Resumo:O presente trabalho tem o escopo de analisar as conseqüências jurídicas dos atos ímprobos dos Prefeitos, de acordo com o Decreto-Lei n° 201/67 que prevê as conseqüências jurídicas dos Prefeitos e Vereadores e com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), que em seu artigo 37, §4° previu a punição dos agentes públicos e políticos que praticam atos contrários aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Nesse contexto surgiu a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) que dispõe sobre a improbidade administrativa. Por fim, necessário se fez estudar sobre as possibilidades de responsabilização civil, administrativa e penal que incorrem aos Prefeitos e suas conseqüências jurídicas, pois àqueles que praticam atos em desacordo com os princípios constitucionais e administrativos há sanções civis como a reparação do dano ao Erário, ao Patrimônio Público e aos particulares lesados pelo Estado e indisponibilidade dos bens; sanções administrativas como perda da função pública e suspensão dos direitos políticos; e sanções penais, que podem ser aplicadas concomitantemente com as sanções civis e administrativas, como prevê os §§ 1° e 2° do artigo 1° do Decreto-Lei n° 201/67.
Palavra chave: improbidade administrativa; atos ímprobos dos Prefeitos; responsabilidades dos Prefeitos; conseqüências jurídicas dos crimes de responsabilidade.
Abstract: The present work has the scope to examine the legal consequences of acts ímprobos Mayors , according to Decree -Law No 201/67 laying down the legal consequences of Mayors and Aldermen and the Constitution of the Federative Republic of Brazil 1988 ( CRFB/1988 ) , which in article 37 , § 4 provided for the punishment of public and political agents who practice acts contrary to the principles of legality , impersonality , morality, publicity and efficiency . Which provides for administrative misconduct – in this context the Law 8.429/92 ( LIA Administrative Misconduct Act ) emerged . Finally , it was necessary to study the possibilities of civil , administrative and criminal liability incurred to the Mayors and their legal consequences , because those who practice acts in violation of the constitutional and administrative principles are no civil penalties as the repair of damage to the Treasury , public Equity and individuals harmed by the state and personal property ; administrative sanctions such as loss of public office and suspension of political rights , and criminal penalties that can be applied concurrently with civil or administrative sanctions as provided the § § 1 ° and 2 of Article 1 of Decree -Law No 201 /67.
Keyword: administrative misconduct; ímprobos acts of Mayors; responsibilities of Mayors; legal consequences of liability crimes.
Sumário: Introdução. I. Princípios constitucionais da administração pública e a administração pública municipal. 1.1. Administração Pública. 1.2. Princípios Gerais da Administração e o Decreto Lei 201/67. 1.3. Noções de Responsabilidade. II. Atos ímprobos da administração pública municipal. 2.1. Princípio da Improbidade Administrativa. 2.2. Atos de Improbidade e a Lei 8.429/92. 2.3. Improbidade Administrativa Municipal. III. As responsabilidades que incorrem os prefeitos e suas consequências jurídicas. 3.1. Responsabilidade Civil e Consequências Jurídicas. 3.2. Responsabilidade Administrativa e Consequências Jurídicas. 3.3. Responsabilidade Penal e Consequências Jurídicas. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Os princípios constitucionais e administrativos são norteadores para a probidade administrativa, presentes em nosso ordenamento jurídico desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), que prevê em seu artigo 37 § 4°, punição aos agentes públicos e políticos que atentam contra tais princípios.
Para melhor regular a matéria, surgiu a Lei 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA), que especificam quais são os atos que importam improbidade e definindo a devida responsabilização para o agente que comete ato ímprobo, já que tais atos causam prejuízo ao patrimônio público e conseqüentemente à sociedade como um todo, que deposita sua confiança no Chefe do Executivo, com a esperança de uma administração moral, que possa melhorar as condições de vida dos eleitores, o que não ocorre na maioria das vezes, visto que os Prefeitos aproveitam da sua condição de detentor do poder para enriquecimento rápido e ilícito e beneficiar aos que a ele interessa.
Ainda assim, toda a população assiste todo esse enriquecimento injustificado e impune, mesmo tendo em mãos o poder acionar o Judiciário através de ação popular, visto que a prerrogativa de função faz com que muitas vezes os detentores do poder a utilizam para burlar as lei em proveito próprio.
Neste sendo, em virtude da grande importância do estudo do tema, a presente monografia trata dos princípios constitucionais e administrativos que devem ser criteriosamente seguidos pelos Administradores Públicos, esclarecendo as devidas consequências jurídicas para cada ato infracional.
A pesquisa desenvolve-se em três capítulos, sendo no primeiro o estudo dos Princípios Constitucionais da Administração Pública e a Administração Pública Municipal, a fim de entender o funcionamento desta e as responsabilidades que incorrem aos Prefeitos, para a devida aplicação do Decreto-Lei n° 201/67.
No segundo capítulo há a abordagem específica dos Atos Ímprobos da Administração Pública Municipal e a aplicabilidade dos princípios da improbidade administrativa, detalhando quais as infrações político-administrativas do Prefeito, conforme a LIA, que trata do assunto de forma mais abrangente e segundo o Decreto-Lei n° 201/67 que especifica os atos ímprobos dos Prefeitos, quais sejam, enriquecimento ilícito, lesão ao erário e atos que infringem os princípios da Administração Pública.
O capítulo final analisa as conseqüências jurídicas para cada ato em desacordo com a Lei, abordando as responsabilidades civil, administrativa e penal que incorrem ao Prefeito e seu substituto, diferenciando-as uma da outra e os devido procedimentos, apontando decisões jurisprudenciais acerca do tema.
Como fonte de pesquisa foi utilizado, além das Leis que regem o assunto, estudos doutrinários e jurisprudências que demonstram a forma de agir e de responsabilizar aqueles incumbidos de proteger a sociedade e fazê-la desenvolver e não o faz.
I – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL
1.1 – Administração Pública
O estudo da Administração Pública requer primeiramente uma conceituação de Estado, seus elementos, poderes e organização, para depois compreender-se como é administrado o interesse público.
Sob o aspecto político, Estado é comunidade de homens, em um mesmo território, com poder superior de ação, de mando e de coerção (MEIRELLES, 2011).
Sob o ângulo jurídico, Edmur (2007, p. 39) conceitua Estado como “pessoa jurídica de Direito Público interno, dotado de poder de criar o direito, do dever de zelar pela aplicação da ordem jurídica e de promover o bem-estar social e de proteger os cidadãos” e ao analisar a transformação do Estado absolutista em Estado de Direito, considera este como
“[…] aquele que prima pela democracia, zela pela moralidade pública e administrativa, promove a Justiça, a segurança pública e o bem-estar coletivo e, ainda, se submete às leis por ele criadas” (EDMUR, 2007, p. 41).
A vontade do Estado se manifesta na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988) através dos poderes legislativo, executivo e judiciário, independentes e harmônicos entre si e com suas funções reciprocamente indelegáveis (BRASIL, 1988). Cada um dos poderes tem sua função, a normativa, a administrativa e a judicial. O presente estudo tratar-se-á da função do poder executivo, a de administrar os interesses públicos.
O Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/2002) elencou quais são as pessoas jurídicas que fazem parte da composição da federação nacional, quais sejam, a União, os Estados Federativos, o Distrito Federal e os Municípios. São estes classificados como pessoas jurídicas de Direito Público, entretanto cada um atua dentro do limite de suas competências, delegadas pela CRFB/1988 (BRASIL, 2002).
Inicialmente fundamental se faz conceituar a Administração Pública, vez que seu sentido é amplo, abrangendo diversas significações e sob vários aspectos.
Meirelles (2011) analisa o sentido de Administração Pública sob três aspectos, o formal, o material e o operacional e esclarece que
“Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado e por ele assumidos em benefício da coletividade” (MEIRELLES, 2011, p. 65).
