Resumo: No presente artigo analisa-se as responsabilidades dos pais quanto aos deveres intrínsecos ao poder familiar. Assim, constata-se que diante da mudança de paradigma que envolve a família, é cada vez mais frequente a ruptura das relações conjugais, nascendo um campo fértil para omissões e abusos, quanto aos deveres parentais. Desta feita, o Direito das Obrigações tem sido frequentemente invocado na seara do Direito de Família. Essas situações exigem cautela, pois a legislação vigente possui um vasto rol de penalidades, e a pena pecuniária em nada contribui para a aproximação entre pais e filhos. Enquanto não se tem a posição da Máxima Corte (STF) acerca do assunto surgem possíveis soluções, como o projeto de Lei nº 700/2007, do Senador Marcelo Crivella, que se aprovado alterará o ECA, transformando o abandono afetivo em prática passível de punição, tanto na esfera cível como na penal.
Palavras chave: Família; Dignidade Humana; Afetividade; Abandono e Penalidades.
Abstract: In the present article analyzes the parents responsibilities according of the insight rights to family power. Thus, it can be notice that in front of the changes of the paradigm that involves the family, it is more and more frequent the rupture of the relationship between parents, among feelings of angriness and sadness, creating a fertile field for omissions and abuses, concerning to parental duties. This way, the Law of the obligations has been frequently invoked in the field of the family Law. Nevertheless, this situation requires caution, because the current legislation has a big hall of penalties and the pecuniary penalty, that don’t contribute at all to the approximation between parents and children. While there is no position from the Maxim Court (STF) concerning the issue, possible solutions arise, as the project of law number 700/2007 of Senator Marcelo Crivella that, if approved, will change the child and adolescent statute, transforming the affective abandon in a course of action possible of punishment, either in the civil sphere, as in the penal.
Keywords: Family, Human Dignity, Affection, Abandon and Penalties.
Sumário: Introdução. 1 Responsabilidade dos Pais pela Omissão aos seus Deveres Parentais. 1.1 Penalidades Previstas na Legislação Vigente. 1.2 Possibilidade de Aplicação de Pena Pecuniária. 1.2.1 Astreintes ou Multa Cível pelo Descumprimento do Dever de Visita. 1.2.2 Indenização por Abandono Afetivo/Moral. 1.2.3 Projeto de Lei nº 700/2007: “Lei Crivella”. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
As relações estabelecidas nos núcleos familiares produzem efeitos pessoais, sociais e patrimoniais, regulados pelo ordenamento jurídico, tais como o poder familiar e seus atributos, o direito e dever de alimentos e visitas, dever de mútua assistência, entre outros.
Os direitos que permeiam as relações familiares constantemente sofrem abusos ou omissões, e isso faz com que o Direito das Obrigações esteja cada vez mais presente no âmbito do Direito de Família, razão pela já existem diversas decisões responsabilizando, civilmente, os pais pela conduta omissiva quanto aos deveres inerentes ao poder familiar, por meio de penas pecuniárias. Por outro lado, existem decisões negando provimento a pedido semelhante. Diante de tal divergência, cabe ressaltar que pode ocorrer a banalização do “abandono moral”, tornando-o uma indústria indenizatória do afeto.
A questão é polêmica e controversa, motivo pelo qual os juristas devem tomar cautela e prudência ao analisar cada caso real. Deve-se sempre levar em consideração que a maioria das separações entre cônjuges e companheiros se processam em clima de ódio e vingança e a criança passa a ser utilizada como meio de afetar ao outro. Nesses casos, é comum que o genitor que detém a guarda da criança lhe transfira seus sentimentos e dificulte as visitas do outro genitor.
Nessa direção, o principal objetivo do presente trabalho é analisar a responsabilidade e as penalidades aplicáveis aos pais quanto aos deveres intrínsecos ao poder familiar e a possibilidade de responsabilização civil pelo descumprimento de seus deveres.
1 RESPONSABILIDADE DOS PAIS PELA OMISSÃO AOS SEUS DEVERES PARENTAIS
A responsabilidade dos pais é dever irrenunciável. Essa prerrogativa leva em conta a vulnerabilidade da criança e do adolescente, seres em desenvolvimento que merecem tratamento especial. Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro atribui aos pais certos deveres, em virtude do exercício do poder familiar.
A Constituição Federal, em seu artigo 227, atribui à família o dever de educar, bem como o dever de convivência e o respeito à dignidade dos filhos, devendo esta sempre primar pelo desenvolvimento saudável do menor. O artigo 229 da Constituição Federal, também atribui aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos.
Ademais, a Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do adolescente (ECA), evidenciam a existência de deveres intrínsecos ao poder familiar, conferindo aos pais obrigações não somente do ponto de vista material, mas especialmente afetivas, morais e psíquicas. Já o artigo 3º do ECA preceitua que toda criança e adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, a fim de lhes proporcionar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
A Lei 10.406/2002, o atual Código Civil brasileiro (CCB), em seu artigo 1.634, impõe entre os deveres conjugais, o de sustento, criação, guarda, companhia e educação dos filhos (1.566, IV). Já os artigos 1.583 a 1.590, do mesmo diploma, preceituam sobre a proteção dos filhos em caso de rompimento da sociedade conjugal.
