Direito Penal

O Valor Probatório da Palavra da Vítima na Condenação do Crime de Estupro

Alequilia Felipe da Silva[1]

Igor de Andrade Barbosa[2]

Resumo: O presente artigo tem como objetivo investigar o crime de estupro, suas etapas procedimentais para apuração e a palavra da vítima como única prova produzida. No primeiro instante, visa-se apresentar o contexto e o enquadramento atual normativo do crime de estupro, conceitos, características e princípios elencados no Código Penal e nas doutrinas majoritárias. Posteriormente, serão analisadas as etapas procedimentais necessárias para a apuração do crime sexual, com objetivo de sua comprovação. E por fim, será examinada a palavra da vítima, como única prova produzida, no contexto processual penal à luz de sua utilização e motivação. Ademais, ressalta-se que a conclusão deste estudo é fruto de uma investigação científica baseada na revisão da literatura específica, por meio de livros, e em consulta às leis e jurisprudências brasileiras, por meio de uma abordagem qualitativa.

Palavra-chave: Estupro. Palavra. Prova. Vítima.

 

Abstract: This article aims to investigate the crime of rape, its procedural steps for investigation and the victim’s word as the only evidence produced. In the first moment, the aim is to present the context and the current normative framework of the crime of rape, with its concepts, characteristics and principles listed in the Penal Code and in the majority doctrines. Subsequently, the necessary procedural steps for the investigation of sexual crime will be analyzed, with the objective of proving it. Finally, examine the victim’s word, as the only evidence produced, in the criminal procedural context in the light of its use and motivation. Furthermore, it is emphasized that the conclusion of this study is the result of a scientific investigation based on the review of specific literature, through books, and in consultation with Brazilian laws and jurisprudence, through a qualitative approach.

Keywords: Rape. Word. Proof. Victim.

 

Sumário: Introdução. 1. Da atualização legislativa no crime de estupro com o advento da Lei 12.015/2009. Uma nova visão. 2. Os sistemas processuais penais e os meios de provas na apuração do crime de estupro. 3. O valor probatório da palavra da vítima como única prova produzida para a condenação do acusado por crime sexual. Considerações finais. Referências.

 

Introdução

O crime de estupro com o advento da Lei nº 12.015/2009 passou a tutelar a dignidade sexual individual da pessoa. Em decorrência, sabe-se que esse crime é cometido na clandestinidade, ou seja, às ocultas, onde não há testemunhas e em quase todos eles, não se encontra a materialidade do delito e nem os seus vestígios.

Observa-se que no momento da condenação do acusado, quando não há outros elementos como prova, a única a ser utilizada é a palavra da vítima contra a palavra do suposto agressor. Nesse contexto, compreende-se a grande dificuldade em se provar e estabelecer o verdadeiro fato que ocorreu ou não, naquele contexto que está em julgamento e o perigo em relação às falsas memórias no depoimento, ou seja, quando o agente crê plenamente no que está relatando, ocasionando um deslize no seu imaginário sem ao menos ter consciência disso.

Com a falta de provas, seja a conjunção carnal, violência empregada, violência moral, prova da autoria ou tentativa de estupro, a única que resta como prova é a palavra da vítima. Em síntese, quanto ao julgamento e condenação de um acusado no crime de estupro, busca-se averiguar se há uma prerrogativa especial como meio de prova válida a ensejar uma condenação penal do agente, somente com o depoimento da ofendida.

Com o intuito de viabilizar essa discussão, é necessário apresentar o contexto do crime de estupro e seu enquadramento normativo. Em seguida, analisar as etapas utilizadas para a apuração do crime de estupro. E por fim, examinar o valor probatório da palavra da vítima, como única prova produzida para a condenação do acusado por crime sexual.

E mais, delineia-se acerca da metodologia aplicada para a confecção deste estudo o qual é o método indutivo na abordagem qualitativa. Além disso, a base teórica é a revisão da literatura específica com livros, artigos, leis e jurisprudências pertinentes ao tema debatido.

