Considerações Iniciais
O mercado brasileiro define ecoturismo como toda atividade realizada em área natural com o objetivo de observação e conhecimento da flora, fauna e aspectos cênicos (com ou sem o sentido de aventura), prática de esportes e realização de pesquisas científicas.
Em 1994, foram elaboradas as Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo, que traz o conceito de ecoturismo como “um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem estar das populações envolvidas.” [1]
Nosso país com extensão territorial continental possui unidades de Conservação, Parques Nacionais; Reservas Biológicas; Estações Ecológicas; Áreas de Proteção Ambiental; Reservas Extrativistas; e Florestas Nacionais e, além dos recursos naturais é portador de um rico patrimônio cultural (material e imaterial). Este cenário faz o Brasil portador de grande potencial ecoturístico e a tutela do meio ambiente deve ser observada diante dos riscos potenciais e danos efetivos gerados por esta atividade[2]. Isto porque vivemos numa sociedade de massa e o ecoturismo tornou-se uma atividade de grande demanda gerando, portanto, impactos e degradações ambientais quando não adotadas as medidas precaucionais.
O tema em estudo abordará os impactos ao meio ambiente natural e cultural, isto porque a cultura imaterial é imprescindível às populações que habitam as regiões que são objeto do ecoturismo. Há implicações jurídicas a serem consideradas e deve-se, também, observar e analisar os aspectos complexos que envolvem a biodiversidade, a cultura de grupos sociais locais, o valor do conhecimento tradicional associado, a preservação do patrimônio genético cujo conhecimento tradicional esteja associado.
Da interação entre pessoa humana, seu grupo social e o meio ambiente natural fez com que o olhar sobre os bens ambientais fossem ampliados e para Souza Filho[3] “os bens socioambientais são todos aqueles que adquirem essencialidade para a manutenção da vida de todas as espécies (biodiversidade) e de todas as culturas humanas (sociodiversidade)” e “podem ser naturais ou culturais, ou se melhor podemos dizer, a razão da preservação há de ser predominantemente natural ou cultural se tem como finalidade a bio ou sociodiversidade, ou a ambos, numa interação necessária entre o ser humano e o ambiente em que vive”.
Neste sentido, nossas pesquisas relacionadas ao patrimônio cultural imaterial no Direito Ambiental[4] sempre foram pautadas nesta inter-relação e agora passamos a analisar a atividade ecoturística à luz do sistema jurídico brasileiro na tutela dos bens ambientais e culturais.
1. Lazer: um direito social
O artigo 1º da Constituição Federal de 1988 traz os fundamentos desta República Federativa e dentre seus princípios fundamentais: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. O direito ao lazer está intimamente ligado a eles.
O direito ao lazer é um direito social garantido pela Constituição (art. 6º), compreendendo o tempo disponível para que o indivíduo, depois do trabalho exercido, descanse e atenda outras necessidades pessoais, como lazer.
A pessoa humana é a destinatária do lazer[5] e esta atividade em sua maioria está ligada à ordem econômica em virtude do consumo de produtos com a finalidade do lazer. Assim, o objeto deste estudo é o bem ambiental (natural e/ou cultural) como produto turístico.
Os estudos sobre o direito ao lazer partem da análise do plano constitucional e vão diretamente relacionar-se com o Direito Econômico e Direito Ambiental. Tal assertiva é real, pois, os princípios fundamentais da atividade econômica são adaptados ao lazer.
Ao tratar do Ecoturismo[6], preocupamo-nos com este tipo de atividade de lazer devido à sua prática relacionar-se diretamente com o ambiente[7] (por possuir atrativos variados e proporcionar à pessoa humana, momentos aprazíveis). E participando de atividades relacionadas ao ecoturismo a pessoa humana estará no meio ambiente seja ele cultural, artificial ou natural, usufruindo e consumindo um produto turístico (bem ambiental) sejam eles: lugares aprazíveis pela paisagem, à exuberância da fauna e flora[8], do patrimônio cultural material e imaterial, dentre outros.
O ecoturismo é, então, uma atividade econômica que consiste em se usufruir daquilo que o meio ambiente oferece.
2. O bem ambiental e a atividade ecoturística
A natureza jurídica do bem ambiental é difusa. [9] O meio ambiente era uma “coisa sem dono” e hoje a própria CF/88 o determina como” bem de uso comum”.
O meio ambiente compõe-se dos mais variados bens ambientais que atraem a pessoa humana para a satisfação da necessidade do exercício de um direito: o lazer.
