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Os principais aspectos da escravidão contemporânea no Brasil e como a mesma tem sido combatida

Resumo:ALVES, Cinthia Correa Fernandes. Os Principais Aspectos da Escravidão Contemporânea e como a mesma tem sido combatido no Brasil. 2015. XX f. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.O presente estudo tem por objeto a análise da escravidão contemporânea brasileira e bem como quais méis utilizados ara seu combate e erradicação. A abordagem do tema será realizada ao longo de quatro capítulos que visam elucidar os principais aspectos da matéria. O primeiro capítulo traz uma breve digressão acerca da escravidão, através da analise de sua origem etimológica e objetivando a melhor compreensão da mesma em suas facetas modernas. O segundo capítulo compreende um exame mais detalhado de algumas das modalidades contemporâneas da escravidão, expondo pontos em comum entre as mesmas e peculiaridades. O terceiro capítulo busca analisar o tema por meio dos debates jurídicos travados, explicitando o andamento quando  o tema no cenário jurídico nacional, desenhando um panorama geral envolvendo os poderes legislativo, executivo e judiciário. Para tal, colacionam-se as opiniões de grandes estudiosos, bem como decisões jurisprudenciais versando sobre o assunto. Na quarta etapa, se demonstram os principais mecanismos usados hodiernamente a fim de erradicar a vergonhosa escravidão contemporânea do país. Por fim, demonstra-se a grande conquista representada pela Emenda Constitucional 84 de 2014.

Palavras-chave: escravidão contemporânea, análise histórica, meio rural, avanços, debates jurídicos.

Abstract:ALVES, Cinthia Correa Fernandes. Os Principais Aspectos da Escravidão Contemporânea e como a mesma tem sido combatido no Brasil. 2012. XX f. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.The present study has as its purpose the analysis of Brazilian contemporary slavery, the means used to prevent and eradicate it. The theme will be held over four chapters which aim to elucidate the main aspects of the subject. The first chapter provides a brief digression about slavery, passing through the examination of its etymological origin and seeking a better understanding of its modern facets. The second chapter contains a more detailed exam round the current forms of slavery, exposing the similarities and peculiarities between them. The third chapter analyzes the issue by contemplating the legal debate over the matter, explaining its status on the national legal scenario by showing a general picture of legislative, executive and judiciary’s involvement. In order to achieve this end, this presentation brings the opinion of great scholars and court decisions dealing with problem. The fourth step is demonstrate the main mechanisms used in the present times meaning the solution of the chameful contemporary slavery in the country. Finally, it shows the meaning point that is the approval of the EC 84 of 2014.Keywords: contemporary slavery, historical analysis, rural areas, advances, legal debates.

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Sumário:

1 Introdução………………………………………………………….. 9

2 Escravidão – Breve histórico…………………………………. 13

2.1- No Brasil………………………………………………………. 14

2.1.2- Leis Protetivas……………………………………………….. 15

2.2Questionamento………………………………………………….. 16

2.2.1- Escravidão Brasileira: conceito tradicional X conceito atual         18

2.4- Princípios Constitucionais aplicados na seara trabalhista       21

3- Trabalho escravo e suas “modalidades” contemporâneas 23

3.1- Escravidão por Dívidas…………………………………….. 23

3.2- Escravidão Rural…………………………………………….. 25

3.3.1 Destaque para certas regiões do país……………….. 27

3.3- Escravidão Urbana………………………………………….. 27

3.3.1- Bolivianos em São Paulo…………………………………… 30

3.3.2- Caso ZARA…………………………………………………….. 31

4-DEBATES JURÍDICOS…………………………………………… 34

4.1-Análise do artigo 149 do Código Penal Brasileiro…… 34

4.2 O STF e a escravidão………………………………………… 36

4.3-Procedimento das investigações…………………………. 39

4.4- Posicionamento da jurisprudência quanto à competência       43

5- INICIATIVAS RECENTES……………………………………… 46

5.1- Lista Suja………………………………………………………. 46

5.1.2 Constitucionalidade da medida………………………… 47

5.2- Danos Morais Coletivos……………………………………. 49

5.2.1Fixação do Montante a ser pago………………………… 50

5.3-P.E.C nº 438……………………………………………………. 51

6- Conclusão………………………………………………………… 57

Referências……………………………………………………………. 60

Introdução

“Nosso dia vai chegar,
Teremos nossa vez.
Não é pedir demais:
Quero justiça,
Quero trabalhar em paz.
Não é muito o que lhe peço –
Eu quero um trabalho honesto
Em vez de escravidão”.

(Trecho da Canção Fábrica- Renato Russo)

     O presente estudo tem por escopo apreciar como  a escravidão no Brasil se mostra nos dias de hoje, através da abordagem de seus principais aspectos, bem como das soluções atualmente usadas para combatê-la. O referido tema é de grande relevância jurídica e social, e há alguns anos vem conquistando maior atenção, em virtude dos inúmeros casos noticiados.

Não obstante a abolição da escravatura ter ocorrido em 1888 – ocasião em que deixou de existir enquanto prática oficial, reconhecida e chancelada pelo Estado –, extinguindo-se a figura jurídica do escravo como coisa apropriável, práticas tão nefastas quanto a própria escravidão pré-republicana permaneceram no cenário brasileiro, na forma de superexploração dos trabalhadores

Por ter sido o Brasil um país de base escravista até relativamente pouco tempo, as marcas deste regime ainda podem ser sentidas na realidade nacional, tornando a erradicação de trabalho escravo ou assemelhado verdadeiro desafio para as autoridades. Daí a importância de aprofundar o exame da matéria, como forma de compreender as modalidades de exploração da mão de obra vigentes hoje, bem como suas consequências aos diversos ramos sociais.

Recentes escândalos envolvendo marcas de roupas famosas que se utilizam trabalho escravo em suas confecções colocaram o tema em voga, sendo extensivamente noticiado nos canais de comunicação. Nesse diapasão, indivíduos que, anteriormente, consideravam-se totalmente alheios, distanciados desta questão, se deram conta de que se trata de um problema atual, próximo e persistente. Isto se deu especialmente por reportagens que apontaram a região sudeste como líder do ranking do trabalho escravo brasileiro, fato este que contraria o senso comum de que apenas as regiões mais rudimentares apresentam tal modalidade.

Não obstante, a escravidão contemporânea ainda é um assunto ignorado por boa parcela da sociedade (em distintas classes sociais). Muitas vezes, inclusive, pelos próprios indivíduos escravizados que não têm, nem mesmo, ciência de seus direitos sonegados e de sua condição, o que torna tudo muito mais fácil e simplificado para seus empregadores, se é que é correto chamá-los assim.

 É frequente e bastante comum o indivíduo associar a escravidão apenas àquele  modelo existente na fase pré-republicana e abolido em 1888, chegando à absurda conclusão de que  a mesma fora totalmente erradicada. Exemplo da tal ingenuidade são relatos de pessoas, que quando resgatadas de tal trabalho apresentaram questionamentos tais como: “Não sou escravo, pois não sou negro, minha pele é branca! A escravidão não existe mais no Brasil”. Outros exemplos são de indivíduos com visão excessivamente restritiva de tal instituto, pensando que o mesmo se configura apenas nos casos em que há cerceio da liberdade de locomoção por meio de barreiras físicas.

Exemplo de lamentável constatação se mostra através do relato do padre Ricardo Rezende Figueira, fundador e presidente da Rede Social Justiça e Direitos Humanos e um dos nomes mais combativos quando o assunto é a questão agrária no Brasil. Nas palavras do padre:

“… ao explicar que estudava o Trabalho Escravo contemporâneo, alguns estudantes de História me olhavam com pena: ‘o padre da roça estava desinformado sobre a história do Brasil’. Infelizmente eles não tinham razão”.[1]

Assim sendo, este problema social ganha contornos de maior relevância, considerando a sua assimilação pela realidade do mercado atual, relevando-se uma alternativa de baixíssimo custo para muitas grandes empresas, que, em seus “bastidores”, longe das luzes da opinião pública, se utilizam esta prática lamentável como forma de maximizar os seus lucros. Verifica-se, na verdade, que não houve no país uma real abolição do trabalho escravo, visto que este não e extinguiu, tão somente mudou de forma, sem, contudo, deixar de ter como base a exploração do trabalho humano.

