Os cartéis do combustível e os direitos do consumidor

O escopo do presente artigo reside na análise da uniformização combinada da tabela de preços das distribuidoras de combustíveis no Brasil, bem como a afronta aos direitos do consumidor decorrentes desse fato.

É fato, mesmo aos mais desatentos, que parte das distribuidoras de combustíveis operantes no país, ou meramente postos de gasolina, como são comumente chamados, orientam os valores de seus produtos de forma conjunta e acordada, havendo apenas pequenas variações na casa dos décimos de centavos.

Devemos lembrar que tal fato é uma afronta aos direitos do consumidor por se tratar de infração à ordem econômica da sociedade, impossibilitando ao consumidor a faculdade de pesquisar e escolher livremente sobre os preços que melhor lhe aprouverem.

Tal prática, de uniformização de preços de produtos por um determinado número de empresas, constitui a formação de cartel. Entende-se por cartel o fato de várias empresas individuais se reunirem e acordarem na uniformização dos valores de seus produtos e serviços, eliminando a concorrência por preço, sem, no entanto, perder a sua autonomia.

Ações do estado

A lei 8.884 de 1994 dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica no mercado brasileiro, norteando-se pelos princípios da liberdade de iniciativa, função social da propriedade, livre concorrência, repressão ao abuso do poder econômico e a defesa do consumidor, sendo de responsabilidade do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) o encargo para atuar nessas questões.

Dessa forma a referida lei vem frear todas as atividades econômicas que impliquem na formação de cartéis, trustes e holdings no mercado de serviços e produtos.

O artigo 20 da referida lei dispõe sobre as infrações a ordem econômica social, independente de culpa dos agentes causadores.

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III – aumentar arbitrariamente os lucros;

IV – exercer de forma abusiva posição dominante.

§ 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II.

§ 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.

§ 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.

Ao se analisar o artigo supra citado claramente pode ser notado que o legislador preocupou-se em abordar a necessidade de manutenção da livre iniciativa e da livre concorrência, em obediência aos princípios constitucionais da ordem econômica e financeira.

É necessário à nossa sociedade que as relações econômicas se desenvolvam albergadas à luz da livre concorrência, entendendo por essa como a forma de competição entre as empresas da iniciativa privada, orientando os valores de seus produtos através da equação de oferta e procura, possibilitando assim aos consumidores a oportunidade de escolha baseada na relação de qualidade e preço.

Oportunamente o artigo 21 da mesma lei, em seu inciso I, reforça a proibição da prática de uniformização de preços através de acordos entre empresas concorrentes na venda de determinados bens e serviços como é o caso das distribuidoras de combustíveis. Dispondo o seguinte texto:

Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica;

I – fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços;

Fato que deve ser observado para a configuração de conluios que objetivam a uniformização de variáveis econômicas é a necessidade de acordo expresso entre os envolvidos. Não constitui formação de cartéis as simples atitudes individuais e autônomas que influenciadas pelas necessidades de mercado acabam por convergir em atitudes semelhantes das empresas do mesmo ramo de atividade. O que deve ser observado é a ocorrência de acordos efetivos, onde as empresas combinam a variação de seus preços de forma conjunta, eliminando a concorrência de valores, acabando assim por tornar o mercado de certa região uniforme.

Nesse sentido a lei 9478/97, Lei do Petróleo, estabelece algumas funções à ANP, Agência Nacional do Petróleo, cabendo a ela, dentre outras, a função de promover o monitoramento dos preços de mercado dos combustíveis em grande parte dos municípios, e consecutivamente disponibilizar o resultado de tal monitoramento ao consumidor para que assim lhe seja possível escolher as melhores opções do mercado.

No mesmo diapasão tal pesquisa de valores auxilia diretamente a identificação de formação de cartéis das distribuidoras, que serão repassados ao CADE e a SDE, Secretaria de Direito Econômico, para que essas possam avaliar a situação e aplicar as sanções correspondentes nos casos de efetiva constatação de alinhamento de mercado.

A SDE, conforme a redação do artigo 30 da lei 8884/94 promoverá as averiguações preliminares das infrações, podendo agir por iniciativa própria, de ofício, ou através de representação escrita e fundamentada de qualquer interessado. É nesse ponto que encontramos a efetiva arma do consumidor para o controle das infrações a ordem econômica, podendo, ao sentir-se lesado por atos abusivos de alinhamento de preços, elaborar pedido à SDE para que seja aberto procedimento de averiguação para defender os interesses do consumidor.

O código de defesa do consumidor em seu artigo 6° determina os direitos básicos do consumidor, constando no inciso IV a seguinte redação:

“A proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;”

Mais uma vez fica claro que o alinhamento horizontal de preços no fornecimento de combustível constitui prática abusiva, que lesa abertamente os direitos do consumidor e à ordem econômica vigente no país.

Dessa forma resta clara a necessidade de uma fiscalização individual por parte de cada consumidor, que ao vestígio do menor sinal de abuso, dos postos de combustíveis, deve tomar medidas para que seus direitos sejam obedecidos, evitando assim que a ganância das empresas privadas afete todo o meio social em que vivemos.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Rafael Gama

 

Acadêmcio do curso de direito da Fundação Universidade Federal de Rio Grande, FURG.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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