo de comportamento” que deve ser adotado por um Estado no exercício de seus poderes relativamente aos cidadãos.
O último viés, o enfoque filosófico, propõe a idéia de respeito, uma vez que o ser humano em sua própria essência está “impedido de ser reduzido à condição de coisa ou animal irracional”; nesse enfoque têm-se elementos da concepção kantiana de dignidade como elemento fundamentado pela razão, pela racionalidade inerentes ao homem.
A autonomia segundo KANT, “é o princípio da dignidade da natureza humana e de toda a natureza raciocinante”[18]; ou seja, a liberdade e a consciência racional de que se é livre, por exemplo, é a forma pela qual a dignidade se manifesta, enquanto racionalidade própria do Homem. Por fim, a concepção jurídica carrega no seu bojo a vinculação “à idéia de integridade e inviolabilidade da pessoa”.
Em consonância com a concepção adotada por MARIA THEREZA GOSDAL, pode-se inferir que os inúmeros e diferentes enfoques do conceito de dignidade não somente não são excludentes, como estão intimamente inter-relacionados. Os elementos de uma concepção aparecem em outras e se complementam, de modo que um não pode prescindir, ou mesmo falar-se em superação conceitual.
Nessa perspectiva, abre-se a possibilidade de analisar e depreender a dignidade sob as múltiplas formas que aparecem na contemporaneidade.
3.2. Da Dignidade da Pessoa Humana na Contemporaneidade sob o Enfoque Jurídico.
Em relação ao enfoque jurídico da dignidade, no caso, devemos atentar para a sua aplicabilidade quanto ao direito do trabalho como instrumento de afirmação e legitimação da dignidade do homem-trabalhador. Nesse sentido, a dignidade deve ser apreendida e assegurada como uma forma de inserção à sociedade.
Levando-se em conta esse paradigma, pode-se citar como exemplo o fato de que durante quase quatro séculos a história brasileira se caracterizava pela sua ordem escravista; nela, o escravo era considerado apenas como um bem móvel, e não como pessoa; pessoa era aquela reconhecida pelo seu caráter material [como a cor da pele]; porém, com o advento de um novo ordenamento jurídico passa-se a justificar e legitimar a lei reconhecendo-se o caráter de pessoa humana aos escravos negros, ainda que em outros termos.
Um século depois da abolição do regime de escravidão, a atual Carta Maior de 1988 estabelece no seu artigo 1º, inciso III, o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. E isto significa que o Estado passa a existir para o homem, para assegurar as condições econômicas, políticas ou sociais a que os indivíduos ou grupos possam realizar seus fins.
Relacionado ao artigo 1º, o artigo 3º estabelece como objetivos fundamentais da República, dentre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; a produção do bem de todos, sem preconceito ou distinção de origem, raça, sexo cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, este mesmo artigo afasta uma possível compreensão meramente individualista da dignidade e inclui, também, outros direitos de importância elevada: os Direitos Sociais dentre os Fundamentais, prevendo-os nos artigos 7º e 8º.
Importante salientar que o princípio dignidade da pessoa humana não está apenas nos dispositivos acima mencionados. Este princípio abrange, permeia e aparece, por exemplo, como base da vida em sociedade e dos Direitos Humanos. Assim como colaciona o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos[19]: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
Essa Declaração ao mencionar, a dignidade, traz a idéia da razão como justificadora da dignidade [o pensamento kantiano] e dos direitos mínimos [o enfoque jurídico, que pensa essa dignidade enquanto direito]. Nesse sentido, revela, também, que a dignidade produz efeitos no plano material e concreto da vida, sendo, portanto, um instrumento capaz ou potencialmente capaz de impor obrigações ao Estado e à sociedade.
3.3. Do Posicionamento do Sistema Jurídico Brasileiro Ante a Dignidade da Pessoa Humana.
O sistema jurídico brasileiro revela com muita clareza em seus dispositivos jurídicos a sua própria formação histórico-social, ao acompanhar, ainda que com relativa defasagem, o plano internacional que exige uma série de acordos político-diplomáticos no plano da defesa da dignidade da pessoa humana, dos direitos da pessoa humana.
Nesse sentido, cabe destacar como prova que o Brasil através da Emenda Constitucional n. 45, de 8.12.2004, acresceu o parágrafo 3º ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988, determinando que as normas e tratados internacionais de direitos humanos ratificados passariam a ter natureza formalmente constitucional, desde que aprovados por três quintos dos votos de cada uma das casas do Congresso Nacional.
