Resumo: O presente artigo tem por objetivo
analisar a proteção aos direitos humanos das mulheres por parte do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, tendo como direção a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, aprovada
pela ONU em 1979, e os princípios por ela inaugurados. É importante lembrar que tal documento se
constitui no primeiro tratado internacional a dispor de maneira ampla sobre os
direitos humanos das mulheres, tendo como instrumentos o Comitê sobre a
Eliminação da Discriminação das Mulheres (CEDAW, sigla em inglês) e o Protocolo
Adicional à Convenção já mencionada. Nesse sentido, a Convenção e seus
instrumentos serão analisados, de modo a suscitar aspectos relevantes para o
debate em curso, bem como algumas modificações ocorridas na legislação
brasileira.
Indicadores: Direitos
humanos das mulheres; ONU; CEDAW; Comitê CEDAW; Protocolo Facultativo; Estado
Brasileiro.
1. Introdução
O Direito Internacional dos Direitos
Humanos (DIDH) consolidou-se logo após as barbáries cometidas durante a 2ª
Guerra Mundial, como ramo distinto do Direito Internacional, pois os chefes de
Estado atentaram para a importância de buscar erradicar a violação aos direitos
dos humanos. Com isso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada
pela Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948. Nas
últimas décadas, têm-se considerado os direitos humanos das mulheres como
categoria integrante do DIDH. Nota-se, portanto, uma evolução, na medida em que
houve, no decorrer da história da humanidade, uma realidade de exclusão da
mulher dos diversos espaços, em que era tratada como o segundo sexo[1].
Tal situação vem mudando ao longo das décadas. A ONU declarou o período de
1976-1985 como a Década da Mulher. Nesse período, muitas pessoas do mundo
inteiro se uniram no intuito de formular propostas a instituições e órgãos
responsáveis pelos assuntos relacionados aos Direitos Humanos. Foi nesse
contexto que a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher (Convenção da Mulher ou CEDAW) foi aprovada pela Assembléia
Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979 mediante a Resolução A-34-180, tendo
entrado em vigor em 3 de setembro de 1981[2].
É importante lembrar que o Estado
Brasileiro assinou a CEDAW no dia 31 de março de 1981[3]
e ratificou-a em 1° de fevereiro de 1984[4],
oferecendo reservas ao artigo 15, parágrafo 4º, ao artigo 16, parágrafo 1º, alíneas
“a”, “c”, “g” e “h” e ao artigo 29. As reservas aos artigos 15 e 16 foram
retiradas em 1994, pois estavam incompatíveis com a legislação brasileira,
então pautada pela assimetria entre os direitos do homem e da mulher. A reserva
ao artigo 29, que não se refere a direitos substantivos, é relativa a disputas
entre Estados Partes quanto à interpretação da CEDAW e continua vigorando.
Quanto ao Protocolo Adicional à CEDAW, o Brasil se tornou parte em 2002.
O presente trabalho tratará a
questão do DIDH sob a ótica dos direitos das mulheres. Como direção,
utilizar-se-á a Convenção da Mulher (Convention
on the Elimination of All Forms of Discriminations Against Women – CEDAW[5])
e o Protocolo
Adicional do referido tratado.
O objetivo deste estudo é compreender
a CEDAW sob um prisma particular na proteção internacional dos direitos humanos.
Tendo evoluído bastante no que concerne à conscientização do combate à
discriminação contra as mulheres, atualmente, 185 países são Estados Partes, ou
seja, mais de 90% dos componentes das Nações Unidas[6].
Especificamente, será contextualizado o surgimento da CEDAW, especificando-se
os seus dispositivos mais importantes a exemplo do Comitê CEDAW, que tem por
função primordial supervisionar o cumprimento efetivo do tratado nos diversos
Estados Partes e o Protocolo Adicional, bem como as recomendações enviadas ao
Estado Brasileiro e as mudanças na legislação interna.