 Importante destacar que o assunto “Trabalho Escravo Contemporâneo” constitui base para diversos subtemas de inegável relevância. Não obstante, o presente trabalho objetiva realizar a abordagem dos pontos escolhidos como principais a fim de possibilitar uma explicação mais detalhada a respeito dos mesmos. Neste diapasão, será analisado, por exemplo, o conteúdo do artigo 149 do Código Penal Brasileiro, cuja redação sofreu significativa alteração pelo advento da Lei nº 10.803/2003, como reflexo de uma demanda por maior atenção ao tema e medidas atualmente adotas para combater esta chaga social.

Torna-se imprescindível, ainda, a realização de uma breve análise histórica da escravidão, visto que a mesma tornará possível a compreensão desta modalidade de exploração na forma como se mostra atualmente. Explicará da mesma forma, porque sua figura contemporânea é, sem dúvida, mais lucrativa, mais simples de ser realizada e mais vantajosa para os que dela usufruem.

Também é importante entender o perfil do escravo contemporâneo, ressaltando que atualmente, conforme mencionado, não há distinção quanto à cor, quanto a sexo ou nacionalidade. Verificam-se, entretanto, fatores que podem influenciar na busca por escravos sujeitando certos grupos a uma maior probabilidade de vitimização.

O exame do tema deve necessariamente passar pelas soluções encontradas pelo Estado, no sentido de coibir esta prática, bem como o grau de efetividade das políticas adotadas com essa função. Neste sentido, torna-se imperioso abordá-las, sobretudo considerando o alto índice de reincidência dos empregadores, que mesmo após descobertos e punidos, perpetuam este comportamento.

Destarte, este trabalho fará uma abordagem focada no âmbito do direito do trabalho. Mas, por se tratar de assunto interdisciplinar, perpassará, necessariamente, por outros ramos do direito, tais como direito constitucional, direitos humanos, direito penal, direito civil. Tal informação corrobora o fato de que a divisão do direito em diversos ramos distintos se dá apenas para fins didáticos e facilitação da aprendizagem, tratando-se, em verdade, de um único e grande ramo.

     Feitas as devidas considerações, o assunto, conforme dito, será focado sob o prisma do direito do trabalho, abordando aspectos apontados pelos principais doutrinadores, especialistas no assunto bem como os posicionamentos jurisprudenciais contemporâneos. Finalmente, o objetivo será arriscar-se a concluir o que é, de fato, o Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil e, quiçá, contribuir, ainda que minimamente, para abolir de vez essa mazela social através da informação a respeito.

     Definidos os esclarecimentos pertinentes, parte-se ao trabalho escravo contemporâneo.

1-   Escravidão: breve histórico

Etimologicamente, o vocábulo escravo é oriundo da raiz sclavu, que significa servo, criado. Em pesquisa realizada, observa-se a definição de escravo como “pessoa dominada fisicamente ou psicologicamente por algo ou alguém”[2]. Não obstante a facilidade de encontrar-se um conceito objetivo, simples, o termo é, na vida prática, bastante complexo em sua definição e, consequentemente, capaz de abarcar nuances e distintas situações nas quais se faz presente.

Em que pese ser um problema extremamente atual, a existência de trabalho escravo está longe de ser algo novo no seio social. Ocorre que, ainda que moralmente questionável hoje, a escravidão, ao longo do tempo, sempre acabou por se revelar como um modo de relacionamento entre os seres humanos, ou melhor dizendo, a mais perversa apropriação do trabalho humano como forma de sobrevida e exploração. Daí o fato de ser uma constante na história da humanidade.

Frisa-se aqui, que, não obstante geralmente ensinado pelos livros de história, os quais apresentam uma visão eurocêntrica a respeito do assunto, a trajetória da escravidão não seguiu uma linearidade, isto é, não se deu de maneira uniforme em localidades diversas, assim como não se dá, nem mesmo, em nosso país. Desta forma, necessário despir-se da visão monolítica comumente vista, a qual traz, por exemplo, alguma data oficial, como a data da abolição da escravatura no Brasil, e trata como algo que pusera fim a determinado instituto na vida prática de uma sociedade. Fato que, em realidade, não ocorreu.

A pesquisa da origem da escravidão nos remete às mais primitivas formas de sociedade. Pode-se, por exemplo, citar o regime escravista em vigor há muitos milênios antes da época do Império Romano, no qual a escravidão era um dos pilares da organização social, tendo implicações inclusive nas searas econômica e política, tal como fora na Grécia. Contrariando frontalmente o senso comum, era possível ver na antiguidade romana, indivíduos prisioneiros de guerra fazendo verdadeiras filas a fim de serem escravizados. Tal fato se justifica porque muitas vezes, esta constituía a única forma de ascensão social daquele indivíduo. Não havia, por conseguinte, questionamento acerca da legitimidade do instituto.

Não se mostrava razoável, àquela época, almejar uma sociedade destituída de escravidão ou dotar tal instituto de reprovação moral e/ou ideológica; ele encontrava-se intrínseco à mesma. Neste contexto, era inconcebível, pois, desejar uma sociedade sem base escravista. Aprende-se assim, que no Direito Romano, o escravo não possuía um rol de direitos colocados à sua disposição, dentre outros motivos, porque era visto como “coisa”, e como tal, não era sujeito a tal amparo. Corroborando esta visão, basta citar que o grande filósofo Aristóteles dizia que “o escravo, por natureza, não pertencia a si mesmo, mas a outra pessoa.” [3]

Em verdade, tal afirmação mascarava o verdadeiro cerne da questão, que nada tinha a ver com a natureza da pessoa escrava , mas sim com arraigado costume histórico.  Na Grécia e Roma, a escravidão era a forma mais característica de apropriação de trabalho.

Neste sentido, conforme já mencionado, não havia uma preocupação de cunho moral em relação à instituição escravidão. Nos dizeres de Fábio Duarte Joly:

Por mais e se denunciasse a violência da instituição, nunca se colocou em pauta a questão de sua legitimidade, pelo simples motivo de que não se concebia uma sociedade sem escravos, e tampouco a escravidão era vista como um problema moral que levantasse a questão o fim do trabalho escravo.[4] (Grifo nosso).

2.1.No Brasil 

 Conforme dito anteriormente, o Brasil foi até relativamente pouco tempo, um país oficialmente escravista.  Como amplamente ensinado, em 13 de maio de 1888, a princesa regente à época (Isabel) aboliu oficialmente a escravidão em território nacional assinando a chamada Lei Áurea. Antes de se ater à escravidão negra vigente no Brasil na fase pré-republicana, importante mencionar que foi a escravidão indígena a forma pioneira vigente neste território. Entretanto, não perdurou por muito tempo, entre alguns motivos, pelo fato de não ter sido economicamente rentável à Coroa Portuguesa, ante o fato de haver sonegação frequente de imposto devido à mesma, o chamado quinto.

 No que tange à posterior escravidão negra, consistia em indivíduos trazidos do continente africano. Diferenciavam-se dos indígenas, entre outros aspectos, porque estes eram vistos em estado de liberdade em solo brasileiro, enquanto os negros já vinham para o mesmo em cativeiro, na condição de capturados, de mercadorias.

Neste âmbito, destaca-se que até mesmo as mortes ocorridas ao longo do trajeto eram calculadas de forma a manter a margem de lucro, semelhante ao que ocorre hoje com grandes empresários e comerciantes com relação a produtos eventualmente extraviados, furtados etc.

Parte significativa da doutrina defende, através de argumentos concisos, que o indivíduo escravo não era, em verdade, visto meramente como coisa. Conforme já explicitado no início deste trabalho o correto entendimento do tema, requer que haja um desprendimento com a visão eurocêntrica e monolítica. Esta trata a escravidão, por vezes, de forma restrita, não explorando importantes nuances comportadas pela mesma.

 O Procurador Marcelo José, coorientador do presente trabalho, por ocasião de entrevista feita com o mesmo, destacou ser necessário trazer à baila alguns matizes que se deram ao longo da existência de tal modalidade de exploração de trabalho no Brasil. Desta forma, se possibilita mostrar mudanças que se deram paulatinamente.

