Os aspectos históricos da alienação fiduciária em garantia de bem móvel e as hipóteses que infirmam a constituição em mora do devedor fiduciante à luz da jurisprudência

Resumo: O presente artigo, por meio da metodologia indutiva, fundamentada no silogismo, tem por objeto discorrer sobre “os aspectos históricos da alienação fiduciária em garantia de bem móvel e as hipóteses que infirmam a constituição em mora do devedor fiduciante à luz da jurisprudência”. Além disso, serão pontuadas algumas relevantes modificações implementadas pela Lei n° 13.043/2014, com o fim precípuo de demonstrar o procedimento lógico e adequado empregado pela legislação de regência. Por fim, a abordagem da matéria tem o condão de contribuir com aqueles que militam na área jurídica e que, por muitas vezes, encontram óbices na busca de maiores elementos sobre o assunto em razão da escassez de conteúdo doutrinário apto a elucidar as mais diversas situações fáticas ocorridas na prática forense.

Palavras-chave: Alienação fiduciária em garantia de bem móvel. Lei n° 13.043/2014. Jurisprudência. Prática forense.

Résumé: Cet article grâce à la méthode inductive, sur la base du syllogisme, est engagé discuter “les aspects historiques des privilèges sur l'assurance mobile et les hypothèses qui invalident la constitution en défaut du débiteur hypothécaire à la lumière de la jurisprudence”. De plus, ils seront marqués des changements importants mis en œuvre par la loi n ° 13.043/2014, dans le but principal de montrer la procédure logique et appropriée employée par la loi actuelle. Enfin, aborder la question a le pouvoir de contribuer à ceux qui sont actifs dans le domaine juridique et que, trouvent souvent des obstacles à la poursuite des éléments majeurs sur le sujet en raison du manque de contenu doctrinal en mesure d'élucider les différentes situations des faits a eu lieu dans la pratique médico-légale.

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Parole chef: privilèges sur garantie mobile. La loi n ° 13.043/2014. Jurisprudence. E. la pratique médico-légale.

Sumário: Introdução. 1. Aspecto histórico do Decreto-lei nº 911/69. 2. Da busca e apreensão. 2.1. Os requisitos específicos para a concessão da liminar. 2.2. Das formas de comprovação da mora. 2.2.1. Da notificação extrajudicial. 2.2.2. Do protesto. 2.3. As hipóteses de infirmar a constituição em mora do devedor fiduciante. 2.4. A purgação da mora e a interpretação da expressão “integralidade da dívida pendente”. 2.5. As matérias alegáveis em sede de contestação. 2.6. Da sentença. 2.7. A impossibilidade da prisão civil do depositário infiel. Conclusão.

Introdução.

O presente artigo tem por finalidade apresentar os aspectos históricos do Decreto-lei n° 911/69 até a judicialização da matéria, demonstrando a estrutura base necessária para a consecução de sua finalidade primordial que é a comprovação do pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, condição mínima necessária à análise do mérito da ação de busca e apreensão.

Na ocasião, serão apresentadas as hipóteses que descaracterizam a mora do devedor, aniquilando-se a pretensão do credor fiduciário de obter a consolidação da posse do bem alienado fiduciariamente em garantia, sem prejuízo de ser contextualizado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça na evolução da interpretação da expressão “integralidade da dívida pendente”, ponto indispensável e de observância obrigatória para que o devedor fiduciante possa obter, por meio da purgação da mora, a restituição do bem apreendido, livre de ônus.

Por fim, analisaremos: (i) – os elementos que comprovam os requisitos da liminar de busca e apreensão; (ii) – as matérias passíveis de serem deduzidas na contestação pelo devedor fiduciante; (iii) – a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel quando da conversão da ação em depósito, antes da alteração implementada pela Lei n° 13.043/2014 e, por fim; (iv) – a atual possibilidade de conversão da ação de busca e apreensão em processo executivo.

1. Aspecto histórico do Decreto-lei n° 911/69.

O Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, editado pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, com amparo nos Atos Institucionais nº 12 e nº 5, no auge daquilo que historicamente chamamos de Ditadura Militar, continua em vigor.

À época da edição no regime autoritário, o Decreto-lei representou um meio de incentivar o emergente mercado da indústria automobilística que na época florescia e, portanto, necessitava de meios jurídicos para que se atendesse a um amplo mercado consumidor.

Esse fato não deixa de ser curioso, pois é da tradição do nosso direito o reconhecimento da ilegitimidade de normas com gênese antidemocrática[1].

Hoje, entretanto, isto não mais é necessário, sabido que a indústria automobilística representa um dos mercados mais pujantes da economia nacional, sendo, inclusive, um país exportador de milhares de veículos.

Com a aplicabilidade da norma mencionada, se no curso da ação de busca e apreensão não fosse possível a apreensão da garantia, o credor fiduciário poderia optar pela conversão da ação em ação de depósito, isto é, até meados de 2008, ou seja, antes do advento da súmula 25 do STF.

Isto porque existia em nosso ordenamento jurídico a figura do depositário infiel que, na hipótese de descumprimento da condenação à restituição do bem dado em garantia fiduciária, sujeitava-se o depositário do bem móvel a pena de até 1 (um) ano de prisão, entretanto, hoje não mais existe tal possibilidade.

A impossibilidade da prisão civil do depositário infiel se deu em razão de o Supremo Tribunal Federal ter considerado que, na atualidade, a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos, uma vez que o art. 5°, §2°, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Por isso, o Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, consequentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel.

Desta forma, patente é o caráter manifestamente desequilibrado e abusivo da prisão civil para o devedor inadimplente em alienação fiduciária, a qual deixou de ser aplicado na hipótese ora tratada.