Taísa Maria Macena Lima (1984, p. 31) lembra que o dever de criação abrange as necessidades biopsíquicas do filho, o que está vinculada à satisfação das demandas básicas, tais como os cuidados na enfermidade, a orientação moral, o apoio psicológico, as manifestações de afeto, o vestir, o abrigar, o alimentar, o acompanhar física e espiritualmente ao longo da vida.
Todavia, para que se concretize o processo de formação dos filhos não é necessária a coabitação com ambos os pais, desde que estes cumpram seus papéis de forma efetiva. Cláudia Maria da Silva (2004, p. 123) ressalta que os genitores, na assunção de seus papéis de pais (não somente genitores), devem cuidar para que seus encargos não se limitem ao aspecto material, ao sustento.
Dentro da nova perspectiva de direitos, surge a possibilidade do Direito de Família adentrar no campo da responsabilidade civil. “É, pois, nesse ambiente de revisão, de releitura, de amplidão da responsabilização civil nos dias atuais que se situa, inegavelmente, a possibilidade de falar de danos, na relação paterno-filial, derivados do abandono afetivo” (HIRONAKA, 2006a, p. 568-582).
A responsabilidade por omissão ou negligência repercute em responsabilidade passível de reparação para ambos os pais, inclusive para aquele que não é titular da guarda e exerce direito de visita. Maria Berenice Dias afirma que,
“a convivência dos filhos com os pais não é direito do pai, mas do filho. Com isso, quem não detém a guarda tem o dever de conviver com ele. Não é direito de visitá-lo, é obrigação de visitá-lo. O distanciamento entre pais e filhos produz seqüelas de ordem emocional e reflexos no seu desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida” (2007, p. 407).
O motivo da responsabilidade civil passar a fazer parte das demandas de família, dá-se ao fato de que o dever de assistência e convivência familiar passaram a ser encarados como um direito dos filhos, no sentido de oportunizar o seu desenvolvimento sadio.
Cláudia Maria da Silva destaca a importância da existência de mecanismos para coibir a omissão dos pais:
“Em contrapartida à relevância e imperiosidade da garantia e preservação do dever de convivência, na acepção ampla, como ora defendido, tem-se que o descumprimento deste dever importa em sérios prejuízos à personalidade do filho. Isso autoriza a imediata efetivação de medidas previstas nos diplomas legislativos pertinentes na tutela dos interesses da filiação e decorrentes da responsabilidade civil dos pais para com os filhos, sobretudo a condenação do pai pelos danos causados, como já se faz presente em nossa jurisprudência” (2004, p. 145).
Os pais que se omitirem quanto ao direito dos filhos, sobretudo, à convivência familiar, estão descumprindo com a sua obrigação legal, acarretando sequelas ao desenvolvimento moral, psíquico e socioafetivo dos filhos. Uma vez caracterizada a ofensa aos direitos fundamentais da criança, os pais ou qualquer outro que detenha a guarda de uma criança ou adolescente, estão sujeitos às penalidades de natureza preventiva e punitiva, ou ainda segundo entendimento de alguns juristas e doutrinadores, a reparação dos danos causados, mesmo que seja exclusivamente de cunho moral, com base no princípio da dignidade da pessoa humana.
1.1 Penalidades Previstas na Legislação Vigente
O Estado tem o dever e interesse em punir a omissão ou abuso dos pais no exercício do poder familiar, uma vez que é no seio da família desajustada que nasce o menor infrator, o qual será entregue à sociedade. Desta feita, fez-se necessária a previsão de mecanismos para coibir a omissão dos pais quanto aos deveres intrínsecos ao poder familiar.
Maria Helena Diniz (2007, v.5, p.516) salienta que a autonomia da família no exercício do poder familiar não é absoluta, sendo cabível, e às vezes salutar, a intervenção subsidiária do Estado. As punições para o descumprimento dos deveres intrínsecos ao poder familiar vão desde sanções administrativas até a perda do poder família.
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê pena administrativa aplicável aos pais, nos casos de descumprimento dos deveres intrínsecos ao poder familiar, bem como nas situações de abuso ou omissão quanto aos direitos fundamentais dos filhos. O Título IV, da Parte II, do ECA, prevê às medidas pertinentes aos pais ou responsáveis, apresentadas em três grupos distintos: medidas de auxílio, medidas de obrigação e medidas sancionatórias.
O rol das medidas sancionatórias pertinentes aos pais e responsáveis é a advertência, perda da guarda, destituição da tutela, perda e destituição do poder familiar, todas expressas no artigo 129 do ECA.
Maria Berenice Dias (2007, p. 378) explica que “o princípio da proteção integral de crianças e adolescentes acabou emprestando nova configuração ao poder familiar, tanto que o inadimplemento dos deveres a ele inerente configura infração suscetível à pena de multa”.
Assim, o artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê pena de multa, nos casos de omissão dos pais quanto aos seus deveres e determinações judiciais. Em conformidade com o referido preceito legal, se os pais ou detentores da guarda ou tutela, por culpa ou dolo, se descuidarem de suas responsabilidades na criação, educação, assistência, guarda e conservação de bens dos filhos, ensejar-se-á a aplicação de sanção de natureza administrativa, isto é multa que varia de três a vinte salários, podendo ser duplicada em caso de reincidência. Penalidade esta bem menos gravosa do que a perda, suspensão ou extinção do poder familiar.