2.1.2- Leis Protetivas

Com o surgimento de movimentos abolicionistas, surgiram leis protetivas de escravos que, de certa forma, obrigavam o senhor de escravos a ceder com vistas à manutenção do instituto, isto é, para perpetuar seus próprios interesses. Importante, neste momento, esmiuçar detalhes das mesmas para se vislumbrar a real intenção de sua promulgação bem como seus efeitos práticos, raramente abordados e desconhecidas por ampla parte da sociedade.

 Um importante exemplo disto foi a Lei do Ventre Livre, de 1871, a qual consistia na liberdade concedida aos filhos de mães escravas. Em seu artigo 1º dispunha:

Art. 1.o – Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre.

§ 1.o – Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei.[5]( Grifo nosso)

Observa-se a partir da análise deste artigo, mais uma vez, nuances que precisam vir à tona para a devida compreensão do assunto. Assim, nota-se que era facultado ao senhor do escravo a entrega das referidas crianças nascidas à instituição pública quando estas completassem oito anos de idade ou a exploração de seu trabalho até os vinte e um anos. Tal fato era respaldado ao argumento de que o direito de propriedade estava previsto na Constituição da época (Constituição de 1824).

Outro exemplo de lei protetiva foi a Lei dos Sexagenários que, promulgada em 1885, garantia a liberdade aos escravos que contavam com determinada idade à época. Traz -se á baila os dispositivos da mesma abaixo:

    “§ 10. São libertos os escravos de 60 annos de idade, completos antes e depois da data em que entrar em execução esta Lei; ficando, porém, obrigados, a titulo de indemnização pela sua alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de tres annos.

    § 11. Os que forem maiores de 60 e menores de 65 annos, logo que completarem esta idade, não serão sujeitos aos alludidos serviços, qualquer que seja o tempo que os tenham prestado com relação ao prazo acima declarado.

    § 12. E' permittida a remissão dos mesmos serviços, mediante o valor não excedente á metade do valor arbitrado para os escravos da classe de 55 a 60 annos de idade.

    § 13. Todos os libertos maiores de 60 annos, preenchido o tempo de serviço de que trata o § 10, continuarão em companhia de seus ex-senhores, que serão obrigados a alimental-os, vestil-os, e tratal-os em suas molestias, usufruindo os serviços compativeis com as forças delles, salvo si preferirem obter em outra parte os meios de subsistencia, e os Juizes de Orphãos os julgarem capazes de o fazer.

    § 15. O que se ausentar de seu domicilio será considerado vagabundo e apprehendido pela Policia para ser empregado em trabalhos publicos ou colonias agricolas.

    § 16. O Juiz de Orphãos poderá permittir a mudança do liberto no caso de molestia ou por outro motivo attendivel, si o mesmo liberto tiver bom procedimento e declarar o logar para onde pretende transferir seu domicilio.

    § 17. Qualquer liberto encontrado sem occupação será obrigado a empregar-se ou a contratar seus serviços no prazo que lhe fôr marcado pela Policia.”[6]

Neste âmbito, observa-se através da análise do corpo da lei, que em verdade, os escravos que contavam com sessenta anos à época, ainda deveriam prestar serviços aos seus senhores por considerável período. Além disso, a lei demonstra flagrante incongruência ao dispor que escravos já “libertos” precisavam de permissão judicial para ausentar-se de seus domicílios ou que eram obrigados a alcançar uma ocupação. Além disso, resta claro que, na vida cotidiana tal lei gerou poucos impactos visto que em raríssimos casos os escravos atingiam tal faixa etária, e quando a conseguiam, já eram bem menos valorizados. Não obstante, houve significativa resistência dos senhores de escravos ante a referida lei.[7]

Outro exemplo consiste em relatos de que após a conversão forçada do escravo ao catolicismo, aos mesmos se estendia a consideração do dia de domingo como um dia santo, de repouso. Neste sentido, o senhor que impusesse trabalho ao seu escravo em dia dominical, lhe remuneraria.

2.2- Questionamento

Os primeiros movimentos que questionaram a escravidão no que tange a sua legitimidade sob o ponto de vista moral, surgiram apenas em 1750, com os movimentos dos quakers, seita surgida durante as revoluções inglesas do sec. XVIII os quais passaram a questionar a compatibilidade da escravidão com o cristianismo, trazendo um cunho religioso à questão, através de equiparação da escravidão ao pecado.

Importante mencionar inclusive, o movimento filosófico do Iluminismo, originário da Ilustração. Seu auge ocorreu no Século XVIII, o qual passou a ser chamado de “Século das Luzes”. Tal movimento, que tinha como importante representante o filósofo Montesquieu, tinha por principal atividade denunciar os séculos anteriores (componentes da chamada Idade Média) como um período de Trevas. Em seu lugar, os pensadores defendiam a razão, a valorização do pensamento Humano em detrimento da fé dogmática. Assim, a pertinência desta informação ao presente trabalho se explica porque, com tal movimento, a escravidão passou a ter sua legitimidade questionada por não estar em conformidade com os novos ideais trazidos.[8]

“A partir da Ilustração, a escravidão começou a ser encarada por certos intelectuais como uma instituição injusta. Desse modo, eles contribuíram para que a sensibilidade social derivada do conceito de humanidade fosse aos poucos, em alguns círculos de letrados, estendida aos escravos…( grifo nosso)”[9]

Esse embrião de questionamento religioso acerca da escravidão, amplamente usada nas colônias americanas, ganhou força política com as ideias libertárias originárias da revolução francesa, seguindo um crescente, onde se pode dar como exemplo, o Brasil, tardio país a abolir a escravidão formal. Era, à época de sua abolição, o único país do continente americano no qual tal prática vigorava oficialmente, sob o crivo da lei.

2.3-Escravidão Brasileira: conceito tradicional versus conceito contemporâneo

 Em certa ocasião, no ano de 1995, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, utilizando a expressão trabalho escravo, em entrevista radiofônica, definiu como única diferença entre sua forma atual e a vigente no século XIX, o fato de que “o escravo do passado sabia quem era seu senhor e o atual não sabe.” [10]

A definição se mostra correta, pois foi adaptada à nova realidade. Contudo, é fácil perceber que em sua essência, a escravidão permanece a mesma, qual seja a exploração do trabalho humano como se propriedade fosse.

 Neste sentido, o artigo 149 do Código Penal, com sua redação modificada pela Lei 10.803/2003 (este tópico específico será esmiuçado a posteriori) mostra-se melhor adaptada à escravidão contemporânea. In verbis:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).

Imprescindível contrapor a redação do referido artigo com o disposto em duas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, in verbis:

Convenção 29:

Trabalho forçado (1930): dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas as suas formas. Admitem-se algumas exceções, tais como o serviço militar, o trabalho penitenciário adequadamente supervisionado e o trabalho obrigatório em situações de emergência, como guerras, incêndios, terremotos, etc.

Convenção 105:

Abolição do trabalho forçado (1957): proíbe o uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação política; como castigo por expressão de opiniões políticas ou ideológicas; a mobilização de mão-de-obra; como medida disciplinar no trabalho, punição por participação em greves, ou como medida de discriminação. [11]

A Convenção de nº 29, datada de 1930, bem como a de nº 105, datada de 1957 ratificadas pelo Brasil, respectivamente em 1957 e em 1965, foram classificadas pela OIT no elenco dos tratados sobre direitos humanos fundamentais. Não obstante, se mostram, data maxima venia, obsoletas se comparadas à redação do art. 149 do CP, haja vista que as mesmas não abordam o trabalho degradante, restringindo o trabalho escravo à ideia de labor forçado, isto é, apenas àquele em que se constata prejuízo da liberdade de locomoção, não se coadunando à realidade, eis que o termo possui conotação, deveras, muito mais abrangente.