Por outro lado, o sistema de vendas por meio de consórcio, conforme faz parte do “marketing” das empresas automobilísticas passou a constituir um meio de “poupança compulsória” para aquisição de um bem pelas pessoas sem maior poder aquisitivo, não sendo justo, assim, sujeitá-las a possibilidade efetiva de encarceramento, em decorrência de inadimplência, quando é sabido que em nenhum outro sistema de poupança popular existe este meio severo de sanção para o poupador que, por razões adversas, perdeu a posse direta do bem.

Com efeito, vivemos em um país de constante instabilidade econômica, com exceção destes dias recentes, com uma sequência de planos econômicos e uma profusão de medidas provisórias, o que causa um desequilíbrio e insegurança na situação financeira do cidadão poupador ou adquirente de bem financiado.

Deste modo, apesar de a norma de regência ter sido criada na época do regime autoritário, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que o Decreto-lei n. 911/69 foi recepcionado pela Constituição da República de 1988.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, vejamos:

“CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. DL 911/69. RECEPÇÃO PELA CF/88. I. – Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais. II. – Alegação de ofensa ao devido processo legal: CF, art. 5º, LV: se ofensa tivesse havido, seria ela indireta, reflexa, dado que a ofensa direta seria a normas processuais. E a ofensa a preceito constitucional que autoriza a admissão do recurso extraordinário é a ofensa direta, frontal. III. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal posicionou-se, por diversas vezes, no sentido da recepção do DL 911/69 pela CF/88. Precedentes. IV. – Agravo não provido[2]”.

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. DECRETO-LEI Nº 911/69. NORMA RECEBIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Decreto-lei nº 911/69. Norma recebida pela Constituição Federal de 1988. Precedente do Tribunal Pleno. Unificação de Jurisprudência, mediante edição de súmula. Desnecessidade. Observância do disposto no artigo 101 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental não conhecido[3]”.

A aludida norma que incentivou o mercado da indústria automobilística tem plena aplicabilidade até os dias atuais, sendo, aliás, fundamental para albergar os interesses dos agentes financeiros, proporcionando mecanismos processuais indispensáveis ao exercício de seus direitos.

De lado outro, não é demais lembrar que o mencionado Decreto-lei vem sofrendo alterações pontuais voltadas em benefício da posição jurídica do credor fiduciário. Assim se deu, por exemplo, com a Lei nº 10.931/2004, responsável pela atual redação do art. 3º, § 2º, do Decreto-lei nº 911/69, que tanta celeuma gerou até que o STJ pacificasse o entendimento segundo o qual o devedor fiduciante terá o bem restituído, livre do ônus, desde que, no prazo de 5 (cinco) dias contados da efetivação da liminar de busca e apreensão, pague a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na petição inicial[4].

Com a edição da Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014, que trata de inúmeros temas em seus 114 artigos, atrai a nossa atenção àqueles relacionados com a chamada ação de busca e apreensão de bem móvel alienado fiduciariamente, uma vez que a citada Lei promoveu relevantes modificações na seara do processo judicial destinado a tutelar a posição jurídica do credor fiduciário.

Diante de tais parâmetros, o nosso objetivo, por meio deste artigo e nesses breves comentários, não é o de esmiuçar o novo tratamento legislativo ou de analisar criticamente as novas regras.

Por fim, satisfaz este artigo com uma simples visão panorâmica das modificações, destinada a, quando muito, auxiliar e contribuir com àqueles que labutam na seara do direito, evitando que as inovações legislativas possam causar surpresas no trato de uma nova matéria.

2. Da busca e apreensão.

De intróito, a Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 (Novo Código de Processo Civil) é ramo do Direito Público, consistente no conjunto de normas procedimentais e princípios de caráter instrumental que busca dar efetividade ao direito material, ou seja, dispõe sobre atos ordenados com fim precípuo de, por meio de provocação ao Poder Judiciário, proporcionar às partes uma solução, por meio de uma sentença de mérito justa, efetiva e em tempo razoável, aos conflitos de interesses exercidos por meio da pretensão resistida e submetida ao clivo do Estado Democrático de Direito.

Pois bem.

A busca e apreensão do veículo alienado fiduciariamente em garantia tem por substrato a concessão da liminar, sem a qual o objetivo fim da ação pode restar comprometido.

Neste fulgor, uma vez frustrada a concessão da liminar, o devedor fiduciante será citado e, a partir daí, terá ciência de que, na hipótese de ser procedente o pedido, haverá expedição de mandado de busca e apreensão do bem móvel.

Por consequência, o devedor fiduciante, no curso do processo judicial, poderá livremente planejar a adoção de comportamentos contrários à moral e, de má-fé, frustrar a satisfação dos interesses do credor, prejudicando a prestação jurisdicional, retirando o patrimônio do credor fiduciário de sua esfera de disponibilidade e alienando a terceiros indevidamente ou dar ao bem destino ignorado.

Em razão disso, pairou sobre os tribunais de justiça entendimentos diversos acerca de ser ou não indispensável a prévia comprovação da mora do devedor fiduciante, tornando-se requisito imprescindível ao deferimento da liminar e, simultaneamente, visando comprovar a existência do pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.

Neste sentido, há posições jurisprudenciais no sentido de que a comprovação da mora é pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, sendo, portanto, necessário ao deferimento da liminar[5].

Neste diapasão, há entendimentos de que a ausência de comprovação prévia da mora apenas acarreta o indeferimento da liminar, “in limine litis”, devendo o processo seguir com a regular citação do devedor[6].

Na visão do E. Superior Tribunal de Justiça, ao editar o verbete de súmula n° 72, a comprovação da mora é imprescindível a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

É necessário ressaltar, no entanto, que apesar de o enunciado de súmula transparecer que a comprovação da mora se amolda ao entendimento de ser tal requisito imprescindível para a concessão da liminar, ou seja, comprovar o pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, o aludido enunciado não possui efeitos vinculantes, de modo que a divergência na jurisprudência permanece.

