Resumo: No intuito de combater a utilização fraudulenta e abusiva da declaração de pobreza vem sendo criadas algumas medidas para combater os exageros na concessão do benefício da Justiça Gratuita.
Palavras-chave: Mecanismos de combate. Uso abusiva. Declaração de pobreza.
Sumário: Introdução. I.- Os mecanismos de combate ao uso abusivo da declaração de pobreza. II.- No Estado do Ceará. III.- No Estado de Goiás. IV.- Instituição de multas na Argentina e Brasil. V.- Averiguação das condições financeiras do requerente. VI.- Considerações finais. Referências
Introdução
No Brasil, apesar da Lei 1.060/50 estabelecer que o benefício da gratuidade da justiça será concedido mediante a simples declaração da parte afirmando que não está com condições de pagar as custas processuais, sem prejuízo próprio ou de sua família, este artigo tem o intuito de pesquisar algumas medidas adotadas pelo Poder Judiciário no intuito de coibir a utilização abusiva da declaração de pobreza, ou seja, sua utilização por pessoas que contem com recursos suficientes para arcar com as despesas dos processos.
I.– Os mecanismos de combate ao uso abusivo da declaração de pobreza
Frente ao exagerado crescimento da litigiosidade, face à utilização abusiva da declaração de pobreza, algumas medidas devem e vem sendo adotadas pelos Tribunais, Magistrados e órgãos do Poder Judiciário Brasileiro. Apesar da amplitude e claridade das normas constitucionais quanto à finalidade da Justiça Gratuita – acesso das pessoas que carecem de recursos suficientes para ter acesso à justiça -, o maior desafio é dado aos operadores do direito (juízes e advogados) que devem dar a interpretação devida e vedar a declaração abusiva e inexistente de carência de recursos.
José Olympio de Castro Filho já advertia que: “Na realidade, é imperioso evitar que o foro seja ou continue sendo aquilo que, em 1839, na Bélgica, dizia M. BONCENNE ser o Palácio da Justiça: ‘[…] um antro de abuso e de chicana’”[1]. Diante da grande incidência de abusos na utilização do benefício, identificamos algumas alterações legislativas no intuito de combater e diminuir o número de abusos no uso do benefício. Além disso, diversos magistrados vem tornando-se rígidos na exigência da comprovação da ausência de condições econômicas, deixando, até mesmo, vulneráveis aqueles que realmente dependem do uso desta franquia para terem acesso à justiça.
II.– No Estado do Ceará
No Brasil, no intuito de reduzir com o abuso no uso do instituto, a Lei nº 12.381, de 09 dez. 1994, do Estado do Ceará, que instituiu o regimento de custas do Estado do Ceará, em seu art. 10, VI, VII e VII, limitam a gratuidade da Justiça à parte representada pela Defensoria Pública, e a parte só poderá indicar advogado no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local de prestação do serviço. Dispõe o art. 10, VII, da referida Lei: São isentos do pagamento de custas: … VI – o usuário da assistência judiciária aos necessitados, representado por Defensor Público; VII – o beneficiário da justiça gratuita, que esteja representado por advogado por ele indicado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço; VIII – o réu pobre, nos feitos criminais.
Concernente a essa medida de combate adotada no intuito de suprimir o uso abusivo da carta de pobreza, o Procurador Geral da República, Antônio Fernando Barros e Silva de Souza ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3658, impugnando o inciso VII da referida Lei, por limitar o acesso à justiça gratuita somente quando houver impossibilidade de ser representando pela Defensoria Pública ou por advogado por ele indicado. A referida ADI encontra-se aguardando julgamento.
III.– No Estado de Goiás
No Brasil, a Lei de Organização Judiciária do Estado de Goiás adotava um modelo de distribuição de processos onde aqueles processos em que pelo menos uma das partes for beneficiária da assistência judiciária e versem matéria de família e sucessões, ou processos cíveis, exceto os da competência de outras varas especializadas, eram distribuídos para a 4a, 5a e 6a Varas de Família, Sucessões e Cível[2].
Em comparação com as outras 03 varas (1a, 2a e 3a Varas de Família, Sucessões e Cível), as varas de assistência judiciária do Estado do Goiás têm, em média, três vezes mais processos em tramitação e um número bem inferior de magistrados e servidores.
O OAB-GO e a ASMEGO, por entender que o modelo de distribuição de processo até então utilizado promove uma melhor prestação jurisdicional para as pessoas com capacidade de arcar com os custos do processo, no intuito de tornar democrático o acesso à justiça, pleitearam a alteração legislativa para que a distribuição fosse igualitária.
No final do ano de 2011 a Assembléia Legislativa do Estado do Goiás aprovou o projeto de lei que alterou o modelo de distribuição para equitativo, ou seja, as ações passaram a ser distribuídos igualitariamente para as 06 (seis) varas sem distinção quanto a gratuidade da justiça[3].