Destaca-se, entretanto, que o pagamento da multa não se reverte em benefício do filho, mas sim do poder público, conforme se observa no julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“O valor da pena pecuniária tem de ser revertido ao fundo municipal dos direitos da criança e do adolescente. As multas e penalidades eventualmente impostas no âmbito das Varas da Infância e da Juventude devem ser revertidas ao Fundo Municipal da Infância e da Juventude, como prevê o artigo 214 do ECA.” (REsp. nº 512145, Relator: Ministro José Arnaldo Fonseca, 2003).
O ECA em seus artigos 22 e 24 acrescentam hipóteses de suspensão e perda do poder familiar, em caso de descumprimento dos deveres de guarda, sustento e educação, bem como as determinações judiciais. Conforme destaca Arnaldo Rizzardo (2006, p.614) “o sustento, a guarda e a educação constituem obrigações básicas e fundamentais, não podendo se olvidarem os pais. De acordo com a gravidade ou intensidade da falta decidirá o juiz pela suspensão ou perda do encargo”.
A punibilidade dos pais, com a perda do poder familiar deve ser aplicada subsidiariamente, independente de falta de condições financeiras, pois a falta de recursos por si só não pode ser alegado para retirar um filho do seio de sua família.
O Código Civil também prevê penalidades aos pais faltosos que vão desde a suspensão até a destituição do poder familiar, sendo exceção a prisão civil nos casos do inadimplemento da pensão alimentícia aos filhos, prevista no artigo 733 do Código de Processo Civil.[1]
A legislação civil regulamenta os casos em que deve ser aplicada a penalidade de perda do poder familiar, quando os pais castigam imoderadamente os filhos, deixando-os em abandono, praticarem atos contrários à moral e aos bons costumes ou incidirem, reiteradamente, nas faltas (art. 1.638 do CC).
Já as causas de extinção do poder familiar estão previstas no Código Civil em seu artigo 1.635, que são pela morte dos pais, pela emancipação do filho, pela maioridade, pela adoção e por decisão judicial. Também pode ocorrer em virtude de decisão judicial que decreta a perda do poder familiar em decorrência de alguma das hipóteses arroladas no Código Civil, no artigo 1.638, conforme analisado anteriormente.
Além disso, as penalidades previstas no Código Penal dizem respeito ao abandono material e intelectual dos filhos, previstos nos artigos 244 a 246 do referido diploma legal. Arnaldo Rizzardo (2006, p.614) informa que no Direito Penal também aparecem situações de perda do poder familiar: “desde que o pai estupre a filha ou corrompa o filho, ou instigue-os a praticarem crimes, como os de furto ou receptação, não merece exercer o poder familiar, cabendo a destituição. Trata-se de pena acessória, prevista no artigo 92, II do Código Penal”.
As penalidades que visam retirar o menor do convívio familiar devem sempre ser medidas excepcionais, aplicadas em casos extremos, em que não exista outra possibilidade de punição aplicável, com vistas ao prejuízo físico e psicológico que a convivência com pais desajustados poderá acarretar aos filhos.
1.2 Possibilidade de Aplicação de Pena Pecuniária
Entre os principais deveres dos pais em relação à sua prole, está o dever de companhia e convivência, pois conforme já enunciado, será através das experiências diárias que os filhos formarão sua personalidade, devendo ser o lar um ambiente harmonioso, para não acarretar danos ao desenvolvimento psíquico dos filhos.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2006b, p. 136) afirma não ser obrigatório que a função paterna e materna sejam desempenhadas exclusivamente pelo pai e pela mãe, de forma respectiva, podendo ambos ou um só deles desempenhar ambas as funções ou ainda, que terceiros desempenhem estas mesmas funções, como é o caso de um tio, um avô, uma avó, uma irmã etc.
A mesma autora lembra ainda que quando ocorre a dissolução da sociedade conjugal ou, nos casos em que o pai nunca coabitou com o filho, a distância e o descumprimento dos deveres de sustento, educação e companhia são mais constantes e visíveis, pois a separação configura um campo fértil para a ocorrência do abandono afetivo por parte do genitor não guardião.
Rolf Madaleno preceitua que nesses casos há a possibilidade de reparação de danos,
“quando a frustração das visitas decorre da rejeição afetiva do progenitor não convivente, causando sofrimento ao descendente que se sente diminuído e menosprezado por quem tinha a missão legal e moral de promover o seu sadio desenvolvimento psíquico, sem qualquer sombra de dúvida, que deve concorrer para com o ressarcimento financeiro pelo dano moral causado na estima do seu filho menor” (2006, p. 166).
Importante lembrar que a legislação civil preceitua prisão civil nos casos de negativa do pai ou da mãe ao pagamento da pensão alimentícia, já nos casos de maus tratos, abuso ou violência, pode ocorrer à destituição do poder familiar e também a condenação penal. Neste diapasão, cabe o questionamento: qual a penalidade prevista no ordenamento jurídico aos pais que descumprirem com o dever de convivência e companhia e deixarem de visitar os filhos, negando-lhes amparo afetivo e moral?
Rodrigo da Cunha Pereira (1999, p. 582) ressalta que o abandono moral, psíquico e afetivo, a não-presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa a lei, o limite, segurança e proteção, ainda é uma das maiores infrações no cumprimento dos deveres parentais.