A antropóloga Neide Esterci, explica o assunto abordado neste trecho. Sua definição se coaduna perfeitamente com a visão contemporânea de escravidão, à qual deve ser dada interpretação extensiva:

Determinadas relações de trabalho são de tal modo ultrajantes que escravidão passou a denunciar a desigualdade no limite da desumanização; espécie de metáfora do inaceitável, expressão de um sentimento de indignação que, afortunadamente, afeta segmentos mais amplos do que os envolvidos na luta pelos direitos.[12]

Ousa-se constatar aqui que a escravidão contemporânea seria mais vantajosa ao empregador do que a versão vigente no Brasil Império, conforme os aspectos explicitados a seguir:

Na escravidão antiga, o escravo era custoso ao seu proprietário, não apenas para adquiri-lo como também para mantê-lo, haja vista que não seria nada inteligente deixá-lo morrer ou fugir, gerando o ônus de arcar com um novo escravo. Em contrapartida, o escravo moderno traz custos irrisórios ao seu empregador, na medida em que na escravidão por dívida, por exemplo, além de não receber salário, “adquiri” dívidas impostas pelo “tomador”, ficando invariavelmente com seu “saldo negativo” em relação a esse empregador e, ainda que consiga fugir ou faleça, o “empregador” o substitui rapidamente por outro indivíduo ávido por trabalhar. Ainda relacionado a este aspecto, o proprietário antigo zelava, ainda que minimamente, pela saúde de seu escravo, a fim não obter prejuízos financeiros. Já o “empregador” de escravos contemporâneos trata-os como objeto descartável, pelos motivos já expostos.

Outro aspecto a ser destacado é que o escravo antigo, na maioria dos casos, trabalhava de forma permanente e anos a fio para o seu senhor enquanto o escravo contemporâneo costuma ser temporário. Nas palavras de Vitale Joanoni Neto, “… A escravidão no Brasil Contemporâneo é temporária porque a destruição ambiental também é temporária, Amazônia só poderá ser destruída uma vez (Bales, 2001, p.52).”[13]

Por fim, ganha notoriedade o fato de o proprietário antigo ser assim chamado por ser realmente possuidor de seu escravo, por mais estranho que o termo possa soar hoje, ter escravos era uma atividade lícita, juridicamente amparada, ainda que moralmente desaprovada em determinado momento. Contrariamente, o “empregador” de escravo contemporâneo age de maneira clandestina, eis que configura prática de um crime.

Não se aspira aqui, insinuar que aquele seria melhor do que este, mas apenas aclarar dados raramente trazidos à tona em livros dedicados a matéria. Nesse aspecto, a abolição (no Brasil, se deu com a chamada Lei Áurea) não acabou com a escravidão, mas tão somente com a posse do corpo de outrem, passando-a para a clandestinidade e ilicitude

2.4- Princípios Constitucionais aplicados na seara trabalhista

 Atualmente há uma maior valorização dos princípios no ordenamento jurídico brasileiro. É possível deduzir o afirmado através, por exemplo, de decisões da jurisprudência que demonstram princípios não somente como meras fontes supletivas do Direito a serem aplicados em casos de omissão ou imprecisão da lei, mas umcritério geral de organização do sistema, com múltiplos efeitos.[14]

 Importante salientar os Principais Princípios Constitucionais cuja aplicação se dá na esfera trabalhista de forma Direto. Como bem se sabe, a Carta magna de 1988 tem como preceito central o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, erigido ao Patamar de Direito Fundamental e fundamento do sistema jurídico brasileiro no atual “Estado Democrático de Direito”. Neste sentido, destaca-se o artigo 1º, inciso III da mesma.

Desta forma, inegavelmente, ao ocorrer a “coisificação” de homem ( i.e, o tratamento do homem como mera ferramenta, instrumento de trabalho, com objetivo de exploração de sua mão de obra, evidencia-se incontestavelmente a desrespeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Cumpre mencionar ainda, O Princípio  da Valorização do Trabalho, tento em vista que a Constituição de 1988  o elevou a um de seus principais pilares  através do artigo 1º, inciso IV.

Art. 1º, inc. IV: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…)

IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.( grifo nosso)

Como se pode observar, a valorização do trabalho humano está intrínseca à valorização do próprio ser humano e, portanto, relaciona-se ao citado Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Neste diapasão, imprescindível a citação do artigo 7º da Carta Magna, inserido no capítulo “Dos Direitos Sociais”, o qual traz em seus incisos um rol exemplificativo (nos dizeres do próprio legislador) de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais.

Finalmente, faz-se mister destacar, devido a sua pertinência ao presente trabalho, que ao relacionar os princípios gerais da atividade econômica,a Constituição brasileira enunciou em seu artigo 170:

A “valorização do trabalho humano” ( caput), “ justiça social” (caput), “função social da propriedade ( Inciso II)” e “ busca do pleno emprego” ( inciso VIII).[15]

2.Trabalho escravo e suas “modalidades” contemporâneas

3.1- Escravidão por Dívidas 

Também  chamada Servidão por dívida ou truck system, trata-se aqui de perática associada ao trabalho escravo contemporâneo. Nesta modalidade, o fazendeiro, na maioria dos casos, através de terceiros, alicia indivíduos de outros municípios ou até de outros Estados para  o trabalho, fazendo-os crer que terão boas condições de vida. Nesta ocasião, os indivíduos, em sua maioria do sexo masculino, recebem sedutoras propostas de trabalho, com generosos salários.

Neste contexto, notam-se expressões peculiares para designar indivíduos e funções:

“Gato” é o aliciador de mão de obra para estas fazendas. Ele vai aos municípios e Estados batendo às portas dos futuros trabalhadores ou anunciando pela cidade o recrutamento. Nesta ocasião, o mesmo faz promessas de boas condições de trabalho e salário digno, além de oferecer um “adiantamento” pra que o indivíduo deixe sua cidade. Após a chegada ao local de trabalho, muitas vezes anda armado e pratica diversos crimes com seus “fiscais”. Possível dizer que quanto mais violento, mais prestígio obtem, conseguindo prestar serviço para as maiores empresas por anos consecutivos.[16]

 “Peão” é o trabalhador rural em atividade braçal, previamente aliciado por fazendeiro, empreiteiro ou preposto. Nas palavras de Ricardo Rezende, trata-se de:

Trabalhador rural em atividade braçal, levado para empreendimentos agropecuários na Amazônia, onde deve executar trabalhos pesados, de baixa qualificação profissional, em geral sob coerção. O termo é também utilizado para identificar pessoas em atividades de desflorestamento, feitura e conservação de pastos e cercas, aliciadas pelo fazendeiro, empreiteiro ou por um seu preposto.[17]

Possível observar ainda, que o termo funciona como um gênero, que comporta distintas “espécies de peões”. Destaca-se, por exemplo, o “Peão de trecho”, o qual parece melhor se coadunar com o caso mais comum trazido à baila na Servidão por Dívida, visto que este trabalha fora de seu lugar de origem, desligando-se de suas relações familiares. Com as dívidas impostas a si, acaba por manter-se preso à rede de endividamento e ao trabalho coercitivo. Costuma ser analfabeto, sem qualificação profissional.[18]

 Neste contexto, é pertinente invocar o disposto no artigo 421 do Código Civil  de 2002( Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002) :“ A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Assim, como é sabido, o contrato de trabalho não exige formalidade para que se considere firmado, podendo ser verbal, conforme o disposto pelo artigo 443 da Consolidação das Leis Trabalhistas( CLT). Logo, quando o “gato” faz sua proposta e a mesma tem aquiescência do trabalhador, se inicia aí o contrato de trabalho. Esta constitui uma das formas de proteção do trabalhador.

Chegando ao local, tais indivíduos são informados de que só poderão deixá-lo após pagamento de "abono” (quantia em dinheiro) recebido no ato do recrutamento, bem como os gastos com o deslocamento, alimentação e hospedagem, decorrentes o transcurso da viagem. 

Deste modo, cada trabalhador adquire um “caderninho de dívidas” onde está anotado quanto é devido por ele. Acumulam-se débitos decorrentes do uso de instrumentos indispensáveis à execução do trabalho, à vestimenta, à alimentação, à higiene pessoal, que eles têm que adquirir na cantina pertencente ao fazendeiro, com preços arbitrados pelo mesmo (a prática chama-se “fazer cantina”). Surgem assim, dívidas homéricas, totalmente incompatíveis com a quantia paga ao trabalhador, situação que acaba por perpetuar a qualidade de devedor e consequentemente, impedido de deixar a propriedade.