Mas, deve-se questionar: como um bem difuso (de uso comum do povo), conforme preceitua o artigo 225 da Constituição Federal, pode ser “transformado” num produto turístico destinado a um determinado consumidor (o ecoturista) tendo fins econômicos e, por conseqüência, gerar lucro a seus “fornecedores-possuidores” (pessoas físicas e/ou jurídicas) ?
É interessante o fato de serem os bens ambientais ofertados para o lazer da pessoa humana como se compusessem o “patrimônio individual” de determinadas pessoas. Ora, a visão pelo prisma da teoria clássica dos direitos patrimoniais individuais não devem tangenciar o meio ambiente quanto à atividade econômica objeto de análise.
O meio ambiente compõe o patrimônio de uma coletividade e tem a importância de ser essencial à sadia qualidade de vida da pessoa humana, tanto às presentes, quanto às futuras gerações (artigo 225 da CF/88).
Assim, os bens ambientais são utilizados para o lazer da pessoa humana com o fim de que ela goze, na sua plenitude, do seu direito para a manutenção da sua incolumidade física, psíquica e por conseqüência, sua dignidade.
Para Rui Piva, o bem ambiental e a propriedade andam irremediavelmente juntos e trazem à tona uma outra particularidade técnica da aplicação das normas ambientais devido a uma “visão cultural” da idéia de propriedade” egoística daquilo que é meu”.[10] Então, diante daquilo que é difuso há uma outra questão:” Como é que qualquer coisa é minha, mas não é? É de todos!”
Não há mais o público e o privado, entre um “abismo” que surgiu entre estes dois ramos nasceu os interesses coletivos e por extensão a classificação de bens ultrapassou os limites do público e privado, surgindo assim os bens difusos .
Para Piva, “os interesses protegidos por direitos coletivos, especialmente os difusos (…), não excluem o regime do instituto da propriedade individual. Estabelecem restrições à propriedade, mas não a eliminam.” [11]
Tratamos de propriedade acima, façamos algumas reflexões:
O artigo 5º da Constituição Federal que estabelece a garantia do direito de propriedade no seu inciso XXII e determina que ela atenderá a sua função social no seu inciso XXIII. Quanto à propriedade, seu titular tem três faculdades do proprietário: uso, gozo e disposição. Quando a propriedade é plena, todas elas podem ser exercidas. Mas, segundo Rui Piva nem sempre é assim pois “o uso, é a única faculdade conferida pelo artigo 225 da Constituição Federal Brasileira aos titulares indeterminados do bem ambiental, é a aplicação do próprio bem à satisfação das necessidades humanas (necessidades de saúde, vida digna e sadia, por exemplo) e que uma das formas de exercício de um direito é o uso do bem sobre o qual ele recai.”[12]
O tema nos conduz às mais variadas discussões e fundamentações mas, o que podemos afirmar é que embora existam os fornecedores do produto turístico à pessoa humana a fim de que ela usufrua e pratique o lazer na sua plenitude, não há como apropriar-se deles. Ressalte-se que este uso deve ocorrer de forma que sejam mínimos os impactos gerados por esta atividade. Neste sentido, há a limitação ao direito de propriedade e ainda, aqueles que exercem a atividade ecoturística façam-na com sustentabilidade.
Sem a observância das normas e padrões ambientais pode-se causar danos e os bens ambientais ficarão escassos e correrão sérios riscos de desaparecimento, trazendo o desequilíbrio ecológico, a perda do patrimônio cultural, impossibilitando também a continuidade da atividade econômica.
Mas, a responsabilidade não é apenas daqueles que fornecem o produto ecoturístico, é também daquele que exerce o direito ao lazer – o “consumidor-ecoturista”. Este deve ser educado ambientalmente para que ao praticar esta atividade, comprometa-se com a preservação e conservação para garantir às futuras gerações o direito que ele tem no presente.
A Constituição Federal de 1988 como pilar normativo do Estado Democrático de Direito prescreve os direitos e garantias revestidos dos mais importantes princípios mas, a manutenção da sadia qualidade de vida dar-se-á pela própria pessoa humana, o gestor do meio ambiente.