Nesta esteira, perfilho do entendimento jurisprudencial no sentido de que a comprovação da mora deve ser considerado requisito previamente comprovado no momento da propositura da ação, sendo apto não somente para demonstrar a presença do pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, mas também ao deferimento da liminar, como forma de dar efetividade à tutela do direito perseguido pelo credor fiduciário, como fim de viabilizar a satisfação da pretensão exercida por meio do direito público subjetivo da ação proposta e, consequentemente, evitar que o bem da vida em litígio pereça.

2.1. Os requisitos específicos para a concessão da liminar.

Prima facie, cumpre ressaltar a imprescindibilidade do cumprimento dos requisitos específicos para a concessão da liminar cuja finalidade é obter a expedição do mandado de busca e apreensão, “ab initio”.

Com isso, temos os requisitos específicos emoldurados na lei de regência, quais sejam: a comprovação da mora, o recebimento da notificação ou a realização do protesto de título e o inadimplemento do devedor.

Como dito, repise-se, a comprovação dos requisitos específicos são indispensáveis para que o credor fiduciário consiga obter um pronunciamento judicial que determine liminarmente a expedição do mandado de busca e apreensão.

Em outras palavras, a expedição do mandado de busca e apreensão se dá por meio do ato judicial inaugural e de natureza interlocutória proferido em caráter inaudita altera parte, com o fim de atribuir efetividade material ao ato de busca e apreensão e, concomitantemente, evitar que o devedor fiduciante tenha ciência prévia de que a materialização da ordem liminar irá retirar a posse direta de que possui sobre o bem móvel.

Nesta hipótese, o juiz ao deferir a liminar expedirá ordem de citação para o devedor fiduciante exercer a faculdade processual de oferecer resposta, no prazo de 15 (quinze) dias, caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar restituição.

Sem prejuízo, caberá ao devedor fiduciante facultativamente, de forma isolada ou cumulativa com o oferecimento da resposta, purgar a mora no prazo de 5 (cinco) dias, ambos com termos iniciais do prazo a contar da data da execução da liminar (art. 3º, §§2º e 3º do Decreto-lei nº 911/69).

Desta forma, se o devedor fiduciante optar pela purgação da mora, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, o bem apreendido lhe será restituído, por meio de mandado, livre do ônus. 

De lado outro, é oportuno registrar que, para o deferimento da liminar, a existência da mora ou do inadimplemento da obrigação do devedor fiduciante, por si só, não é suficiente, sendo preciso a comprovação de sua existência pelos meios legais estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

É sabido, todavia, que a mora decorrente do inadimplemento da obrigação contratual é “ex re”, ou seja, decorre da lei, resultando do próprio fato da inexecução da obrigação e, portanto, independe de provocação do devedor, nos termos do art. 397 do Código Civil.

Assim, a aludida mora poderá ser ‘comprovada’ por meio de notificação e, em outras palavras, através de carta registrada com aviso de recebimento encaminhada pelo próprio credor fiduciário ao devedor fiduciante ou, excepcionalmente, através do protesto do título, os quais veremos com mais riquezas de detalhes nos itens a seguir.

2.2. Das formas de comprovação da mora.

2.2.1. Da notificação extrajudicial.

O Decreto-lei nº 911, de 1° de outubro de 1969, com a redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária, prescrevendo, por sua vez, no artigo 2o, § 2o que " (…) a mora poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário."

Quanto à possibilidade de comprovar a mora por meio de carta registrada com aviso recebimento, incumbe ao próprio credor fiduciário encaminhá-la ao endereço do devedor fiduciante previsto no contrato de financiamento e desde que seja recebido, ainda que por terceiros, uma vez que a legislação de regência não prevê a necessidade do recebimento pessoal da correspondência pelo devedor.

De outro vértice, nada impede que o credor fiduciário possa notificar o devedor fiduciante através do cartório extrajudicial.

Sendo elegido tal forma, será necessário observar os critérios estabelecidos pela Lei n° 8.935/94 (Lei dos cartórios), pois a validade da notificação extrajudicial deverá observar o princípio da territorialidade, requisito específico e necessário para o deferimento da medida liminar na ação de busca e apreensão.

Acerca do assunto já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, “in verbis”:

“A notificação feita por Cartório de Títulos e Documentos de outro município é nula, conforme art. 9º da Lei 8.935/94 (princípio da territorialidade), impossibilitando a concessão da medida liminar de busca e apreensão. Recurso provido[7]”.

O princípio da territorialidade previsto no art. 9º da Lei n° 8.935/94 reza que a prática de atos extrajudiciais deve ser realizado pelo tabelião de notas, portador de fé pública, na respectiva circunscrição de sua competência para a qual recebeu delegação, ou seja, não poderá exorbitar o âmbito da competência administrativa determinada pelo ato de delegação da atividade notarial ou registral.

Com isso, a não observância do princípio da territorialidade, implicará em vício formal da notificação premonitória, devendo o juiz, na fase de recebimento da inicial, determinar a emenda, sob pena de indeferimento da inicial, indicando com precisão o que deve ser realizado antes de extinguir o processo ou, se eventualmente estiver superada a etapa de recebimento da peça de ingresso, extinguir o processo com fundamento na ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.

Como dito alhures, os tribunais entendem que não terá por comprovada a mora na hipótese da notificação extrajudicial ser realizada por meio de cartório extrajudicial situado em comarca diversa do domicílio do devedor, uma vez que estará contaminada pelo vício formal de sua constituição.

Há poucos anos atrás a eficácia do art. 9ª da Lei n.º 8.935/94 encontrava-se suspensa por força de decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança n. 28772.2[8].

No entanto, o supracitado “mandamus” foi extinto, sem resolução do mérito, em razão da ilegitimidade ativa do impetrante, voltando a ser reinar a plena eficácia normativa do princípio da territorialidade.