2. A CEDAW
O Sistema Global de Proteção aos
Direitos Humanos é encabeçado pela Declaração Universal dos Direitos dos Homens
de 1948, seguida pelos Pactos de 1966 e pelas demais Convenções de Direitos
Humanos. A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação
contra as Mulheres (Convenção da Mulher ou CEDAW) constitui-se em tratado
bastante recente, já que data de 1979. O seu texto não foi o primeiro que
tratou dos direitos da mulher aprovado pela ONU, pois antes já existiam tratados
referentes aos direitos da mulher casada, dos direitos civis e políticos e do
tráfico de mulheres.
Desse modo, a CEDAW foi idealizada a
partir de 1946, quando a Assembléia Geral da ONU instituiu a Comissão sobre o Status da Mulher (CSW, sigla em inglês)
para estudar, analisar e criar recomendações de formulação de políticas aos
diversos países signatários do referido tratado, vislumbrando o aprimoramento
da situação. A Comissão sobre o Status
da Mulher, no período 1949 a
1962, fez muitos estudos sobre a situação das mulheres no mundo, o que deu
origem a vários documentos, dentre os quais se podem mencionar: Convenção dos
Direitos Políticos das Mulheres (1952), Convenção sobre a Nacionalidade das
Mulheres Casadas (1957), Convenção sobre o Casamento por Consenso, Idade Mínima
para Casamento e Registro de Casamentos (1962). Em 1967, a Comissão sobre o Status da Mulher se empenhou para
elaborar a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, que
se constituiu num instrumento legal de padrões internacionais que articulava
direitos iguais de homens e mulheres. Entretanto, não se efetivou como tratado,
pois não estabeleceu obrigações aos Estados signatários.
A ONU declarou o período 1976-1985
como a Década da ONU para a Mulher. Foi nessa época que muitas militantes
feministas se reuniram em vários espaços e formularam propostas referente aos
Direitos Humanos, buscando incluir questões específicas para as mulheres.
Nessa conjuntura foi aprovada a
CEDAW pela Assembléia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979 e entrou em vigor
em 3 de setembro de 1981, entendendo que as pessoas do sexo feminino seriam
alvo de várias maneiras de discriminação por parte da sociedade global. A CEDAW
é constituída por um preâmbulo e trinta artigos. Vale mencionar que dezesseis
artigos versam sobre direitos substantivos que devem ser protegidos, respeitados,
garantidos pelos Estados Partes. No seu artigo 1°, a CEDAW conceitua o termo
“discriminação contra a mulher”:
“Para fins
da presente Convenção, o termo “discriminação contra mulheres” significa
qualquer distinção, exclusão ou restrição feitas com base no gênero que tem o
efeito ou propósito de prejudicar ou invalidar o reconhecimento, gozo ou
exercício pelas mulheres, independentemente do seu estado civil, em base de
igualdade entre homens e mulheres, dos direitos humanos e liberdades
fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural, civil ou
qualquer outro campo.”
A
CEDAW estabelece vários deveres aos Estados Partes no sentido de que atuem, no
seu âmbito interno, de modo a eliminar, progressivamente, a discriminação
contra as mulheres, abstendo-se de práticas discriminatórias no âmbito público
e promovendo a igualdade substancial entre os gêneros também na esfera privada.
Prevê ainda a modificação da legislação e introdução de mecanismos de ações
afirmativas como defesa do status da
mulher nos países signatários.
A CEDAW estabelece, no seu artigo 17,
o Comitê supervisor do cumprimento do documento, para o qual os Estados Partes
devem enviar a cada quatro anos, ou quando solicitados, relatórios informando
sobre as medidas legislativas, judiciais, administrativas ou de outra natureza
que tenham adotado para tornar efetivas as disposições da CEDAW, bem como os
progressos alcançados[7].
Vale ressaltar que, até fevereiro de 2008, havia 98 Estados signatários e 185
Estados Partes da Convenção[8].
Segundo
Seager, a CEDAW (2003, p.16):
“[…]
constitue um jeu de normes et de principes universels destinés à servir de
références aux plitiques nationales à long terme, il s’agit d’éliminer toute
discrimination sexuelle. Les gouvernements qui ratifient la Convention doivent
mettre em place des politiques et des lois visant à supprimer toute
discrimination envers les femmes.”