Em contrapartida, Di Pietro (2002) emprega apenas dois sentidos à expressão Administração Pública, destacando que
“Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa; em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo” (DI PIETRO, 2002, p. 54).
Ao comparar os conceitos de administração e governo acima relacionados, Meirelles (2011, p. 65) conclui que são termos que andam lado a lado, pois governo,
“em sentido formal, é o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais; em sentido material, é o complexo de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos”.
Porém, por mais semelhantes que sejam os sentidos, Mazza (2010, p. 19) verifica que
“A noção de “Administração Pública”, conceituada como o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que exercem a função administrativa, não se confunde com a idéia de “Governo”. Governo é a cúpula, a alta direção do Estado, responsável pela defesa dos interesses maiores da sociedade.”
Desse modo, percebe-se haver certa dificuldade em definir a função administrativa, devido à sua abrangência. Esta compreende atividades de fornecimento de utilidades materiais de interesse coletivo, de atuação de cunho jurídico, além de compreender decisões de litígios, mesmo que de cunho particular (JUSTEN FILHO, 2006).
Assim, conforme Justen Filho (2006), apresenta a Administração Pública determinadas funções: a função administrativa conformadora ou ordenadora, que é aquela que tem poderes para editar regras, produzir decisões e promover sua execução, traduzindo-se no instituto do poder de polícia; a função administrativa prestacional, que é a que promove a satisfação concreta das necessidades coletivas relacionadas aos direitos fundamentais através do instituto do serviço público; e a função administrativa regulatória, aquela munida de poderes para organizar os comportamentos, a fim de modificar a atuação das pessoas, através de incentivos ou desincentivos.
Há três critérios de identificação da função administrativa: o subjetivo ou orgânico, que realça o agente da função; o objetivo material, que trata do conteúdo daquele exercício; e o critério objetivo formal, que delimita a função pelo regime jurídico em que se situa sua disciplina (CARVALHO FILHO, 2011).
Não se deve confundir a função governamental da não governamental. Para melhor diferenciar a função administrativa da função de governo, Justen Filho (2006, p. 33) exemplifica ser
“A expressão função de governo indica um conjunto de competências não relacionadas propriamente à satisfação de necessidades essenciais, vinculadas aos direitos fundamentais. São aquelas atinentes à existência do Estado e à formulação de escolhas políticas primárias. Em termos práticos a distinção é evidente. A competência do Presidente da República para assinar tratados internacionais pode ser diferenciada, em termos qualitativos, da atividade estatal de fornecimento de energia elétrica. Numa hipótese, há manifestação da existência do Brasil no cenário internacional; no outro caso, existe atendimento a necessidades essenciais” (Justin Filho, 2006, p. 33).
No entendimento de Meirelles (2011), o governo e a administração atuam por intermédio de suas entidades, de seus órgãos e de seus agentes, que a Lei 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal) chama de autoridade.
A Lei n° 9.784/99, em seu artigo 1°, §2° considera entidade como a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica; órgão como a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta; e autoridade como o servidor ou agente público dotado de poder de decisão (BRASIL, 1999).
Para melhor organização política e administrativa, Meirelles (2011, p. 67) classifica as entidades em estatais, pessoas jurídicas de Direito Público, como “poderes políticos e administrativos, que integram a estrutura constitucional do Estado”; entidades autárquicas como “pessoas jurídicas de Direito Público, de natureza administrativa, para realização de atividades, obras ou serviços descentralizados da entidade estatal, criadas por lei específica” (MEIRELLES, 2011, p. 67); e fundacionais, que podem ser pessoas jurídicas de Direito Público ou Privado, com área de atuação definida em lei, conforme dispõe o artigo 37, XIX da CRFB/1988, na redação dada pela E/C 19/98. Quando se tratar de pessoa jurídica de Direito Público, esta deverá ser criada por lei, como ocorre nas autarquias e se for de Direito Privado, a lei apenas autoriza sua criação, sendo instituída pelo Poder Executivo (BRASIL, 1988).
A respeito do funcionamento dos órgãos públicos, Carvalho Filho (2011, p. 12) conceitua como “o compartimento na estrutura estatal a que são cometidas funções determinadas, sendo integrado por agentes que, quando as executam, manifestam a própria vontade do Estado”. Tal vontade consiste no princípio da imputação volitiva, caracterizado pela vontade do órgão público que é imputada à pessoa jurídica a que pertence e pela relação entre a pessoa jurídica e outras pessoas e na relação que vincula o órgão ao Estado (CARVALHO FILHO, 2011).
Sendo assim, os órgãos públicos, através da suas funções delegadas, está “preordenado a realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas” (MEIRELLES, 2005, p. 64).
Para garantir o devido cumprimento das funções públicas estudas neste subitem, a fim de atender às necessidades coletivas e evitar improbidades, a Administração Pública está obrigada a seguir os princípios elencados no artigo 37 da CRFB/1988.
Conclui-se então, que a Administração Pública, juntamente com seus órgãos, tem a finalidade de prestar serviços à sociedade, a fim de atender os interesses coletivos e garantir o devido cumprimento dos princípios constitucionais e administrativos estabelecidos pela CRFB/1988.
1.2 – Princípios Gerais da Administração e o Decreto Lei 201/67
A Administração Pública se baseia nos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público. A análise e estudo mais aprofundado do conceito de interesse público, se faz fundamental, vez que
“Os valores fundamentais são consagrados por meio de princípios, que refletem as decisões fundamentais da Nação. A regra traduz uma solução concreta e definida, refletindo escolhas instrumentais. Já o princípio indica uma escolha axiológica, que pode concretizar-se em diversas alternativas concretas” (JUSTEN FILHO, 2006, p. 53).
Em outras palavras, “um direito justo e adequado é integrado tanto por princípios como por regras” (JUSTIN FILHO, 2006, p. 55).
Sendo assim, “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (BRASIL,1988).
Para melhor entender a intenção do legislador ao dispor sobre tais princípios como obrigatórios, necessário se faz conceituá-los.
O princípio da legalidade, segundo Di Pietro (2010, p. 63) “constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais”. É através deste princípio que a Administração Pública é limitada em sua atuação, para que seu exercício seja restrito apenas em prol da coletividade e decorrente da lei (DI PIETRO, 2010).
Em decorrência dessa limitação, na Administração, Meirelles esclarece que
“[…]não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”” (MEIRELLES, 2011, p. 89).
Carvalho Filho (2011) enfatiza haver duas funções básicas do Estado, a de criar a lei e a de executá-la. A execução pressupõe o exercício da legislação, sendo assim, só se pratica atos administrativos conforme os parâmetros já instituídos por lei.
Além da limitação de atuação imposta à Administração, a CRFB/1988 também impõe o atendimento impessoal, não podendo, conforme Di Pietro (2011, p. 67), “atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento”.
Por se preocupar com a igualdade de tratamento, este princípio apresenta um aspecto do princípio da isonomia, previsto no artigo 5°, caput e inciso I da CRFB/1988 e necessita da aplicação do princípio da finalidade, sempre em detrimento do interesse público, sob pena de cometer desvio de finalidade.
É importante ressaltar que os artigos 18 a 21 da Lei 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal) contêm disposições sobre impedimento e suspeição, em que se aplicam os princípios da impessoalidade e da moralidade. Este significa, conforme artigo 2°, parágrafo único, IV, “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé” (BRASIL, 1999).