Em síntese, os direitos reconhecidos passaram, portanto, a ter status constitucional. Cabendo aos juízes, membros do Ministério Público, advogados e doutrinadores atentarem a esta alteração, e a nortear sua atuação pelo ideal de justiça, vinculado à implementação das garantias fundamentais dos trabalhadores, especialmente no que tange a dignidade da pessoa humana.
IV – DOS DIREITOS SOCIAIS.
4. Intróito.
O Direito Social tomou lugar de destaque na literatura jurídica com a obra de GEORGES GURVITCH, “L’ idée du droit social”, cuja construção analítica produziu inúmeras críticas e, por conseguinte, fez com que a idéia ou o conceito de Direito Social fosse melhor trabalhada por outros autores.
Em sua obra, GURVITCH[20] põe em evidencia a necessidade de um pluralismo do Direito Trabalho, de modo que aquela posição monista, cujo direito é produzido exclusivamente pelo Estado, seja rejeitada e substituída. Essa obra de GURVITCH define o Direito Social como uma proposta teórica ao Direito “individualístico” com raízes no sistema jurídico trazido pela revolução francesa.
Para o autor[21] a função do Direito Social seria a “integração objetiva de uma totalidade”, com a participação direta dos grupos e das “pessoas coletivas complexas” como sujeitos determinantes na construção jurídica e organizativa da sociedade. Em outras palavras, GURVITCH inova e assume a sociedade não como uma totalidade constituída de indivíduos, mas de uma sociedade na qual existe um primado de inúmeros grupos sobre os indivíduos na formação jurídica social.
Contudo, todos esses registros revelam que GURVITCH[22] se distancia do Direito do Trabalho, uma vez que não deixa claro o seu sentido pragmático, pois o Direito por natureza pressupõe o caráter social, utilizado para regular a sociedade.
4.1. A Análise dos Direitos Sociais no Brasil
Já em o “Direito Social Brasileiro” de CESARINO JUNIOR[23] surge à proposta de construir um novo posicionamento a respeito do Direito Social no âmbito do trabalho. Nesse particular, aparece o interesse em abranger não apenas as relações de trabalho propriamente ditas, de contratos de trabalho, mas em atingir as pessoas economicamente débeis ou “hipossuficientes”, com a capacidade de alcançar um fundamento mais apropriado às relações de trabalho.
Desse modo, o citado autor define o Direito Social como uma idéia originária da própria questão social destinada à proteção de um grupo ou classe específicos, a dos “hipossuficientes”. O seu conceito é extensivo e ampliativo, na medida em que proclama que sejam abrangidas não apenas as questões atinentes ao Direito do Trabalho, mas também de Direito Coletivo, Assistencial e Previdenciário. Sempre com o objetivo de levar o Direito Social ao encontro da “justiça social”.
Nessa mesma linha de idéias, a própria Constituição Federal de 1988, inova a concepção jurídica no Brasil e adota a matéria, consoante o artigo 6º:
“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Nota-se que nesse artigo já está posta à questão do trabalho enquanto Direito Social, como elemento fundamental à constituição de uma ordem ao menos juridicamente justa.
Contrapondo a esse entendimento, GALLART FOLCH[24], afirma que: “Não existe ramo algum da enciclopédia jurídica que careça de caráter social e, portanto, reservar a qualquer deles o privilégio de tal denominação é cair em confusão”. Para PAULINO JACQUES, a sua crítica, baseia-se no entendimento de que o direito social não é um novo direito, já que este direito, conduz a múltiplas significações. Para alguns autores, o Direito Social é o pluralismo jurídico. Já para outros, é o direito de caráter assistencial destinado à proteção de ”hipossuficientes”.
O Direito Social como elemento fundamental deste estudo, é definido como o instrumento contemplado ao homem entendido como um ser social, construído socialmente. Logo, a denominação Direito Social revela a necessidade de resolução de uma questão latente, que é a chamada questão social.
Em suma, põe-se em evidência, desse modo, a desigualdade nas relações sociais, que no caso aparecem nas relações de trabalho por meio das inúmeras formas de subordinação. Fazendo surgir um instrumento de proteção das necessidades básicas, visando garantir um mínimo de dignidade ao homem-trabalhador.
Feitas estas considerações própria das relações de subordinação do trabalho, é preciso abordar a questão dos direitos mínimos inerentes ao homem-trabalhador, o que será aprofundado a seguir.