A CEDAW é
o tratado com grande número de reservas[9]
dos seus dispositivos,
o que implica dificuldades para a satisfatória aplicação do referido documento,
na medida em que os Estados Partes não se obrigam à garantia dos direitos das
mulheres no âmbito de seus territórios[10].
Após isso, a ONU realizou muitas conferências,
entre elas a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em Viena, Áustria
(1993) e a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento no Cairo
(1994). As mulheres organizadas participaram desses debates, o que resultou em
alguns avanços, como a redação que consta no artigo 18 da Conferência de Viena,
que afirma “os direitos humanos das mulheres e das meninas são parte
inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais”. É
importante lembrar que, na Conferência referida, foi enfatizada a igualdade de
gênero e a proteção aos direitos humanos das mulheres e meninas.
2.1 O Comitê
CEDAW
O Comitê sobre a Eliminação da
Discriminação contra Mulheres (Comitê CEDAW, sigla em inglês) está previsto no
artigo 17 da CEDAW, sendo constituído de 23 especialistas de “elevado conceito
moral e competência na área” para exercerem um mandato de quatro anos. As
especialistas devem ser eleitas pelos Estados Partes dentre as nacionais,
devendo ser nomeadas de acordo com as capacidades pessoais[11].
O Comitê CEDAW tem como funções:
a. examinar os relatórios periódicos
apresentados pelos Estados Partes (artigo 18 da CEDAW);
b. formular sugestões e recomendações
gerais (artigo 21 da CEDAW);
c. instaurar inquéritos
confidenciais (artigos 8 e 9 do Protocolo Adicional);
d. examinar comunicações
apresentadas por indivíduos ou grupo de indivíduos que aleguem ser vítimas de
violação dos direitos constantes na CEDAW (artigos 2 a 7 do Protocolo Adicional).
Analisar-se-á cada tarefa, de
maneira específica, neste momento:
a. Examina
os relatórios periódicos apresentados pelos Estados Partes
Conforme o artigo 18 da CEDAW, os
Estados Partes devem apresentar relatórios periódicos com ênfase às medidas
legislativas, judiciárias, administrativas ou de outra natureza que adotarem
para efetivar as disposições previstas na CEDAW e os progressos alcançados. O
primeiro relatório deve ser apresentado após um ano da ratificação do tratado e
os demais, a cada quatro anos e sempre que o Comitê solicitar. No tocante ao
auxílio aos Estados Partes, o Comitê adotou algumas recomendações para que os
Estados elaborem seus relatórios.
Desse modo, após o recebimento do
relatório do Estado Parte, um grupo de trabalho do Comitê CEDAW, constituído
por cinco partes, se reúne antes da sessão com o intuito de preparar uma lista
de questões e perguntas para serem enviadas aos Estados antes da apresentação
do relatório. Durante a sessão, oito dos Estados Partes devem apresentar
oralmente seus relatórios. Após a apresentação o Comitê faz observações, que
devem ser posteriormente, respondidas pelo Estado. Ao final, o Comitê elabora
comentários finais sobre os relatórios apresentados, que devem ser incluídos em
seu relatório final à Assembléia Geral. O exame dos relatórios objetiva o
alcance de um diálogo que seja construtivo entre os Estados Partes e o Comitê
CEDAW.
b. Formula
sugestões e recomendações gerais
De acordo com o artigo 21 da CEDAW,
é facultado ao Comitê CEDAW a elaboração de sugestões e recomendações gerais
baseadas no exame dos relatórios e de informações recebidos pelos Estados
Partes. Via de regra, as sugestões são encaminhadas a entidades das Nações
Unidas, enquanto as recomendações gerais são direcionadas aos Estados Partes.