A falta de moralidade administrativa, como no explica Carvalho Filho (2011), afeta toda a atividade da administração, acarretando em atos de improbidade, que causa grandes prejuízos não só ao erário como prejudica toda a sociedade, sob pena de sanções aplicáveis aos agentes públicos e a terceiros, quando praticantes de atos ímprobos. Sobre as ilicitudes cometidas pelos agentes imorais, o diploma regulador é a lei n° 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa), que prevê as penalidades e os instrumentos processuais adequados para a proteção do interesse público e coletivo.
Quanto ao princípio da publicidade, também mencionado na CRFB/1988, exige o legislador ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, salvo nas hipóteses previstas em lei (DI PIETRO, 2010).
Esse princípio, segundo Carvalho Filho (2011, p. 23), fundamenta-se “na possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos”, sendo dois os instrumentos a serem utilizados para reclamar tal princípio: o direito de petição, disposto no artigo 5° XXXIV, “a”, CF, pelo qual qualquer pessoa pode dirigir-se aos órgãos públicos; e as certidões, também com dispositivo constitucional, no artigo 5°, XXXIV, “b”, que permitem aos indivíduos o esclarecimento de verdades registradas por tais órgãos (CARVALHO FILHO, 2011).
Além dos instrumentos amigáveis que podem ser utilizados pelos administrados, estes, quando não tiverem seu pedido atendido, ainda poderão impetrar mandado de segurança e o habeas data, ambos garantidos pela CRFB/1988 como direito fundamental do indivíduo (BRASIL, 1988).
Outro princípio geral da Administração Pública mencionado na CRFB/1988 é o da eficiência, e de acordo com Faria (2007, p. 50) pressupõe que
“O Administrador Público precisa ter em mente que ele é gestor de coisa pública, coisa da sociedade, e, por isso deve planejar a atividade do órgão ou entidade que dirige de forma a gastar menos e obter o máximo de resultado social e econômico, quando for o caso.”
Meirelles (2011, p. 98) acrescenta que este princípio “exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional”, fundamentando-se em dois aspectos, quais seja
“Pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público”. (DI PIETRO 2010, p. 83)
A inclusão desse princípio na Constituição trouxe alguns questionamentos. Carvalho Filho (2011, p. 26) questiona o conceito de eficiência da Administração Pública e afirma que “de nada adianta a referência expressa na Constituição se não houver por parte da Administração a efetiva intenção de melhorar a gestão da coisa pública e dos interesses da sociedade”.
Devido ao descontentamento da sociedade diante da deficiente prestação de serviço que se fez necessária a chamada “Reforma do Judiciário”, com a Emenda Constitucional n° 45/04, que acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5° da CRFB/1988, estabelecendo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988).
Além dos princípios que pressupõem validade dos atos administrativos, a que se submete a Administração Pública, expressos no artigo 37 caput da CRFB/88, a Lei 9.784/99, em seu artigo 2°, menciona também os princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público, todos devendo ser rigorosamente seguidos em prol de uma boa administração pública (BRASIL, 1988).
Importante tratar do princípio de maior importância para Administração Pública, o princípio da supremacia do interesse público. Ele está presente, conforme Di Pietro (2010, p. 64), “tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração”. Influencia na elaboração da lei, pois inspira o legislador a proteger o interesse público e coletivo. Esta é a finalidade de todo ato administrativo. Então pode-se falar que o princípio da finalidade apresenta uma faceta do princípio da supremacia do interesse público (DI PIETRO, 2010).
O interesse público sobrepõe ao individual para a Administração Pública, pelo menos é assim que deve ser, pois a sociedade como um todo é o destinatário da atividade administrativa. Mas os doutrinadores ainda encontram dificuldade em conceituar com exatidão o que é interesse público, o que leva Carvalho Filho (2011, p. 29) a figurá-lo como “conceito jurídico indeterminado” ou “determinável”. Mas o que importa na verdade é que a prevalência do interesse público é o objeto do direito público e inafastável deste (CARVALHO FILHO, 2011).
Mesmo com tantos princípios que orientam e impõe a boa organização e funcionamento do Estado, a Administração Pública ainda está sujeita a cometer falhas. Por esse motivo, o Supremo Tribunal Federal faz referência, nas Súmulas n° 346 e 473, a capacidade de autotutela da Administração:
“Súmula 346: “A administração pública pode declarar nulidade dos seus próprios atos”. Súmula 473: “A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.”
Como já foi dito anteriormente, os bens públicos não pertencem aos agentes da Administração Pública, sendo imputado a eles apenas o dever de preservá-los e administrá-los da maneira que melhor beneficiar o interesse da sociedade como um todo, por esta que é a proprietária de tais bens. O princípio da indisponibilidade trata justamente desse assunto, dispondo que a Administração não é titular dos bens públicos, por isso não tem o direito de disposição nem de alienação de tais bens (CARVALHO FILHO, 2011).
Como o objetivo do serviço público é atender aos interesses coletivos, que muitas vezes são inadiáveis, a CRFB/1988 reconhece que a atividade pública não pode ser interrompida, ao grifar em seu artigo 37, VII, que lei ordinária regulará especificamente a matéria (BRASIL, 1988).
Outro princípio de suma importância para garantir uma boa administração pública é o princípio da segurança jurídica, proteção à confiança e boa-fé, que se confundem na sua finalidade. Este princípio, segundo Di Pietro (2010), se justifica pelo fato de ser comum haver mudanças na interpretação de determinadas normas, afetando situações já consolidadas”. Assim, “essa possibilidade de mudança é inevitável, porém gera insegurança jurídica” (DI PIETRO, 2010, p. 84). Por esse motivo o artigo 2° da lei 9.784/99 vedou a aplicação retroativa, assim expressa: “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada a aplicação retroativa de nova interpretação” (BRASIL, 1999).
E, finalmente, o princípio da proteção à confiança e boa-fé considera a boa-fé do cidadão, que espera atos de probidade nos atos administrativos, mas o ordenamento nacional não deu previsão expressa a esse princípio. Mesmo assim, existem situações em que os princípios da segurança jurídica, da proteção à confiança e da boa-fé podem ser invocados, como, por exemplo, na manutenção de atos administrativos inválidos, na manutenção de atos praticados por funcionário de fato, na fixação de prazo para anulação, na regulação dos efeitos já produzidos pelo ato ilegal e na regulação dos efeitos da súmula vinculante (DI PIETRO, 2010).
Constata-se desta forma, que os princípios são o norte da Administração Pública, o parâmetro para a interpretação do ordenamento jurídico e como bem exemplifica Miguel Reale, citado por Gabriel (2010, p. 23):
“Um edifício tem sempre suas vigas mestras, suas colunas primeiras, que são o ponto de referência, ao mesmo tempo, elementos que dão unidade ao todo. Uma ciência é como um grande edifício que possui também colunas mestras. A tais elementos básicos, que servem de apoio lógico ao edifício científico é que chamamos de princípios”.
1.3 – Noções de Responsabilidade
A noção de responsabilidade, como aponta Carvalho Filho (2011), nos remete a ideia de resposta, sendo assim, induz a conclusão que aquele que causar dano a outrem deve responder pelo ato praticado. E para que seja possível responsabilizar alguém, esse indivíduo tem que ter aptidão jurídica, capacidade para figurar em um dos pólos da relação processual.
Necessário se faz entender o que pode gerar a responsabilização, ou seja, o fato gerador. Tanto a Di Pietro (2010) como Carvalho Filho (2011) apontam que a responsabilidade, em regra necessita de fato ilícito. Porém os autores nos explicam que no direito administrativo nem sempre há a necessidade de ato ilícito para acarretar a responsabilidade do Estado, basta que causem ônus maior do o imposto ao resto da coletividade ou que causem danos aos indivíduos, mesmo que seus atos sejam lícitos.