V – DOS DIREITOS MÍNIMOS DO HOMEM-TRABALHADOR SOB A PERSPECTIVA DO TRABALHO DECENTE.
5. Intróito.
Inicialmente, importante salientar que JOSÉ CLÁUDIO DE MONTEIRO DE BRITO FILHO, identifica que os direitos voltados especificamente para os trabalhadores, estão reconhecidos em diversos textos e artigos de normas tidas como “o mínimo de direitos do homem-trabalhador”[25]. Dentre estes direitos, destacam-se os artigos XXIII e XXIV da Declaração Universal dos Direitos Humanos[26]:
“Art. XXIII – 1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito à igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.
Art. XXIV – todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas”.
Os artigos retromencionados reafirmam os princípios de Direitos Fundamentais dispostos na Constituição Federal, garantindo ao homem à liberdade de escolha de trabalho, assegurando uma remuneração adequada e protegendo o trabalhador quando estiver desempregado; impõe a não distinção entre o homem e a mulher, quando estes realizam o mesmo trabalho; assegura o direito dos trabalhadores de organizarem-se em sindicatos para exigir e fazer cumprir seus direitos; estabelece o direito ao repouso do trabalhador, incluindo férias periódicas remuneradas.
Dessa forma, a Declaração Universal de Direitos Humanos traça princípios genéricos, considerados como fontes de inspiração para estabelecer critérios gerais, sobretudo como base a um sistema jurídico, que segundo Sérgio Pinto Martins[27] “não são regras imperativas, mas apenas uma orientação geral”.
Não somente através da Declaração Universal dos Direitos Humanos que definimos os direitos mínimos do homem-trabalhador, podemos colher dos textos internacionais uma celeuma de direitos básicos dos trabalhadores, através das chamadas convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho, a OIT.
5.1. Do Entendimento da OIT em suas Normas.
As convenções encontram o seu objetivo e finalidade na promoção de direitos e princípios. O rol básico desses princípios está expressamente alocado na Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho[28], dentre estes, destacam-se a liberdade de associação e a liberdade sindical, bem como o reconhecimento do direito de negociação coletiva (87 e 98), a proibição de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório (27 e 105), a proibição do trabalho infantil (138 e 182), e a eliminação da discriminação em matéria de emprego ou ocupação (100 e 111).
Para enfatizar, JOSÉ CLÁUDIO MONTEIRO DE BRITO FILHO[29], identifica através do item 2 da Declaração da OIT, adotada na Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 1998, um novo meio para promover os Direitos Fundamentais aos Estados que não ratificaram as convenções. Verifica-se, então, que os princípios norteadores são os mesmos da OIT:
“2. Declara todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as convenções aludidas, têm um compromisso derivado do fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar a realidade, de boa-fé e de conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas convenções, isto é:
a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;
c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e
d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação”.
Acerca dos princípios e Direitos Fundamentais no trabalho da OIT, AMAURI MASCARO NASCIMENTO[30], lembrou que estes princípios são os instrumentos básicos para a formação do progresso social, destinado a:
“[…] responder aos desafios gerados pela globalização da economia, embora nela reconhecendo um fator de crescimento econômico e condição essencial para o progresso social, mas entendendo que não é uma condição suficiente para assegurar o referido progresso e que deve ser acompanhada de um mínimo de regras de funcionamento social fundadas em valores comuns”
Por sua vez, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovado na Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966, e em vigor no Brasil desde 1992, também faz referência aos direitos mínimos do homem-trabalhador nos seguintes artigos[31]:
“Art. 6º 1. Os Estados-Partes do presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que compreende o direito de toda a pessoa ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão medidas apropriadas para salvaguardar esse direito.
2. As medidas que cada Estado-Parte do presente Pacto tomará a fim de assegurar o pleno exercício desse direito deverão incluir a orientação e a formação técnica e profissional, a elaboração de programas, normas e técnicas apropriadas para assegurar um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e o pleno emprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais.
Art. 7º Os Estados-Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:
a) uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores:
i) um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles por trabalho igual;
ii) uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto;
a) a segurança e a higiene no trabalho;
b) igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo de trabalho e capacidade;
c) o descanso, o lazer, a limitação razão das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feriados.
Art. 8º 1. Os Estados-Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir:
a) o direito de toda pessoa de fundar com outros sindicatos e de filiar-se ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente aos organização interessada, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias;
b) o direito dos sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e o direito desta de formar organizações sindicais internacionais ou de filiar-se às mesmas;
c) o direito dos sindicatos de exercer livremente suas atividades, sem quaisquer limitações além daquelas previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades das demais pessoas;
d) o direito de greve, exercido de conformidade com as leis de cada país.
2. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desses direitos pelos membros das forças armadas, da política ou da administração pública.
3. nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que os Estados Partes da Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venha a adotar medidas legislativas que restrinjam – ou a aplicar a lei de maneira a restringir – as garantias previstas na referida Convenção.
Art. 9º Os Estados Partes do presente Pacto de toda pessoa à previdência social, inclusive ao seguro social”.
Tomando o plano internacional como referência, verifica-se que, apesar do atraso do Brasil na ratificação ao Pacto, visto a transição política do período militar para o Estado Democrático de Direito, tais fundamentos trouxeram enormes avanços para a identificação do mínimo de direitos do homem-trabalhador.
O artigo 6º contempla o direito à livre escolha ao trabalho. Já o artigo 7º prevê um salário eqüitativo e uma remuneração igual por trabalho de igual valor, ou seja, não pode haver distinções, sob o mesmo paradigma de trabalho. Além dessas características, verifica-se a intenção de promover uma justa remuneração pelo trabalho, afastando desde já a eliminação ou redução da remuneração do trabalho, uma vez que, deve ser garantida, ao menos, no patamar mínimo.
Acerca da proposição do trabalho justamente remunerado, THEREZA CRISTINA GOSDAL[32] pondera:
“[…] o trabalho decente como trabalho justamente remunerado, significa que a remuneração deve possibilitar a satisfação das necessidades vitais mínimas do trabalhador. E que retribua adequadamente a contribuição do trabalhador para a produção da riqueza. Nesse ponto seria identificar tanto o conteúdo de garantia de direitos mínimos e imunidades de dignidade, ao tratar da satisfação das necessidades vitais do trabalhador, quanto de seu conteúdo de honra ao trata da redistribuição adequada à contribuição do trabalhador para a formação da riqueza”.
Outrossim, há o direito a uma existência decente para todos os trabalhadores e suas famílias, como se denota, sendo que um dos pontos contemplado como nucleares do conceito de decente.
Ainda, no que tange ao artigo 7º, observa-se uma preocupação, no que diz respeito às condições de trabalho, tendo vista a preservação da saúde do trabalhador, bem como a manutenção de um ambiente saudável de o trabalho. O referido artigo encerra preconizando que o direito ao descanso, ao lazer e férias periódicas remuneradas são essenciais para um trabalho decente e digno.
Nesse sentido, depreende-se que foi estabelecida uma limitação da jornada do trabalho com a existência de repouso, de modo que sejam respeitados os limites físicos do trabalhador. Tais elementos reguladores trazem consigo um marco histórico ao evitar os abusos nas relações subordinação no trabalho, já que permite o rendimento “normal” do trabalhador, excluindo as jornadas excessivas e intensas, acarretando, possivelmente, a ampliação das ofertas de trabalho no mercado.
Já o artigo 8º trata do Direito Coletivo do Trabalho, que não deve ser entendido como ramo autônomo, mas sim como ramo decorrente das relações individuais do trabalho. Dessa forma, o que se extrai do dispositivo, é que a liberdade sindical é um instrumento pragmático para o atendimento dos interesses dos trabalhadores, desde que observada a liberdade e não intervenção do Estado. Coerentemente, SÉRGIO PINTO MARTINS[33], faz menção ao conceito de liberdade sindical, como:
“[…] o direito de trabalhadores e empregadores se organizarem e constituírem livremente as agremiações que desejarem, no número por eles idealizado, sem que sofram qualquer interferência ou intervenção do Estado, nem uns em relação aos outros, visando à promoção de seus interesses ou dos grupos que irão representar. Essa liberdade sindical também compreende o direito de ingressar e o de retirar-se dos sindicatos”.
Por sua vez, o artigo 9º assegura ao trabalhador a proteção necessária contra os riscos sociais decorrentes da própria atividade laboral, bem como tutela o acesso de toda pessoa à previdência social. O artigo reafirma as medidas de proteção social aos trabalhadores, evidenciado que:
“[…] se o trabalhador não contasse com a manutenção dos meios pessoais de subsistência a não ser durante os períodos úteis de efetiva prestação de serviços, ver-se-ia impossibilitado de contar com os recursos necessários para prover às suas necessidades vitais, bem como aqueles pertinentes aos seus dependentes econômicos” [34].