Conquanto seja ilegal a prática de atos extrajudiciais além dos limites territoriais para o qual o cartório recebeu delegação, há que se considerar, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça, por meio do Procedimento de Controle Administrativo n° 642, declarou a ilegalidade da prática adotada pelos registradores de títulos e documentos do Estado de São Paulo, consistente em proceder às notificações extrajudiciais, por via postal, para Municípios de outros Estados da Federação, ressalvados os já praticados à época da decisão (26/05/2009).

Desta maneira, conclui-se, portanto, que o devedor fiduciante deverá ser notificado por meio do cartório de títulos e documentos da comarca na qual possui domicílio, a fim de que o credor fiduciário possa comprovar, no momento da propositura da ação, que o ato extrajudicial possui validade formal e, consequentemente, lograr êxito com o recebimento da petição inicial e obter, por fim, o deferimento da liminar.

2.2.2. Do protesto.

Não obstante a possibilidade da notificação supra apontada, outra forma de comprovar a mora do devedor fiduciante é por meio do protesto do título da dívida.

Contudo, é preciso salientar que esta modalidade é excepcional, admitida somente após ser esgotada a prévia tentativa de envio de carta registrada com aviso de recebimento ao endereço declinado pelo devedor fiduciante no contrato de financiamento.

Tal forma se justifica porque nem sempre o credor fiduciário logrará êxito na tentativa de entrega da notificação premonitória no endereço do devedor fiduciante, haja vista os mais diversos motivos possíveis de ter o seu intento frustrado (endereço desconhecido; mudou-se; endereço incorreto/insuficiente; correspondência recusada, etc).

Acerca da matéria, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso já se pronunciou nestes termos:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – CONSTITUIÇÃO DA MORA – CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS – DEVOLUÇÃO COM SINALIZAÇÃO "NÂO EXISTE O NÚMERO INDICADO” – PROTESTO DO TÍTULO EFETIVADO PELA INSTITUIÇÃO VIA EDITAL – VALIDADE – PROVA DA CONSTITUIÇÃO EM MORA DO DEVEDOR – PURGAÇÃO DA MORA – NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 (CINCO) DIAS –  CONSOLIDAÇÃO DA POSSE DO BEM EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – RECURSO IMPROVIDO. É válido, para efeito de constituição em mora, o protesto do título por edital, quando a tentativa de entrega da notificação extrajudicial, enviada para o endereço do devedor constante do contrato, restar infrutífera por constar a inexistência do número indicado.  Nos contratos firmados na vigência da Lei nº 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida em purgação da mora – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária, nos termos do art.3º, § 2º, da citada lei. Precedente do Recurso Repetitivo (REsp nº 1.418.593/MS). Configurado o inadimplemento do devedor fiduciante e a ausência de abusividade contratual no período de normalidade, autoriza-se a consolidação da posse do bem alienado em favor do credor fiduciário e consequente rescisão contratual”[9].

Por isso, cabível, de forma sucessiva e excepcional, a comprovação da mora do devedor fiduciante por meio do protesto do título por edital.

2.3. As hipóteses de infirmar a constituição em mora do devedor fiduciante.

O devedor fiduciante poderá demonstra a ausência de comprovação da mora pelo credor fiduciário de diversas formas, dentre elas podemos citar a hipótese do envio da notificação extrajudicial expedida pelo cartório de registro de títulos e documentos ao endereço diverso daquele indicado no contrato de financiamento.

Há, entretanto, outra forma que podemos citar e que infirma a comprovação da mora.

Imaginemos, por exemplo, que o credor fiduciário promova imediatamente o protesto do título por edital, sem, entretanto, proceder a prévia notificação pessoal do devedor fiduciante.

Nesta hipótese, o protesto por edital é nulo, pois a jurisprudência tem se declinado no sentido de que a mora não estará comprovada por estar ausente a prévia tentativa de notificação extrajudicial no endereço do devedor declinado no contrato.

Vejamos:  

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – PROTESTO REALIZADO POR EDITAL NA MESMA PRAÇA DE PAGAMENTO – IMPOSSIBILIDADE – MORA NÃO COMPROVADA. O protesto tirado por edital, tendo os devedores endereço certo e domicílio na mesma cidade onde sediado o tabelionato de notas e protesto, praça de pagamento do título, não se presta para comprovação de tê-los constituído em mora, sendo necessária a prévia notificação pessoal” (…)[10].

Nota-se, portanto, que, a despeito de o protesto do título por edital servir para a comprovação da mora, a inobservância quanto a prévia tentativa de envio da notificação ao endereço do devedor fiduciante previsto no contrato de financiamento levará a nulidade da comprovação da mora.

Por recato, não é demais lembrarmos que não só o descumprimento formal do procedimento supracitado implicará na nulidade da comprovação da mora como também não estará comprovada quando o protesto for efetivado sob o valor integral do contrato de financiamento, desconsiderando as parcelas adimplidas pelo devedor fiduciante.

Isto porque a incúria do credor fiduciário poderá impulsioná-lo a levar a efeito o protesto pela soma dos valores das parcelas constantes do contrato, como forma de imprimir coerção pessoal indireta ao devedor fiduciante ao pagamento das parcelas vencidas e vincendas e, do mesmo modo, obter a liminar de busca e apreensão judicialmente.

Sobre o tema é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, in verbis:

“Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Protesto não realizado com fulcro nas parcelas em atraso, mas no valor total da dívida, levando em conta o vencimento antecipado do contrato. Irregularidade. Mora não comprovada. Extinção da ação sem resolução do mérito mantida, por fundamento diverso, prejudicada a apelação, Comarca: São Paulo, Relator (a): Walter Cesar Exner, Data do julgamento: 27/10/2011, Data de registro: 28/10/2011, Órgão julgador: 32ª Câmara de Direito Privado[11]”.