Di Pietro (2010, p. 642) nos ensina que “é errado falar em responsabilidade da Administração Pública, pois trata-se de dano causado pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo assim, a responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica”. Enquanto Meirelles (2011, p. 697) prefere a designação “responsabilidade da Administração Pública”, porque, para ele, “a responsabilidade surge de atos da Administração e não de atos do Estado como entidade pública”.
O tipo de responsabilidade varia de acordo com a natureza do fato gerador, podendo provocar a responsabilidade penal, civil ou administrativa. Pode também provocar todas as responsabilidades de forma simultânea, dependo da natureza do fato (CARVALHO FILHO, 2011).
Faria (2007, p. 623) menciona a responsabilidade obrigacional, como aquela “decorrente de descumprimento de cláusulas contratuais ou por descumprimento de regras gerais que estejam obrigados a observar”.
Por muito tempo prevaleceu a idéia de que o Estado não tinha nenhuma responsabilidade pelos atos praticados pelos seus agentes, pois como não havia intervenção estatal nas relações particulares, não tinha como se falar em responsabilização do Poder Público (CARVALHO FILHO, 2011). Assim, com o passar do tempo essa teoria, da irresponsabilidade do Estado, foi perdendo força, pois era notória sua injustiça. O Estado deveria proteger os interesses coletivos, com isso, a teoria da irresponsabilidade do Estado perdeu espaço para a teoria da responsabilidade com culpa. De acordo com essa teoria, o Estado seria responsabilizado apenas nos casos de ação com culpa de seu agente (CARVALHO FILHO, 2011).
Acredita-se que com a evolução no pensamento da sociedade e do próprio Estado quando se admitiu a possibilidade de responsabilização do Estado nos casos de culpa anônima ou falta de serviço, ou seja, quando havia inexistência do serviço, mau funcionamento ou seu retardamento. Ainda assim era difícil exigir a reparação do dano, pois essa teoria exigia muito da vítima, pois caberia ao administrado provar a ação culposa do Estado para obter indenização (MEIRELLES, 2010).
Ao indivíduo lesado pelo Estado, surgiu a teoria da responsabilidade sem culpa ou do risco administrativo, adotada pelo Conselho de Estado Francês. Pela teoria entende-se que a idéia de culpa é substituída pelo nexo de causalidade entre a atividade do agente público e o prejuízo sofrido pelo cidadão (DI PIETRO, 2010).
Aponta Carvalho Filho (2011) que o indivíduo era a parte desprotegida da relação, pois o Estado detinha mais prerrogativas do que o administrado, sendo assim, injusto seria arcar com todos os prejuízos e ônus da prova sozinho. Porém a responsabilidade não era indiscriminada, ou seja, se houvesse participação integral ou parcial do lesado o Estado não seria responsável.
É necessário ressaltar que há divergências doutrinárias quanto à denominação das teorias, importante é saber que a idéia de responsabilizar o Estado pelos danos causados pelos seus agentes foi evoluindo com o passar do tempo e das teorias apresentadas pelos estudiosos. No Brasil não foi muito diferente. As Constituições de 1824 e 1891 não mencionavam responsabilidades por parte do Estado pelos atos de seus agentes. A responsabilidade pelo dano era toda do funcionário. Havia leis ordinárias que, conforme Di Pietro (2010, p. 648) previa a “responsabilidade solidária do Estado com a dos funcionários “em casos de danos causados por estrada de ferro, por colocação de linhas telegráficas e pelos serviços de correios”.
Em 1916, com a promulgação do Código Civil, passou-se a falar em responsabilidade subjetiva do Estado, disposto no artigo 15 que
“As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando o dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano” (BRASIL, 1916).
O texto do artigo 15 do CC/1916 deixa claro que o Estado responderá se for demonstrada a culpa do funcionário (BRASIL, 1916), o que não se efetivou, pois era difícil provar a situação, pois o administrado, como hipossuficiente, não dispunha das mesmas prerrogativas, estando em desigualdade processual.
Já em 1934 houve uma pequena evolução, quando a constituição adotou a teoria da responsabilidade solidária entre o Estado e o agente causador do dano (DI PIETRO, 2010).
Somente com a Constituição de 1946, em seu artigo 194, é que se pode falar em evolução, com a adoção da teoria da responsabilidade objetiva, que assim dispunha: “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros” (Brasil, 1946).
A CRFB/1988, em seu artigo 37, § 6° dispõe que:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1988) .
O dispositivo constitucional, como esclarece Carvalho Filho (2011), se refere a duas categorias de pessoas jurídicas: as de direito público, que já é sabido que têm responsabilidade objetiva e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, a fim de sujeitá-las à teoria da responsabilidade objetiva também, igualando-as à Administração Pública.
Portanto, conclui-se que as garantias do devido cumprimento do dever do Estado, orientadas pela CRFB/1988, pelas leis ordinárias e pelos princípios da Administração Pública, que visam proteger os cidadãos de atos abusivos, lesivos e ineficientes dos agentes públicos contra a sociedade devem necessariamente serem efetivadas, sob pena de responsabilização.
II – Atos Ímprobos da Administração Pública Municipal
2.1 – Princípios da Improbidade Administrativa
O presente capítulo tem a finalidade de apreciar a importância dos princípios constitucionais e administrativos, cuja ausência implica em atos de improbidade administrativa. Tais princípios definem o andamento da atuação administrativa e são utilizados como critério de controle dos atos dos agentes públicos, no exercício de suas funções.
O artigo 4° da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) dispõe que “Os agentes públicos de qualquer nível de hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos”.
Portanto, cabe aos agentes públicos não apenas cumprir os princípios da probidade administrativa, mas também fazer cumprir, já que
“A improbidade administrativa consiste na ação ou omissão violadora do dever constitucional de moralidade no exercício da função pública, que acarreta a imposição de sanções civis, administrativas e penais, de modo cumulativo ou não, tal como definido em lei” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 995).
Sendo assim, o silêncio sobre a violação de normas e princípios da probidade administrativa enseja em sanções tal como aquele que comete o ato ímprobo.
Conforme analisado anteriormente, Carvalho Filho (2011) explica que a falta de moralidade administrativa afeta toda a atividade da administração, acarretando em atos de improbidade, causando prejuízos à sociedade, sob pena de sanções aplicáveis aos agentes públicos e terceiros praticantes de atos ímprobos.
Importante se faz mencionar que o princípio da moralidade e da probidade administrativa têm o mesmo sentido, muito bem analisado por Gabriel (2010, p. 35) ao concluir que
“Princípio da moralidade ou probidade administrativa é aquele em que a Administração, no exercício de suas atividades administrativas, deve agir com honestidade de propósitos, honradez, probidade, retidão, justiça, caráter, boa-fé, seguindo regras de boa conduta, de zelo à coisa pública, sem aproveitar das facilidades decorrentes do exercício da função administrativa em proveito próprio ou de outrem.”
Ou seja, ofende a moralidade administrativa todo agente, no exercício de sua função, atente à moral comum, aos bons costumes, aos princípios de justiça e equidade, às regras de boa administração, à idéia comum de honestidade, conforme esclarece Di Pietro (2010).
Tal ofensa, a imoralidade administrativa, segundo Medauar (2010, p. 131), “só é percebida no contexto em que a decisão é tomada, quando esta destoa do contexto e do conjunto de regras de conduta extraídas da disciplina geral norteadora da Administração”.