 

1.    Da atualização legislativa no crime de estupro com o advento da Lei 12.015/2009. Uma nova visão

A pessoa humana possui um conjunto de princípios e direitos com toda legislação elencada no Direito Brasileiro e nas Convenções Internacionais, a fim de resguardar os seus direitos individuais e coletivos que devem ser respeitados pelo Estado e pela sociedade. A dignidade da pessoa humana encontra respaldo no artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), o qual é considerado um princípio fundamental da proteção ao indivíduo, com o objetivo de proteger sua moral, honra e dignidade sexual. Isso porque o valor da vida humana é considerado como pilar e pedra angular do ordenamento jurídico (CAPEZ, 2018). Sendo assim, é uma referência constitucional que busca garantir o conforto das pessoas e liberdade de suas próprias escolhas com seus parceiros sexuais, tema que será abordado nesta pesquisa.

 

Os crimes chamados de Crimes contra os Costumes e o artigo 213 do Código Penal, ganhou nova interpretação com a Lei 12.015/2009 que passou a tutelar sobre a dignidade e liberdade sexual, como um direito fundamental do indivíduo. O crime de estupro é um dos atos de infração considerados mais repugnantes pela sociedade, pois não fere somente o direito individual da pessoa, mas sim, toda a sociedade. De acordo com o artigo 213 do Código Penal, é considerado estupro:

 

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena – Reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

 

O verbo constranger na perspectiva acima tem como ação nuclear a violência ou grave ameaça, seja para obter a conjunção carnal ou outro ato libidinoso (CAPEZ, 2018). Ainda de acordo com o autor, constranger significa obrigar, coagir, compelir ou forçar contra a vontade própria da pessoa, ou seja, praticar conjunção carnal ou qualquer outro ato considerado libidinoso sem a sua própria vontade. Essa conduta pode ser considerada tanto ativa como passiva, ou até mesmo sem contato com órgãos sexuais do agente e a vítima, além do mais, a violência empregada pelo autor do crime pode ser física ou moral.

 

Portanto a violência física é aquela que o agente usa como meio executório a força física, que por sua vez, diminui a capacidade de ação da vítima, ou seja, a mesma não tem forças o suficiente para se desvencilhar do infrator (CAPEZ, 2018). Ainda de acordo com o autor, a violência moral é aquela tratada no interior da vítima, no seu psicológico, sendo tão grande o seu poder sobre ela que reduz a sua capacidade de vontade e querer sobre aquele momento ou circunstância. Esse ato utilizado pelo estuprador pode ser considerado direto quando se relaciona com a vítima, ou indireto que tem vínculo com pessoa terceira ligada por sentimentos sanguíneos ou afetivos ao ofendido (CAPEZ, 2018).

 

A relação direta com a vítima é quando o agente usa meios para atingir a sua finalidade, que é o estupro. Um exemplo seria colocar uma faca no pescoço da vítima ou apontar uma arma para que a mesma fique quieta enquanto o ato é praticado. Já a relação indireta pode ser configurada quando o infrator ameaça matar ou machucar alguém que tenha uma relação com a ofendida. Sendo assim, a mesma não encontra forma e maneira de sair daquela situação.

 

A Lei 12.015/2009 e o Código Penal buscam resguardar a liberdade de escolha dos indivíduos, protegendo a mulher e englobando da mesma forma o homem. É o direito de qualquer pessoa em exercer a sua sexualidade, de forma livre para escolher os seus parceiros e também podendo recusar o seu próprio cônjuge ou companheiro, se assim for sua vontade (BITENCOURT, 2018). Deste modo, mesmo estando casados, a pessoa tem o direito e autonomia de rejeitar a relação sexual quando não for do seu desejo.