As recomendações gerais oriundas do
Comitê CEDAW versam sobre temas abordados pela CEDAW e oferecem orientações aos
Estados Partes sobre suas obrigações que estão previstas no referido documento
e os caminhos necessários ao seu cumprimento. É importante o fato de contar a
elaboração do conteúdo das recomendações com a participação não somente de
integrantes do Comitê, mas de organizações da sociedade civil e de agências e
órgãos das Nações Unidas, dentre outros.
c.
Instaura inquéritos confidenciais
Conforme o artigo 8° do Protocolo Adicional
à CEDAW, caso o Comitê receba informação indicando violações graves ou
sistemáticas de direitos estabelecidos no tratado mencionado por um Estado Parte,
o Comitê deverá convidar o Estado envolvido a apreciar, junto ao Comitê, a
comunicação e a apresentar suas observações sobre a questão. O Comitê poderá
encarregar alguns membros a dar andamento a um inquérito e a comunicar, com
urgência, os resultados. Caso seja justificável e houver aquiescência do Estado
Parte, o inquérito poderá incluir visitas ao território desse Estado.
Assim, após a análise das conclusões
do inquérito, o Comitê deve comunicar a questão ao Estado, que terá o prazo de
seis meses para apresentar suas observações. O procedimento do inquérito tem
caráter confidencial e a cooperação do Estado Parte poderá ser solicitada a
qualquer tempo.
d. Examina
comunicações apresentadas por indivíduos ou grupo de indivíduos que aleguem ser
vítimas de violação de direitos dispostos na CEDAW
A partir da aprovação do Protocolo
Adicional à CEDAW, foi facultado ao Comitê CEDAW examinar as comunicações
apresentadas por indivíduos ou grupos de indivíduos sob a jurisdição do Estado
Parte, que afirmem ser vítimas de violação de quaisquer dos direitos abordados
pelo mencionado tratado. Para operacionalizar isso, o comitê verifica se todos
os meios processuais na ordem interna foram esgotados, a não ser que o meio
processual previsto tenha ultrapassado os prazos razoáveis ou que seja
improvável que conduza a uma reparação efetiva da requerente.
No caso da comunicação ser admitida,
o Comitê deverá comunicar ao Estado, que terá o prazo de seis meses para
apresentar suas observações. O Comitê deverá escutar as requerentes em sessões
fechadas e transmitirá suas recomendações às partes interessadas. O Estado terá
mais seis meses para apresentar documento escrito que esclareça sobre as
providências adotadas.
De acordo com a
Declaração de Viena, documento final da Conferência de Direitos Humanos de
1993:
“Ações
e medidas para reduzir o amplo número de reservas à Convenção devem ser
encorajadas. Dentre outras medidas, o Comitê de Eliminação de todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher deve prosseguir na revisão das reservas à
Convenção. Os Estados são convidados a eliminar as reservas que sejam
contrárias ao objeto e ao propósito da Convenção, ou que sejam incompatíveis
com os tratados internacionais.”
Assim sendo, faz-se
necessário um esforço do Comitê CEDAW no sentido de proceder à revisão do
número de reservas aos dispositivos da CEDAW; é o que consta no documento final
produzido na Conferência de Direitos Humanos.
2.2 O
Protocolo Adicional à CEDAW
Em 1991, durante uma reunião da CSW
com alguns especialistas, viu-se a necessidade de se criar um Protocolo
Facultativo à CEDAW, o que se recomendou à ONU. Iniciou-se, dessa maneira, uma
longa caminhada para a criação de um documento formal, separado da Convenção
citada, que deveria introduzir um procedimento para o recebimento de
comunicações de violações de direitos humanos das mulheres, bem como outro de
investigação.
Com isso, em 22 de dezembro de 2000,
entrou em vigor o Protocolo Adicional à CEDAW com o objetivo instituir uma
fiscalização mais efetiva do cumprimento do tratado. Os Estados Partes têm a
faculdade de concordar com as disposições nele contidas, assinando e
ratificando. Vale mencionar que o Protocolo não permite reservas. O Protocolo
Facultativo foi assinado e ratificado por 90[12]
Estados Partes, até novembro de 2007.