Além do princípio da moralidade ou probidade administrativa, que devem estar presentes em todos os atos administrativos, observa-se a importância dos princípios da legalidade, impessoalidade, eficiência e publicidade, além dos princípios da razoabilidade e da adequação, cuja ausência também caracteriza improbidade administrativa, mencionados inclusive na Jurisprudência, que tem se manifestado em diversas decisões, como se pode constatar na ementa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“Compete ao Magistrado de primeiro grau julgar os atos de improbidade administrativa imputados a ex-Prefeito, vez que não incluído dentre as autoridades que estão submetidas à Lei nº 1.079/50. O ato praticado por agente político (ex-Prefeito), consubstanciado na conduta consciente de efetivação de despesa não-autorizada em lei e em benefício do enriquecimento ilícito de terceiros caracteriza ato de improbidade administrativa, máxime quando enseja prejuízo ao erário e ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, que devem orientar os atos do homem público. Ao cominar a sanção imposta ao agente por prática de ato de improbidade administrativa, deve o Julgador analisar a lesividade e a reprovabilidade de sua conduta, o elemento volitivo e a consecução do interesse público, de modo a adequar a pena ao caso concreto, sempre com caráter inibitório de futuras práticas lesivas ao erário público e ao princípio da moralidade administrativa” (MINAS GERAIS, 2009).
Ao ato que infringe o princípio da legalidade é possível anulação pelo Poder Judiciário ou pela própria Administração, conforme Súmulas 346 e 473 do STF. É o chamado Princípio da Autotutela, sendo “aquele em que a Administração Pública controla os próprios atos, revogando os legais, porém inconvenientes ou inoportunos ou anulando os ilegais” (GABRIEL, 2010 p. 28).
Outro princípio de grande importância para se constatar a probidade administrativa é o da proporcionalidade, que Bonavides (2002, p. 322) caracteriza como “princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra os excessos do Estado e serve de escudo às defesas dos direitos e liberdades constitucionais”.
Ressalta-se a importância deste princípio, inclusive o seu uso pela jurisprudência, como demonstra o Tribunal de Justiça do Paraná:
“Para fixar as sanções no caso de improbidade administrativa deve o julgador se pautar no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando também a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente. 2. A improbidade é conceito jurídico indeterminado vazado em cláusulas gerais, reveste-se de ilicitude grave e exige, ao ato ímprobo, requisitos de tipicidade objetiva e subjetiva” (PARANÁ, 2009).
Diante do exposto, conclui-se que a Lei 8.429/92, ao prever as condutas dos agentes públicos caracterizadas como improbidade administrativa, tem como pilar o princípio da moralidade, pois improbidade está intrinsecamente ligada à desonestidade, e tão importante quanto a moralidade, nota-se também a importância de se analisar os demais princípios, como o da legalidade, proporcionalidade, razoabilidade, além dos princípios constitucionais já mencionados em capítulo anterior, pois estes são utilizados pelo Judiciário em suas decisões ao aplicar as devidas penalidades àqueles que os infringem.
2.2 – Atos de Improbidade e a Lei 8.429/92
Para que melhor se compreenda quais são os atos considerados ímprobos, faz-se necessário analisar seu conceito.
Gabriel (2010, p. 35) conceitua ato de improbidade como
“todo aquele praticado por agente público, com dolo ou culpa, no exercício de sua função administrativa, que importe em enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou infração aos princípios que norteiam a Administração Pública”.
Para melhor explicar o conceito da autora, é necessário analisar a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), que menciona os três tipos de atos de improbidade: os que importam enriquecimento ilícito, caracterizado pelo artigo 9°
“Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1° desta lei.”
Já a segunda classificação de atos de improbidade mencionado na Lei em questão são os que importam dano ao erário, disposto no artigo 10 da seguinte forma:
“Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1° desta lei”.
Esclarece Gabriel (2010, p. 37) que erário público “significa tesouro público, ou seja, dinheiro arrecadado pelo Estado no exercício de sua competência tributária ou outros bens ou valores de valor econômico do Estado” e não se confunde com patrimônio público, pois este “é mais abrangente, pois engloba bens públicos mais patrimônio ambiental, artístico, estético, histórico e turístico” (GABRIEL 2010, p. 37).
Finalmente, o terceiro tipo de atos de improbidade administrativa, mencionados na referida Lei, são os atos que atentam contra os princípios da administração pública, conceituado no caput do artigo 11: “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”.
Apesar do disposto no artigo, Osório (2010) conclui que para a aplicação da Lei de Improbidade e suas sanções, além da violação de princípios, é necessária a violação simultânea de princípios e regras constitucionais e infraconstitucionais, pois “Toda improbidade pressupõe a violação de direitos fundamentais” (OSÓRIO, 2010, p. 310).
À propósito, mesmo que os princípios tenham força normativa, apenas a violação destes não poderia caracterizar improbidade, sob o risco de o aplicador da Lei considerar ato de improbidade qualquer ofensa a um dos princípios, em função de um erro, segundo os argumentos de Fazzio Júnior (2007).
No mesmo sentido, Osório (2010, p. 256) observa que
“A improbidade administrativa pressupõe violência necessária e inarredável contra normas subjacentes a seus tipos sancionadores. Deve-se valorar os comportamentos proibidos à luz das regras e princípios da Administração Pública. Não basta uma violação dos princípios da Administração Pública, e muito menos uma conduta diretamente enquadrável nos tipos formalizados na LGIA [Lei Geral de Improbidade Administrativa], sem uma prévia agressão a regras legais, concretamente relacionadas com as ações ou omissões dos agentes públicos. Toda improbidade administrativa traduz uma ilegalidade de comportamento que não se limita a violar princípios ou deveres abstratos contemplados na Lei Federal 8.429/92. Sendo uma norma sancionadora em branco, quaisquer dos tipos da LGIA são contemplados por legislações setoriais, instituindo regras que se sistematizam e se incorporam aos princípios.”
Oportunamente, ao analisar julgados, nota-se a importância de uma avaliação do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, como por exemplo, a ementa do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que ao verificar que o agente violou norma prevista no artigo 37 da CRFB, aplicando o artigo 11 da referida Lei. Portanto:
“Comete ato ímprobo o administrador que, ao promover a reforma e pintura de diversos imóveis municipais, deliberadamente opta por aplicar nesses bens públicos cores em injustificada correlação com a bandeira do partido político ao qual pertence, a caracterizar o elemento volitivo de promoção pessoal e, como tal, ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade e indevida lesão ao erário. […] Nesse panorama, resta estampado o enquadramento da conduta do réu ao tipo previsto no caput do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, segundo o qual "constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições…" (SANTA CATARINA, 2011).
Necessário se faz esclarecer que o artigo 1° da Lei de Improbidade Administrativa classifica quais entidades são consideradas públicas para que atos de seus servidores sejam considerados ímprobos, quais sejam
“[…] administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual […]” (BRASIL, 1992).
Diante do exposto, “pode-se dizer que a improbidade administrativa é uma enfermidade social que ofende os valores e normas fundamentais que presidem a Administração Pública e orientam seu bom funcionamento” (OSÓRIO, 2007, p. 306-307).
Conclui-se, assim, que o Administrador Público, que observar todos os princípios da Administração Pública não incorrerá em improbidade administrativa, estando isento da responsabilização prevista na Lei de Improbidade Administrativa.
2.3 – Improbidade Administrativa Municipal
Conceituar Município é bem simples e de fácil compreensão, porém de grande importância para que se entenda como funcionam os atos ímprobos da administração municipal.
Meirelles (2003, p. 162) conceitua Município, sob o aspecto jurídico, como
“pessoa jurídica de direito público interno, e como tal, dotado de capacidade civil plena para exercer direitos e contrair obrigações em seu próprio nome, respondendo por todos os atos de seus agentes – art. 37 §6° da CRFB/1988.”
Já Costa (1999, p. 61) define Município como
“organização política, pessoa jurídica de direito público interno, com base territorial determinada, englobando um conjunto de vizinhos com interesses locais e comuns, com autonomia política, administrativa e financeira garantida pela Constituição, que lhe define a competência”.