 

Quanto aos sujeitos do crime de estupro, podem ser considerados tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo. De acordo com o artigo 1º da Lei 8.072/1990, o crime de estupro é considerado hediondo, seja na sua forma tentada ou consumada, inclusive o estupro de vulnerável. Além do mais, é considerado um crime comum e material, ou seja, comum é quando qualquer pessoa pode praticar e sofrer a agressão, não exigindo qualidade especial no sujeito, já o material é quando necessita de um resultado para a sua consumação.

O elemento que caracteriza o crime de estupro é o dolo. Segundo Bitencourt (2018, p. 61):

 

O elemento subjetivo do crime de estupro é o dolo constituído, na primeira modalidade, pela vontade consciente de constranger a vítima, contra a sua vontade, à conjunção carnal; na segunda modalidade, pela mesma vontade consciente de constrangê-la à prática de outro ato libidinoso (diverso da conjunção carnal), ou de permitir que com ela se pratique.

 

Ressalta-se, que ao falar sobre o elemento subjetivo relacionado ao estupro, destaca-se o cognitivo e o volitivo, ou seja, a consciência e a vontade. A primeira deve ser realizada no momento que acontece o ato, e o agente deve saber que está praticando sem a vontade da vítima, configurado assim como violento. Já o elemento volitivo, é a vontade que deve abranger a ação, o resultado que se alcançou e por fim o nexo causal (BITENCOURT, 2018). Dessa forma, o dolo pode simplesmente esgotar com a presença da consciência e a vontade de se praticar o ato.

 

A conjunção carnal é consumada com a introdução completa ou incompleta do órgão sexual do estuprador na cavidade vaginal da mulher/ofendida (CAPEZ, 2018). Pode ser comprovada pela materialidade, tendo como alguns exemplos o esperma do agressor, ruptura do hímen e outros. Já o ato libidinoso, é aquele praticado diverso da cópula vagínica, isto é, quando não há a conjunção carnal entre a vítima e o suposto agressor. Nesse mesmo pensamento, afirma Capez (2018, p. 88): “Os atos libidinosos diversos da conjunção carnal passaram a também configurar o delito de estupro, de forma que, uma vez comprovada a sua realização, o crime do art. 213 será considerado consumado”.

 

Este tipo de ato pode ser considerado como o contato da boca com o pênis ou o contato da boca na vagina, coito anal, masturbação, entre outros. Vale ressaltar que, somente a constatação da conjunção carnal não é o suficiente para a condenação do acusado, sendo necessário também analisar as outras provas e depoimentos de testemunhas.

Na mesma vertente do exposto acima, afirma Capez (2018, p. 89):

 

Não basta, para a constatação de que houve o crime de estupro, a mera prova da conjunção carnal, pois ela não é capaz de demonstrar a resistência da vítima à pratica do ato sexual. Importa notar que é comum mulheres, para se vingarem de seus parceiros, por inúmeros motivos, denunciarem-nos por crime de estupro. Daí por que a tão só prova da conjunção carnal não é apta para a comprovação do crime. Imprescindível a demonstração de que o ato sexual se deu mediante constrangimento físico ou moral.

 

Desta forma, observa-se a importância e cuidado que deve haver no momento da apuração das provas do crime de estupro, por se tratar de um delito praticado às escondidas, onde não há testemunhas, e em vários deles não existem a prova da materialidade, tornando-se difícil a sua comprovação. Mesmo havendo a consumação com a penetração, a materialidade do ato pode-se degenerar com o decorrer do tempo. Mas, quando o crime deixar os seus vestígios, será realizado o exame de corpo de delito (CAPEZ, 2018). Exame este que será abordado no próximo capítulo, quando for tratado sobre os tipos de apuração utilizados para a comprovação do delito e sua condenação.

 

2.    Os sistemas processuais penais e os meios de provas na apuração do crime de estupro

Para a apuração das etapas procedimentais que são realizadas a fim de verificar se realmente ocorreu o crime de estupro, é de extrema relevância tomar cautela necessária para chegar ao objetivo real do fato ocorrido. Antes, porém, de adentrar nesse assunto, serão realizadas considerações sobre os sistemas processuais penais.