Além das situações em epígrafe, o devedor fiduciante tem, nas hipóteses previstas no art. 335, incisos I a V, do Código Civil, a possibilidade de cumprir com a sua obrigação pelos modos a ele equivalentes.

A referida possibilidade podemos mencionar o pagamento por meio de consignação que tem por fim extinguir a obrigação e se dá por meio de depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos termos do art. 334 do Código Civil.

Neste diapasão, a ação de consignação em pagamento possui uma característica peculiar cujos efeitos se revestem de nuances que infirmam a mora, nas hipóteses descritas nos incisos supracitados.

No entanto, sendo o autor da ação consignatória o devedor fiduciante, realizando-se depósitos judiciais com o objetivo de não sofrer as consequências advindas de uma possível busca e apreensão, é necessário observar que o valor a ser depositado para fins de elidir a mora deve corresponder a integralidade da prestação contratual.

Em outros termos, caso o devedor fiduciante tenha o desejo de obter a extinção da obrigação contratual por meio da ação consignatória e, ainda, permanecer na posse direta do bem móvel, deverá realizar o depósito do valor integral das parcelas do contrato, sem prejuízo de lhe ser facultado formular pedido revisional de forma cumulativa com o fito de discutir eventuais ilegalidades das cláusulas insertas no contrato de financiamento.

Neste sentido se pronunciou o STJ:

“[…] Nas ações revisionais de cláusulas e valores c/c ação de consignação em pagamento, os valores a serem depositados deve corresponder ao montante integral do contrato, pois somente com o pagamento integral é possível afastar os efeitos da mora[12]”.

De modo diverso, os tribunais pátrios não têm aceitado como meio capaz de elidir os efeitos da mora, ainda que por meio da consignação em pagamento, o depósito de valores do que se entende devido pelo devedor fiduciante, ou seja, quando a quantia consignada for inferior ao previsto no contrato para as parcelas do financiamento.

De outro viés, é oportuno tecer breves comentários acerca de outra forma que elide a comprovação da mora: a existência de abusividade nos encargos contratuais.

O Superior Tribunal de Justiça fixou orientação, por meio do julgamento do REsp 1.061.530 que seguiu o rito do art. 543-C do CPC, incluído pela Lei nº 11.672/08 (Lei dos Recursos Repetitivos), sob a égide do CPC/73, que é reconhecido a abusividade nos encargos contratuais quando forem exigidos pelo credor fiduciante juros capitalizados e juros remuneratórios do devedor fiduciário, no período de normalidade contratual.

Logo, além da hipótese acima, a comissão de permanência cobrada de forma cumulativa com os encargos decorrentes da mora – juros moratórios e a multa contratual -, no período de normalidade contratual, descaracteriza a comprovação da mora pelo credor fiduciário.

Acerca desse entendimento não destoa à jurisprudência do STJ:

“PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL E AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONEXA. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. COBRANÇA CUMULATIVA COM JUROS REMUNERATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. MORA DEBENDI. DESCARACTERIZAÇÃO. COBRANÇA DE ENCARGOS ABUSIVOS NO PERÍODO DA NORMALIDADE. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. IMPROCEDÊNCIA. (…) 3. A cobrança de encargos abusivos no período da normalidade enseja a descaracterização da mora debendi, impondo, na hipótese vertente a improcedência da ação de busca e apreensão. 4. Agravo regimental desprovido”6 Pelo visto, a cumulatividade de encargos como juros remuneratórios com correção monetária e/ou comissão de permanência são inacumuláveis, sob pena de em período de normalidade não caracterizar a mora para fins da eventual propositura da ação de busca e apreensão consubstanciada na mora oriunda da cumulação de tais encargos[13].

2.4. A purgação da mora e a interpretação da expressão “integralidade da dívida pendente”.

A purgação da mora é a faculdade processual de que dispõe o devedor fiduciante para manter o vínculo jurídico contratual com o credor fiduciário e a posse direta sobre o bem móvel, privilegiando, assim, o princípio da conservação dos contratos.

Nesta ótica, a purgação da mora poderá ser requerida no prazo de 5 (cinco) dias, contados da execução da liminar, nos termos do art. 3º, §2º, do Decreto-lei n° 911/69, oportunidade em que o Juiz de Direito determinará a expedição de mandado de restituição do bem alienado fiduciariamente, livre de ônus.

Ainda acerca do tema, dispõe o enunciado de Súmula n° 284 editada pelo STJ:

“A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitido quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado”

É importante ter em vista que a citada súmula, apesar de ser válida, tem aplicabilidade destinada aos contratos de financiamento com cláusula de alienação fiduciária em garantia anteriores à Lei n° 10.931/2004.

Nessa concatenação de idéias, vale a pena examinar no que muito se fala que é o significado da expressão “integralidade da dívida pendente” para fins de purgação da mora.

A interpretação da dívida pendente ao longo dos anos ganhou um significado uno, inicialmente era interpretada como sendo as parcelas vencidas até a data da propositura da ação e as que ao longo do curso da ação fossem vencendo até a data do efetivo pagamento, excluídas, entretanto, as parcelas vincendas.

Por outro lado, é sabido que a purgação da mora visa manter a relação contratual existente entre o credor fiduciário e o devedor fiduciante, sendo que, se de outro modo fosse, não haveria a mantença da relação contratual, pois haveria um adimplemento integral do contrato com cláusula de alienação fiduciária e não uma “atualização contratual´´.