Tais trabalhadores se encontrarem isolados, longe de familiares e amigos, desprovidos de um local viável para onde possam pedir “socorro”. A seguir, depoimento do Padre Ricardo Rezende Figueira:

A relação de trabalho, a que esta tese se refere, vem acompanhada, muitas vezes, por um conjunto de práticas que podem ser, dependendo da autoridade coatora, tipificadas juridicamente como crime_ manter pessoas em cárcere privado, violência física, como a tortura e lesões corporais, assassinato e danos ambientais_ e violações a leis trabalhistas_ não assinatura de Carteira de Trabalho e Previdência Social, não recolhimento dos direitos previdenciários, não pagamento do salário e das férias, condições inadequadas de habitação, transporte, alimentação e segurança. (grifo nosso)[19]

 Resta claro que não obstante imensa insatisfação, esses trabalhadores são impedidos de exercerem seus direitos como homens livres e iguais, inclusive de se ausentarem das propriedades e procurarem outra ocupação.

O aliciamento de pessoas é prática muito comum em território nacional, com destaques para locais rurais e de difícil acesso. Neste contexto, emergem histórias tristes, lamentáveis ao trabalhador aliciado e aos seus familiares. A seguir depoimento prestado por trabalhador ao Padre Ricardo Rezende Figueira:

Às vezes [há o] medo de que a nossa família esteja passando mal. Não deixamos nada em casa. Às vezes o fazendeiro não quer liberar um dinheiro para a gente mandar para casa. A gente fica pensando naquilo” (depoimento, Barras, 2000)[20]

Sob outro aspecto, há relatos de familiares que tentaram buscar notícia do trabalhador aliciado, obtendo sucessivas negativas de informação por parte do “gato” e até mesmo ameaça de assassinar o trabalhador caso voltassem a ligar, o que demonstra a frieza com que agem esses criminosos.

3.2- Da Escravidão Rural

Neste importante tópico, tratar-se-á da escravidão existente em âmbito rural, mais lembrada quando o assunto é escravidão contemporânea. A mesma se encontra estreitamente ligada aos problemas agrários do Brasil. Além disso, não se trata de algo recente. Com o desenvolvimento econômico do país, observou-se a diminuição do número de pequenas unidades fundiárias. Em contrapartida, o crescimento da área de grandes propriedades.

Neste contexto, grandes fazendeiros, fazem uso de trabalho degradante análogo ao escravo em sua propriedade, havendo quadros de violência física e psíquica e, ao mesmo tempo, casos de impunidade; situação difícil de ser erradicada. E isso se infere através de relatos que demonstram represálias como ameaças e até assassinatos àqueles que tentaram acabar de vez com “tal esquema”.

Antônia Macedo Ribeiro, cujo pai lutou arduamente no sul o Pará em prol de melhores condições de vida aos trabalhadores rurais:

“O primeiro presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria foi João Canuto. Ele foi assassinado e algum tempo depois foi meu pai, Expedito. A partir do momento em que ele passou a ser presidente do sindicato ele recebia vários tipos de ameaças”.[21]

O relatado acima ocorreu no ano de 1975. Ora, saber disso, poderia suscitar dúvidas no sentido de que nos dias de hoje tal barbárie não ocorreria. Não obstante, desde esta data, há notícias que demonstram a ocorrência de centenas de assassinatos no Campo no Estado do Pará. Ora, escolheu-se trazer à baila neste momento um caso notório por sua grande repercussão nacional, ocorrido em 2005:

Dorothy Mae Stang, conhecida como irmã Dorothy Stang, atuou intensamente nos movimentos sociais do Pará, tendo por objetivo a minimização dos conflitos latifundiários. Dorothy passou a receber diversas ameaças em decorrência de sua militância, sem, contudo, intimidar-se. Fora assassinada com seis tiros em 12 de fevereiro de 2005.[22]

Inegavelmente, o trabalho análogo ao Escravo realizado em âmbito rural ainda ganha destaque quando comparado ao urbano. E não é difícil entender a razão. Lugares mais rudimentares, de difícil acesso, mais distanciados, acabam por facilitar a manutenção de indivíduos em trabalho degradante escondidos da fiscalização, ainda que haja ações como o Grupo de Fiscalização Móvel. Por outro lado, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), juntamente com o Ministério Público o Trabalho e Emprego (MTE), fornecem os números reais de trabalhadores que se encontram em situação de trabalho degradante no Campo.

A partir de tais dados, é possível se constatar que as regiões norte e, em seguida, nordeste, lideram o ranking de incidência de tal trabalho análogo ao escravo no Brasil. Não obstante, o Estado do Rio de Janeiro figura no ranking dos Estados onde se encontrou maior quantidade de trabalhadores em tais condições e em 2009 registrou o resgate do maior número dos mesmos em comparação aos outros Estados. Como possível fator, cita-se a maior facilidade de acesso e resgate de trabalhadores na região sudeste.

Abaixo, traz-se o enigmático caso de trabalho escravo em âmbito rural, cuja repercussão foi ampla:

Em iniciativa inédita, o juiz Federal Carlos Henrique Hadadd, da subseção de Marabá. Sul do Pará, julgou 32 processos concernentes à trabalho escravo, condenando 27 pessoas. De acordo com o magistrado, "A opção por julgá-los `englobadamente` foi para agilizar os processos e ter uma percepção melhor dos casos, que eram bastante similares. Assim, não há penas incongruentes"[23]

Nesta ocasião, um só fazendeiro foi sentenciado em dois processos distintos. Destaca-se, foram condenados não só fazendeiro, mas também funcionários e capangas (chamados “gatos”). Por outro lado, alguns indivíduos( seis) foram absolvidos por referirem-se a crimes praticados antes de 2003 e, portanto, anteriores à mudança do artigo 149 do Código Penal, a qual prevê como pena a “reclusão de dois a oito ano e multa, além da pena correspondente à violência”. Não obstante, tal absolvição se deu sem prejuízo da condenação por outras infrações. [24]

Observando-se as condenações,é possível constatar que a menor delas consistiu em 3 anos ( processo nº 2007.793-6) e a maior, em 10 anos e 6 meses (processo nº 2007.735-7). [25]

3.2.1- Do “destaque” para certas regiões do país

A Região Amazônica comporta o maior número de trabalhadores escravos em todo o país. Neste contexto, ocorre uma rede de fluxos migratórios com distintas origens, mas cujo destino é esta região. Esta afirmação pode ser feita através da análise dos diversos casos nos quais os trabalhadores são aliciados em distintas regiões nordestinas com destino à Região Amazônica. Neste contexto, ganha notoriedade o Estado do Pará como principal destino.

Em razão de escassez oportunidades de emprego em diversos Estados do nordeste, além de políticas públicas que não alcançam regiões em constante miséria, milhares de indivíduos são levados a buscarem o tão sonhado emprego que lhe é prometido no ato do aliciamento. Estatisticamente, os estados que mais fornecem esse tipo de mão-de-obra são Piauí e Maranhão.[26]

Destaca-se ainda, o Estado do Rio de Janeiro, especificamente a sua região Norte. Nesta, é observada uma densa estrutura agrária marcada pela concentração de terras. Destaca-se na região norte-fluminense a monocultura de cana-de-açúcar nos grandes latifúndios. Nestes há grande incidência de trabalho escravo. Neste âmbito, é citado predominantemente o município de Campo dos Goytacazes. A fim de erradicar este trabalho análogo ao escravo nesta região,movimentos sociais das Regiões Norte e Noroeste fluminense além do Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho criaram o chamado Comitê Popular de Combate ao Trabalho Escravo e Degradante do Norte e Nordeste fluminense.[27]

3.3- Da Escravidão Urbana

Esta modalidade de trabalho apresenta complexas peculiaridades, demandando soluções específicas para seu efetivo combate. Em outros termos, não se pode fazer simples adaptações dos instrumentos utilizados na esfera rural.

Neste contexto, de acordo com informação fornecida pela ONG Repórter Brasil, “[…]  O principal caso de escravidão urbana no Brasil é a dos imigrantes ilegais latino-americanos – com maior incidência para os bolivianos – nas oficinas de costura da região metropolitana de São Paulo.”[28]

Desta forma, o problema costuma envolver não somente a escravidão por dívidas, comum a ambas as modalidades, mas também a complexa problemática do tráfico de pessoas.