3. Atividade ecoturística e seus impactos ambientais.
A história do ecoturismo é antiga, como se observa:
“Buscado as raízes desse segmento do turismo, chegamos à mais simples motivação: a contemplação de belezas naturais. A partir dela, podem-se evocar inúmeras experiências, dentro do processo de apropriação da natureza. De monges da era medieval e de viajantes naturalistas do século XIX encontram-se relatos sobre deslocamentos motivados por locais paradisíacos ou atrativos naturais exóticos. Mas é claro que nem o termo ecoturismo, nem os princípios que delimitam esse segmento existiam naquela época. Os antecedentes do que hoje conhecemos como ecoturismo podem ser assim destacados:- caminhadas de longo curso, com a busca por novos conhecimentos e lugares; expedições, como a procura pela fonte da eterna juventude, pelo “fim da terra” ;peregrinações por trilhas sagradas e áreas intocadas cultuadas por povos antigos. Da Antigüidade até meados do século XX, ficou clara a busca por um conhecimento cultural, seja por causa do interesse na natureza, seja pelo interesse na sociedade. No século XIX, a preservação de áreas para gerações futuras mitifica a natureza e ocasiona um novo comportamento sobre áreas naturais, o que até os dias de hoje caracteriza a atividade ecoturística.”. [13]
E hoje, a atividade ecoturística, segundo profissionais da área, está ligada a uma atividade que compreende em si um posicionamento ambiental de conservação do patrimônio natural e cultural, tanto em áreas naturais como não naturais. Mas, tal afirmação não é absoluta, pois, nem toda pessoa que se “aventura” num lazer ecoturístico é educado ambientalmente para estar num determinado ambiente (natural, cultural ou artificial) e não causar-lhe impacto ou degradação ambiental. E ainda, nem sempre aquele que oferece a atividade ecoturística (usufruindo economicamente disto) tem o preparo e o cuidado no trato com o meio ambiente que é ofertado aos ecoturistas. Provocando, assim, profundas alterações seja no meio ambiente natural, cultural ou artificial, com o fim de proporcionar o “conforto” a seus clientes, desrespeitando as normas jurídicas postas.
Inicialmente, o ecoturismo ampliou-se como “moda” tendo por marketing a busca pelo “natural que regenera” e hoje , com a comercialização de estereótipos para a captação de nichos de demanda diferenciados[14] para apaziguar os rotulados “impactos do cotidiano massacrante”.
Ao mesmo tempo, o próprio sistema faz com que a organização do trabalho permita que a pessoa humana tenha períodos de ócio, mais propriamente chamado de tempo livre – sendo utilizado por muitos para o lazer. Desta forma, analisamos a relação existente entre a atividade ecoturística e meio ambiente. Agora teceremos algumas considerações acerca desta atividade e seus os impactos ambientais.
Quando estudamos o ecoturismo e a tutela jurídica do meio ambiente no Direito Brasileiro devemos fazê-lo com atenção, em especial, quanto ao espectro que esta atividade econômica alcança com o uso do meio ambiente natural, artificial e cultural em proveito da livre iniciativa e do Estado, além dos direitos e deveres do consumidor (ecoturista) e do fornecedor; do uso de um bem comum do povo como produto turístico para auferir vantagem econômica e ainda, dos conflitos de interesses oriundos desta atividade de lazer.
O ecoturismo teve um incremento mundial a partir da década de 80; naquela época houve um aumento do número de Unidades de Conservação com a formação dos parques nacionais, categoria que constitui a principal oferta de atrativos para o ecoturista no País.
A atividade ecoturística é uma atividade econômica como já mencionado, em que há o consumo do produto ecoturístico. Essa atividade cresceu em nosso País, dinamizando todo um processo de viagens de brasileiros e estrangeiros – os ecoturistas.
A legislação que trata especialmente da atividade ecoturística no Brasil são: as Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo[15] de 1994; Lei nº. 6.513/77 que arrolou no artigo 1º as áreas de interesse turístico e contemplou diversos bens ambientais[16]; Resolução n.º25, de 12 de dezembro de 1996, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, através da qual foi criada a Câmara Técnica Temporária de Ecoturismo, visando dotar o segmento de uma estrutura legal própria; e Resolução n º 237, de 19 de dezembro de 1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, que regulamenta os aspectos de licenciamento ambiental estabelecidos na Política Nacional do Meio Ambiente, e traz em seu ANEXO I, os complexos turísticos e de lazer como empreendimento sujeito ao licenciamento ambiental. E, sob aspectos gerais, podemos considerar também as demais normas que tutelam os bens ambientais, a exemplo: Resolução n.º 01, de 23 de janeiro de 1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA que dispõe de critérios básicos e diretrizes gerais para o Relatório de Impacto Ambiental e a Lei Federal n.º 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC;
Observemos o artigo 225, §1, inciso IV da Constituição Federal:
“Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;”
A CF/88 dá ao Poder Público o dever de exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental – um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente explicitado no artigo 9 º,inciso III da Lei 6.938/81(LPNMA). Além disso, o licenciamento ambiental previsto na Lei 6.938/81 deve alcançar todos os empreendimentos e as atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que sob qualquer forma possam causar degradação ambiental e a atividade ecoturística poderá estar condicionado a licenciamento ambiental, o que já é previsto, por exemplo, para complexos turísticos e de lazer pela Resolução CONAMA nº 237/97.
