Os perigos da gravação eletrônica

Veio
o laudo referente à fita trazendo, segundo suspeita, conversa comentando ato de
corrupção que teria sido praticado pelo senador Jader Barbalho. O perito
Ricardo Molina afirma, sem dúvida qualquer, a falsidade da gravação. As vozes
gravadas  seriam imitação feita a partir de encomenda de Panderley
Avelino, vice-lí der do PFL na Câmara dos Deputados e João Coelho Braga,
Secretário de Obras de Amazonas. A encomenda da gravação espúria teria sido
feita a Nivaldo Marinho, profundo conhecedor dos tiques verbais, sotaque e
inflexões do Deputado Mário Frota. Além disso, a fita exibida era parte de um
lote fabricado recentemente, não podendo, portanto, ser o receptáculo de
conversa anterior. Em outros termos, a fita não existia ao tempo do referido
diálogo. Nivaldo Marinho admitiu ter concretizado a fraude mediante o pagamento
de R$ 12.000,00 (Doze mil reais).

O
senador Jader Barbalho e o deputado Frota caem de pau, literalmente, na revista
“Isto É,” divulgadora do escândalo. Chamam-na de irresponsável. Prometem
represália judicial e  exigem a cassação dos políticos autores da farsa.
Evidentemente, o incidente é extremamente grave.  Significaria, se não
comprovada a falsidade, o golpe de misericórdia no mandato de Jader Barbalho
(Não se fale dos aspectos criminais porque, independentemente dos tardios
esforços do Procurador Geral da República, aquilo já foi às calendas.
Dificilmente se inventará conduta impeditiva de prescrição). Preocupa, sim, um
aspecto mais universal representado pela falibilidade da prova obtida por meios
eletrônicos e/ou  revestida de ilicitude. Há, andando por aí nos
tribunais, perigosíssima jurisprudência atinente a gravações ilegais.
Chegam  alguns Acórdãos a admitir que a escuta telefônica, mesmo realizada
sem o conhecimento de um dos interlocutores, serve de prova, pois um deles (o
autor da escuta) tem o direito de preservar  a conversa,  garantindo
a autenticidade das manifestações verbais. Valeria tal prova, inclusive,
na  gravação direta, bastando à eficácia a  presença  e o
interesse do autor da interceptação. A propósito, lembro-me de  alguns
antigos filmes americanos. O mocinho é posto no meio de quadrilha de mafiosos
com um gravador preso ao corpo por largas fitas de esparadrapo. Descobrem-no.
Tiram-lhe a camisa e arrancam o gravador com puxões violentos. Vem junto a
pilosidade peitoral do infeliz (Em Hollywood, o herói é sempre másculo. Não se
depila o ator numa cena dessas). Hoje não se usa mais esse tipo de
interceptação. O instrumental é eletronicamente detectável. Aperfeiçoou-se o
sistema. Há, segundo consta,  delegados de polícia especializados em
escuta sofisticada (uma parafernália sedutora, diga-se de passagem).Versados no
ramo, exibem diplomas vistosos obtidos nos Estados Unidos. Nem se fale de
juízes  que autorizam a escuta e legitimam os resultados. Exemplo: “- Decisão
judicial fundamentada, com apoio na Lei 9296/96, determinando a interceptação
telefônica, não afronta a Constituição Federal. A proteção à inviolabilidade
das comunicações telefônicas do advogado não consubstancia direito absoluto,
cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de um
interesse público superior, especificamente a fundada suspeita de prática de
infração penal”
  (RO em M.S. 10.857-S.P., STJ., 1.a Turma-
DJU, 2/05.2000). Já há muito tempo, quando novidade no Brasil a lei
regulamentadora da interceptação, escrevi extenso estudo a respeito daquilo
(Direito e Dever ao Silêncio, em “Estudos de Direito e Processo Penal em
Homenagem a Manoel Pedro Pimentel, Editora Revista dos Tribunais”). Passou
batido. Pouca gente se impressionou. A experiência, entretanto, traz alguma
porção de previsibilidade. Aquele texto antecipava, apenas, acontecimentos
assemelhados ao que envolveu a gravação apócrifa hoje discutida. A legislação
nova apareceu na medida certa para engrossar um movimento nazifacista que
contagia o processo criminal brasileiro. Herança da velha Europa de uma parte e
imitação dos filmes de espionagem de outra; é lamentável, mas é verdade. Foi-se
o processo penal clássico. Agora vale tudo. O Estado pode sem limites. O
cidadão é pigmeu.  Obviamente, a crítica poderia ser mais suave.
Deixe-se a elegância, entretanto, aos doutores de borla e capelo, se houver
algum suficientemente atrevido para enfrentar o tema. Se cuidado não houver e
certos magistrados não tomarem tento, a interceptação se transformará em
rotina, com imensos prejuízos à privacidade constitucionalmente garantida.
Aliás, a Constituição existe,  como os antigos diziam, só para inglês ver.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

 

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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