Neste contexto já complexo, a atividade mostra-se altamente lucrativa:

“Estudos do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) no Brasil colocam a prática( tráfico de pessoas) como a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas”[29]

É sabido que já há previsão no Código Penal Brasileiro (CPB) concernente ao tráfico de pessoas. Em seu título VI- Dos Crimes contra os Costumes. No entanto, trata-se de previsão restrita apenas ao tráfico de pessoas para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual ( artigos 231 e 231-A do CPB), ou seja, não há previsão no CPB de punição de tráfico com fins de trabalho escravo.

Neste sentido, em abril de 2011, o Senado Federal criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o tráfico de pessoas sob a presidência da Senadora Vanessa Graziottin (PCdoB/AM), a fim de investigar suas causas, consequências, rotas e responsáveis, além de avaliar a atuação de redes criminosas no período compreendido entre os anos de 2003 e 2011.

O principal objetivo era conseguir a alteração do Código Penal, o qual, segundo a senadora, “é insuficiente e não trata da relação do tráfico de pessoas com o trabalho escravo ou remoção de órgãos”.[30]

Neste contexto, destaca-se que tal previsão deveria estar contida no artigo 149, revelando uma modalidade específica de redução à condições análogas à de escravo, isto é, um outro meio pelo qual se dá tal crime.

Nesta conjuntura, importa ressaltar que o tráfico de pessoas não deve ser confundido com a tão somente facilitação da entrada ilegal em qualquer território, visto que aquele se configura por “pessoas que ultrapassam fronteiras e, logo após, mediante coerção, fraude ou força, se sujeitam a algum tipo de exploração ou de abuso”.[31]

Explica-se, pois, que, ao contrário do que é veiculado comumente em jornais, o tráfico humano configura uma ação bilateral, visto que, de um lado deve haver a motivação da vítima para emigrar (trabalhar, por exemplo) e de outro, a presença de intermediários, recrutadores e até redes de crime organizado, com a prévia intenção de exploração ou abuso.[32]

Sua complexidade se explica pelo fato de a resolução do problema perpassar pela regularização da situação desses imigrantes, envolvendo tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Ademais, em decorrência de sua natureza transnacional e desta alta complexidade já mencionada, seus dispositivos e mecanismos de ocorrência, o tráfico de pessoas ou o contrabando de imigrantes está mais facilmente relacionado ao trabalho degradante no meio urbano.

Neste contexto, o aliciador busca engajar os indivíduos em atividades contrárias às normas laborais, cujo propósito norteador é a exploração. Frequentemente, as vítimas são encorajadas com boas propostas de emprego. Porém, uma vez que chegam ao local se descobrem envolvidas em um “esquema” de servidão por dívida (neste ponto, enxerga-se clara semelhança com relação ao trabalho escravo em sua modalidade rural), submetendo-se ao trabalho em condições análogas à de escravos.

Acrescenta-se um importante fator em desfavor das vítimas, que se refere ao fato de que, em razão de sua ilegalidade no país de destino, as mesmas se submetem às degradantes condições de trabalho temendo a denúncia e deportação. Se junta o fato de que muitas vezes os mesmos são realmente vistos como  infratores das leis imigratórias, olvidando-se da situação precaríssima que foi determinante a sua forma de emigrar.

3.3.1- Bolivianos em São Paulo

Ainda no contexto de tráfico de pessoas, necessário destacar a situação de Bolivianos residentes em São Paulo, os quais trabalham, na maioria dos casos, para a indústria de vestuário.

“Segundo estudos da Pastoral dos Migrantes Latino- Americanos, a comunidade boliviana da cidade de São Paulo reúne cerca de 100 mil pessoas, embora o consulado dessa capital reconheça a existência de 50 mil a 70 mil imigrantes clandestinos.[33]

Dentre os trabalhadores clandestinos, chamados de “indocumentados”, muitos trabalham como costureiros em oficinas de confecção. A Bolívia tornou-se um dos principais focos de emigração para o Brasil devido à sua miséria extrema além de verificar se menos custoso o transporte ao Brasil quando comparado a outros países centrais ou com os quais a Bolívia faça fronteira.

3.3.2- Caso ZARA 

Como leading case para ilustrar este assunto, é mister trazer à baila o Caso da grande Manufatureira espanhola ZARA, a qual foi flagrada lançando mão de mão de obra escrava para a confecção de suas vestimentas, o que foi veiculado nacionalmente por televisão através do programa “A Liga”, pertencente à TV Bandeirantes, em agosto de 2011. Tal reportagem acarretou alarde em muitos telespectadores que nunca sequer haviam ouvido falar em escravidão contemporânea. Pertinente trazer explicações a respeito deste assunto específico.

Hodiernamente, com o advento de relações comerciais norteadas pela crescente globalização, surge o chamado fast fashion (moda rápida), que é termo utilizado por grandes magazines para produção rápida e contínua de novidades. Desta forma, elas chegam a trocar as suas coleções semanalmente ou até diariamente, visto que se fomentam a produção e o consumo rápidos. Não obstante, por trás do convidativo slogan “temos novidades” são movimentados milhões de dólares e milhões de pessoas, pessoas estas que estão trabalhando em condições análogas às de escravos e que não são sequer citadas em matérias que tratam deste fenômeno.

Após a veiculação de tal reportagem, a advogada representante da Zara se limitou a alegar desconhecimento com relação à situação, pois se trataria de produção terceirizada. Cabe ressaltar que, de acordo com o previsto na CLT, a empresa que se vale de terceirização deve cumprir certos requisitos para que a mesma seja considerada válida e lícita. Ainda, verifica-se que vigora a ideia e culpa in eligendo e culpa in vigilando, o que significa dizer que a tomadora de serviços deve se cercar dos cuidados necessários na escolha da terceirizada, sob pena de responder perante a justiça do trabalho, pelas irregularidades cometidas.

Em regra, o empregado possui vínculo com o tomador de serviços, sendo a terceirização uma exceção, na qual o empregado deve ter vínculo direto com a empresa prestadora de serviços. Importante ressaltar que a terceirização é ilícita quando o serviço prestado configurar a atividade meio do tomador de serviços ou quando não houver pessoalidade ou subordinação direta entre o trabalhador e o tomador de serviços, coadunando-se desta forma, com o disposto no enunciado nº 331 da súmula do TST, a qual configura um dos principais elementos normativos a tratar de terceirização trabalhista.

Posteriormente, foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) pela empresa ZARA e o Ministério Público do Trabalho. Em termos usados pelo próprio MPT, o TAC:

 […] “é um acordo firmado entre o Ministério Público e a parte interessada, de modo que esta se comprometa a agir de acordo com as leis trabalhistas, sob pena de multa, tal como dispõe o art. 5º, § 6º da Lei 7.347/1985.É, portanto, um título executivo extra-judicial, o que significa dizer que seu descumprimento enseja uma ação de execução, proposta pelo Ministério Público do Trabalho junto à Justiça do Trabalho.[34]

 Nesta ocasião, o MTE lavrou diversos autos de infração diante das irregularidades constatadas:

“O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lavrou 48 autos de infração contra a Zara devido às irregularidades nas duas oficinas. Um dos autos se refere à discriminação étnica de indígenas quéchua e aimará. De acordo com a análise feita pelos auditores, restou claro que o tratamento dispensado aos indígenas era bem pior que ao dirigido aos não-indígenas.”( grifo nosso)[35]

Diante de tal discriminação, incide flagrantemente o agravante do artigo 149 do CPB, mencionado em capítulo anterior.

Nesta ocasião foram mostradas as condições degradantes a que eram submetidos os trabalhadores em uma “fornecedora” da rede, em pleno centro de São Paulo, em casa cuja estrutura era incontestavelmente clandestina. Desta forma, se desconstituiu parte da visão que faz parte do senso comum, segundo a qual o trabalho escravo contemporâneo, quando ocorre, se dá apenas em ambiente rural, em locais distanciados dos grandes centros urbanos.

Percebe-se, assim que a escravidão contemporânea é um problema social próximo de todos, na medida em que mesmo que nunca tenham passado por tal situação, os consumidores se veem, ainda que indiretamente, envolvidos na mesma. Ao mesmo tempo, trouxe à tona uma contradição, visto que o consumidor paga preços altos por uma peça de “boa qualidade” na loja e não imagina que a mesma fora confeccionada em condições sub-humanas, em flagrante exploração do indivíduo.