Sua criação, incorporação, fusão e desmembramento, conforme a CRFB/1988, em seu artigo 18 § 4° far-se-ão por lei estadual e dependerão de consulta prévia às populações dos municípios vizinhos (BRASIL, 1988).
Para administração dos Municípios, conforme nos ensina Castro (1988, p. 159), “a Lei n° 18 de 11/04/1835 instituiu, pela primeira vez o cargo de prefeito, como delegado do executivo e de nomeação pelo Presidente da Província”.
Nos termos da CRFB/1988, o Prefeito é o chefe do Poder Executivo, incumbido de representar o município e administrá-lo, sendo a prefeitura, no entendimento de Costa (1999, p. 126)
“[…] a sede do Executivo Municipal, o prédio onde está situado o gabinete do Prefeito. […] A Prefeitura não se trata de pessoa jurídica, sendo apenas o aparelho central da estrutura administrativa. Não representa sequer juridicamente o Município, pois apenas o Prefeito tem tal competência”.
Quanto às atribuições políticas são inerentes às funções de comando do Executivo. No desempenho de tais atribuições, o Prefeito age com natural discricionariedade para o atendimento do interesse público e promoção do desenvolvimento integral do Município (MEIRELLES, 2003). Assim como as atribuições, tem o prefeito as responsabilidades inerentes ao cargo. Tal responsabilidade pode ser penal, político-administrativa ou civil. O descumprimento das responsabilidades inerentes à função de prefeito caracteriza improbidade administrativa municipal, que é o
“[…] ato praticado pelo prefeito e seus agentes, com dolo ou culpa, no exercício de sua função administrativa, que importe em enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou infração aos princípios que norteiam a Administração Pública” (GABRIEL, 2010, p. 35).
Castro (1999, p. 185), salienta que “o Decreto-Lei nº. 200/1967 separou nitidamente a responsabilidade penal do Prefeito, de competência do Judiciário, da responsabilidade político-administrativa, de competência da Câmara de Vereadores”. Assim, assentado ficou que um órgão ou poder não pode investir-se nas funções do outro, isto é, a Câmara Municipal não pode, absolutamente, julgar crimes de responsabilidade, nem o Judiciário as infrações político-administrativas (CASTRO, 1999). Ressalta o autor que “A invasão de competência, constituindo usurpação de poderes, caracteriza ilegalidade grosseira e lesão de direito líquido e certo do Prefeito, reparável pelo mandado de segurança” (CASTRO, 1999, p. 185).
Em se tratando da responsabilidade civil, Costa (1998, p. 22) informa que
“o chefe do Executivo não pode ser equiparado ao funcionário público para fins de responsabilização civil, pois não é funcionário, mas sim agente político, conduzido ao cargo por meio de um processo político-eleitoral e pelo voto direto dos eleitores.”
A esse respeito, Meirelles (2003, p. 761) defende que
“Desde que o chefe do Executivo erre em boa-fé, sem abuso de poder, sem intuito de perseguição ou favoritismo, não fica sujeito a responsabilização civil, ainda que seus atos lesem a Administração ou causem danos materiais ou morais a terceiros. E assim é porque os agentes políticos, no desempenho de suas atribuições de governo, defrontam-se a todo o momento com situações novas e circunstâncias imprevistas, que exigem pronta solução, à semelhança do que ocorre na Justiça, em que o juiz é obrigado a decidir ainda que na ausência ou na obscuridade da lei. Por isso mesmo, admite-se para essas autoridades uma margem razoável de falibilidade nos seus julgamentos.”
Quanto aos crimes de responsabilidade, Ramos (2002), analisando a expressão “crimes de responsabilidade”, observa os equívocos que foram se formando em torno dos crimes cometidos por funcionários públicos, informando que a expressão mais correta seria a de “crimes funcionais”.
As responsabilidades específicas do administrador municipal são de suma importância para a compreensão dos atos ímprobos da Administração Municipal.
Desta maneira, pode concluir que a não observância dos Princípios da improbidade administrativa, juntamente com atos de má-fé dos Prefeitos, fez com que o Judiciário, cada vez mais, vem aplicando as sanções cabíveis aos atos ímprobos, a fim de evitar que demais Prefeitos cometam ilícitos político-administrativos.
III – AS RESPONSABILIDADES QUE INCORREM OS PREFEITOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS
3.1 – Responsabilidade Civil e Consequências Jurídicas
Observada a possibilidade de responsabilização dos agentes públicos e políticos da Administração Municipal que praticam atos em desacordo com o ordenamento jurídico nacional, necessário se faz entender que tal responsabilização depende do tipo de infração cometida, podendo ser na esfera civil, político-administrativa e penal, sendo necessária a análise de cada uma de maneira autônoma, apensar da possibilidade de responsabilização do Prefeito nas três esferas concomitantemente de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), com a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) e com o Decreto-Lei n° 201/67 – Lei dos Prefeitos, que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores.
O presente capítulo tem por escopo apontar as responsabilidades que incumbem os Prefeitos Municipais e suas consequências jurídicas, vez que este é representante da administração municipal e o responsável pelas ações ou omissões que infringirem, analisando a responsabilização civil decorrente destes atos.
Nesse sentido, a responsabilização do agente público tem previsão constitucional, em seu artigo 37, §4°, que dispõe que “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e graduação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Fundamental se faz distinguir responsabilidades contratuais e extracontratuais, que se relacionam com a origem dos atos lesivos.
Neste sentido, Justen Filho (2010, p. 1200) aponta a essencialidade desta distinção, ao enfatizar que “o regime próprio dos contratos administrativos protege o particular contra certos eventos imprevisíveis, gerando garantias que não se verificam em outras hipóteses”. Por “outras hipóteses”, entende-se as responsabilidades extracontratuais, quais sejam, responsabilidade civil, responsabilidade administrativa e responsabilidade penal.
Sobre tal responsabilidade mencionada no §4° do artigo 37 da CRFB/1988 não se tem conclusão sobre sua natureza, entendendo alguns doutrinadores ser de natureza civil, pois “baseiam-se no fato de a responsabilidade ser buscada por uma ação civil” (DI PIETRO, 2003, p. 679).
Outros autores, como Pazzaglini Filho (2006) definem a natureza da responsabilidade considerando a natureza das sanções previstas.
Já Costa (1998, p. 22) defende que
“A responsabilidade civil pode ser fixada por meio de ação própria e, nos casos em que caiba, de ação civil pública, referida na Constituição (art. 129, inc. III), regulada em lei própria (Lei Federal 7.347/85) que dispõe sobre a responsabilidade do agente público por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio estético, histórico, turístico e paisagístico, ou ainda a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; e também por infração da ordem econômica (art. 1°).”
Para melhor regular a matéria foi criada a Lei 8.429/92 que se aplica a todas as esferas da Federação, inclusive para os atos da Administração Municipal, definindo os atos que se configuram como ímprobos e as pessoas que se configuram como agentes públicos, que por consequência responderão pela improbidade e as sanções cabíveis para todos os que afetam a moral administrativa.
Assim, define Osório (2007, p. 81) que a Lei de Improbidade Administrativa é “um Código Geral de Conduta, com normativa jurídica, força coercitiva cogente, alcance nacional e balizador de todo o setor público, em suas vertentes fundamentais”.
Antes de se aprofundar nesta análise é necessário esclarecer quais pessoas reputam-se como agentes públicos, que está inserto no artigo 2° da Lei de Improbidade Administrativa:
“Reputam-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”
Esclarecida quais são as pessoas sujeitas às responsabilizações, o artigo 12 da mesma Lei prevê a possibilidade de sanções civis, administrativas e penais, além de estar o responsável sujeito às cominações previstas no mesmo artigo e na CRFB/1988 em seu artigo 37 (BRASIL, 1992).