Por fim, todos estes mínimo de direitos do homem-trabalhador, são ferramentas essenciais para assegurar o trabalho decente. Em razão dos textos de validade internacional acima descritos, pode-se afirmar que o trabalho decente está voltado à promoção do progresso social, à redução da pobreza e das desigualdades sociais, o que será abordado a seguir.
VI – O DIREITO BRASILEIRO E O TRABALHO DECENTE
6. Intróito.
Identificado o mínimo de direitos do trabalhador, cabe analisar se o direito brasileiro incorporou no plano formal, alguns dos princípios apregoados nos textos internacionais, principalmente, as construções jurídicas e sociais da Organização Internacional do Trabalho.
Consoante se verificou, o Brasil ratificou os principais textos internacionais sobre o mínimo de direitos do trabalhador, consagrando na sua Carta Magna muitos dos direitos trabalhistas, dispondo, inclusive, conforme o artigo 6º supracitado, o trabalho como um dos Direitos Sociais.
Nesse sentido, faz-se necessário realizar um cotejo entre a realidade vivenciada e o regramento jurídico, o que passa a ser feito, por ora.
6.1. O Problema da Falta de Efetividade dos Direitos Prescritos pelo Ordenamento Jurídico Pátrio.
Conforme já fora dito, verifica-se que o texto constitucional trata o trabalho como um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, sendo identificado através do princípio do valor social do trabalho, consoante o artigo 1º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988.
Nesse mesmo sentido, a Lei Maior, prevê no artigo 5º, inciso XIII, o livre exercício de qualquer trabalho, vedando, porém, o exercício do trabalho forçado, sendo tipificado pelo Código Penal como crime de redução à condição análoga ao de escravo (artigo 149).
No que se refere à igualdade, preconiza-se a não discriminação dos trabalhadores, sejam eles urbanos ou rurais, no que diz respeito ao sexo, idade, cor, estado civil ou dos portadores de deficiências; vedando a proibição de diferença dos salários e qualquer tipo de discriminação, por qualquer um dos motivos acima mencionados, assim apregoado pelo texto constitucional, no artigo 7º, incisos XXX, XXXI e XXXII.
Quanto à segurança e saúde do trabalhador, preconiza a Carta Federal no artigo 7º, incisos XII e XIII, a redução dos acidentes decorrentes da atividade laboral, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, garantindo aos trabalhadores que exercem atividades insalubres, penosas ou perigosas um adicional na remuneração. Esses incisos visam atribuir uma melhoria à qualidade de vida do trabalhador, bem como no ambiente de trabalho.
O artigo 7º, inciso IV, revela, também, a preocupação em atender as necessidades vitais do trabalhador e de sua família, de modo a garantir moradia, alimentação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, por meio de uma justa remuneração.
Nesse mesmo sentido, garante ao trabalhador o direito ao repouso semanal remunerado, bem como o gozo de férias anuais remuneradas; restringe a duração do trabalho, assim como proíbe o trabalho infantil (artigo 7º, incisos XIII, XIV, XV, XVI e XXXIII da novel Constituição).
O que se depara através dos artigos é a consagração, sob o prisma formal, expresso na Constituição Federal, dos direitos mínimos do homem-trabalhador. No entanto, pondera JOSÉ CLÁUDIO MONTEIRO DE BRITO FILHO[35] que:
“[…] não obstante sejamos detentores, em boa parte, da dimensão formal, pois o texto constitucional é pródigo no reconhecimento dos direitos sociais, bem como tenhamos ratificado os principais textos internacionais relativos à matéria, que vêm a somar a farta legislação infraconstitucional a respeito, na dimensão material é outra”.
A realidade fática deixa claro que as prescrições legais tidas como mínimas de proteção ao trabalhador, continuam sendo desrespeitadas, cabendo ao Direito do Trabalho extrair da formalidade e implantar na realidade [na dimensão material] os instrumentos para sua concretização efetiva.
Por isso, muito embora, como verificado, a Organização Internacional do Trabalho ter apenas pontuado quatro prerrogativas básicas: liberdade de trabalho; igualdade no trabalho; proibição do trabalho infantil; e liberdade sindical, estas não ficam restritas ao elenco dos direitos mínimos do trabalhador.
O trabalho decente encontrará a sua efetividade quando o Poder Público e a própria sociedade concentrarem suas forças para combater a miséria e as desigualdades sociais, executando as políticas de caráter público do Estado dispostas na Carta Magna Federal. A partir desse momento, pode-se avançar na garantia do trabalho decente quando a sociedade gozar plenamente dos direitos mínimos relacionados ao trabalho.