Sobre esses sistemas processuais penais é importante explicar seus aspectos e como funcionam. O sistema acusatório de acordo com Lopes Júnior (2018, p. 40 e 41):

 

[…] predominou até meados do século XII, sendo posteriormente substituído, gradativamente, pelo modelo inquisitório que prevaleceu com plenitude até o final do século XVIII (em alguns países, até parte do século XIX).

 

Ainda na perspectiva acima, esse sistema se caracterizava em garantir a diferença entre acusar e julgar. A iniciativa para apuração das provas, deveriam ser das partes e o juiz era visto como uma pessoa terceira considerada imparcial, concedendo o tratamento entre as partes de maneira igual, ou seja, teria que haver igualdade no processo e no seu andamento (LOPES JÚNIOR, 2018). Além disso, sustentava também, o livre convencimento motivado do órgão jurisdicional e, em regra, eram utilizados o procedimento oral e a publicidade em todo o processo ou em partes. E não menos importante, a viabilidade de impugnar em segundo grau de jurisdição as decisões proferidas pelo juiz de primeira instância (LOPES JÚNIOR, 2018).

 

Vale frisar, que a imparcialidade do juiz no julgamento do processo é imprescindível, para que haja um julgamento reto e sem parcialidade para algumas das partes. Desse modo, para assegurar esse direito, o magistrado era afastado do momento de apuração das provas que seriam utilizadas no curso do andamento do processo. Posto isso, fica claro a distinção entre as partes e o juiz, que deve ser a todo momento respeitada.

Por sua vez, no sistema inquisitório a iniciativa para a produção das provas estava nas mãos do juiz, desse modo, não era visível a separação das funções de julgar e acusar, ou seja, havia uma junção entre os papéis, estando concentrado somente com o juiz (LOPES JÚNIOR, 2018). Nesse contexto, o autor ainda afirma que não era assegurado o julgamento imparcial do magistrado, abrindo-se uma porcentagem de parcialidade por parte do mesmo, proporcionando dessa forma a inexistência de um contraditório e a desproporcionalidade entre oportunidades idênticas das partes. Com isso, esse tipo de sistema foi desacreditado, pois uma pessoa não consegue exercer funções diferentes e conseguir julgá-las de forma imparcial.

 

Quanto ao sistema processual denominado Misto, surgiu com o Código de Napoleão de 1808 e se subdivide em duas fases. A primeira é a fase pré-processual, considerada com caráter inquisitório, e a segunda é chamada fase processual, considerada como acusatória (LOPES JÚNIOR, 2018). O referido autor defende que o sistema adotado no Brasil é o inquisitório, ou mesmo, o neoquisitório.

 

Entretanto, a doutrina majoritária classifica o sistema utilizado no Brasil sendo o misto por haver essas duas diferenças nas fases do processo. Defendem que no primeiro momento há um procedimento secreto, sem a divulgação e publicidade dos atos procedimentais e, em seguida, se faz presente os requisitos seja da oralidade, do contraditório, apreciação de provas e publicidade (NUCCI, 2019).

 

Em conformidade com o entendimento dos doutrinadores brasileiros, a palavra prova significa: verificação, exame, argumento, aprovação ou confirmação. Dela deriva o verbo de provar que tem por finalidade verificar, examinar, aprovar, demonstrar, dentre outros (NUCCI, 2019). Ainda em conformidade com o autor, são basicamente três sistemas de avaliação das provas, a denominada livre convicção, prova legal ou tarifada, e o livre convencimento motivado, que serão analisados individualmente.

 

A prova tarifada ou sistema das provas legais, surgiu com o objetivo claro de minimizar os poderes atribuídos ao juiz no sistema inquisitivo (PACELLI, 2018). Desse sistema, o legislador procedia à valoração das provas antecipadas, concedendo a elas um valor fixado e inalterável. A prova judiciária era usada para determinar a culpa ou absolvição do suspeito. De acordo com Pacelli (2018, p. 344):

 

Embora imbuído de bons propósitos, o aludido sistema revelou-se uma faca de dois gumes. Como, para a obtenção da condenação, era necessária a obtenção de um certo número de pontos, quando não se chegava a esse número, a prova era obtida a partir da tortura, já que essa fazia prova plena.

