O art. 1.694 do Código Civil reconhece a obrigação alimentar dos parentes, obrigação que repousa no princípio da solidariedade que se pressupõe presente nos vínculos afetivos.
Parentes, pelo que diz o art. 1.591, são ascendentes e descendentes. Os assim chamados parentes em linha reta têm vínculo infinito. Pais, filhos, avós, netos, bisavós, etc., todos são parentes. Parentes também são os irmãos, tios, sobrinhos, primos, sobrinhos-netos e tios-avós. Estes são denominados parentes em linha colateral ou transversal. Mas, quanto a eles, há uma limitação para serem reconhecidos como parentes: só o são até o quarto grau (art. 1.592).
A exata identificação dos vínculos de parentalidade é fundamental, pois existem seqüelas jurídicas. Além de algumas outras atribuições e responsabilidades esparsas no âmbito do Direito de Família, é no direito sucessório que mais se atenta ao parentesco. É que o art. 1.829, inc. IV, do CC, insere os parentes na ordem de vocação hereditária. Ou seja, parentes têm direito à herança. Claro que somente é assegurada a herança a quem a lei reconhece como parentes: ascendentes e descendentes, bem como colaterais ou transversais até o quarto grau. Assim, além dos pais, avós, filhos e netos, são parentes os irmãos, tios, sobrinhos e primos, bem como tios-avós e sobrinhos-netos. Tanto são parentes que integram a ordem de vocação hereditária, fazendo jus à herança quando inexistirem descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente.
Voltando aos alimentos. A obrigação alimentar é recíproca, sendo que a lei estabelece uma ordem de preferência, ou melhor, de responsabilidade. Os primeiros obrigados a prestar alimentos são os pais. Esta obrigação estende-se a todos os ascendentes. Na falta do pai, a obrigação alimentar transmite-se ao avô. Na falta deste, a obrigação é do bisavô e assim sucessivamente (art. 1.696 do CC). Também não existe limite na obrigação alimentar dos descendentes. Ou seja: filhos, netos, bisnetos, tataranetos devem alimentos a pais, avós, bisavós, tataravós e assim por diante.
Na ausência de obrigados na linha reta, são chamados a prestar alimentos os demais parentes. Assim, por exemplo, a obrigação do bisavô é anterior à obrigação do irmão. Depois, explicita a lei que a obrigação entre os parentes de segundo grau compreende tanto os irmãos germanos quanto os unilaterais (art. 1.697 do CC). Claro que era absolutamente dispensável a referência ao fato de serem os irmãos filhos dos mesmos pais ou de somente um deles. Proibida qualquer denominação discriminatória relativa à filiação (CF, art. 227, § 6º), a referência é de todo desnecessária e de duvidosa constitucionalidade.
O simples fato de a lei trazer algumas explicitações quanto à obrigação entre os parentes ascendentes e descendentes, bem como detalhar a obrigação dos irmãos, não possibilita afirmar tenha excluído os demais parentes da obrigação alimentar indicados no art. 1.694. Simplesmente não viu o legislador necessidade de qualquer detalhamento sobre a obrigação dos parentes de terceiro e quarto grau, o que, às claras, não significa que os tenha dispensado do dever alimentar. Os encargos alimentares seguem os preceitos gerais. Na falta dos parentes mais próximos são chamados os mais remotos, começando pelos ascendentes, seguidos dos descendentes. Portanto, na falta de pais, avós e irmãos, a obrigação passa aos tios, tios-avós, depois aos sobrinhos, sobrinhos-netos e, finalmente, aos primos.
Se esta não fosse a intenção do legislador, o art. 1.694 simplesmente diria: Podem os parentes, até o segundo grau, (…) pedir alimentos uns aos outros.
De outro lado, não há como reconhecer direitos aos parentes e não lhes atribuir deveres. Cabe figurar um exemplo: dispondo de patrimônio, mas não de condições de prover a própria subsistência, alguém que não tenha pais, filhos ou irmãos não poderia pedir alimentos aos demais parentes, ou seja, tios, sobrinhos ou primos. Vindo o desafortunado a morrer de fome, seus bens seriam entregues exatamente aos parentes que não lhe alcançaram, por falta de aparente dever legal, alimentos.
Mas, felizmente, não é isso que está na lei, e não há como vingar dita interpretação, que fere, inclusive, elementares princípios éticos.
Os graus de parentesco não devem servir só para se ficar com os bônus, sem a assunção dos ônus.
Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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