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O trote e o antraz

Não faz muito tempo, quando se ouvia
falar em pó branco e  imediatamente associava-se à cocaína. Isso mudou.
Hoje quando se fala em pó branco, de pronto um certo
pânico toma conta das pessoas que temem tratar-se do antraz, uma bactéria que
pode ser fatal.

Aproveitando-se dessa mudança e dos
fatos lamentáveis ocorridos nos EUA, onde se vive um momento de terrorismo
bacteriológico, algumas pessoas, aqui no Brasil, resolveram assustar outras,
remetendo-lhes pelo correio, inofensivo pó branco, provocando com isso, imenso
transtorno no cotidiano urbano.

Mas afinal, essa “brincadeira”, sem
dúvida de péssimo gosto, é proibida pela lei? Felizmente sim.

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Trata-se de uma contravenção penal,
prevista no art. 41 da Lei 3.688 de 03 de outubro de 1941. É a infração penal
denominada falso alarma, que veda a conduta que visa provocar alarma,
anunciando desastre ou perigo inexistente, ou que pratique qualquer ato capaz
de produzir pânico ou tumulto. Esse dispositivo estabelece uma pena de prisão
simples, de quinze dias a seis meses, ou multa.

Creio que esse seja o melhor
enquadramento penal, pois tenho lido nos noticiários outros enquadramentos, os
quais não são satisfatórios à luz da conduta e de sua intenção, senão vejamos.

Primeiro noticiou-se que se tratava de
falsa comunicação de crime, cuja previsão encontra-se no art. 340 do código
penal. A conduta do trote em nada se assemelha à falsa comunicação de crime,
pois esta vislumbra a conduta de quem provoca a ação da autoridade, pela forma
da comunicação, todavia, de um crime inexistente.

Assim, este crime do Art. 340, só
poderia ser praticado por aquele agente que comunicasse, à autoridade, um crime
inexistente e não por aquele agente que limitou-se a
postar uma carta com pó branco inofensivo, porquanto este agente visa outro
objetivo, o de semear temor, pânico, tumulto e transtorno, com seu trote.

Outro crime que se noticiou foi o de
ameaça, o qual também não seria a melhor interpretação, pois tal delito
previsto no art. 147 do código penal, exige que o agente ameace alguém, por
qualquer modo, objetivando um mal injusto e grave. O espírito do legislador
neste caso foi de vedar a conduta da promessa de um mal, não da realização
deste. Assim, penso que difere da conduta da remessa do pó branco, na tentativa
de se infundir o pânico pela contaminação do antraz, salvo se o agente
ameaçasse enviar o antraz, neste caso sim ocorreria o crime de ameaça.
Observa-se que neste delito há necessidade de representação da vítima, vale
dizer, é preciso que a vítima autorize o Estado a investigar essa conduta.

Dessa forma parece-nos que outro
enquadramento melhor não há para o trote, que o da contravenção penal do falso
alarma, porquanto o objetivo do agente dessa “brincadeira”, é
produzir pânico em sua vítima que pensará estar contaminada com o antraz, ou
ainda objetivar temor coletivo, face ao noticiário internacional que dá conta
de contaminação coletiva e poderá o agente, ainda, esperar que sejam acionadas
as autoridades, resultando numa grande operação e gigantesco tumulto.

Na verdade o trote corriqueiro não é
conduta das mais nocivas à sociedade, todavia, sempre provocando problemas.
Atualmente essa realidade alterou-se. Há enorme nocividade em se enviar um
envelope contendo, por exemplo,  um pouco de talco para alguém. São os novos
tempos e a lei também não estava preparada para isso, porém, para essa conduta,
há previsão legal que se não for a ideal, é a possível e a que afastaria a
impunidade.

Vale salientar que o trote examinado
aqui, foi exclusivamente a conduta de quem postar uma carta com inofensivo pó
branco, para assustar. Caso estejamos diante de alguém que, para brincar,
comunique a autoridade o recebimento do antraz, sabendo que
tal não é verdade, aí sim estaremos diante do crime de falsa comunicação
de crime, com pena que vai de um a seis meses de detenção.

Caso não seja um trote e o pó tenha
nocividade letal, podendo contaminar um grande número de pessoas, estaremos
diante do crime de epidemia, previsto no art. 267 do código penal, que prevê a
conduta do agente que causa epidemia mediante propagação de germes patogênicos,
com cominação de pena de reclusão de dez a quinze anos. Caso haja o resultado
morte, estaremos diante de um crime hediondo e a pena cominada será aplicada em dobro. Quem envenena
água potável ou substância alimentícia ou medicinal, também estará sujeito a
uma pena de dez a quinze anos.

Observe-se, por fim, que nestes casos
todos examinados neste texto, o que se incrimina são as condutas em si,
independente do resultado, pelo qual o agente também responderá caso ocorra,
incluindo-se aqui o resultado do próprio trote, que poderá estar muito além da
previsão do “brincalhão”.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luíz Flávio Borges D’Urso

 

Advogado Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRAC, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, foi Presidente do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária de São Paulo e foi Membro do Conselho Penitenciário Nacional, é Conselheiro e Diretor Cultural da OAB/SP, e integra o Conselho Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça.

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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