 

Diante do exposto, este sistema era caracterizado por achar que cada prova tinha seu valor correto, sendo defeso ao juiz aplicar o valor das provas de acordo com os seus critérios. Quanto a data final da duração da prova legal, afirma Hartmann (2003, p. 113): “Não há uma indicação temporal precisa que indique a data específica do fim da vigência deste sistema tarifado de avaliação das provas no processo”.

 

Já no sistema da livre convicção, o julgamento do magistrado não tinha nenhuma vinculação para se fundamentar, proporcionando dessa maneira uma apreciação subjetiva de qualquer prova (ARRAES, 2018). Ainda que acordo com a autora acima, esse sistema era baseado em suas impressões pessoais, não ocorrendo a vinculação das normas do ordenamento jurídico.

 

No sistema denominado livre convencimento motivado ou persuasão racional, o magistrado não se encontra vinculado aos valores das provas. Neste, o juiz é livre para se convencer com relação as provas, não se comprometendo ao critério de valoração antecedente das provas colhidas (PACELLI, 2018). A prova pode ser livremente escolhida de acordo com que lhe parecer mais comprovador na busca do verdadeiro acontecimento. Nesse contexto, o julgador tem mais liberdade para analisar as provas de acordo com os seus critérios e convicções, a fim de aplicar o justo. Assim, afirma Pacelli (2018, p. 344): “Um único testemunho, por exemplo, poderá ser levado em consideração pelo juiz, ainda que em sentido contrário a dois ou mais testemunhos, desde que em consonância com outras provas”.

 

Mediante a livre escolha das provas, o magistrado, porém, deve fundamentar ou explicar o porquê decidiu por aquela sentença. Essa fundamentação deve ser baseada em argumentos e justificativas racionais, pois, logo em seguida, as partes poderão impugnar da decisão nos mesmos pilares argumentativos (PUCELLI, 2018).

 

Diante de toda exposição relacionada, faz-se necessário abordar sobre as etapas procedimentais para a verificação do crime de estupro. Análise essa que será feita pelos meios de provas, que ao final o magistrado irá utilizar aquela mais adequada ao caso concreto, pois, em cada crime ainda que todos sejam o estupro, cada um deixa os seus vestígios e materialidades de uma forma diferente. E em alguns casos, não existe nenhuma prova, a não ser a palavra probatória da vítima. Nesse contexto, o Código de Processo Penal lista alguns meios de provas que serão descritos e estudados.

 

O exame de corpo de delito e as perícias em geral são consideradas uma forma técnica para verificar a existência dos fatos. É realizada por pessoas habilitadas que tenham conhecimentos específicos. É feita por meio de laudo técnico que esclarecerá os quesitos e indagações (PACELLI, 2018). O exame de corpo e delito encontra respaldo no artigo 158 do CPP, onde versa que o mesmo será realizado quando o delito deixar os seus vestígios, podendo ser direto ou indireto. Ele é produzido por perito oficial e na sua falta, será realizado por duas pessoas que tenham curso superior e de preferência na área específica. Afirma Marcão (2018, p. 488):

 

Não é imperioso que se faça coleta e perícia de sêmen, até porque, mesmo no crime de estupro, tais vestígios nem sempre são deixados na vítima, e, ainda que isso ocorra, esta prova não é reclamada, embora possa ser produzida em reforço.

 

Ainda de acordo com o autor, o simples fato de encontrar sêmen na vagina não se configura de imediato o delito do crime (MARCÃO, 2018). Pois, todavia, pode ter ocorrido a conjunção carnal, mas com o consentimento da suposta vítima.