Uma vez estabelecidos alguns elementos essenciais, pode-se proclamar a realização do trabalho decente. Este somente é possível quando são estabelecidas as justas condições para o trabalho, de modo que preservem à saúde e à vida do trabalhador. Para tanto, faz-se necessária uma justa remuneração correspondente às horas de trabalho despendido. Nesse sentido, torna-se patente, a necessidade imanente de um Estado suficientemente capaz de garantir postos de trabalho imprescindíveis à manutenção da sociedade fundada nas relações de trabalho.
Por isso, o trabalho decente caracteriza-se como um instrumento pragmático, constituído pelo conjunto dos direitos mínimos do homem trabalhador, tendo como função “a promoção do progresso social, a redução da pobreza e um desenvolvimento eqüitativo e integrador, em face da crescente situação de interdependência dos diferentes países da atualidade” [36], por meio de uma profunda divisão internacional do trabalho.
Nessa mesma linha de idéias, o trabalho decente corresponde à existência de liberdade de trabalho em condições justas, sobretudo no que diz respeito à remuneração; igualdade no trabalho; à preservação da saúde do trabalhador e do ambiente de trabalho; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical e à proteção contra os riscos sociais.
6.2. A antítese do trabalho decente no Brasil
O trabalho decente quando sustentado pelos pilares dos princípios fundamentais já mencionados, da justa da remuneração, do ambiente de trabalho saudável, da liberdade, da segurança e da eqüidade, visa dar a verdadeira garantia à dignidade da pessoa humana.
O desafio que se coloca, no entanto, ao trabalho decente é a preservação da dignidade, cuja violação se faz presente em toda a história brasileira tanto no contexto do trabalho rural, quanto do trabalho no urbano.
Nesse sentido, pode-se identificar uma miríade de casos dessa natureza, dentro os quais identificam-se no Brasil, principalmente, aqueles que se referem ao trabalho forçado, escravo ou em condição análoga à de escravo, e o do trabalho da criança e do adolescente.
Muito embora, a Convenção n. 29 da OIT, contenha algumas definições de trabalho forçado ou compulsório, tal Convenção deixa clara a proibição do trabalho forçado, não estabelecendo nenhum critério terminológico quanto à denominação do que se entende por trabalho forçado. Admitindo apenas algumas exceções à regra de proibição, como no serviço militar obrigatório para o serviço exclusivamente militar; no trabalho penitenciário, desde que adequadamente supervisionado ou submetido à vigilância da autoridade pública; no trabalho ou serviço exigido nas situações de força maior, como calamidades, acidentes ou guerra que exponham risco ao bem-estar da população.
Por conseguinte, o texto foi suplementado pela Convenção n. 105, proibindo o uso de toda a forma de trabalho forçado como meio de coerção ou educação política; acrescentando, também, a vedação ao trabalho forçado como instrumento disciplinar no trabalho, seja como método de punição pela participação do trabalhador em greves ou como medida de discriminação.
As Convenções n. 29 e 105 da OIT são instrumentos que reafirmam e identificam as situações em que há o trabalho forçado de maneira geral, muito embora, não estabeleçam a diferença entre trabalho forçado e trabalho escravo, já que os textos da OIT não são uníssonos, empregando terminologias amplas que fornecem uma grande margem para interpretações diversas. O que se depara a princípio, no entanto, é que na OIT o trabalho forçado é um conceito mais amplo que engloba desde o trabalho escravo até inúmeras outras formas compulsórias de trabalho.
Para uma significação jurídica mais apropriada, entende a maioria dos autores que o trabalho forçado e o trabalho escravo são sinônimos, deixando implícitas, porém, algumas diferenças. O trabalho escravo, como significado terminológico trata-se de trabalho realizado por “aquele inteiramente sujeito a outrem” [37]. Para que se delimite o significado da expressão, trabalho escravo é o trabalho que independe da vontade ou da liberdade de escolha da pessoa, exercido sob obrigatoriedade e sujeição integral a outra pessoa, mediante coação ou coerção.
No Brasil, particularmente, na Lei n. 10.803, de 11.12.2003[38], ao alterar o artigo 149 do Código Penal estabeleceu um conceito jurídico de redução de pessoa a condição análoga à de escravo, penalizando aqueles que a praticarem. Dispondo o seguinte:
“Art. 149 – Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”.