 Nas palavras de Giuliana Cassiano Orlandi, auditora fiscal que participou de todas as etapas da fiscalização, "Por se tratar de uma grande marca, que está no mundo todo, a ação se torna exemplar e educativa para todo o setor"[36]

Vale frisar que as vítimas resgatadas pela fiscalização haviam sido aliciadas na Bolívia (uma delas era proveniente do Peru). Tais vítimas vêm de seu país de origem, no qual vivem em terrível miséria em busca do chamado “sonho brasileiro”. No entanto, costumam trabalhar meses a fio apenas para quitar as dívidas contraídas com seu transporte. Com este exemplo, verifica-se o sistema de Escravidão por Dívida (ou truck sistem) no contexto urbano também.

 Não obstante, há estudos que constataram a incidência de bolivianos contratando outros bolivianos para trabalhar em regime de escravidão contemporâneo no Brasil. Além disso, segundo dados do Centro de Apoio ao Migrante, grande parte dos imigrantes é proveniente da China, Coreia, Bolívia, Paraguai e Haiti e têm como principal destino, a cidade de São Paulo para trabalhar predominantemente em confecções( conforme visto anteriormente)

Para combater o problema, o Brasil deve contar com a cooperação dos outros países envolvidos. Desta forma, seria fundamental a alteração da legislação vigente a fim da trazer punição exemplar aos que conseguem sair ilesos deste crime, que cada vez mais, acomete a população brasileira. Mais uma vez verifica-se maior incidência da população mais pobre como vítima por sua vulnerabilidade e necessidade.

4.Debates jurídicos

4.1-  Análise do artigo 149 do Código Penal Brasileiro

Não obstante este capítulo ser direcionado à análise do art. 149 do Código Penal, frisa-se que o CPB possui outros dispositivos diretamente relacionados ao âmbito trabalhista, quais sejam o artigo 197, que se refere ao constrangimento ilegal; o artigo 203, tipificador da frustação de direito assegurado por lei trabalhista e o artigo 207, relacionado ao aliciamento de trabalhadores, em clara alusão aos “gatos”,  recrutadores de mão de obra escrava.

A Lei 10. 803/2003alterou a redação do artigo em epígrafe. Importante ressaltar que esta lei em surgiu em um contexto de significativa expansão do chamado Direito Penal Trabalhista. Como exemplos, há a Lei 9983/00, a qual tipificou a conduta de não anotação do contrato de trabalho em CTPS; a Lei  9029/95, que tipificou a exigência de atestado de gravidez para a contratação da mulher e outras formas de discriminação no contexto trabalhista e a Lei 10224/01, que tipificou o crime de assédio sexual.[37]

Assim, o advento da lei nº 10.803, sancionada em 2003, O artigo em epígrafe sofreu importante mudança, passando a dispor:

“Redução a condição análoga à de escravo

Art. 149 – Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º – Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º – A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”[38]   

Desta forma, nota-se claramente a ampliação da abrangência do crime, a fim de incluir as formas “modernas” de prática do mesmo, isto é , tal mudança teve por objetivo trazer maior adequação entre a norma penal e o fato social, visto que se aquela permanecesse estanque, tornar-se-ia “letra morta”. Nas palavras de Wilson Prudente, “ quando o direito despreza os fatos sociais, estes se vingam, desprezando o direito.”[39]

 Não obstante, é fundamental analisar se, na prática do judiciário, o mesmo tem sido aplicado. Salienta-se, neste âmbito que o referido crime é conhecido como plágio, o qual indica a sujeição de uma pessoa ao domínio de outra.

Como é notório e constitucionalmente previsto, na seara penal vige o Princípio a Presunção de Inocência, aplicando-se a máxima “in dubio pro reo”.  Em tal circunstância, faz-se necessário comprovar a consciência e dolo do fazendeiro ao tratar os trabalhadores como escravos, o que, na prática, acaba sendo mais fácil com relação aos “fiscais”, “gatos”, gerentes etc. visto que estes lidam diretamente com os trabalhadores.

Os donos dos proprietários vivem, na maior parte dos casos, longe das áreas onde é praticado o trabalho degradante. Costumam ser pessoas instruídas com ampla assessoria contábil e jurídica para seus negócios (fazendas e empresas). Todavia, têm por prática alegar que consideravam “normal” os hábitos degradantes aos quais os trabalhadores eram sujeitados, sob a justificativa de que estes já viviam em péssimas condições antes de se empregarem.

Importante trazer à baila a jurisprudência a respeito do assunto, a fim de que seja possível constatar como tem se posicionado predominantemente com relação a concessão ou denegação do remédio Constitucional Habeas Corpus em diferentes Estados do país (decisões recentes):

“EMENTA:PRISÃO EM FLAGRANTE. PACIENTE ACUSADO

DO CRIME PREVISTO NO ART. 149 DO CPB (REDUÇÃO À

CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO).

1. NEGATIVA DE AUTORIA, VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS NÃO SE PRESTA PARA A ANÁLISE APRONFUNDADA DE PROVAS.

2. EXCESSO DE PRAZO. PROCESSO QUE TEM TIDO ANDAMENTO RAZOAVELMENTE ACEITÁVEL, VEZ QUE A COMARCA É DE DIFÍCI L ACESSO, E AS TESTEMUNHAS RESIDEM EM LOCALIDADE DISTANTE ALGUMAS HORAS DE BARCO, ALÉM DA NECESSIDADE DE INTIMÁ-LAS POR CARTA PRECATÓRIA.

3. NÃO ARBIRTAMENTO DE FIANÇA. HIPÓTESE EM QUE ESTÃO PRESENTES OS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE, ALÉM DO QUE, O CRIME PRATICADO CAUSOU ENORME COMOÇÃO PÚBLICA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 323, V E 324, IV DO CPP.

ORDEM DENEGADA. ( HABBEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR Nº 2003305157- 9)

"HABEAS CORPUS – AÇÃO PENAL – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – INÉPCIA DA EXORDIAL – ART. 41 DO CPP – AMPLA DEFESA PERFEITAMENTE VIÁVEL – DENEGAÇÃO DA ORDEM. RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 17.233 – RJ (2005/0013066-5)

CRIMINAL. HC. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. APELAÇÃO  EM  LIBERDADE.  GRAVIDADE  DO  CRIME.  PERSONALIDADE VOLTADA PARA A PRÁTICA DE DELITOS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE PARA

A  CUSTÓDIA.  RÉU  SOLTO  DURANTE  A  INSTRUÇÃO  DO  PROCESSO. IRRELEVÂNCIA.  NECESSIDADE  DE  GARANTIA  DA  ORDEM  PÚBLICA. DOSIMETRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA

E DENEGADAHABEAS CORPUS  Nº 33.716 – SP (2004/0018842-4)”

Através da análise de Habeas Corpus em distintos Estados, é possível constatar-se a prevalência de denegação deste Remédio Constitucional por parte dos tribunais em fase de apuração dos fatos.

 4.2- O STF e a “escravidão”

Nessa esteira, ressalta-se o recente debate travado no STF relacionado ao trabalho escravo contemporâneo. O mesma teve palco quando da discussão acerca do recebimento ou não da denúncia formalizada pelo inquérito nº 2131, na qual figura o MPF no polo ativo e o senador João Batista de Jesus Ribeiro no polo passivo.  

No ano de 2004, O Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego constatou a existência de trabalhadores em situação análoga à de escravos na Fazenda Ouro Verde, no Pará, cuja propriedade é do mencionado senador. De posse dos documentos o senador foi denunciado pela prática das condutas descritas nos artigos 149, 203 e 207, todos do Código Penal.  Por conta de seu foro privilegiado, foi aberto um inquérito para que os onze ministros que compõem a corte suprema pudessem votar a respeito do recebimento ou não da denúncia.

Defende-se aqui o recebimento desta denúncia ou de outra semelhante a fim de que seja dada a correta interpretação ao artigo 149, o qual, após sua reforma, decorrente da lei 10.803 de 2003, buscou se adaptar às novas facetas trazidas pela escravidão contemporânea, que, obviamente, diferenciam-se da concepção da escravidão pré- republicana. Ou seja, não há mais espaço para o pensamento tradicional de que a redução a condição análoga de escravo necessariamente perpassa pela utilização de “grilhões”.