A Resolução n º 1/86 traz os critérios para elaboração, aprovação e execução do Estudo de Impacto Ambiental, traz normas gerais, cabendo aos Estados fazer o seu suplemento. E no que tange ao impacto ambiental, o artigo 1 º traz o seguinte:
“Art. 1 º – Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas, que diretamente ou indiretamente, afetem: (grifo nosso)
I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II – as atividades sociais e econômicas;
III – a biota;
IV- as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V- a qualidade dos recursos ambientais.“
O Estudo de Impacto Ambiental terá que definir as medidas mitigadoras dos impactos negativos e apontar o programa de acompanhamento e monitoramento (impactos positivos e negativos), indicando os fatores e parâmetros a serem considerados inclusive na atividade ecoturística. Isto porque, o crescimento cada vez mais acelerado do turismo movimenta, articula e faz gerar riquezas para uma série de segmentos do mercado que se inter-relacionam e interdependem, para a criação do produto turístico.
Como uma indústria que precisa de muitas peças para a montagem de seus produtos, além das articulações com o mercado e com indústrias afins, o produto turístico é resultante da ação articulada de uma série de bens e serviços, dispersos espacialmente[17]. Os resorts, os meios de transporte, as agências de turismo e o próprio atrativo turístico “ bem ambiental “ compõem a chamada “indústria do turismo”.
Os impactos ambientais associados ao desenvolvimento turístico também podem ser considerados em termos de seus efeitos diretos e indiretos. Os impactos podem ser positivos ou negativos. Não é possível desenvolver o ecoturismo sem que ocorram impactos ambientais mas é possível, com planejamento, gerenciar o desenvolvimento turístico com o objetivo de minimizar os impactos negativos, ao mesmo tempo em que se estimulam os impactos positivos.
O ecoturismo é uma indústria sem chaminés[18]que provoca impacto e degradação ambiental e para a sua implantação deve-se realizar EIA/RIMA, conforme legislação ambiental.[19]E embora devam ser feitas as avaliações, o crescimento da atividade ecoturística deve ter planejamento e gestão que possam contribuir para a sustentabilidade dos ambientes visitados. [20]
Para Seabra, “em relação, ainda, ao ecoturismo, é de ressaltar que são poucos os estudos no mundo e no Brasil que se destinam a avaliar os impactos causados pela atividade a fim de implantar medidas que possam estabelecer os limites de carga suportável a cada área. Os Estudos de Impacto Ambiental – EIA/-RIMAs – vêm sendo o único instrumento utilizado, apesar das constantes necessidades de adaptação deste para atender às características particulares da atividade.” [21]
3.1.Impactos ao meio ambiente natural
Dentre os impactos gerados ao meio ambiente natural pela atividade ecoturística, seguem os relacionados à Fauna e Flora: o rompimento de hábitos de procriação, morte de animais em virtude de caça e fornecimento de produto para comércio de suvenires, migração de animais da área de origem para outras, destruição da vegetação, coleta de plantas.
A construção para instalação de acomodações aos turistas deve ser de acordo com as especificações e padrões ambientais sob risco de impactos causados por: poluição das águas (devido ao esgoto e uso de produtos químicos); do ar (emissões advindas de veículos); sonora (em decorrência de atividades de transporte e das atividades ecoturísticas); visual (causada por instalações que destoam da paisagem natural, a exemplo: prédios, teleféricos e estacionamentos); por resíduos sólidos (causados pelo lixo produzido e mal acondicionado); risco de incêndios.
No tocante ao solo destacam-se os seguintes impactos: erosão (compactação do solo, risco de deslizamento de terra, danos às características geológicas, danos às margens de rios; diminuição dos suprimentos de água de superfície e do subsolo, diminuição dos combustíveis fósseis). [22]
Segundo o Ministério do Meio Ambiente e o Ciência e Tecnologia, há impactos positivos da atividade ecoturística na economia regional e local como: geração de empregos, fixação da população no interior, melhoramentos de infra-estrutura básica de saneamento e transportes, melhoria de equipamentos de áreas protegidas mas, os impactos negativos continuam e devem ser minorados.
