Geralmente,
inicia-se o estudo de um tema com a indicação dos aspectos que conferem
relevância ao mesmo. Enfatiza-se, no princípio da
análise, as razões pelas quais determinada matéria deve ser objeto de exame, ou
de ponderações técnicas. Metodologia diversa executa-se neste texto; já que se
propõe a questionar, desde o princípio, o relevo conferido pelos estudiosos do
Direito à questão do emprego do fac-símile, no encaminhamento de documentos
para os órgãos jurisdicionais.
Os
doutrinadores pátrios utilizam como supedâneo ao uso do fax, para os fins já
explicitados, a defesa do princípio da celeridade processual, o qual consiste
em diretriz essencial para a consecução dos fins precípuos da Justiça. Não se pode negar as qualidades técnicas do fac-símile, tais como
ágil envio de dados e facilidade de operação da máquina. Isto posto,
esclarece-se que escopo deste estudo consiste em evidenciar a absoluta
ineficácia da utilização do recurso tecnológico em tela no incremento da
velocidade do transcurso de um processo.
Há
de se considerar, a princípio, que o transporte de peça processual,
normalmente, não representa dispêndio considerável de tempo. Faz-se ressalva,
evidentemente, às hipóteses em que o causídico é constituído para defesa de
causa, em comarca diversa, daquela em que se localiza seu escritório
profissional. De forma alguma, entretanto, pode-se vincular, em qualquer
dimensão que seja, a morosidade da Justiça à
necessidade de se conduzir documentos ao Fórum, em que se averigua o caso
concreto.
A
ampla e irrestrita aceitação da remessa de peças processuais, via fax,
implicaria em evidentes vantagens para a classe dos advogados. Tais
profissionais obteriam a faculdade de, mediante manuseio de equipamento de seu
próprio escritório, realizar o envio dos instrumentos, que se fizessem
necessários, ao longo do processo correlato. Acontece que a orientação
jurisprudencial e a legislação vigente sobre a matéria comprometem, por
completo, até mesmo a citada comodidade para os operadores do direito.
Torna-se
imprescindível para a compreensão da linha de raciocínio, defendida no presente
texto, a devida consideração do posicionamento dos tribunais superiores, quanto
à questão, ora suscitada. Transcrever-se-á, portanto, decisum
do Superior Tribunal de Justiça, cujos membros se manifestaram da seguinte
forma:
“A jurisprudência deste
Tribunal já se firmou no sentido de que não se conhece de recurso que, embora
tempestivamente interposto mediante fac-símile, só vem a ser ratificado por
meio da via original, quando já decorrido o prazo para sua interposição.”(AgRg. No Resp,
nº 129.150-SP, Corte Especial, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, DJ de
29.03.99, pág. 57)1
Verifica-se
o mesmo teor do acórdão supra transcrito, na seguinte decisão emanada do
Supremo Tribunal Federal:
“CONFLITO DE LEIS NO TEMPO – ATO PROCESSUAL – FAC- SÍMILE. Descabe a aplicação da Lei nº 9.800, de 26 de maio de 1999, à hipótese em que o termo final do prazo para o recurso ocorreu em data anterior à respectiva publicação. Prevalência do entendimento majoritário pretérito, em relação ao qual guardo reservas, no tocante à exigibilidade da entrada do original no Protocolo desta Corte dentro do prazo previsto para a prática do ato processual.” (Ag. Reg. Em Ag. Reg em Recurso Extraordinário nº 245764, Segunda Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJ de 04.08.00, pg. 006)
O
advogado Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas, em
artigo de sua autoria, intitulado “O Uso do ‘Fax’no
Judiciário”2, manifesta-se
favoravelmente ao uso do aparelho de fax, no atos judiciais; mas assevera que
“o entendimento que vem sendo adotado pela jurisprudência majoritária
praticamente anula a utilidade dessa maravilhosa descoberta que a tecnologia de
vanguarda colocou à disposição do homem.”. Tais considerações revelam que o
citado articulista teve percepção, daquilo que ora se expõe, ou seja, a
nulidade dos efeitos práticos da conduta em questão.
O
operador do Direito que envia instrumento por meio de fax tão somente adiciona
nova etapa à sua já complexa atividade; uma vez que mesmo com envio pelo
fac-símile, ele continua com o dever encaminhar no prazo legal o documento para
o protocolo, obrigação esta que seria a sua única, caso o advogado tivesse
optado pelo método convencional. Assim, o uso da referida máquina, para fins
processuais e na forma regulada pelos tribunais superiores pátrios,
configura-se como ato estéril, sem efeitos pragmáticos, e, portanto, inócuo com
relação à velocidade do processo.
Torna-se
necessário, ainda, após se deter às diretrizes jurisprudênciais,
tratar-se dos ditames legais pertinentes ao tema. Estudo este que atribuirá
maior supedâneo à teoria da total inidoneidade do recurso à tecnologia em tela,
com fins de se conceder maior rapidez aos atos processuais. Restará, ainda mais patente, o inconveniente que o emprego
do fax representa para o causídico, que resolve adotá-lo na efetivação dos atos
processuais.