Para compreendermos todas as responsabilidades administrativas, é necessário separá-las por natureza, pois cada ato tem uma conseqüência jurídica diferente.
Como ensina Justen Filho (2010, p. 1000),
“Há sanção de natureza civil quando se impõe ao infrator o dever de recompor os prejuízos acarretados por sua conduta. […] Há sanção de natureza administrativa porque incidem sanções tais como a perda do cargo ou da função. E há sanção de natureza penal, na medida em que o elenco sancionatório compreende a perda de cargos eletivos e, mesmo a suspensão de direitos políticos”.
Quanto às sanções de natureza civil, necessário se faz conceituar responsabilidade civil, que Gabriel (2010, p. 261) esclarece ser “[…] a obrigação que o Estado tem de indenizar os danos (patrimoniais ou morais) causados a particulares, em razão de ação ou omissão, lícita ou ilícita, de seus agentes públicos”.
Tal obrigação de indenizar se traduz no dever de compensar danos causados a terceiros, materiais ou morais, sendo pelos danos materiais, o dever de compensar danos emergentes e lucros cessantes, conforme ensinamentos de Justen filho (2010), e pelos danos morais ao “[…] pagamento de uma importância destinada a atenuar o sofrimento moral acarretado em virtude de atuação ilícita, com forte conotação de punição” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 1195).
Porém, para fins de responsabilização civil o Prefeito não é considerado funcionário público e sim agente político. Costa (1998, p. 22) conceitua-o como
“O chefe do Executivo não pode ser comparado com funcionário público para fins de responsabilização civil, pois não é funcionário, mas sim agente político, conduzido ao cargo por meio de um processo político-eleitoral e pelo voto direto dos eleitores.”
E como agente político, o Prefeito só responderá na esfera civil pelos atos que praticar no exercício da sua função, se o fizer “[…] com dolo, culpa manifesta, abuso ou desvio de poder” (MEIRELLES, 2003, p. 762) e reitera que
“[…] desde que o chefe do executivo erre em boa-fé, sem abuso de poder, sem intuito de perseguição ou favoritismo, não fica sujeito à responsabilização civil, ainda que seus atos lesem a Administração ou causem danos patrimoniais a terceiro” (MEIRELLES, 2003, p. 762).
Além da boa-fé e da falta de abuso de poder, Di Pietro (2010, p. 652) aponta “como causas de excludentes da responsabilidade a força maior, a culpa da vítima e a culpa de terceiros” e como causa atenuante “[…] a culpa concorrente da vítima”. Assim, nos casos de culpa da vítima, deverá ser feita a distinção se a culpa foi exclusivamente da vítima ou concorrente com agente político, pois se este se omitir se repartirá a responsabilidade, e quanto aos atos de terceiros, se houver omissão ou inércia do Estado (DI PIETRO, 2010). Percebe-se, portanto ser essencial a demonstração da culpa ou dolo do agente político para que este seja responsabilizado civilmente por atos ímprobos.
3.2 – Responsabilidade Administrativa e Consequências Jurídicas
Sequencialmente, a responsabilização do agente municipal também encontra sanções decorrentes da ordem administrativa. Assim, as infrações cometidas por agentes políticos podem importar efeitos no âmbito civil, penal ou exclusivamente na dimensão administrativa
O Decreto-Lei n° 201/67 (Lei dos Prefeitos) previu em seu artigo 4° a figura da infração político-administrativa, a ser imputada ao Prefeito, devendo ser julgado pela Câmara Municipal (BRASIL, 1967). Para tanto, é preciso conhecer o que são infrações político-administrativas. Conceitua-as Costa (1998, p. 147) como aquelas
“[…] que resultam de um procedimento contrário à lei, praticadas por agente político, ou quem lhe faça legitimamente as vezes e relativas a específicos assuntos de administração. O Prefeito, tanto quanto o Governador ou o Presidente da República, é um agente político; desempenham um múnus público, sem qualquer ligação profissional ou de emprego em relação ao Município”.
O Decreto-Lei 201/67, enumera quais são as infrações político-administrativas:
“Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:
I – Impedir o funcionamento regular da Câmara;
II – Impedir o exame de livros, folhas de pagamento e demais documentos que devam constar dos arquivos da Prefeitura, bem como a verificação de obras e serviços municipais, por comissão de investigação da Câmara ou auditoria, regularmente instituída;
III – Desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de informações da Câmara, quando feitos a tempo e em forma regular;
IV – Retardar a publicação ou deixar de publicar as leis e atos sujeitos a essa formalidade;
V – Deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, e em forma regular, a proposta orçamentária;
VI – Descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro,
VII – Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou emitir-se na sua prática;
VIII – Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura;
IX – Ausentar-se do Município, por tempo superior ao permitido em lei, ou afastar-se da Prefeitura, sem autorização da Câmara dos Vereadores;
X – Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo.”
Sendo assim, “o sujeito tem o dever de responder pela conduta adotada no desempenho das atividades administrativas, e isso significa a impossibilidade de eximir-se dos efeitos das ações ou omissões” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 970). Isto porque “a ocorrência do evento danoso é uma demonstração de culpa, porque não teria ele ocorrido se o sujeito tivesse adotado as providências impostas pelo dever de diligência que o onerava” (JUSTEN FILHO 2010, p. 972).
Porém, em outro viés interpretativo Meirelles (1998, p. 607) leciona que se as infrações forem meramente administrativa, desnecessário serão as sanções pessoais e observa que
“Como administrador, pode cometer irregularidades simplesmente administrativas, que não lhe acarretam sanções pessoais; como governante, pode incidir em infrações político-administrativas, que conduzem à sanção punitiva da perda do cargo, através da cassação do mandato.”
Assim,
“A decretação da perda do mandato por ter o seu titular incorrido em falta funcional, definida em lei e punida com esta sanção. Extinção é o perecimento do mandato pela ocorrência de fato (morte), ato ou situação que torne automaticamente inexistente a investidura eletiva (renúncia, perda dos direitos políticos, condenação criminal com inabilitação para a função pública, etc)” (MEIRELLES 2003, p. 523).
Além da perda da função pública, o §4° artigo 37 da CRFB/1988 estabelece a suspensão dos direitos políticos. Entretanto, antes de especificar a suspensão dos direitos políticos, necessário se faz conceituá-los. Para Morais (2003, p. 232) direitos políticos “são direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no satuts activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania”. Portanto, aquisição de tal direito, “[…] faz-se mediante alistamento, que é condição de elegibilidade, assim, a qualificação de uma pessoa, perante o órgão da Justiça Eleitoral, inscrevendo-se como eleitor, garante-lhe o direito de votar” (MORAIS, 2003, p. 232).
Esclarecido o que são direitos políticos e forma de aquisição deste, cabe a análise da forma de suspensão de tais direitos previsto na CRFB/1988:
“Art. 15 – É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II – incapacidade civil absoluta;
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5°, VIII;
V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, §4°” (BRASIL, 1988).
Desta forma, identificado o ato ímprobo, o agente terá seus direitos políticos restringidos, como ensina Alves (2002, p. 384):
“Identificada a prática da improbidade e aplicada a sanção de suspensão dos direitos políticos, a cidadania do ímprobo será restringida em suas acepções ativa e passiva, vale dizer, no direito de votar (cidadania ativa) e de ser votado (cidadania passiva), isto sem prejuízo de erigir-se com óbice ao exercício dos demais direitos que pressuponham a condição de cidadania.”
Nessa análise ressaltar-se que a aplicação da pena de suspensão dos direitos políticos depende de sentença condenatória que especifique quais são os direitos suspensos. (ALVES, 2002).