Assim, nossos Pretórios têm se manifestado:

"PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – PURGAÇÃO DA MORA – LEI 10.931/2004 – PARCELAS VINCENDAS. I – A purgação da mora não foi vedada pela Lei n.10.931/2004, uma vez que aplicam a matéria as normas sobre contratos de adesão nas relações de consumo contidas no Código de Defesa do Consumidor. II – A expressão " dívida pendente”, constante do artigo 56, §2º, da Lei 10.931/04, dando nova redação ao artigo 3º do Decreto Lei 911/69, refere-se á dívida vencida, e não vincenda, ou seria inviabilizada a faculdade á purgação da mora. Não fosse assim, estaria o devedor fiduciante adquirindo o bem objeto do contrato á vista e não purgando a mora, o que desnaturaria o contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária. III – Deu-se provimento ao recurso- Unânime[14]"

Ocorre que acentuada controvérsia se estabeleceu na jurisprudência a respeito da extensão da expressão “integralidade da dívida pendente”.

Diante disso, parte da jurisprudência, ao interpretar o dispositivo legal, firmou o entendimento de que a expressão refere-se ao montante total das prestações em aberto, abrangendo não só as parcelas vencidas, mas também as vincendas, uma vez que nos termos do § 3º do artigo 2º do Decreto-lei 911/69, o credor fiduciário poderia considerar vencido de pleno direito todas as parcelas relativas às obrigações contratuais em decorrência da mora e/ou do inadimplemento de qualquer das obrigações assumidas pelo devedor fiduciante.

Em sentido contrário, a jurisprudência sedimentou entendimento no sentido de que a expressão “integralidade da dívida pendente” somente poderia abarcar as prestações vencidas e impagas, acrescidas dos respectivos encargos legais, sob pena de obstar ao devedor o exercício de sua faculdade de purgar a mora.

Este entendimento jurisprudencial vinha sendo aplicado até que, por meio do Recurso Especial representativo de controvérsia nº 1.418.593-MS (2013⁄0381036-4), o E. Superior Tribunal de Justiça, interpretando o art. 2º, 3º, do Decreto-lei nº 911/69, fixou entendimento acerca da expressa supracitada, no sentido de que a purgação da mora deve corresponder ao depósito judicial do valor equivalente as prestações vencidas e vincendas, ou seja, a integralidade das prestações previstas no contrato.

2.5. As matérias alegáveis em sede de contestação.

A antiga redação do art. 3º, §2º do Decreto-lei nº 911/69 que foi revogada pela nova redação dada pela Lei nº 13.043/2014, previa uma limitação às matérias passíveis de serem deduzidas pelo devedor fiduciante na contestação, estabelecendo-se apenas ‘o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais’.

O Supremo Tribunal Federal, examinando este aspecto, entendeu que, ao restringir a matéria de defesa alegável em sede de contestação, o Decreto não ofendia os princípios constitucionais da igualdade, da ampla defesa e do contraditório[15].

Por sua vez, a Lei n.º 10.931, de 02 de agosto de 2004, trouxe alterações e alargou as disposições contidas no art. 3º, §2º do Decreto-lei nº 911/69, retirando a limitação quanto às matérias alegáveis na contestação.

Logo, na atual sistemática, o devedor pode alegar qualquer matéria de ordem processual e/ou material.

Na oportunidade, vale frisar que a remansosa jurisprudência tem se posicionado no sentido de que a análise da contestação apresentada antes da apreensão do veículo é condicionada ao cumprimento do mandado liminar de busca e apreensão do veículo, uma vez que o ato constritivo deve ser efetivado previamente para, após, realizar-se a citação do réu.

Neste sentido, reforça o entendimento a jurisprudência de recente julgado pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Alienação fiduciária – Busca e apreensão – Momento processual da contestação condicionado à prévia apreensão do bem – Art. 3º, § 3º do Dec.Lei 911/69. "Se negativa a diligência de busca e apreensão que precede à citação, no rigor processual não se instaura a instância, e suceder-lhe-á, ao alvedrio do credor, a ação de depósito, de cunho coercitivo de restituição ou satisfação direta do equivalente em dinheiro". Sentença anulada de ofício, prejudicado o exame do recurso interposto[16].

Nos dias atuais, no entanto, não há mais previsão na legislação de regência da conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, na hipótese de não localização do veículo alienado fiduciariamente em garantia.

Com isso, o legislador, por meio das inovações legislativas trazidas pela Lei nº 13.043/2014, possibilitou a conversão da ação de busca e apreensão em ação executiva.

Tal modificação, a meu ver, se justifica, pois, com a edição da súmula vinculante n° 25, a prisão civil do depositário infiel se tornou ilícita, frustrando, consequentemente, uma das finalidades da ação de depósito que, ao ser julgada procedente, condenava o depositário infiel à prisão civil se a coisa depositada não fosse restituída, no prazo de 24 (vinte e quatro horas), nos termos dos arts. 904 e 905 do CPC/73.

Desta maneira, incumbia ao vencedor promover o cumprimento de sentença pelo valor equivalente à coisa depositada, na forma do art. 475, “I” e “J”, do CPC/73, a fim de buscar a satisfação de seu crédito.

Com isso, após a modificação implementada pela Lei nº 13.043/2014, ao credor é facultado requerer nos próprios autos a conversão da busca e apreensão em ação de execução, de forma que lhe é abreviado o “iter procedimental” na busca da satisfação de seu crédito.

2.6. Da sentença.

A decisão definitiva que julgar procedente o pedido formulado na ação de busca e apreensão tem por fim rescindir o contrato de financiamento entabulado entre as partes, consolidando a propriedade plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, sem prejuízo de condenar o devedor fiduciário nos ônus de sucumbência.

Além disso, o credor fiduciário estará autorizado a transferir o veículo a terceiros por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária, expedindo-se novo certificado de registro de propriedade.

É importante salientar que, se a liminar de busca e apreensão for efetivada e, ao final, o pedido da ação de busca e apreensão for julgado improcedente, a ordem liminar deferida na inicial deverá ser revogada, determinando-se a restituição do veículo ao devedor fiduciante.

