Resumo: Visando garantir a preservação da integridade física e moral da criança e do adolescente, a Lei 8.096, de 13/07/1990, por meio de seu artigo 244-A, configurou como conduta criminosa a prática de relação sexual com menores de 12 anos. Paralelo a isso, o Código Penal Brasileiro estabeleceu também como crime a prática sexual com menores de 14 anos. Assim, ante a divergência apontada, houve a possibilidade de interpretação, através do ativismo judicial, da relativização da vulnerabilidade e conseqüentes decisões no sentido de que, em se tratando de maior de 12 e menor de 14 anos, a vulnerabilidade deve ser observada caso a caso como uma medida de justiça.
Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente; Direito Penal; Estupro de vulnerável; ativismo judicial.
Abstract: In order to ensure the preservation of the physical and moral integrity of the child and adolescent, Law 8.096, of 13/07/1990, through its Article 244-A, configured as criminal conduct the practice of sexual intercourse with a child under 12 year old. Parallel to this, the Brazilian Penal Code also established a crime having sex with children under 14 years. Thus, before the pointed disagreement, the possibility of interpretation, through judicial activism, the relativization of vulnerability and consequential decisions in the sense that, in the case of greater than 12 and less than 14 years, the vulnerability must be observed if the case as a measure of justice.
Keywords: Statute of Children and Adolescents; Criminal Law; Rape vulnerable; judicial activism.
Sumário: Introdução. 1. Estupro de vulnerável. 2. A proteção dada pelo estatuto da criança e do adolescente. 3. O ativismo judicial. 4. A relativização da vulnerabilidade em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Conclusão. Referências.
Visando a garantia da ordem bem como a preservação da dignidade humana, o ordenamento jurídico é composto de diversos Diplomas Legais que tratam de relações diversas em diferentes ramos da sociedade, sempre em consonância com a Constituição Federal.
Dentre os referidos Diplomas encontra-se a Lei Nº 8.069, promulgada em 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, a qual visa proteger os menores de 18 anos, dando a eles a possibilidade de um desenvolvimento mental, moral, físico e social digno, baseados nos princípios de liberdade e dignidade.
Por outro lado tem-se o Decreto-Lei Nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, conhecido como Código Penal, muitas vezes dada a necessidade de acompanhamento das evoluções da sociedade brasileira, o qual é responsável, dentre outras importâncias, pela tipificação dos crimes e estabelecimento de suas sanções.
No entanto, ao se analisar determinados trechos dos citados diplomas, é possível verificar algumas divergências no sentido de estabelecer um início em comum como, por exemplo, na presunção de vulnerabilidade, ante a divergência de idade apresentada no citado Estatuto (12 anos) e no referido Código (14 anos).
Tal divergência abre a possibilidade de utilização do ativismo judicial, instituto responsável pelo rompimento da postura baseada tão somente na lei com a consequente decisão fundamentada no entendimento do julgador, observada seu conhecimento jurídico bem como sua convivência social e análise do caso em concreto.
A aplicação do ativismo judicial pode ser vista em decisões de Cortes Superiores, tais como o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde em razão das divergências estipuladas pela lei, deu a possibilidade de relativização da vulnerabilidade de uma adolescente com idade entre 12 e 14 anos.
1. DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Reza o Art. 217-A, caput, do Código Penal: “Art. 217-A – Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.”
É certo que a partir da década de 80, do século passado, houve grande controvérsia ao texto anteriormente presente no Código Penal, relacionado com a presunção de violência, até então prevista no Art. 224, “a”, do Código Penal, revogada pela Lei 12.015, de 2009.
Assim, com o advento do artigo 217-A, houve a tipificação de que a conjunção com menor de 14 anos era configurada crime. É esse ainda o entendimento de alguns doutrinadores, tais como (GRECO, 2011, p. 529), que assim dispõe:
"O tipo não está presumindo nada, ou seja, está tão somente proibindo que alguém tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de 14 anos, bem como aqueles mencionados no § 1º do art. 217-A, do Código Penal.