A
Lei nº 9.800 de 26 de maio de 1999, preceitua em seu
art. 1 que, in verbis:
“Art.
1º. É permitida às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e
imagens tipo fac-símile ou outro similar, para prática de atos processuais que
dependem de petição escrita.”
Consagra-se
expressamente, desta forma, a possibilidade de se empregar o fax, para o envio
de documentos escritos. Há de se analisar, ainda, o dispositivo subseqüente do
aludido instrumento legal.
“Art.
2º. A utilização de sistema de transmissão de dados e imagens não prejudica o
cumprimento dos prazos, devendo os originais ser entregues em juízo,
necessariamente, até cinco dias da data do término.” (grifos do autor)
Decorre, da norma acima, que
somente os advogados que concluírem a petição, cinco dias antes do prazo de
preclusão, poderão optar pela remessa deste instrumento, por meio de fax. A
incidência deste fato, em qualquer outro momento posterior, resultará em sua
invalidação, tendo o interessando a prerrogativa de, nos dias restantes do
prazo legal, utilizar o método tradicional. Diante do exposto, o causídico, que
persistir no uso do fac-símile, será subjugado à redução dos prazos processuais.
Além disso, uma das vantagens do recurso ao aparelho de fac-símile seria a
possibilidade de usá-lo em situação limite, emergencial, em que se estivesse
prestes a perder o prazo para execução de faculdade, ou obrigação, processual.
Tal hipótese resta inviável, em face do preceito acima transcrito.
Adita-se,
ainda, nota a questionar a necessidade de se estipular prazo tão extenso, de
cinco dias anteriores ao fim do prazo; para que se apresentar a original do
instrumento. Presume-se que tal lapso temporal foi fixado com o objetivo de se
atestar a autenticidade da cópia enviada, tarefa esta que, mesmo se
considerando o volume de processos nos cartórios da Justiça, poderia ser realizada em bem menos tempo.
Conforme
se pode constar pela redação do acórdão abaixo, a observância da norma, insculpida no art. 2º, da Lei n 9.800, têm sido exigida na
instância máxima do sistema judiciário.
“EMENTA: Recurso interposto por meio de fac-símile.2.Não apresentação do original, em até cinco dias contados do término doprazo recursal. Art. 2º, caput, da Lei n.º 9.800, de 26.5.1999. 3.Recurso inexistente. Não conhecimento”. (AGAA-246331/SP AG. Reg. Em AG. Reg. Em AG. de Inst. ou de PETICAO, Ministro Rel. Néri da Silveira, DJ -28-04-00, pg-00074 )3
Entende-se
como corretos e idôneos a posição das cortes superiores e o tratamento do
legislador à presente questão; uma vez que, o
documento, resultante da transmissão através de fax, pode ser adulterado e
conceder margens a controvérsias acerca da perfeita similitude, com relação ao
original. Não existem, sequer, meios a assegurar que a pessoa que enviou o
documento, com emprego do fac-símile, consiste realmente no representante legal
da parte interessada. Até mesmo, a assinatura do documento pode ser facilmente
forjada.
Evidencia-se,
com isso, que condutas ardilosas poderiam ser adotadas pelo sujeito interessado
no retardamento da apreciação final do judiciário. Assim, uma medida que teria
o escopo de fomentar a celeridade processual, tornar-se-ia causa do surgimento
de novas confrontações, as quais, por sua vez, acarretariam maior prolongamento
da causa.
Acentua-se,
por fim, que não se posiciona de forma contrária ao uso das novas tecnologias,
nos atos processuais. Com constante evolução da informática e das tecnologias
na transmissão de dados, pode-se alcançar melhorias,
no que cerne à segurança e confiabilidade do envio de documentos, por
intermédio da máquina de fax. Enquanto isso não ocorre, exprime-se anuência à
abordagem conferida, tanto pela jurisprudência, quanto pela legislação pátrias,
em defesa da confiabilidade dos instrumentos anexados aos autos processuais. Só
resta um único questionamento: não seria mais adequado, limitar-se a impedir o
emprego do fac-símile, por força das razões expostas, do que o cercar de regras,
as quais desvirtuam a sua prática e tornam nulos seus efeitos?
Notas:
1. Decisões do STJ, no
mesmo sentido: a) AgRg.
no Ag. nº 197.471-SP, Terceira Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 21.06.99, pág. 154; b) AgRg. Nos Edcl no Ag. nº
197.711-RS, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de
07.06.1999, p. 106.
2. AREU CHAGAS, Marco
Aurélio Bicalho, “O Uso do ‘Fax’no
Judiciário” in O Neófito – Informativo Jurídico. http://www.neofito.com.br
3. Outras decisões neste sentido: a) PROC-AGRAG NUM-0255210, ANO-00, UF-SP, TURMA-02,MIN-135, N.PP-004, DJ DATA-28-04-00, PP-00082, EMENT, VOL-01988-10, PP-02120.b) PROC-AGRAG NUM-0258875, ANO-00, UF-MG,TURMA-01, MIN-128, N.PP-004,DJ DATA-04-08-00, PP-00014, EMENT VOL-01998-13, PP-02837.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí.
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