O Protocolo contém vinte e um artigos
e dois procedimentos. O primeiro procedimento possibilita à mulher e a grupos
de indivíduos vítimas de discriminação de gênero enviar uma comunicação[13]
ao Comitê CEDAW. Ao ratificar o Protocolo, os Estados Partes reconhecem a
competência do Comitê de receber e analisar as comunicações, esgotados todos os
recursos nacionais. Já o segundo procedimento tem a função de investigar e
permite ao Comitê CEDAW dar início, por iniciativa própria e baseado em
informações que tenham credibilidade, uma apuração de violações graves dos
direitos previstos na CEDAW.
O Protocolo constitui-se em mais um
instrumento para a efetivação dos direitos humanos das mulheres, pois
possibilita à mulher que tenha os seus direitos violados ingressar com uma
reclamação contra um Estado que seja um possível violador de direitos humanos.
O Protocolo Adicional tem alguns procedimentos, os quais se descreverão a
seguir.
2.2.1 O
Procedimento de Queixas Individuais
Conforme consta no Protocolo, o
Comitê CEDAW está a cargo do primeiro procedimento da ONU de “recurso de
queixas” referente aos direitos das mulheres, especificamente, com o objetivo
de responder a casos individuais de violações e garantir a reparação para as
vítimas. Outros indivíduos ou grupos de indivíduos, inclusive organizações não-governamentais,
podem apresentar comunicações em nome das vítimas, desde que elas dêem
anuência, ou, ainda, mediante uma justificativa da ausência daquela. A
comunicação é enviada ao Secretário-Geral da ONU, que deverá enviá-la ao Comitê
CEDAW. Consta de várias fases: pré-admissibilidade, decisão de admissibilidade,
consideração de méritos, opiniões e recomendações, seguimento.
2.2.2 O
Procedimento de Investigação
O Protocolo estabelece o primeiro
procedimento de investigação da ONU sobre a violação de direitos humanos das
mulheres. Tem por objetivo investigar violações graves e massivas de direitos
humanos dentro de um prazo razoável. Tal procedimento permite ao Comitê CEDAW,
por iniciativa própria e baseado em informações dotadas de credibilidade, uma
apuração de violações graves ou sistemáticas dos direitos previstos na CEDAW,
nos Estados Partes. Vale ressaltar que o Comitê CEDAW só admite a comunicação
caso o Estado tenha assinado e ratificado o Protocolo Facultativo.
Consta de várias fases: recibo de
denúncia, início de investigação, comentários e recomendações, seguimento,
procedimentos.
2.3
O Comitê
CEDAW e o Estado Brasileiro
O Brasil tem como marco jurídico na CEDAW
e, em especial na recomendação do Comitê CEDAW de consagrar e garantir, através
de lei, o princípio da igualdade entre homens e mulheres, como consta na
Constituição Federal de 1988, em especial no seu artigo 5°, o qual afirma a
igualdade entre os mulheres e homens.
A legislação brasileira, nos últimos
anos, tem passado por algumas importantes alterações, destacando-se o novo
conteúdo do Código Civil de 2002, as alterações no Código Penal ocorridas em
2005, bem como o advento da Lei n° 11.340/2006, que trata sobre a violência
doméstica e familiar contra a mulher, também conhecida como Lei Maria da Penha.
A Constituição Federal de 1988
constitui-se no marco histórico nacional referente à proteção aos direitos
humanos das mulheres, bem como ao reconhecimento da sua cidadania. Isso foi
fruto de um longo processo de deliberações em plenários, reivindicações dos
movimentos sociais, o que trouxe a inclusão da noção de igualdade de direitos
sob uma perspectiva étnica, racial e de gênero. Tal documento contribuiu mais
ainda para que o Brasil se integrasse ao sistema internacional de direitos
humanos.
Existem dois tratados internacionais
que foram assinados e ratificados pelo Estado Brasileiro e que tratam
especificamente da erradicação das desigualdades de gênero. São eles: Convenção
da ONU sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher (Convenção de Belém do Pará).