 

O interrogatório de acordo com Pacelli (2018, p. 382), “é o último ato da audiência de instrução, cabendo ao acusado escolher a estratégia de autodefesa que melhor consulte aos seus interesses”. Trata-se de uma oportunidade para se defender, apresentando sua versão dos fatos acontecidos, proporcionando ao mesmo tempo um meio de sua própria defesa (PACELLI, 2018). Observando-se, porém, o direito do acusado quanto ao silêncio e não autoincriminação. No interrogatório, o juiz faz perguntas e esclarece sobre aspectos da vida do acusado, sua qualificação, formação, para conhecê-lo e até mesmo relacionar a pratica do fato.

 

A confissão do réu tem grande efeito de convencimento judicial, não podendo ser recebida como valor absoluto (PACELLI, 2018). Encontra-se no artigo 197 do Código de Processo Penal e será aferida e confrontadas com as demais provas do processo, observando se houve concordância e compatibilidade com as demais provas e pode ser realizada fora do interrogatório. Nesse meio de prova é considerado como uma admissão da própria responsabilidade do acusado e de admitir como verdadeiro os fatos que lhe foram imputados (MARCÃO, 2018). Vale destacar, que ela pode ser retratável e divisível.

 

A declaração da ofendida também tem natureza jurídica de meio de prova, que será recebida no curso da instrução. Porém, será estudado no capítulo seguinte, onde será analisada separadamente dos outros tipos de provas.

 

Por sua vez, a prova testemunhal de acordo com Capez (2019, p. 445): “só é prova testemunhal aquela produzida em juízo”. Ainda de acordo com o autor, é realizada por meio verbal prestada diretamente em contato com o juiz, partes, representantes e pessoas presentes na audiência. O depoimento da pessoa será realizado oralmente, salvo as exceções e limitações da testemunha, exemplo surdo e mudo (CAPEZ, 2019). Porém, a de se observar que o crime sexual, mais precisamente, o estupro, não há testemunhas durante a pratica do ato, tornando assim esse meio de prova quase não utilizado para a condenação do agressor.

 

3.    O valor probatório da palavra da vítima como única prova produzida para a condenação do acusado por crime sexual

Quanto a comprovação dos crimes sexuais por meio da palavra da vítima, de acordo com Arriélle Devoyno (2018, p. 45), “Os crimes sexuais não podem ser analisados como os outros crimes, desde o tocante de discutir sobre o crime até a parte processual, por meio da prova”. Esse crime merece uma atenção especial e toda cautela possível, por se tratar de um delito cometido às obscuras, por não ter testemunhas e em quase todos não haver a materialidade do delito.

 

O estupro, é um crime que na maioria das vezes deixam os seus vestígios na vítima ou também no acusado. Porém, em alguns casos, quando a denúncia foi realizada depois de vários anos, por exemplo, o exame de corpo e delito não terá tanta relevância por não se encontrar a materialidade da autoria. Observa-se também a dificuldade em se constatar a violência e grave ameaça. Entretanto, por haver dificuldades em se provar, não quer dizer que o acusado sairá impune, pois, o magistrado analisará outras provas e circunstâncias que corroboram com o crime.

 

O valor probatório da palavra da vítima, de acordo com Nucci (2019, p. 582), “Trata-se de ponto extremamente controverso e delicado na avaliação de prova”. É considerado como um meio de prova, assim como qualquer outro abordado no capítulo anterior, porém, deve ser estudado e interpretado de uma forma especial, pois, é dotado de sentimentos e frustações pelo fato ocorrido, tomando precauções necessárias para evitar condenações e absolvições injustas (NUCCI, 2019). Ainda de acordo com o autor, a palavra da vítima tem ganhado força especial como meio de prova para a condenação do acusado, desde que esteja em conformidade com outras provas do fato.