Nesse sentido, alguns magistrados optam por aplicar penalidades pecuniárias a reverter-se em benefício dos filhos. Assim, é o caso da fixação de astreintes, como meio de forçar o cumprimento do direito-dever à convivência familiar, através de obrigação de fazer, ou ainda, nos casos em que não há mais a possibilidade de restabelecer a convivência, o deferimento do pleito à reparação de dano, em virtude do abandono afetivo.[2]
1.2.1 Astreintes ou Multa Cível pelo Descumprimento do Dever de Visita
O termo astreinte denomina a multa coercitiva aplicada pelo magistrado com base nos artigos 644 e 461 do Código de Processo Civil ao descumprimento de obrigação de fazer. Redações estas acrescidas ao Código de Processo Civil, através da Lei nº 10.444 de 2002.Assim, o caráter da multa coercitiva é destinada a impor o cumprimento de determinada obrigação. “A astreinte como medida de coerção, verdadeira técnica de tutela, isto é, meio à disposição do magistrado para alcançar a tutela dos direitos do autor” (AMARAL, 2004, p. 132).
Rolf Madaleno explica a utilização das astreintes nas questões de família após a reforma do Código de Processo Civil:
“Na sistemática anterior às últimas reformas processuais, a pena pecuniária só era aventada no pressuposto de descumprimento da sentença ou da decisão homologatória de acordo que previsse expressa cominação de multa, e a sua utilização no Direito de Família era tímida e nada profícua. Revista a estrutura processual de aplicação das astreintes, e municiado o decisor de técnica modernas de constrição de vontade, atuando sobre a mente, o bolso e até sobre o corpo do devedor, com apoio no artigo 5º, inciso LXVII da Constituição Federal, as sanções cominatórias revelaram-se um instrumento a serviço da maior excelência e afetividade do processo familista, disponibilizando às partes e ao juiz, mecanismo processual capaz de vencer desavenças afetivas, que debitam de um lento processo, e na contumaz desobediência ao comando judicial, o imensurável custo financeiro e psicológico da irreversível ruptura de um amor” (2002).
Mesmo havendo a possibilidade de ocorrer o abandono por parte do pai ou da mãe, ou ainda, por parte dos dois, na maioria dos casos trata-se de abandono paterno, pois o homem só parece afetar-se com suas responsabilidades paternas quando, dentro de uma relação afetiva estável com sua companheira, ele, diretamente, assume o filho como seu, sendo ele biológico ou afetivo. Nelsinha Elizena Damo Comel (2003) complementa que do contrário, ele parece não sentir responsabilidade alguma.
Após a separação conjugal pode haver dois problemas em relação à convivência do pai ou da mãe não guardião. Primeiro, pode ocorrer a negativa do genitor não guardião em visitar o filho, deixando-o em situação de abandono afetivo-moral. Já a outra hipótese seria no caso do guardião impedir ou obstar o direito-dever do outro genitor em visitar o filho, frustrando o direito tanto do pai como do filho de continuar com uma convivência saudável, mesmo sem coabitação. Nesta perspectiva, Maria Berenice Dias explica que além do trauma que a separação pode acarretar aos filhos, os pais podem agravar as consequências fazendo com que ocorra o fenômeno, no qual ela denomina, Síndrome da Alienação Parental:
“Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, o que faz surgir um desejo de vingança: desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. O filho é utilizado como instrumento de agressividade – induzindo a odiar o outro genitor. Trata-se de verdadeira campanha de desmoralização. A criança é induzida a afastar-se de quem ama e de quem também a ama. Isso gera contradição de sentimento e destruição do vínculo entre ambos” (2007, p. 409).
O egoísmo dos pais durante a fase da separação afeta diretamente os filhos, uma vez que não conseguem deixar de lado suas mágoas e priorizar o bem estar psíquico dos filhos. Nesse sentido, o Deputado Regis Fernandes de Oliveira propôs projeto de lei[3] a fim de coibir a prática da alienação parental por parte dos pais. O Deputado justifica sua proposta nos seguintes termos:
“A alienação parental é prática que pode se instalar no arranjo familiar, após a separação conjugal ou o divórcio, quando há filho do casal que esteja sendo manipulado por genitor para que, no extremo, sinta raiva ou ódio contra o outro genitor. […] A alienação parental merece reprimenda estatal porquanto é forma de abuso no exercício do poder familiar, e de desrespeito aos direitos de personalidade da criança em formação. Envolve claramente questão de interesse público, ante a necessidade de exigir uma paternidade e maternidade responsáveis, compromissadas com as imposições constitucionais, bem como com o dever de salvaguardar a higidez mental de nossas crianças.” (PL, 4053, 2008)
No intuito de coibir a negligência dos pais que se omitem ou dificultam a visitação ao filho, deixando-o em situação de abandono, vê-se a possibilidade de impor o cumprimento de seus deveres, valendo-se das regras do direito das obrigações, mais especificamente, na medida judicial que impõe obrigação de fazer e não fazer.
Nessa senda, o Juiz da 3ª Vara de Família de Ribeirão Preto, São Paulo, José Duarte Neto, condenou um pai ao pagamento de multa de setenta e cinco reais a cada visita que deixar de fazer à filha, que mora com a mãe, atual guardiã. As visitas, segundo o Juiz, devem ocorrer a cada quinze dias. Em sua defesa, o pai alegou que não comparecia à casa da filha porque sempre que fazia as visitas era agredido pela ex-mulher. Quando proferiu a sentença, o juiz afirmou que as Varas de Família consideram a visita do pai ao filho, em primeiro lugar, um direito da criança, e não do pai (JUSTIÇA…, 2007).