Como dissemos anteriormente, existe um critério objetivo para a análise da figura típica, vale dizer, a idade da vítima. Se o agente tinha conhecimento de que a vítima era menor de 14 anos, mesmo que já prostituída, o fato poderá se amoldar ao tipo penal em estudo, que prevê o delito de estupro de vulnerável.”
A tipificação de tal conduta visa a proteção à liberdade sexual e ao pleno desenvolvimento das pessoas vulneráveis. André Estefam (ESTEFAM, 2009, p. 64) menciona que, quanto aos menores de 14 anos, “sustenta um setor doutrinário que a tutela penal também se dirige à defesa da candura, da inocência e da falta de maturidade mental no que se refere à própria sexualidade”.
Insta esclarecer que, no presente crime, tanto o homem quanto a mulher podem figurar tanto como sujeita ativo, no entanto, quando se tratar de conjunção carnal, esta relação deve ser exclusivamente heterossexual, tendo como sujeito passivo o menor de 14 anos.
O elemento subjetivo para que o delito reste configurado é o dolo, ou seja, deverá o agente ter conhecimento acerca da idade do menor supostamente ofendido, de forma que o seu desconhecimento torna a conduta atípica, em razão do disposto no Art. 20, caput, do Código Penal, o qual afirma que o erro sobre o elemento constitutivo do tipo de legal de crime exclui o dolo, ficando permitida a punição pelo crime culposo, desde que esteja previsto em Lei.
2. A PROTEÇÃO DADA PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A Lei 8.069, de 13/07/1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, menciona, em seu Art. 2º, que se entende como criança, para efeitos de aplicabilidade dessa Lei, a pessoa com até 12 anos de idade incompletos, sendo considerado como adolescente a pessoa com idade compreendida entre 12 e 18 anos de idade.
Visando resguardar a proteção integral da criança e do adolescente, foi introduzido citado Diploma Legal, por meio da Lei Nº 9.975, de 23/06/2000, o Art. 244-A, no sentido de que submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do Art. 2º, à prostituição ou exploração sexual, constitui crime com pena de reclusão de quatro a dez anos, e multa.
3. O ATIVISMO JUDICIAL
Tem-se como ativismo judicial a adoção de uma postura proativa por parte do Poder Judiciário, capaz de interferir de maneira regular e significativa nas opções políticas dos demais poderes.
O Ativismo Judicial tem seu berço na Suprema Corte Norte-americana. O ativismo tem sua origem na vontade do intérprete da Lei, ou seja, os julgadores, em qualquer instância.
Nas palavras de MACHADO (2011, p.23):
“Com a superação do positivismo, a decisão judicial deixa de ser a mera subsunção do caso concreto à lei, passando a contar com os princípios e com sua carga axiológica, para a interpretação e para a aplicação do Direito, por intermédio desse mesmo sistema.”
No entanto, o ativismo judicial não é visto com bons olhos por parte de alguns doutrinadores brasileiros, os quais entendem que tal instituto trata apenas de uma forma de invasão do Poder Judiciário sobre os demais poderes, justificando-se no sentido de que não caberia ao Poder Judiciário a participação em assuntos cujas raízes se encontram com campo político e público.
Contudo, tal entendimento não parece ser a mais acertada, uma vez que, através do ativismo judicial, questões que antes traziam discórdia e discussões junto a sociedade brasileira, foram resolvidas de forma satisfatória à maioria do grupo social.
Exemplo disso é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 54, onde o Supremo Tribunal Federal optou pela possibilidade de escolha da mulher em realizar a interrupção da gravidez de feto anencefálico.
Antes da referida decisão, parte da sociedade, influenciada visivelmente pelos princípios religiosos, entendia que o abordo de feto anencefálico seria um crime, assim como qualquer outra forma de interrupção da vida. Outra parte defendia a paralisação da gravidez quando da ocorrência de tal anomalia.
Diante disso, aliado ao fato de não haver uma conduta típica ou não de crime, a Corte Superior deu à mulher a possibilidade de escolha entre a continuidade ou não da gravidez nestes casos, resgatando-se, assim, sua dignidade.