Na hipótese de o veículo ter sido vendido extrajudicialmente, impossibilitando-o a sua restituição, o ordenamento jurídico vigente prevê que o Juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor originalmente financiado, corrigido monetariamente (art. 3º, §6º, do Decreto-lei nº 911/69).

Sem prejuízo da multa supracitada, o credor fiduciário ficará responsável por eventuais perdas e danos que o devedor fiduciário tenha sofrido em decorrência da impossibilidade de ter o veículo restituído (art. 3º, § 7º do Decreto-lei nº 911/69).

2.7. A impossibilidade da prisão civil do depositário infiel.

A lei de regência previa que, após a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, sobrevindo uma sentença condenatória o devedor fiduciante era condenado a restituir o bem depositado, uma vez que era equiparado a figura de depositário do bem alienado fiduciariamente.

Na verdade, a figura de depositário do bem alienado fiduciariamente era entendido como uma “ficção legal”.

Destarte, inexistindo a situação real de depositário infiel, a pena corpórea ao alienante fiduciário é inaplicável, tendo em vista que a viabilização do meio coercitivo se restringe às hipóteses legítimas de depósito e alimentos, conforme se infere do texto constitucional (art. 5º, inciso LXVII).

Nesse sentido, é o repertório jurisprudencial:

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – Busca e apreensão – Conversão em depósito – Prisão civil – Bem não encontrado – Descabimento. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a ação de busca e apreensão, uma vez convertida em ação de depósito, não comporta decretação de prisão civil se não encontrado o bem alienado. Incabível o Decreto de prisão civil do depositário infiel em contratos de alienação fiduciária[17].

“PROCESSO CIVIL – Recurso especial – Provimento – Agravo regimental – Contrato bancário – Alienação fiduciária – Busca e apreensão – Conversão em ação de depósito – Equiparação a depositário infiel – Prisão civil – Inadmissibilidade – Desprovimento. 1 – Esta Corte já pacificou o entendimento no sentido de que, em caso de conversão da Ação de Busca e Apreensão em Ação de Depósito, como verificado na espécie, é inviável a prisão civil do devedor fiduciário, porquanto as hipóteses de depósito atípico não estão inseridas na exceção constitucional restritiva de liberdade, inadmitindo-se a respectiva ampliação. 2 – Precedentes (REsp nºs 243.088/MS e 207.497/MS, dentre inúmeros outros). 3 – Agravo Regimental desprovido[18].

Merece lembrança, a esta altura, o ensinamento de Orlando Gomes, citado por Álvaro Villaça Azevedo no “Repertório IOB de Jurisprudência 23/93, in RT 744/123:

“No caso de alienação fiduciária em garantia, não existe contrato de depósito, pois o fiduciante não tem o dever de guardar o objeto, para restituição, imediata, quando pedido pelo fiduciário. O fiduciante, em verdade, tem objeto não para guardar, mas para utilizar-se dele, podendo nunca entregá-lo ao fiduciário, se a este pagar todo o débito do financiamento[19]”.

Sintetizando o pensamento de boa parte da doutrina, distingue-se a situação do depositário típico e do devedor fiduciante, uma vez que, “no contrato de depósito, o depositário (possuidor simples) tem por obrigação a guarda da coisa de terceiro (depositante ou outrem).

Logo, em regra, o depositário não pode utilizar a coisa e deve conservá-la para restituí-la.

Assim, em relação à alienação fiduciária a Lei criou a figura do depositário onde ela inexiste, tal fixação serviu apenas para beneficiar o credor fiduciário (instituições financeiras), havendo uma verdadeira distorção do instituto do depósito[20].

Ainda é necessário consignar que o Brasil é signatário no pacto de São José da Costa Rica, que expressamente exclui a prisão por dívida, o que em nada implica em uma sobreposição de tratado internacional as normas constitucionais, uma vez que a nossa Magna Carta também veda a prisão civil, com exceção das hipóteses já mencionadas (alimentos e depositário infiel).

Bem por isso, com o advento do Enunciado de Súmula Vinculante nº 25 do Supremo Tribunal Federal, a prisão civil do depositário infiel, nos dias atuais, não mais é permitido.

De acordo com Álvaro Villaça de Azevedo, vejamos a transcrição a seguir:

“[…] por ser essa a natureza da prisão civil por dívida, de meio coativo, direto ou ativo, não à punição, mas para favorecer o cumprimento obrigacional, termina por violar direito da personalidade, pois, em sentido prático, ela constrange a pessoa, com a perda da liberdade, para proporcionar a realização de um interesse econômico (1993, p. 455-461)[21]

Ainda, de acordo com Norberto Bobbio:

“A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista, a qual […] partira da hipótese de um estado de natureza, onde os direitos do homem são poucos e essenciais: o direito à vida e à sobrevivência, que inclui também o direito à propriedade; e o direito à liberdade, que compreende algumas liberdades essencialmente negativas. Para a teoria de Kant, […] o homem natural tem um único direito, o direito de liberdade, entendida a liberdade como “independência em face de todo constrangimento imposto pela vontade de outro”, já que todos os demais direitos, incluindo o direito À igualdade, estão compreendidos nele[22] (1992, p. 73-74)”

Frisa-se que, havendo a prisão civil do depositário infiel decorrente da inobservância súmula proibitiva n.º 25, haverá por configurada o constrangimento ilegal, viabilizando a impetração de Habeas Corpus, sem prejuízo da reclamação ao Supremo Tribunal Federal.

Diante de tais considerações, conclui-se que o contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária não se amolda a um contrato típico de depósito, portanto é o que justificou a impossibilidade da prisão civil do devedor fiduciante antes da redação dada pela Lei nº 13.043/2014, a qual veio a permitir a conversão da ação de busca e apreensão em ação executiva, nos termos do art. 4º do Decreto-lei nº 911/1969.

Conclusão.