Caroline Said Dias (2008) pontua que o direito não possui instrumentos capazes de obrigar um pai ou mãe a amar os filhos, mas que possui indubitavelmente, instrumentos a fim de disciplinar pais e mães que amam os filhos para que possam exercer o poder parental da maneira mais adequada, sem haver abusos ou omissões.
Rolf Madaleno (2002, p. 542) manifesta-se contrário à pena pecuniária para obrigar o cumprimento das visitas, pois segundo ele, as astreintes não têm mais nenhum propósito de compelir o restabelecimento do amor, já desfeito pelo longo tempo transcorrido diante da total ausência de contato e de afeto paterno ou materno, todavia deve ser utilizada contra o genitor que obstrui o exercício do direito de visitas como medida preventiva.
1.2.2 Indenização por Abandono Afetivo/Moral
Os pedidos de reparação de danos na relação paterno-filial têm como fundamento principal o direito à convivência familiar, dever de vigilância e educação. O dano causado em virtude da ofensa à dignidade humana da pessoa do filho poderá ser passível de reparação por ofensa ao direito da própria personalidade. Desta feita, pode o pai ser condenado a indenizar o filho pelo dano que lhe causou ao ignorar sua existência.
A ausência dos pais acarreta dano à personalidade dos filhos de acordo com Ana Carolina Brochado Teixeira:
“A conduta de um genitor ausente, que não cumpre as responsabilidades intrínsecas ao poder familiar, enquadra-se perfeitamente entre os atos ilícitos, tendo ele descumprido seus deveres parentais perante o filho, inerentes ao poder familiar, esculpidos nos arts. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, 1.566, IV, 34 e 1.634, I e II, do CCB/02” (2005, p.152).
Maria Berenice Dias ensina que quando há omissão dos pais, em relação ao cumprimento dos deveres decorrentes do exercício do poder familiar, deixando de cumprir o dever de companhia, acarretam danos emocionais aos filhos, merecendo estes serem reparados. Mas nesses casos, o dano deve ser comprovado através de estudos interdisciplinares:
“A falta da figura do pai desestrutura os filhos, tirando-lhes o rumo da vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras e infelizes. Tal comprovação facilitada pela interdisciplinariedade, a cada vez mais presente no âmbito do direito de família tem levado o conhecimento da obrigação indenizatória por dano afetivo. Ainda que a falta de afetividade não seja indenizável, o reconhecimento da existência deve servir, no mínimo, para gerar o comprometimento do pai com o pleno e sadio desenvolvimento do filho. Não se trata de impor um valor ao amor, mas reconhecer que o afeto é um bem muito valioso” (2007, p. 407-8).
Percebe-se a importância dos laudos técnicos a fim de provar o dano e sua extensão. Exige-se uma postura mais humana por parte dos juristas, passando a decidir com base em um contexto probatório. “Assim quando postas à apreciação do judiciário, questão tão delicada, se faz necessário que o Direito se valha de um intercambio interdisciplinar com outros ramos da ciência, a fim de tentar, para além de solucionar a lide, estabelecer a verdade do que é a relação paterno-filial” (FURTADO, 2002, p. 16).
Atualmente, é comum pedidos de indenização chegarem às portas do judiciário e, por isso, surgiram algumas decisões condenando pais que, independentemente de ter cumprido o ônus alimentar, faltaram com o dever de assistência moral aos seus filhos, fazendo-se ausentes e, por consequência, não prestaram a devida assistência afetiva e amorosa durante o desenvolvimento da criança, ferindo sua dignidade.
Por tratar-se de assunto novo, e não haver unanimidade no entendimento, o tema tem gerado polêmica. Leonardo Castro afirma que
“diferentemente de outras matérias complexas e sem precedentes que vêm surgindo nos Tribunais, em casos de abandono exclusivamente afetivo não tem havido ‘pisar em ovos’ durante os julgamentos. As correntes são sempre defendidas com unhas e dentes, já havendo registros de debates grandiosos entre os membros de certas Cortes” (1999, p. 15).
Por serem situações pioneiras, necessariamente os magistrados devem ter muita cautela, ao julgarem, analisando cada caso em separado, para que não se transforme o judiciário em um instrumento de vingança pessoal. Isso é evidenciado nas palavras de Cavalieri Filho:
“[…] mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no transito, entre amigos e até no âmbito familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do individuo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais dos aborrecimentos” (2004, p. 98).
O Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul chama a atenção pela decisão de vanguarda, sendo que a primeira corte a se pronunciar sobre o assunto foi da Comarca de Capão da Canoa, em decisão proferida pelo juiz Mário Romano Maggioni, condenando um pai por abandonar moralmente sua filha, ao pagamento de uma indenização, a título de danos morais, correspondente a duzentos salários mínimos, em sentença transitada em julgado em agosto de 2003.
Maggioni pontuou que o pagamento pecuniário não irá reparar, na totalidade, o mal que a ausência do pai causou, mas amenizará a dor e dará condições para que se busque auxílio psicológico e outros confortos para compensar a falta do pai. Enquanto a pena ao pai será no sentido de lhe fazer pensar sobre a função de pai e afirma: “fa-lo-á repensar sua função paterna ou, ao menos, se não quiser assumir o papel de pai que evite ter filho no futuro” (TJRS, Ação Indenizatória nº 141/1030012032-0, Relator: Mario Romano Maggiono, 2004, p. 149).
Corrobora esse entendimento a colocação de Álvaro Villaça Azevedo:
“O descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença” (2004, p.14).