Outro exemplo se baseia no reconhecimento do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, a união homoafetiva, uma vez que havia a divisão da sociedade quanto à aceitação ou não de tal instituto, não havendo ainda lei no sentido da regulamentação acerca deste tipo de união.
Tem-se, assim, que o Ativismo Judicial tenta trazer ao ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de resolução de conflitos através não apenas da lei, mas também por meio de uma maior incidência de conceitos de filosofia moral e política.
4. A RELATIVIZAÇÃO DA VULNERABILIDADE EM DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Conforme já dito anteriormente, em face da possibilidade de aplicação do ativismo judicial quanto à vulnerabilidade do indivíduo menor de 14 anos, no crime previsto no Art. 217-A, do Código Penal, há diversas decisões neste sentido no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Destaca-se, dentre outras, a oriunda da Apelação Nº 3000052-58.2009.8.26.0024, da Comarca de Andradina/SP, onde o Tribunal de Justiça, em julgamento feito pela 16ª Câmara de Direito Criminal, composta pelos Desembargadores Newton Neves, Souza Nucci, Pedro Menin e Alberto Mariz de Oliveira, julgou improcedente o pedido de condenação de um Réu baseando-se na relativização da vulnerabilidade da suposta vítima.
De acordo com a citada decisão, o réu teria sido condenado à pena de 6 anos de reclusão, em regime inicial fechado. No entanto, a Egrégia Câmara julgadora entendeu que o legislador não teria agido de forma suficiente para a homogeneização de criança e adolescente, ora protegendo o menor de 12 anos (Art. 244-A, do ECA), ora defendendo os interesses do menor de 14 anos (Art. 217-A, do CP).
Nesse raciocínio, entenderam os julgadores que a presunção de vulnerabilidade deve ser considerada tão somente em relação aos menores de 12 anos, razão pela qual, consequentemente, a vulnerabilidade em razão de adolescentes poderia ser relativizada, citando, inclusive, entendimentos do Superior Tribunal de Justiça, nesse sentido.
Mencionaram, ainda, os Julgadores que, no caso em análise, a vítima possuía 13 anos, entendendo a possibilidade de relativização da vulnerabilidade, informando ainda que haveria nos autos informações de que a mesmo era dada à prática de prostituição, uma vez que havia dito em seu depoimento que teria tido sua primeira relação sexual aos 12 anos de idade, com um antigo namorado, citando também nomes de outras pessoas com quem manteve contato sexual, tudo em troca de dinheiro.
Diante disso, os Julgadores entenderam que, no caso em concreto, a vítima não se encontrava em situação de vulnerabilidade, razão pela qual possuía plena ciência de seus atos, motivo este que foi determinante para o afastamento da vulnerabilidade e consequente absolvição do acusado.
CONCLUSÃO
Em que pese as críticas feitas ao ativismo judicial, tem-se que o mesmo traz à sociedade, de uma forma geral, a possibilidade de resolução de conflitos e a consequente paz social buscada.
No que tange a possibilidade de aplicação do ativismo judicial quanto à vulnerabilidade do menor de 14 anos, mostra-se tal decisão correta, uma vez que, como é sabido, os jovens vêm se desenvolvendo de forma rápida a cada dia que se passa, tanto física como mentalmente.
Aliado a isso, tem-se que o acesso facilitado à informação, por meio do uso da internet e da mídia, fazem com que os adolescentes tenham conhecimento, em que pese ser este feito de maneira incorreta em algumas vezes, do lícito e do ilícito, do certo e do errado.
Por outro lado, a condenação de um indivíduo no crime de estupro de vulnerável é apenada com reclusão, fator esse que atinge diretamente o maior bem do indivíduo em vida, qual seja, a liberdade, de forma que a condenação com a observância tão somente da lei escrita, deixando de lados as realidades sociais e morais, não coadunaria com a verdadeira aplicabilidade da justiça.
Mestre em Teoria do Direito e do Estado pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha Univem de Marília/SP; Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul campus de Três Lagoas/MS; Professor nas Faculdades Integradas de Três Lagoas/MS Aems; Advogado
Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Três Lagoas
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