Por todo exposto, conclui-se que o Administrador Público somente pode agir ou deixar de agir em conformidade com a Lei, sob pena de sofrer sanções decorrentes de atos ímprobos, visto que o Prefeito deve responder pelas condutas administrativas que lesem a Administração Pública Municipal, podendo ter cassado seu mandato, sem prejuízo das sanções civis e penais que couberem, previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
3.3 – Responsabilidade Penal e Consequências Jurídicas
Finalmente, a responsabilização penal “consiste em toda a responsabilidade resultante do cometimento de crime ou contravenção” (MEIRELLES, 1998, p. 596).
Para Meduar (2009) a responsabilidade criminal do servidor público diz respeito às consequências de condutas tipificadas pelo ordenamento como crimes relacionados ao exercício do cargo, função ou emprego público. Portanto, tal responsabilidade pode ser resultado de conduta criminosa de qualquer funcionário público ou agente político, inclusive dos mencionados no Código Penal Brasileiro de 1940, nos artigos 312 a 327, além dos crimes comuns, das contravenções penais, crimes eleitorais, crimes de responsabilidade (art. 1°, Decreto-Lei n° 201/67) e crimes de abuso de autoridade, insertos na Lei n° 4.898/65 (Lei de Abuso de Autoridade).
A conduta criminosa dos agentes públicos contra a Administração Pública é denominada Crime Funcional, definida no CPB/1940 que será objeto do presente estudo.
Além da definição pelo CPB, os crimes funcionais ou de responsabilidade estão enumerados no artigo 1° do Decreto Lei 201/67, sendo estes de ação pública, podendo o Prefeito ser condenado, em alguns casos, a pena de reclusão, conforme o § 1° do mesmo artigo. Além da pena de reclusão, a condenação definitiva acarreta ao Prefeito a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função, como dispõe o § 2°
“A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular” (BRASIL, 1967).
O julgamento de tais condutas, conforme ensina Justen Filho (2010, p. 832) “será promovido perante Tribunal de Justiça (art. 29, X)”. Assim, percebe-se que “o Decreto-Lei n° 201/67 previu a competência do Poder Judiciário e eliminou a prévia autorização da Câmara Municipal para tanto, aplicando a disciplina processual penal comum” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 832).
Isso porque o Prefeito tem foro privilegiado por prerrogativa de função em vista do cargo ocupado pelo Chefe do Executivo, conforme infere Castro (2001). Nesse sentido,
“A questão da prerrogativa de foro, intimamente ligada ao juiz natural, deferida ao Prefeito junto ao Tribunal de Justiça, não está a indicar que o prefeito só poderá ser julgado e processado perante o plenário do Tribunal de Justiça, ou perante seu Orgão especial” (CASTRO, 2001, p. 492).
A prerrogativa de foro tem o objetivo de garantir maior segurança no julgamento de processos de agente público no exercício de sua função (MIRABETTE, 1997). Nesse sentido,
“Há pessoas que exercem cargos e funções de especial relevância para o Estado e em atenção a eles é necessário que sejam processadas por órgãos superiores, de instância mais elevada. O foro por prerrogativa de função está fundado na utilidade pública, no princípio da ordem e da subordinação e na maior independência dos tribunais superiores” (MIRABETTE, 1997, p. 187).
Porém, em outra abordagem interpretativa, Costa (2002, p. 33) salienta que
“É deficiente a regra do foro criminal- constitucional perante o tribunal de justiça. No caso de acusação por Crime eleitoral, a competência é do Tribunal Regional Eleitoral e por crime envolvendo bens, serviços e interesses da União, impropriamente chamados de crimes federais, do Tribunal Regional Federal”.
Contudo, em relação aos crimes cometidos durante o exercício da função de Prefeito Municipal, o chamado crime funcional, existia a Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal que dispunha que “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício” (STF, Súmula n° 394).
Tal súmula foi cancela em 1999 em uma decisão unânime proferido no inquérito n° 687 SP, pelo relator o Ministro Sidney Sanches. Em razão disso, foi criada a Lei n° 10.628/02, que institui que para os Prefeitos, que têm prerrogativa de foro, a mesma permanece mesmo depois de cumprido seu mandato (BRASIL, 2002).
Não se pode esquecer que os substitutos do cargo de Prefeito também têm a mesma responsabilidade, conforme positivou-se: “Art. 3º O Vice-Prefeito, ou quem vier a substituir o Prefeito, fica sujeito ao mesmo processo do substituído, ainda que tenha cessado a substituição” (BRASIL, 1967).
Como consequência jurídica pelos atos ímprobos, os Prefeitos sofrerão a perda do mandato eletivo, se a decisão condenatória por crimes funcionais tiver pena superior a quatro anos, consoante dispõe o artigo 92, I, do CPB/1940, além da inelegibilidade por três anos após o cumprimento da pena, conforme dispõe o art. 1°, I, alínea e da Lei Complementar n° 64/90 – Lei de Inelegibilidade (BRASIL, 1990).
Esclarece Meirelles (2003) que sendo absolvido o agente por falta de provas ou ausência de dolo, permanece a culpa administrativa e civil, podendo ser punido nessas esferas.
Conclui-se, então, que o Prefeito ímprobo terá, além da responsabilização nas esferas civil e administrativa, a responsabilização penal, concomitante ou não, podendo até sofrer condenação tipificada no CPB/1940 além das descritas no Decreto-Lei n° 201/67, como tentativa de combate à corrupção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Primeiramente necessário se faz observar que o tema ora estudado é de grande importância não apenas para os operadores de direito, mas para a sociedade como um todo, quando se encontra refém de uma Administração Pública Municipal ímproba, ou seja, desleal, corrupta, antiética, desonesta e de má-fé que desestimula e indigna a população, que deposita toda credibilidade no Administrador, para este, por fim, aproveitar-se da situação de poder para enriquecer injustificadamente.
Para uma Administração mais eficiente é necessária a observância criteriosa dos princípios constitucionais, todos estudados na presente monografia, devendo ser trabalhados em conjunto, pois tais princípios que dão o norte para todo o ordenamento que rege a Administração Pública, servindo de base para as Leis específicas e para julgados dos Tribunais.
Conforme pesquisas, o Prefeito está subordinado às leis gerais e específicas do exercício da sua função, podendo ser aplicadas concomitantemente, conforme o disposto na Lei de Improbidade Administrativa e no Decreto-Lei 201/67, que preveem que os agentes públicos estão sujeitos às punições por improbidade administrativa, cuja finalidade é a reparação do dano causado ao erário, sem prejuízo das sanções civis e penais.
Com isso, o Poder Judiciário vem frequentemente, aplicando punições aos Prefeitos que cometem atos ímprobos, a fim de minimizar corrupções, para que a Administração Municipal trabalhe com moralidade e eficiência.
Percebe-se que tentar esgotar a discussão sobre o assunto é tarefa difícil, quase impossível, sempre presentes nas doutrinas e jurisprudências, pois são inúmeros os questionamentos a respeito da impunidade que paira no Executivo Municipal, assim como são inúmeras as tentativas de conscientização e cobrança da população através da ação popular.
Tentou-se, contudo, mostrar que o Prefeito pode sim ser responsabilizado civilmente pelos prejuízos causados a erário e a particulares, com incumbência de restituir valores ora subtraídos, indisponibilidade dos bens e ainda multa civil, se for o caso. Pode ainda responder administrativamente como a perda do cargo público e restrição aos direitos políticos, por exemplo. Ainda assim, pode o Prefeito responder criminalmente se cometer atos tipificados no Código Penal como crimes funcionais.
Conclui-se, portanto, que a necessidade de controle pela sociedade é imprescindível para que haja o devido cumprimento do Poder Judiciário, pois é através dos movimentos populares que o Ministério Público é instigado na sua função de fiscalizador da lei.
Advogada cível, trabalhista e criminalista
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