Conforme a jurisprudência e entendimento dos tribunais superiores, vejamos:

 

PENAL E PROCESSO PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – ESTUPRO DE VULNERÁVEL – MATERIALIDADE – AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL – COMPROVAÇÃO POR OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO – AUTORIA COMPROVADA – PALAVRA DA VÍTIMA – CREDIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA E INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DESACOLHIMENTO. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. DESCABIMENTO. ABSOLVIÇÃO. PROVAS INSUFICIENTES. IMPOSSIBILIDADE. 1) É admissível que a prova da materialidade do crime de estupro de vulnerável seja efetivada por elementos de convicção diversos do laudo pericial, notadamente quando os atos libidinosos diversos da conjunção carnal não deixarem vestígios. 2) No delito de estupro de vulnerável, normalmente praticado às escondidas, longe dos olhares de testemunhas de visu, deve-se dar crédito à palavrada vítima, nomeadamente quando ela está em harmonia com as demais provas constantes nos autos e se mostra segura e coerente. 3) Apelo não provido. (Grifo nosso).

(TJ-AP – APL: 00113730820168030002 AP, Relator: Desembargador GILBERTO PINHEIRO, Data de Julgamento: 12/03/2019, Tribunal).

APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL E PROCESSO PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PROVA INSUFICIENTE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Em crimes contra a dignidade sexual, normalmente praticados às ocultas, deve-se conferir especial relevância à palavra da vítima. 2. No caso, as declarações da vítima apresentam graves contradições, especialmente no que diz respeito à autoria dos supostos abusos, atribuída pela criança a pessoas diversas em cada oitiva. Além disso, os elementos colhidos revelam um ambiente familiar conflituoso envolvendo diversos membros, o que pode indicar a influência de parentes na versão narrada pela vítima. E se assim é, dúvida que se resolve em favor do acusado. 4. Apelação ministerial conhecida e improvida.

(TJ-DF 20141210033066 – Segredo de Justiça 0003261-77.2014.8.07.0012, Relator: MARIA IVATÔNIA, Data de Julgamento: 13/12/2018, 2ª TURMA CRIMINAL, Data de Publicação: Publicado no DJE: 19/12/2018 . Pág.: 253/267).

 

Posto isto, a palavra da vítima tem relevância quando for questionada sobre o fato real ocorrido. Todavia, o seu depoimento deve estar em harmonia e conformidade com os demais fatos narrados e que seja coerente, conforme a jurisprudência acima exposta.

 

Esse meio de prova traz uma preocupação quanto a credibilidade do testemunho da ofendida, dando margem a denominada falsas memórias, isto é, quando o agente acredita fielmente no que está alegando. Essa se difere da mentira, pois, a pessoa tem plena consciência do fato ocorrido, já nas falsas memórias o indivíduo não tem o discernimento e crê com todas as convicções do que está relatando, ou seja, acredita que o fato realmente aconteceu (LOPES JÚNIOR, 2018). Nesse contexto, o julgador deve estar atento e analisar minuciosamente todas as informações prestadas, com o objetivo de garantir a condenação ou absolvição justa ao acusado.

Quanto ao julgador, defende Nucci (2019, p. 583) que:

 

[…] só resta exercitar ao máximo a sua capacidade de observação, a sua sensibilidade para captar verdades e inverdades, a sua particular tendência de ler nas entrelinhas e perceber a realidade na linguagem figurada ou propositadamente distorcida.

 

Diante do exposto, o magistrado no momento de manifestar o seu convencimento motivado e justificá-lo, deve estar convicto da sua decisão uma vez que, em vários casos como já mencionado acima, a vítima pode ter como intuito a vingança contra a pessoa que está sendo condenada, ou simplesmente, para comprovar o abuso sexual realmente acontecido.