Pelo fio do exposto, o Decreto-lei nº 911/69, a despeito de ser editado à época do regime da Ditadura Militar, demonstrou ser uma ferramenta incapaz de, na atualidade, cercear a liberdade do indivíduo, a qual ainda possui aplicabilidade única e exclusiva na hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia.

De forma incisiva, foi enfatizado que o credor fiduciário deve observar as formalidades legais ao proceder à notificação extrajudicial do devedor fiduciante, se optar pelo procedimento cartorário, sob pena de incorrer em vício formal e, consequentemente, no indeferimento da liminar ou no julgamento do processo, sem resolução do mérito, a depender das linhas de entendimento jurisprudenciais que oportunamente foram esposadas.

O presente artigo abordou a interpretação da expressão “integralidade da dívida pendente”, pontuando a sua evolução no seio jurisprudencial, a qual deixou de conceitua-la para fins de purgação da mora como sendo o depósito das parcelas vencidas à data da propositura da ação e as demais que vencerem no curso do processo, passando a exigir a integralidade das parcelas do contrato, ou seja, as prestações vencidas e vincendas.

Observamos que o devedor fiduciante para infirmar a comprovação da mora, poderá se valer da consignação em pagamento do valor integral das prestações previstas no contrato ou, se desejar, comprovar eventual abusividade na cobrança cumulativa dos encargos contratuais no período de normalidade, possuindo em comum todas estas formas a finalidade de impedir a comprovação da mora e, por consectário, o êxito do credor fiduciário na ação de busca e apreensão.

De lado outro, foram destacados os posicionamentos da jurisprudência acerca de ser ou não considerada a comprovação da mora requisito indispensável ao deferimento da liminar e, a depender da linha de entendimento, servir como comprovação do pressuposto processual de desenvolvimento válido e regular do processo.

Por fim, podemos observar que o comportamento adotado pelo proprietário fiduciário no prévio procedimento extrajudicial, quando da comprovação da mora ou no momento da conclusão do contrato, poderá ser um dos fatores responsáveis pelo eventual sucesso ou insucesso na pretensão a ser deduzida em juízo por meio da ação de busca e apreensão e, na ótica do devedor fiduciante, é indispensável à observância da regularidade formal na constituição em mora e os possíveis vícios ínsitos à relação jurídica contratual que, se forem identificados, contribuirá para o êxito da defesa em prejuízo do intento perseguido pela parte “ex adversa”.

 

Notas
[1] BECKER, L. A. Contratos bancários: execuções especiais. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 333-334.
[2] AI 501.740-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 20.5.2005.
[3] RE 281.029-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 1º.6.2001.
[4] Recurso Especial Repetitivo 1.418.593/MS (2ª Seção, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 14.05.2014, DJe 27.05.2014).
[5] TJ/MT. Ap 158898/2016, DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 25/01/2017, Publicado no DJE 01/02/2017.
[6] TJ/RJ. 2195816-32.2011.8.19.0021 – APELACAO DES. MALDONADO DE CARVALHO – Julgamento: 18/08/2011 PRIMEIRA CÂMARA CIVEL.
[7] TJ-BA – Agravo de Instrumento AI 00130449120118050000 BA 0013044-91.2011.8.05.0000.
[8] STF-MS: 28772 DF, Relator: Min. DIAS TOFOLLI, Data de Julgamento: 19/09/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe -226 DIVULG 14-11-2013 PUBLIC 18-11-2013.
[9] Ap 110745/2016, DESA. NILZA MARIA PÔSSAS DE CARVALHO, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 29/11/2016, Publicado no DJE 02/12/2016.
[10] Relator(a): Andrade Neto Órgão julgador: 30ª Câmara de Direito Privado, Comarca: São José dos Campos, Data do julgamento: 03/08/2011, Data de registro: 26/10/2011.
[11] Relator (a): Walter Cesar Exner, Comarca: São Paulo, Data do julgamento: 27/10/2011, Data de registro: 28/10/2011, Órgão julgador: 32ª Câmara de Direito Privado.
[12] REsp n. 1314373, rel. Min. Luiz Felipe Salomão, DJe 31-10-2012.
[13] Quarta Turma, DJe 31/08/2009, AgRg no REsp 999885 RS 2007/0252781-1, (STJ). Relator: Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJ/AP)
[14] AGI n.2007.00201.44350 ( 293923 ) , 6ª Turma Cível do TJDFT, re. José Divino de Oliveira. J. 30.01.2008, DJU 14.02.2008, p. 1.460.
[15] RE 141.320-RS, rel. Min. Octavio Gallotti, j. 22.10.96, apud inf. STF 51, de 28.10.96, p. 1.
[16] Relator(a): Orlando Pistoresi; Comarca: Campinas; Órgão julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 05/10/2011; Data de registro: 06/10/2011.
[17] 2ºTACivSP – AI nº 813.346-00/9 – 1ª Câm. – Rel. Juiz Prado Pereira – J. 26.8.2003.
[18] STJ – AGRESP nº 690.646/DF – 4ª T. – Rel. Ministro Jorge Scartezzini – J. 01.03.2005 – DJ 28.03.2005.
[19] AZEVEDO, Álvaro Villaça. No “Repertório IOB de Jurisprudência 23/93, in RT 744/123.
[20] In Comentários ao Código Civil, Coord.: Antônio Junqueira de Azevedo, Saraiva, v. 7, p. 436.
[21] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Ilegalidade da Prisão Civil por Dívida, na Alienação Fiduciária em Garantia. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, v. 23: p. 455-461, dez. 1993.
[22] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 9. ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, op. cit. p.73-74.

Informações Sobre o Autor

Diego Antônio Estival da Silva Luiz

Advogado licenciado; Especialista em Direito Civil UGF; Pós-graduando em Gestão Pública IFMT; Ex-Professor Auxiliar de Direito Processual Civil da UNEMAT; Servidor Público do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso


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