Depreende-se do texto legal que o trabalho análogo à condição de escravo é gênero, do qual o trabalho forçado e o trabalho degradante são espécies. Diante desse entendimento, faz-se mister realizar algumas distinções entre trabalho forçado e trabalho degradante.
Primeiramente, importante externar que o trabalho forçado relaciona-se com a falta de liberdade do trabalhador, no qual, este se vê diante da aniquilação moral, psicológica e física para abandonar o trabalho.
Por sua vez, o trabalho degradante ocorre quando estão presentes péssimas condições de segurança e higiene para o trabalho, geralmente acompanhado de pouca de remuneração. O trabalho degradante é aquele que não garante o mínimo de direitos para o trabalho. Assim, se difere o último do trabalho forçado, pois naquele (o degradante) não há restrição à liberdade, já que o trabalhador ainda carrega consigo o sentimento volitivo (liberdade).
Nesse mesmo raciocínio, JAIRO SENTO-SÉ[39] ilustra de forma suficiente o conceito de trabalho escravo na contemporaneidade como sendo aquele cujo empregador subjuga o empregado a condições degradantes, submetendo-o a um:
“[…] constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador”[40].
A partir dessas definições, pode-se constatar no contexto atual uma série de práticas relacionadas ao trabalho escravo, as quais muitas dessas práticas são verificáveis de forma mais evidente e manifesta nas zonas rurais remotas.
Ocorre também, que na contemporaneidade esse mesmo trabalho forçado se relaciona muitas vezes ao tráfico de pessoas. Há, por exemplo, inúmeros casos de aliciamento de trabalhadores em uma dada região [principalmente nas mais pobres], com falsas promessas de bom trabalho. A coação empregada, sobretudo nos imigrantes, nos centros urbanos por proprietário de oficina de costura é um dos exemplos mais relevantes, cujo destaque se faz por ocorrer em pleno centro da maior cidade do país que é São Paulo.
Além dessas formas de trabalho forçado, a OIT aponta em seu relatório Global de 2001, alguns outros grupos de trabalhadores considerados vulneráveis ao trabalho forçado. Muitos destes estão localizados em diversas atividades: como na pecuária, na agricultura (na plantação de capim, na colheita da laranja e do algodão, no corte da cana-de-açúcar), nas atividades relacionadas ao desmatamento das florestas, nas atividades de mineração, na produção de carvão vegetal e outras mais.
O autor RONALDO LIMA DOS SANTOS[41] exemplifica as diversas situações atuais, em que se verifica o trabalho forçado no Brasil:
“a) a constrição da vontade inicial do trabalhador em se oferecer à prestação de serviços, sendo, por isso, constrangido à prestação de trabalhos forçados sem sequer emitir sentimento volitivo neste sentido (geralmente esta situação ocorre com os filhos de trabalhadores sujeitos a trabalho escravo e seus familiares);
b) o aliciamento de trabalhadores em uma dada região com promessas de bom trabalho e salário em outras regiões, com a superveniente contração de dívidas de transportes, de equipamentos de trabalho, de moradia e alimentação, cujo pagamento se torna obrigatório e permanente, determinando a chamada escravidão por dívidas;
c) o trabalho efetuado sob ameaça de uma penalidade – como ameaças de morte com armas –, geralmente violadora da integridade física ou psicológica do empregador; modalidade que quase sempre segue a escravidão por dívidas;
d) a coação, pelos proprietários de oficinas de costuras em grandes centros urbanos – como São Paulo – de trabalhadores latinos pobres e sem perspectivas em seus países de origem – geralmente bolivianos e paraguaios -, que ingressam irregularmente no Brasil. Os empregadores apropriam-se coativamente de sua documentação e os ameaçam de expulsão do país, por meio de denúncias às autoridades competentes. Obstados de locomoverem-se para outras localidades, diante da sua situação irregular, os trabalhadores submetem-se às mais vis condições de trabalho e de moradia (coletiva)”.
A primeira situação é comumente verificada nos casos em que os filhos do trabalhador [geralmente menores] ficam diretamente envolvidos no trabalho. Nesse caso, a exploração do trabalho infantil ocorre em sua grande maioria nas zonas rurais. Nesse sentido, JAIRO SENTO-SÉ[42] assinala que:
“Em função do trabalho ao qual são sujeitas, as crianças são obrigadas a deixar a escola muito precocemente. Em outros casos, elas têm a chance de começar a estudar. Pela falta de perspectivas que se abre para os seus futuros, não é difícil imaginar que o destino de todas elas seja trabalhar no campo, com a pá e a enxada, da mesma maneira como ocorreu com os seus pais, sem a chance de construir outros sonhos ou maiores ambições”.