 

Observa-se que a palavra da vítima tem grande credibilidade como prova do delito, porém, não pode ser considerada como absoluta. No Brasil existem vários casos de pessoas que foram presas, condenadas injustamente pelo simples motivo do juiz fundamentar o delito apenas no depoimento da ofendida. Caso que repercutiu foi a condenação em 18 anos de um artista plástico, o qual teve sua inocência comprovada quando o verdadeiro criminoso confessou o próprio crime e as vítimas o reconheceram como o verdadeiro estuprador. Para tentar reverter a situação, o estado pagou uma indenização em R$ 3 milhões, quantia está que nunca pagará 18 anos da vida de uma pessoa encarcerada injustamente (G1 MINAS, 2019).

 

Com esse exemplo dentre outros que foram praticados, abre um viés de instabilidade e insegurança no ordenamento jurídico brasileiro, por tantas pessoas condenadas injustamente, sendo que a justiça não teve a capacidade em descobrir o verdadeiro delinquente do crime de estupro.

É por isso que no momento do julgamento deve ter uma certeza concreta sobre os fatos e provas alegadas nos autos processuais, a fim de condenar justamente quem praticou o ato ilícito. Não causando margem de dúvida quanto a pratica julgada em questão.

 

Considerações Finais

O presente trabalho teve por finalidade trazer a discussão sobre os crimes sexuais, precisamente, o crime de estupro, que envolve uma série de peculiaridades. Sendo necessário todo cuidado, e zelo no momento da condenação ou absolvição de um acusado, com objetivo de evitar uma prisão injusta que causaria insegurança no ordenamento jurídico vigente.

O principal objetivo foi avaliar se na ausência de testemunhas, ou qualquer prova material que existisse capaz de restar comprovada a autoria do crime, a palavra da vítima seria decisiva para embasar uma sentença condenatória.

O objetivo do estudo não é diminuir a relevância da palavra da vítima, nem tampouco, excluir a culpa do acusado, mas sim, mostrar os riscos e cautelas que devem ser tomadas em um julgamento baseado somente na palavra da ofendida.

Desta forma, a palavra da vítima como única prova produzida tem relevância entre as outras provas coletadas no andamento do processo, desde que esteja em harmonia e coerência com os demais indícios. Em discordância com as outras provas não é suficiente para a condenação do acusado.  

 

 

Referências

ARRAES, Arriélle Devoyno. O valor da palavra da vítima de estupro perante o estado juiz e o réu no processo penal. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Centro Universitário Curitiba, Unicuritiba, Curitiba, 2018. Disponível em: https://www.unicuritiba.edu.br/images/tcc/2018/dir/ARIELLE-DEVOYNO-ARRAES.pdf. Acesso em: 22 out. 2019.

 

BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, volume 4, 2018.

 

BRASIL. [Constituição (1998)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 out. 2019.

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

 

BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.

 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Amapá. Câmara Única. APL 0011373-08.2016.8.03.0002, Apelante: José Lobato Ferreira, Apelado: Ministério Público do Estado do Amapá, Relator: Des. Gilberto Pinheiro, julgado em 12/03/2019, publicado em 12/03/2019. Disponível em: https://tj-ap.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/692187058/apelacao-apl-113730820168030002-ap?ref=serp. Acesso em: 08 nov. 2019.

 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. 2º Turma Criminal. TJ-DF: 0003261-77.2014.8.07.0012 – Segredo de Justiça 0003261-77.2014.8.07.0012, Relator: Des. Maria Ivatônia, julgado em 13/12/,2019, publicado em 19/12/2018.  Disponível em: https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/661097320/20141210033066-segredo-de-justica-0003261-7720148070012?ref=serp. Acesso em: 08 nov 2019.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, parte especial: arts. 213 a 359-H. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, volume 3, 2018.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

 

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______. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm. Acesso em: 10 out. 2019.

 

______. Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal e revoga a Lei no 2.252, de 1o de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.htm. Acesso em: 10 out. 2019.

 

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

 

MARCÃO. Renato. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

 

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PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2018.

 

[1] Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins – UNICATÓLICA. E-mail: alequilia.silva@a.catolica-to.edu.br.

[2] Professor e Orientador do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins – UNICATÓLICA. E-mail: igor.barbosa@catolica-to.edu.br.

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