Segundo Campos (2008, p. 144):
“Tais
tratados, além de criarem obrigações para o Brasil perante a comunidade
internacional, também originam obrigações no âmbito nacional e geram novos
direitos para as mulheres que passam a contar com a instância internacional de
decisão, quando todos os recursos disponíveis na legislação nacional falharem à
realização da justiça. Isto significa, portanto, pedir auxílio e denunciar
práticas de violência contra a mulher à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos.”
Foi durante a Conferência Mundial de
Direitos Humanos em Viena no ano de 1993 que o movimento de mulheres reivindicou
a inclusão de alguns pleitos, o que foi colocado na Declaração e no Programa de
Ação de Viena, definindo que “os direitos humanos das mulheres e das meninas
são inalienáveis e constituem parte integral dos direitos humanos universais”.
A partir dessa conjuntura, os direitos das mulheres foram vistos como direitos
humanos.
A CEDAW prevê, no artigo 17, o Comitê
supervisor do cumprimento do tratado nos Estados Partes.
O Comitê CEDAW (ONU) enviou recomendações
ao Estado Brasileiro no sentido de que adequasse sua legislação interna à CEDAW,
de modo que combatesse a discriminação de gênero, pois eram vigentes muitas
leis discriminatórias. É importante lembrar que o Estado Brasileiro demorou 17
anos para enviar os relatórios previstos no artigo 18[14]
da CEDAW.
As principais áreas de preocupação e
recomendações do Comitê, emitidas após o envio de cinco relatórios brasileiros
em 2002, versaram sobre a inexistência de igualdade jurídica entre mulheres e
homens; a inobservância do poder Judiciário em relação ao cumprimento dos
tratados internacionais, nos quais o Brasil é signatário; a existência de
intensas disparidades regionais econômicas e sociais, em especial no acesso à
educação, emprego e serviços de saúde, estando impedido o cumprimento uniforme
da CEDAW; o Código Penal, em 2003, ainda continha conteúdo discriminador das
mulheres, como o termo “mulher honesta”; a aplicação da tese da “legítima
defesa da honra” para homens acusados de praticarem a violência contra a
mulher, o que constitui explícita violação aos direitos humanos; o impacto da
pobreza com relação às mulheres brasileiras afro-descendentes e indígenas, chefes
de famílias, bem como de outros grupos que vivem à margem da sociedade; a
persistência da violência contra mulheres e meninas, incluindo-se aí a
violência doméstica e sexual; o aumento das taxas de incidência de várias
formas de exploração sexual e tráfico de mulheres e meninas no Brasil; com a
participação de policiais e com sua conivência com a exploração e tráfico;
ausência de dados desagregados por sexo e informação insuficiente sobre a
exploração sexual de crianças e adolescentes de rua; a sub-representação das
mulheres em todos os níveis e instâncias de poder decisório, bem como em
posições qualificadas em algumas áreas da vida pública e profissional, como no
judiciário e nas relações exteriores, enfim, nos mais altos escalões; a
participação das mulheres nos mais altos cargos seja muito menor que a dos
homens; a alta taxa de analfabetismo e baixa porcentagem de mulheres com
formação educacional que ultrapasse a escola primária; a sub-representação das
mulheres no ensino superior; a discriminação da mulher no mercado de trabalho;
altas taxas de mortalidade materna, em particular nas mais remotas regiões onde
o serviço de saúde é bastante limitado; a ausência de dados sobre as mulheres
rurais no que concerne à raça e etnia[15],
entre outras. Vale lembrar que, a cada preocupação, o Comitê CEDAW mencionou
uma recomendação ao Estado Brasileiro.
O Estado Brasileiro defende o
princípio da igualdade, na medida em que edita novas leis, como o novo Código
Civil sancionado em 2002, que entrou em vigor em 2003; as alterações realizadas
no Código Penal em 2005, bem como o advento da Lei n° 11.340/2006, que trata da
violência doméstica e familiar contra a mulher aprovada em 2006. Entretanto o
Brasil ainda não cumpriu ao todo o que a recomendação referente ao sexto relatório
periódico, de número 16[16],
determinou, pois não se vê, no cotidiano, a difusão de informações para a
população sobre a CEDAW.