Outra forma de exploração por meio do trabalho forçado é aquela relacionada às dívidas, é o que se depara na segunda situação transcrita. Ocorre quando agenciadores recrutam trabalhadores [em regiões pobres ou miseráveis] com a promessa de melhoria de vida. No entanto, verifica-se que estes trabalhadores ao ingressarem no novo trabalho se deparam com um ambiente em condições terríveis e desumanas. Os alimentos, a água e os utensílios de higiene pessoal são vendidos aos próprios trabalhadores pelo empregador dentro da sua propriedade, exigindo uma contraprestação que futuramente se transformará em dívida, descontando da remuneração do trabalhador os custos da sua subsistência, sempre maiores que o montante prometido de sua remuneração. Tornando-o refém e preso pela dívida ao empregador.
Essa situação se sustenta não somente no arcabouço da coerção e da violência física, mas, também, muitas vezes, com a tomada dos documentos pessoais do trabalhador, que se vê impossibilitado de praticar quaisquer atos da vida civil, configurando uma outra face da violência. A última situação exemplificada por Ronaldo Lima dos Santos, expõe o trabalho forçado deslocado da zona rural para os grandes centros urbanos. Aqui, depara-se com o deslocamento geográfico de uma forma de exploração de trabalho historicamente praticada em zonas rurais.
Portanto, verifica-se o total desrespeito, aos direitos dos humanos na prática, faltando muito, para se atingir os patamares erigidos no plano internacional.
CONCLUSÃO
Assim, partindo-se de um enfoque histórico da questão do trabalho, é possível avaliar os elementos constituintes que transformam e plasmam as relações de trabalho. É sob esta perspectiva, não do trabalho humano puramente, mas das relações imanentemente sociais do trabalho, que se revelam na sua negatividade de exploração aviltante do trabalho.
As relações objetivas e concretas de ordem hierárquica, ainda que presentes em praticamente toda a história humana passaram a ter um caráter cada vez mais degradante e violento.
Contudo, com o desenvolvimento de um pensamento mais humanista [com a Revolução Francesa] e com as inúmeras lutas de trabalhadores, sobretudo a partir do século XVIII, tem-se a necessidade de regulamentação de algumas garantias mínimas aos trabalhadores.
O Estado, desse modo, passa a conter um caráter político mais amplo e toma para si alguns princípios republicanos, e por meio de suas instituições jurídicas torna-se um mediador na situação de constante conflito entre empregado e empregador.
A partir do paradigma do princípio da dignidade da pessoa, constrói-se o conceito que confere ao trabalhador o mínimo de direitos, alicerçados, por sua vez, pelos parâmetros dos Direitos Fundamentais.
Ocorre que, muito embora o exame das leis, tratados ou acordos internacionais nos mostrem um enriquecimento na doutrina jurídica do trabalho, o Brasil ainda não experimentou o oferecimento de trabalho em condições mínimas.
O trabalho decente somente é garantido, minimamente, por meio da construção de um ordenamento jurídico efetivamente capaz de se concretizar na realidade social. Em virtude, da situação de miséria e da extrema desigualdade que assola o País, as relações de trabalho entre empregado e empregador se tornam vulneráveis e tendentes a uma explosão violenta das contradições na sua forma mais extrema; levando o trabalhador ao trabalho degradante ou até mesmo a condição análoga de escravo.
Nesse sentido, a realidade brasileira revela-se paradigmática da situação atual das relações de trabalho, cuja realização no plano nacional traz os conteúdos de uma ordem internacionalmente estabelecida, quer do trabalho decente quer da sua antítese – o trabalho forçado.
Traçar essa perspectiva jurídica das relações de trabalho sob condições minimamente justas e decentes, é apontar criticamente para a situação presente não só no âmbito brasileiro, mas em âmbito internacional.
No momento atual de crise econômica global, nos deparamos com o desemprego e com práticas que se assemelham ao período anterior à abolição da escravatura no Brasil – o trabalho escravo.
Considerando essas situações que aparecem eufemisticamente nos moldes da chamada “flexibilização” das leis trabalhistas, o trabalhador tem nos princípios do trabalho decente e da dignidade da pessoa humana, o instrumento capaz de garantir a realização dos direitos e da vida socialmente digna do homem-trabalhador.
Notas:
Advogado formado em 2009 pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo
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