Neste contexto, há uma dúvida quanto às reais melhorias que a atividade ecoturística traz para a conservação da diversidade biológica e cultural no Brasil. Isto porque esta atividade, como exposto, traz uma série de impactos negativos.[23] Neste sentido:
“No Brasil, a prática do turismo em massa nas unidades de conservação e a conseqüente degradação do meio natural vêm chamando a atenção de administradores de parques, especialistas e planejadores que, diante das dificuldades de ordem econômica, somadas às precárias condições de infra-estrutura mínima e número insignificante de técnicos e guardas-florestais, pouco ou quase nada conseguem realizar em prol de uma prática turística que vise à sustentabilidade dessas áreas.
É de ressaltar, ainda, que, em algumas unidades de conservação, a fim de atender à demanda de um turismo crescente, vem se desenvolvendo uma rede hoteleira, pouco comprometida com a sustentabilidade local. Embora a manutenção da integridade do ambiente devesse ser prioridade por parte dessa atividade econômica, que sobrevive das belezas naturais e tradições culturais, esta, ao contrário, vem ocasionando muitos problemas socioambientais, devido ao seu crescimento desordenado e descomprometido com o meio ambiente (Cifuentes, 1992). Vale aqui lembrar um dos problemas mais comuns decorrente dessa atividade : a poluição dos corpos hídricos, devido ao esgoto sanitário, sem tratamento adequado, lançado diretamente nos rios, lagoas e mares.” [24].
Paganini[25] ressalta a preocupação com a fuga da fauna em áreas expostas a um turismo de massa. Afirma ainda, que muitas espécies toleram pouco a presença humana afastando-se de suas áreas nativas. A interferência da rota de deslocamento de certas espécies, a alteração no hábitat da caça e a destruição de abrigos são outros impactos negativos à fauna, quando da visitação turística desordenada em áreas silvestres.
3.2. Impactos culturais e socioambientais
Como visto, existem variadas formas de impactos negativos no meio ambiente natural. Há estudos que indicam variadas alterações geradas pela atividade ecoturística também sob aspectos sociais e culturais e somente a fiscalização constante dos órgãos competentes e manutenção da sustentabilidade das populações locais serão capazes de juntos diminuir os impactos da sobre o meio ambiente.
Há o risco de perda do patrimônio cultural imaterial como os conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético local, a desvalorização da cultura local, a perda de indivíduos, dos grupos sociais locais portadores de culturas específicas, para a formação de mão de obra para atividades correlatas ao ecoturismo sem, porém, o compromisso da valorização da cultura genuína e rica das quais são portadores. Sobre o valor do patrimônio cultural imaterial Derani[26] afirmou:
“As gerações formadoras e conservadoras destas culturas são responsáveis pelo conhecimento, fruto da diferença de contato com o meio natural. O valor deste conhecimento é o de uso no interior dessas sociedades. Está diretamente relacionado com a busca de melhor relação do ser humano com sua natureza inorgânica. Enquanto objeto produzido e reproduzido nessas sociedades, o conhecimento associado ao meio é um patrimônio que não tem valor de troca e não é apropriado individualmente. Sua produção, reprodução, utilização, manutenção é social: um patrimônio da coletividade que dele necessita e com ele constrói sua existência.” (grifo nosso)
Esta “indústria sem chaminés” promove muitas vezes a exclusão da população nativa, da renda e dos benefícios advindos do turismo. A população local é deslocada para locais fora das áreas turísticas, criando-se assim “bolsões de miséria”.
O patrimônio cultural imaterial (bem ambiental) é fundamental para a manutenção da identidade e memória de um povo num determinado local e o ecoturismo deve dar condições e possibilidades para a continuidade das celebrações, fazeres, saberes, às gerações futuras.
A integração dos modos de vida da pessoa humana com o meio ambiente se faz das mais variadas formas e modos. Para que ocorra esta integração, é mister proporcionar as condições sociais para o desenvolvimento da cultura local. A ausência de condições para a permanência e continuidade da população local é um fator de risco ao patrimônio cultural imaterial.
A desigualdade e a injustiça social e consequentemente a “poluição por pobreza”[27] são fatores de vulnerabilidade sócio-econômica dos grupos sociais que são vítimas da fragilidade cultural, um risco ambiental contemporâneo.