Além dessa questão no Estado do Goiás, o provimento 15/2007 da Corregedoria Geral de Justiça limitava a distribuição de até 175 mandados da justiça gratuita por Oficial de Justiça. Por tratar-se de uma limitação ao acesso à justiça, o Conselho Nacional de Justiça declarou esse dispositivo nulo, afirmando que não há jurisdição efetiva onde a máquina judiciária impede ou limita o livre acesso de todos ao Judiciário[4].
IV.– Instituição de multas na Argentina e Brasil
No intuito de evitar o uso abusivo de solicitar o benefício de litigar sem gastos, o legislador argentino, através da Lei 25.488/2001, adicionou um segundo parágrafo ao artigo 81 do Codigo Procesal Civil y Comercial de la Nacion estabelecendo que: “Si se comprobare la falsedad de los hechos alegados como fundamento de la petición del beneficio de litigar sin gastos, se impondrá al peticionario una multa que se fijará en el doble del importe de la tasa de justicia que correspondiera abonar, no pudiendo ser esta suma inferior a la cantidad de PESOS UN MIL ($ 1.000). El importe de la multa se destinará a la Biblioteca de las cárceles. (sustituido por el art 2º. de la Ley 25.488)”.
Essa previsão legislativa refere-se à multa aplicada nos casos de falsidade dos fatos que fundamentam o pedido do benefício de litigar sem gastos no importe equivalente ao dobro do valor da taxa, observando-se que nunca será inferir à $1000 (hum mil pesos).
Para Augusto M. Morello para que a aplicação da referida multa está condicionada a: 1) falsidade objetiva dos fatos alegados; 2) o conhecimento de tal inexatidão; e, 3) o indeferimento do benefício de litigar sem gastos por um órgão jurisdicional[5].
Trípoli y Ammirato afirma que essa alteração normativa é plausível, visto que é frequente o pedido abusivo do benefício de litigar sem gastos e essa previsão exige seriedade e fundamento para a redução da pretensão incidenta[6].
No Brasil, também há previsão de multa no art. 4o da Lei 1.060/50 no importe de até o décimo do valor das custas judiciais: “§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais. ”Face aos inúmeros abusos em decorrência da inaplicabilidade da multa prevista, alguns magistrados já passaram a indeferir o pedido de gratuidade da justiça nos casos em que se verificaram a má-fé. Isso é o que aponta a decisão nos autos do processo nº 2075/10 que condenou a parte no pagamento de dez vezes mais ao valor de custas processuais que deveria ter pago[7].
Guasp sugere, como via de evitar o uso abusivo: “La extensión del arbitrio judicial, la exigencia de una previa declaración de sostenibilidad de la pretensión u oposición que se hará valer en el proceso y la eximición de gastos procesales al adversario del beneficiario “con lo cual éste perderá el estímulo que lo lleva a prolongar, muchas veces, el curso del proceso con el deseo de que la carga económica que pesa sobre su contrincante le impulse a abandonar el procedimiento a transigir”[8].
Muito além dessas medidas de combate é necessário a participação intensa da parte e do juiz, além da consciência do operador do direito, observando-se que, dentre as diversas legislações analisadas, no Brasil e na Argentina é possível a concessão parcial do benefício.
V.- Averiguação das condições financeiras do requerente
Ainda, no intuito de coibir esse uso abusivo do instituto, no Estado do Mato Grosso, Brasil, o Provimento 07/2009 da Corregedoria Geral de Justiça estabeleceu que para conceder o benefício da justiça gratuita, o juiz deverá fazer uma averiguação superficial sobre as condições econômicos do Requerente, devendo, inclusive, realizar consulta nos Sistema INFORJUD da Receita Federal (para verificar a declaração de rendimentos e de bens), ao DETRAN (para verificar a existência de veículos em nome do Requerente), Brasil Telecom e Junta Comercial (para verificar a existência de participação do Requerente em sociedades empresarias)[9].
Além dessa verificação prévia, esse Provimento, também imputou ao Oficial de Justiça o dever de relatar, por escrito, ao juiz, se notar sinais exteriores que evidenciem condições econômicas de o beneficiário arcar com as custas processuais e demais verbas processuais.
VI.– Considerações finais
Apesar dessa nobre finalidade, a declaração de pobreza vem sendo utilizada de forma abusiva por litigantes que possuem abundantes recursos financeiros. No Brasil, esse abuso é motivado pela facilidade de o litigante ser favorecido pelo benefício sem a necessidade de comprovar a insuficiência de recursos. No intuito de combater esse uso abusivo, alguns Tribunais e juízes passaram a exigir a comprovação da situação econômica do Requerente e no estado do Mato Grosso os juízes realizam uma averiguação das condições econômicas do Requerente através dos sistemas governamentais que registram as propriedades e renda. Portanto, além dessas medidas que já vem sendo adotadas, para legitimá-las, é necessário que seja realizada uma alteração legislativa para exigir que todo requerente comprove, através de documentos e testemunhas, a sua hipossuficiência econômica.
Doutorando em Ciências Jurídicas na Universidade Católica Argentina. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Graduado em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Advogado e consultor jurídico
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