Leonardo Castro (1999, p. 15), por sua vez, afirma que: “na dúvida é melhor indenizar sob risco de injusto ainda maior. Nesse caso, o dever de reparar deixa a classe extraordinária da valorização aos danos reais e relevantes e passa a ser um relês prêmio de consolação. Infelizmente”.
Desta forma, Maria Berenice Dias lembra que se cada caso for decidido com cautela,
“a indenização por abandono afetivo poderá converter-se em instrumento de extrema relevância e importância para a configuração de um direito das famílias mais consentâneo com a contemporaneidade, podendo desempenhar papel pedagógico no seio das relações familiares. Claro que o relacionamento mantido sob pena de recompensa financeira não é a forma mais correta de se estabelecer um vínculo afetivo. Ainda assim, mesmo que o pai só visite o filho por medo de ser condenado a pagar uma indenização, isso é melhor do que gerar no filho o sentimento de abandono” (2007, p.409).
No ano de 2004, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também se pronunciou sobre o polêmico tema. A Corte reconheceu o direito à indenização por danos morais, no valor de oitenta salários mínimos, a um rapaz, em virtude de seu padrasto ter lhe movido uma ação negatória de paternidade, buscando desconstituir registro de nascimento.
O padrasto convivia com a mãe do autor da ação desde sua gravidez e após seu nascimento assumiu, espontaneamente, a paternidade, registrando-o, mesmo sabendo não ser o pai biológico. Ocorre que, anos depois, ao romper a relação com a mãe ingressou com ação de negativa de paternidade, no intuito de alterar o registro de nascimento.
O autor da ação argumenta ter sofrido violento abalo psicológico, por ter sido exposto à situação vexatória, além de ter se submetido à realização de exame de DNA. Não obstante, o Tribunal de Justiça, acolhendo o voto da Relatora, condenou o padrasto ao pagamento de indenização nos seguintes termos: “não é difícil imaginar a tortura psicológica por que passou o apelante, premido pelas sucessivas negativas de paternidade daquele a quem conheceu como pai”. (TJRS, Apelação Cível nº 70007104326, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, 2004).
A Relatora considerou a atitude do padrasto “contrária aos princípios mais comezinhos da ética”, na exata medida em que o mesmo deveria ter avaliado melhor a questão, pois, o enteado tinha o direito a ter sua dignidade e privacidade respeitados e inviolados.
Também há corrente doutrinária e jurisprudencial defendendo a reparação do dano psíquico causado ao filho destituído de afeto, através de condenação ao pagamento de eficaz tratamento psicológico ou psiquiátrico, para restituir a saúde emocional do filho abandonado. Com esta atitude estaria sendo acolhida a tese de reparação pelo uso abusivo de um direito, mas, em contrapartida, estaria sendo evitada a mercantilização do afeto (COSTA, Maria Isabel, 2005).
Em consonância com essa corrente segue a decisão do juiz da 31ª Vara Cível de São Paulo, Luis Fernando Cirillo, que condenou um pai a indenizar sua filha em virtude de danos morais, no montante aproximado de cento e noventa salários mínimos, reconhecendo que a “paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além da guarda, portanto, independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia”. (TJSP, Ação Indenizatória nº 01.036747-0, Relator: Luiz Fernando Cirillo, 2004, p. 151-160).
A perita responsável concluiu no processo que a filha apresentava conflitos de identidade, devido ao abandono, uma vez que seu pai não demonstrava afeto nem interesse por seu estado emocional, precisando de cuidados médicos e psicológicos por longo tempo para amenizar as sequelas do abandono. O magistrado julgou parcialmente procedente a pretensão da autora, afirmando que o laudo pericial demonstrava que havia a necessidade de tratamento psicológico de forma continuada e que a quantia de cinquenta mil reais era suficiente para proporcionar à autora um benefício econômico relevante, ao mesmo tempo em que infligiu ao réu uma perda patrimonial significativa.
Não obstante, existem doutrinadores e juristas que se posicionam contrários à reparação de danos mediante indenização, em consequência da falta de afeto e convivência familiar. Eles temem que o pai condenado à pena pecuniária por sua ausência, será um pai que jamais se aproximará daquele rebento, em nada contribuindo pedagogicamente o pagamento da indenização para restabelecer o amor e a convivência harmoniosa. (COSTA, Maria Aracy, 2005).
Segue na mesma linha de pensamento o Desembargador Geraldo Augusto, o qual repele a reparação de danos, em virtude do abandono paterno, nos seguintes termos: “O abandono afetivo do pai em relação ao filho não enseja o direito à indenização por dano moral, eis que não há no ordenamento jurídico obrigação legal de amar ou de dedicar amor”. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0702.03.056438-0/001(1), Relator: Des. Geraldo Augusto, 2007).
Diante de uma diversidade de posicionamentos e discussões fervorosas sobre o assunto, foi solicitado o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, através de Recurso Especial. A ação foi julgada improcedente pela 19ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, afastando a possibilidade de indenização. Foi, entretanto, interposta apelação à sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais que deu provimento à demanda, condenado o pai ao pagamento de quarenta e quatro mil reais, pois, entendeu-se que estava configurado nos autos o dano sofrido pelo autor, bem como a conduta ilícita do genitor, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio com o filho e com ele formar laços de paternidade.
O pai recorreu da decisão, interpondo Recurso Especial contra o acórdão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais para o Superior Tribunal de Justiça. O recurso foi conhecido e provido pela Turma, afastando a obrigação de indenizar, por maioria de votos.