Considerações finais
Pode-se concluir que a CEDAW, em
conjunto com o seu Protocolo Facultativo e o Comitê CEDAW, constitui forma de
concretizar os direitos humanos das mulheres na esfera internacional, compondo,
desse modo, o Sistema Mundial de Proteção aos Direitos Humanos. É importante
lembrar que tal tratado foi o segundo mais ratificado, mas também possui amplo
número de reservas, o que dificulta a efetivação dos direitos das mulheres em
vários países.
Dessa maneira, o Comitê CEDAW exerce
duas funções: fiscalizar e opinar. Não toma decisão, e as recomendações dele
emanadas não têm força de lei, ou seja, em caso de descumprimento, o Estado
Parte não está sujeito a sanção, e tendo a faculdade de cumprir ou não, o que
representa um problema grave para que o referido tratado possa ser concretizado
com êxito.
Considera-se de grande relevância o
conjunto de tratados que versam sobre o DIDH e, mais especificamente, sobre os
direitos humanos das mulheres, pois colocam esses direitos num patamar de
importância na esfera internacional, além de desenvolverem atividades que
objetivam a proteção às possíveis violações dessa natureza. Infelizmente, o
Comitê CEDAW não é dotado de um poder que possa vincular juridicamente os
Estados Partes ao cumprimento efetivo das recomendações. Logo, o Comitê CEDAW
deve fazer valer o poder político de modo a conscientizar os países que violam
os direitos das mulheres, pressionando, dessa forma, para que se sintam
constrangidos e projetem ações afirmativas para erradicar a discriminação das
mulheres no âmbito dos seus respectivos territórios.
Quanto ao Estado Brasileiro, pode-se
concluir que é detentor de uma dívida social, política e econômica com as
mulheres, que representam mais de 50% da população. É importante lembrar que,
devido à falta de vontade política dos governantes do período de
redemocratização (1985-2002), o Estado Brasileiro demorou 17 longos anos para
elaborar um relatório ao Comitê CEDAW sobre a situação das mulheres, que foi
fruto de um trabalho em conjunto, que envolveu a participação do movimento de
mulheres, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Justiça, além
da contribuição de especialistas comprometidas com a promoção dos direitos
humanos. O Brasil é um país de imensas desigualdades, o que vem dificultar que
se atinja a igualdade de fato e de direito entre homens e mulheres. O ideal
seria que os detentores do poder se comprometessem com as causas sociais,
propondo e efetivando políticas públicas dotadas de eficácia e não somente como
um “faz de conta”. Mas, infelizmente, vive-se o mundo real, e nele é complicado
colocar em prática a preocupação com a sociedade, na medida em que muitos
detentores do poder, seja qual for a forma, não têm muito compromisso com a
sociedade.
Mesmo assim, nota-se uma evolução do
Estado Brasileiro com relação à proteção aos direitos humanos das mulheres, embora
em parte, pois, a partir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, se criou a
Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, a Secretaria Especial para a
Promoção dos Direitos Humanos, a Secretaria Especial de Políticas para a
Promoção da Igualdade Racial, entre outras medidas, o que pode ser o início de
algumas mudanças. O desafio é implementar políticas públicas que possam ser
exitosas, não obstante se trabalhar com orçamentos exíguos, descontinuidade
administrativa, políticas fragmentadas, atuações isoladas. Assim, o Estado
Brasileiro, ainda que de maneira lenta, tenta adequar a sua legislação à CEDAW,
editando leis que combatam a discriminação das mulheres, colocando em prática
políticas públicas (…). Uma questão para ser pensada é a da igualdade de fato
entre homens e mulheres, o que ainda não foi atingido. É importante ressaltar
que existem muitas leis; o problema crucial é seu não-cumprimento pelo poder
público.