Isto porque, a memória que traz em si a identidade, fundamental para a existência do bem imaterial torna-se vulnerável ante às necessidades primárias e urgentes que a pessoa humana passa diante da ausência de condições para que possa ter uma vida digna e com qualidade em sua cultura original.
A gravidade dos problemas socioambientais e a predominância dos impactos negativos da atividade ecoturística sobre os positivos abrem discussão em torno da necessidade do planejamento e da gestão sustentável da atividade turística.
A interação dos fornecedores da atividade ecoturística e dos ecoturistas deve pautar-se pelo equilíbrio e sustentabilidade pois o envolvimento da pessoa humana, dos grupos sociais e seus diferentes modos de viver, fazer e agir buscando a biodiversidade como suporte e matéria prima para suas necessidades, também é riqueza que deve ser preservada.
Assim, ao tratar da atividade ecoturística e a proteção dos bens ambientais e culturais como integrantes do ambiente deve-se apoiar nos fundamentos da integração dos conceitos de meio ambiente e principalmente observar a intrínseca relação entre pessoa humana, cultura e natureza.
O caminho para a promoção do meio ambiente cultural, sua manutenção e a garantia deste para as futuras gerações é possível na medida em que se encontram meios de se utilizar a diversidade sociocultural como um “produto ecoturístico” valoroso, capaz de promover inclusive, o desenvolvimento econômico de determinada comunidade. Isto se torna possível na medida em que se consegue compatibilizar a preservação/conservação do patrimônio cultural imaterial (e os recursos naturais) com o desenvolvimento econômico local gerado pela atividade ecoturística.
Portanto, as avaliações de impactos ambientais e auditorias ambientais devem ser algo permanente para aqueles que desenvolvem a atividade ecoturística indicando, assim, a preocupação com o turismo com bases na sustentabilidade, a fim de que seja maximizado os impactos positivos e as futuras gerações usufruir dos bens ambientais (naturais e culturais).
CONCLUSÕES ARTICULADAS:
1. O ecoturismo é uma atividade econômica que utiliza os bens ambientais destinados ao lazer da pessoa humana que provoca impacto ambiental e para a sua implantação deve-se realizar EIA e o RIMA, nos termos da legislação ambiental vigente, com fins de prevenção.
2. Deve-se elaborar modelos de desenvolvimento ecoturístico para a redução dos impactos ambientais.
3. O planejamento e o gerenciamento do desenvolvimento turístico são importantes para minimizar os impactos negativos e contribuir para a sustentabilidade dos ambientes visitados.
4. Tem-se hoje uma série de verdades inconvenientes demonstrando o quão nocivo é a relação sociodiversidade e biodiversidade sem que se adote os princípios da prevenção, precaução, informação e desenvolvimento sustentável.
5. A interação dos fornecedores da atividade ecoturística e dos ecoturistas deve pautar-se pelo equilíbrio e sustentabilidade pois o envolvimento da pessoa humana, dos grupos sociais e seus diferentes modos de viver, fazer e agir buscando a biodiversidade como suporte e matéria prima para suas necessidades, também é riqueza que deve ser preservada.
6. As avaliações de impactos ambientais e auditorias ambientais devem ser algo permanente para aqueles que desenvolvem a atividade ecoturística, indicando assim a preocupação com o turismo com bases na sustentabilidade, a fim de que seja maximizado os impactos positivos e nossas futuras gerações possam dela também usufruir.
7. Deve-se ressaltar a importância do Princípio da Participação (educação ambiental e informação) a fim de que os recursos naturais e culturais sejam conservados com a conscientização do ecoturista em respeitar o meio ambiente, nos termos da Política Nacional de Ecoturismo.
8. O Direito Humano fundamental à sadia qualidade de vida não pode jamais dissociar-se do direito ao equilíbrio ambiental. Portanto, o fornecedor das atividades ecoturísticas deve ser responsabilizado pelos danos ambientais decorrentes desta atividade.
Doutoranda em Direito pela UNIMES/Santos-SP. Mestre em Direito (Direitos Difusos e Coletivos) pela UNIMES/Santos-SP. Professora de Direito Ambiental na Graduação e Pós-graduação do Centro UNISAL e FACIC-Cruzeiro. Integra os Grupos de Pesquisa: “Direito das Minorias” e “Ética e Meio Ambiente” do Curso de Mestrado em Direito do Centro UNISAL, cadastrado no CNPq.
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