Em seu voto o Ministro César Asfor Rocha assim se manifesta:
“Penso que o Direito de Família tem princípios próprios que não podem receber influências de outros princípios que são atinentes exclusivamente ou – no mínimo – mais fortemente – a outras ramificações do Direito. Esses princípios do Direito de Família não permitem que as relações familiares, sobretudo aquelas atinentes a pai e filho, mesmo aquelas referentes a patrimônio, a bens e responsabilidades materiais, a ressarcimento, a tudo quanto disser respeito a pecúnia, sejam disciplinadas pelos princípios próprios do Direito das Obrigações. […] Com a devida vênia, não posso, até repudio essa tentativa, querer quantificar o preço do amor. Ao ser permitido isso, com o devido respeito, iremos estabelecer gradações para cada gesto que pudesse importar em desamor: se abandono por uma semana, o valor da indenização seria “x”; se abandono por um mês, o valor da indenização seria “y”, e assim por diante” (STJ, REsp. 757411, Relator: Ministro Fernando Gonçalves, 2006).
O Superior Tribunal de Justiça decidiu que não há como obrigar um pai a amar seu filho, e a indenização em nada contribuiria para a reaproximação dos dois. Dessa forma, os julgadores repudiaram a tentativa de quantificação do amor. O autor não satisfeito da decisão recorreu ao Supremo Tribunal Federal. Deste momento em diante foi deixado para o STF decidir, pela primeira vez na história, se é possível atribuir preço ao afeto e impor convivência entre pais e filhos. (REsp, 567164, Relatora: Ministra Ellen Gracie, 2008).
A análise do presente Recurso Especial ficou ao arbítrio da Ministra e Relatora Ellen Gracie, sendo que no dia 14 de maio de 2009 negou o seguimento do feito:
“[…] Para a ministra Ellen Gracie, o caso “não tem lugar nesta via recursal considerados, respectivamente, o óbice da Súmula 279, do STF, e a natureza reflexa ou indireta de eventual ofensa ao texto constitucional”. Ao citar parecer da Procuradoria Geral da República, a ministra asseverou que conforme o Código Civil e o ECA, eventual lesão à Constituição Federal, se existente, “ocorreria de forma reflexa e demandaria a reavaliação do contexto fático, o que, também, é incompatível com a via eleita”. Dessa forma, a ministra Ellen Gracie negou seguimento (arquivou) ao recurso extraordinário” (NÃO…, 2009).
Em virtude da ausência de posicionamento do STF, a fim de pacificar o entendimento, vem tornando-se crescente a demanda de processos tendo como objeto o dano moral na relação paterno-filial.
Recentemente, o Ministério Público de Uberlândia, Minas Gerais, representado pelo Promotor de Justiça Epaminondas Costa, propôs uma ação civil pública contra uma família que devolveu uma criança, sem justificativas, cerca de sete meses após protocolarem pedido de adoção. O processo teve início em 15 de maio de 2009 e a notícia foi veiculada pela imprensa no dia 27 de maio do mesmo ano. Vejamos:
“[…] O MPE também requereu liminar exigindo o pagamento de pensão alimentícia até a criança completar 24 anos, além de indenização de 100 salários mínimos, a ser paga pelos pais adotivos.[…] No dia 1º de fevereiro, a guarda provisória foi concedida. Menos de um ano depois, em 29 de setembro de 2008, a criança foi devolvida pelo casal. “O abandono acarretou problemas para a criança, pois, conforme mostram os relatórios apresentados pelo promotor de Justiça, pôde-se perceber que, além do sofrimento emocional evidente em relação à decisão de retorno ao abrigo, a criança se mostra perdida e confusa, principalmente com relação à sua identidade, referindo-se a si própria ora pelo seu nome legal, ora pelo nome dado pelo casal adotivo, a quem se refere como seus pais”, cita ainda a nota do MPE. “Distúrbios carenciais”, fazendo com que a criança fique hostil, agressiva, e “descrente de relacionamentos”. Além disso, ela pode apresentar problemas de aprendizagem” (MP…, 2009).
O caso sob égide, mesmo que de forma diferenciada dos demais analisados, trata-se de caso de abandono moral/afetivo. Claro que por ser uma ação pioneira, não existem estudos doutrinário e jurisprudencial acerca do tema, mas certamente utilizou-se de uma interpretação extensiva do abandono afetivo/moral na relação paterno-filial.
1.2.3 Projeto de Lei nº 700/2007: “Lei Crivella”
Em virtude da diversidade de entendimentos e da polêmica que o tema tem gerado, o senador Marcelo Crivella, pretendendo solucionar o problema do desamor na relação paterno-filial, elaborou um projeto de lei, que se aprovado, poderá responsabilizar civil e penalmente pais que deixarem de prestar aos filhos menores de 18 anos assistência moral, seja por falta de convívio, seja pela negativa de visitação periódica (CASTRO, 2008).
Se aprovado o Projeto de Lei em análise, os artigos 5º, 22 e 24 do ECA passam a vigorar nos seguintes termos:
“Art. 5º. […] Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de abandono moral. (NR)
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda, convivência, assistência material e moral e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais (NR).
Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que aludem o art. 22. (NR)” (grifos nossos) (BRASIL, Projeto de Lei…, 2008).
Além disso, o ECA passará a vigorar acrescida do seguinte artigo:
“Art. 232-A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social.