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formas de Discriminação contra a Mulher. Centro de Informação das Nações
Unidas. Rio de Janeiro, 1994.
REZEK, J. F. Direito internacional público. São
Paulo: Saraiva, 2006.
SEAGER, Joni. Atlas des femmes dans le monde: la realité
de leurs conditions de vie. Paris: Éditons Autrement, 2003.
Notas:
[1] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. 4. Ed.
Tradução Sérgio Milliete. São Paulo: Difel, 1970.
[2]
Ver página Oficial do Comitê CEDAW: www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/
[3]
Ver página Oficial do Comitê CEDAW: www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/
[4]
Ver página Oficial do Comitê CEDAW: www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/
[5]
Ver página Oficial do Comitê CEDAW: www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/
[6]
A ONU está com 192 Estados-membros. O último país admitido foi Montenegro, em
junho de 2006.
[7]
Vide art. 18 da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher.
[8]
Ver página Oficial do Comitê CEDAW: http://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/
[9]
Ver página Oficial do Comitê CEDAW: http://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/
[10]
Devido a fatos desta natureza, alguns países ainda são, em pleno século XXI,
palco de discriminação das mulheres, a exemplo do que aconteceu no Irã, quando
a jornalista e militante feminista iraniana Nasrin Afzali foi condenada a seis
meses de prisão e a dez chibatadas pelo suposto fato de “perturbar a ordem
pública”, pois teria participado de uma manifestação em março de 2007 em frente
ao Tribunal Revolucionário do Teerã, onde aconteceria o julgamento de várias
feministas. Vale ressaltar que no Irã nos últimos meses foram presas várias
mulheres que lutam pela igualdade de direitos entre os gêneros. (Fonte: Jornal
O POVO – 21/04/2008)
[11]
Artigo 17 da Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher
[12] Ver
página Oficial do Protocolo Facultativo à Convenção CEDAW: http://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/protocol/sigop.htm
[13]
Comunicação é a palavra utilizada pela ONU para expressar uma reclamação
encaminhada por indivíduos ou grupos de indivíduos a um de seus órgãos para
denunciar a violação aos direitos humanos.
[14]
Artigo 18 da Convenção da Mulher – “Os Estados Signatários comprometem-se a
apresentar ao Secretário Geral das Nações Unidas,para efeitos de consideração
pela Comissão, um relatório sobre as medidas legislativas, judiciais, administrativas,
ou outras que tenham adotado a fim de dar cumprimento às disposições da
presente Convenção e sobre os progressos alcançados nesse domínio […]”.
[15]
Recomendações do Comitê CEDAW ao Estado Brasileiro. Disponível em:
<http://www.agende.org>
[16]
“O Comitê convoca o Estado Parte a assegurar que a Convenção e a legislação
doméstica relacionada sejam parte integrante na educação e do treinamento de
funcionários judiciais, incluindo juízes, advogados, promotores e defensores
públicos, bem como da grade curricular das universidades, de forma a
estabelecer firmemente no país uma cultura legal de apoio à igualdade de gênero
e não-discriminação. Convoca o Estado Parte a ampliar ainda mais o conhecimento
das mulheres sobre seus direitos, inclusive em áreas remotas e entre os grupos
em maior desvantagem, por meio de programas de alfabetização legal e
assistência jurídica, de forma que elas possam reivindicar seus direitos com
base na Convenção. Encoraja o Estado Parte a disseminar e ampliar mais a
conscientização sobre a Convenção e o Protocolo Facultativo entre o público em
geral, de forma a criar conscientização sobre os direitos humanos das
mulheres”. (Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher –
Trigésima nona sessão – 23 de Julho – 10 de Agosto de 2007)
Mestranda em Direito Público – linha de pesquisa Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Bolsista CAPES. Pesquisadora colaboradora do Centro de Direito Internacional – CEDIN e Instituto de Investigação Científica Constituição e Processo – CNPq/PUC Minas. Auxiliar Judiciária do Tribunal de Justiça do Ceará – TJCE
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