Pena – detenção, de um a seis meses.” (BRASIL, Projeto de Lei…, 2008).
Em justificativa ao Projeto de Lei, o autor, senador Crivella, argumentou que alguns tribunais começaram a condenar pais por essa negligência, mas há decisões contrárias, o que gera insegurança jurídica, sendo facilmente superada por intermédio da lei, que não deixaria dúvidas quanto ao dever maior dos pais.
O Senador entende que a simples proximidade física entre pai e filho suprime o abandono afetivo. Todavia, ações dessa espécie buscam punir o desprezo afetivo e não o abandono por si só. Além de indenização e prisão, o projeto prevê a destituição do poder familiar na hipótese do abandono moral.
Leonardo Castro comenta a Proposta do Senador:
“Para o senador, a simples proposta de alteração é vantajosa, pois a redação está de acordo com a ideologia religiosa que defende em sua igreja – muito importante para quem possui o eleitorado formado por evangélicos –, e lhe rende espaço na mídia. Dois coelhos em uma cajadada só. Todavia, se o senador sonha, realmente, em ver o problema resolvido de forma milagrosa, sugiro que siga as palavras do seu colega de IURD, bispo Renato Maduro: “A desestrutura familiar em muitos lares é fato – através da fé, há solução para qualquer problema.” Confie em sua fé e em seu bom senso, Crivella. Meia dúzia de novos artigos não resolverá a polêmica” (CASTRO, 2008).
O Projeto de Lei em estudo foi protocolado em 06 de dezembro de 2007 está desde o dia 07 de dezembro de 2007 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. No dia 12 de maio de 2009 foi para a Secretaria Geral da Mesa para ser encaminhado ao Plenário. Contudo, no dia 18 de maio de 2009 a matéria já estava em posse da Relatoria, tendo sido distribuída ao Senador Valdir Raupp para emissão de relatório.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No ordenamento jurídico atual existem vários dispositivos que evidenciam a existência do direito-dever dos pais de cuidar e proteger seus filhos, não apenas em seu aspecto físico, mas também psíquico e moral.
Diante dos deveres dos pais em relação à prole, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de um vasto rol de penalidades aplicáveis nos casos de omissões dos mesmos e nesse sentido os operadores do Direito deverão analisar os casos concretos com cautela, priorizando a convivência familiar sempre que possível, aplicando apenas de forma subsidiária, as penas que visam retirar o menor do seio da família.
Desta forma, na maioria das vezes, a penalidade que se revela mais adequada, nos casos de infração de menor gravidade, é a penalidade prevista no ECA, art. 249, que consiste na aplicação de multa. A referida multa pode ser aplicada por analogia aos casos de abandono afetivo, uma vez que visa coibir a prática omissiva dos pais de forma reiterada, possuindo um caráter pedagógico, além de evitar a monetarização da relação paterno-filial, pois ao contrário das astreintes e da reparação de dano pelo abandono afetivo, a multa prevista no artigo 249 reverte-se em benefício do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente e não em benefício do filho.
Não obstante, pode-se perceber que a legislação enfatiza de forma imperiosa a importância da função dos pais na formação da pessoa dos filhos, futuros cidadãos, dotados de dignidade. Todavia, se a ausência injustificada do pai ou da mãe origina evidente dor psíquica e consequentemente prejuízos à formação da criança, caracteriza-se o dano, causado através da omissão e infração aos deveres de assistência moral e proteção, impostos pelo poder familiar, podendo ser reparado por meio de indenização ou pagamento de tratamento psíquico eficaz , a fim de restituir a saúde emocional do filho abandonado.
Existem inúmeros debates acerca do assunto, alguns juristas alegam que o pai cumprindo com o pagamento da pensão alimentícia estaria cumprindo com todas as suas obrigações paternas, preenchendo inclusive o abandono sentimental. As correntes doutrinárias que contrariam a possibilidade de indenização por abandono afetivo trazem como argumento a monetarização do afeto. Igualmente afirmam que não faria com que o pai, arrependido, buscasse a reaproximação com o filho, acabando por afastá-los ainda mais.
Essas novas demandas judiciais levaram o Superior Tribunal de Justiça a se pronunciar sobre o tema e, após analisar o caso, entendeu não haver a possibilidade de indenização por abandono afetivo-moral. No entanto, ainda não se tem o posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto.
Nesse diapasão, o Senador Marcelo Crivela aspira solucionar a diversidade de entendimentos através do Projeto de Lei sob nº 700/2007, que visa alterar o ECA, transformando a omissão dos pais quanto a assistência moral e convivência familiar em conduta punível tanto na esfera civil como na penal, prevendo penas de indenização, prisão e destituição do poder familiar. O que parece uma medida exagerada e desnecessária acarretando apenas no acúmulo de leis sem a efetiva aplicação, uma vez que o ordenamento jurídico, conforme analisado, conta com um vasto rol de penalidades passíveis de aplicação nos casos de abandono afetivo.
Contudo, os operadores do Direito devem ter cautela na averiguação da penalidade mais adequada a ser aplicada em cada caso, priorizando os direitos fundamentais dos filhos, especialmente a convivência familiar e obstando a monetarização das relação afetivas.
Mestre em Desenvolvimento pela UNIJUÍ, Professora do curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul/UCS
Advogada, Funcionária Pública, Mestranda em Ambiente e Desenvolvimento pela UNIVATES
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