Neste julgamento, realizado em 23 de fevereiro do ano corrente, restou evidenciada divergência no posicionamento exarado no voto dos ministros, enquanto discutia-se o recebimento ou não da denúncia. O cerne da controvérsia residiu em saber se havia necessidade ou não de cerceio do direito de locomoção dos trabalhadores para que houvesse a configuração do tipo penal descrito no art. 149 do código penal.

 Nesse sentir, parece que o entendimento de que a conduta típica exige a colocação de obstáculos ao livre transitar dos trabalhadores não se coaduna com o mens legis por trás do dispositivo legal supramencionado.

De acordo com o Procurador Geral da República (PGR) à época, Roberto Gurgel, por ocasião da leitura da denúncia, os trabalhadores da fazenda foram encontrados em condições sub-humanas. Mencionou-se, ainda, a alegação da defesa de que seria caso de meras irregularidades trabalhistas, passíveis de punição apenas no âmbito administrativo, visto que não teria havido constrangimento à liberdade dos trabalhadores, ante a ausência de barreiras físicas ou “fiscais” armados.

Diante de tais argumentos, o PGR declarou ser o artigo 149 (do CPB) muito claro, afirmando que este deve ser aplicado ainda que não haja restrição à liberdade de locomoção (que, em verdade, havia, mas dissimuladamente), mas sim condições degradantes.  Nesta ocasião esclareceu o Procurador: “Sob pena de exigir grilhões para caracterizar o artigo 149. Senão voltaríamos ao período pré-republicano. E sob pena de riscar esse tipo o Código Penal Brasileiro.” (Grifo nosso)[40]

Neste contexto, destaca-se que não obstante ser o direito penal medida extrema (ultima ratio), tal argumentado não pode ser utilizado para perpetuar a impunidade. Deste modo, aduzido pela ministra Ellen Gracie, por ocasião de seu voto, ser reconhecido o trabalho em condições análogas à de escravo “a partir do momento em que há um desrespeito ao atributo maior do ser humano, que é a sua dignidade […]”

Merece destaque inegável o argumento trazido pelo Ministro Luiz Fux ao proferir seu voto. Ante o argumento trazido pela defesa de que imputar ao senador conduta criminosa, acarretaria culpa objetiva no âmbito penal, visto que o mesmo seria proprietário da fazenda, não tendo ciência do que ocorria com os trabalhadores da mesma, o ministro esclareceu não tratar-se de culpa objetiva, mas sim da figura do “Agente Garantidor, por ser caso de Crime Omissivo Impróprio ou Comissivo por Omissão”. Observa-se alusão à prevista no artigo 13 parágrafo 2º do Código Penal.

Finalmente, em sede de tal julgamento, os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Marco Aurélio, esposaram entendimento diferente, opinando pelo não recebimento da denúncia. Contudo, foram voto vencido.

Neste caso, não obstante a ausência de obstáculos físicos à locomoção, as características do tipo penal eram evidentes, ante a ausência de pagamento aos trabalhadores, sob o absurdo argumento de que antes deveria haver a quitação de dívidas contraídas com o próprio empregador.

Ante o exposto, verifica-se que até mesmo em sede do STF, guardião da Constituição, demonstra-se incompreensão, por arte de alguns ministros, do real significado do artigo 149 do CP e, principalmente, da escravidão contemporânea, tendo-se em vista que a mesma deve “se adaptar” às artimanhas usadas pelos “escravagistas modernos”.

O referido artigo dispõe em seu caput:

Art. 149 – Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Alterado pela L-010.803-2003) ( Grifo nosso)

O dispositivo, indiscutivelmente, traz duas hipóteses que, alternativamente, implicam a redução à condição análoga à de escravo. Interpretar de forma distinta acarretaria (data maxima venia aos pensamentos contrários) retrocesso na consecução do objetivo de combater esta moléstia social.

4.3- Procedimento das investigações

Faz-se mister a compreensão de como se realiza o trabalho em âmbito nacional para combate à escravidão contemporânea. Nesta seara, indispensável a abordagem sobre a real função dos órgãos que atuam no seu combate, abordando sua atividade de forma individual e ainda, a atuação conjunta ( em parceria) dos mesmos. Desta forma, é possível aferir a eficácia das estratégias usadas atualmente bem como detectar  eventuais deficiências.

A Comissão da Pastoral da Terra, a CPT, é um órgão pertencente à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, surgida à época da Ditadura brasileira em resposta à deplorável situação de trabalhadores rurais.  Posteriormente adquiriu caráter ecumênico. Sua atuação é permeada pela defesa dos direitos humanos no que tange às questões agrárias. Tal Comissão lança, por exemplo, relatórios de conflitos no campo.[41]

O Ministério Público do Trabalho (MPT) constitui um dos ramos do Ministério Público da União, tendo autonomia funcional e administrativa, atuando como órgão independente dos poderes executivo, legislativo e judiciário. “Os procuradores do Trabalho buscam dar proteção aos direitos fundamentais e sociais do cidadão diante de ilegalidades praticadas na seara trabalhista.”[42]

Desde o ano de 2001, o MPT criou a Comissão Temática voltada ao assunto “trabalho escravo”, a qual resultou no advento da Portaria nº 231 no ano de 2002, na Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), a qual investiga situações na qual os trabalhadores se encontram submetidos à condições análogas à de escravos, como, por exemplo, alojamento precário, jornada exaustiva, água não potável e servidão por dívida. De posse de tais informações, o MPT promoverá ações judiciais e extrajudiciais cujo intuito é a punição do empregador, prevenir o ato ilícito, além da inserção do trabalhador no mercado de trabalho conforme as condições estabelecidas pela CLT.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) passou a ser assim denominado em 1999, por Medida Provisória. Possu entre seus objetivos, erradicar o trabalho escravo ou degradante. Isso se dá por meio de ações fiscais coordenadas pela Secretaria de Fiscalização do Trabalho, em focos mapeados previamente. Atua também na assistência emergencial a trabalhadores (alimentação, hospedagem etc.), além de providências iniciais necessárias ao pagamento de seguro-desemprego aos trabalhadores resgatados. Tais atos são de incontestável importância, haja vista que, depois de resgatados, muitas vezes, os trabalhadores não têm para onde ir e nem ao menos condições mínimas para prover sua sobrevivência. Assim, tal ajuda possibilidade a retomada da cidadania.

O Grupo de Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), surgido durante o mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso (1995), é coordenado pelo MTE e constituído por auditores-fiscais do trabalho, delegados e agentes da Polícia Federal e Procuradores do Ministério Público do Trabalho. Em certas ocasiões, passam a integrar o quadro membros da Procuradoria Geral da República, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Sua atuação consiste na investigação in locu de denúncias de trabalho análogo ao escravo, visando à regularização dos vínculos empregatícios dos trabalhadores encontrados e os libertando de sua condição.

“A finalidade precípua das operações é retirar os trabalhadores dos locais em que se encontram, assegurar-lhes o recebimento das verbas trabalhistas devidas, e, por meio de relatórios circunstanciados, acionar outros poderes para as demais providências cabíveis”.[43]

 Importante ressaltar que a atuação de tais agentes concerne ao âmbito administrativo. Assim, diante da apuração de atitudes criminosas, em especial o artigo 149 do código penal, a documentação apurada deverá ser remetida ao Ministério Público Federal para que este parquet, diante da sua competência, realize a denúncia caso entenda a configuração do crime.

No ano de 2003, representativo da transição de governo, se passou a canalizar esforços não só para combater o trabalho escravo, mas também para sua erradicação. Com tal propósito, foi lançado pelo Governo o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, reunindo 76 propostas de combate à prática. Visava precipuamente, por em prática o Plano Nacional de Direitos Humanos II.

Nos dias de hoje, através da leitura de algumas destas propostas, tais como as elencadas a seguir, é possível constatar fracassos do Plano:

“6 – Incluir os crimes de sujeição de alguém à condição análoga à de escravo e de aliciamento n a  L e i   d o s   C r ime s  He d i o n d o s ,   a l t e r a r   as respectivas penas e, alterar a Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, por meio de Projeto de Lei ou Medida Provisória, conforme propostas em anexo.

7 – Aprovar a PEC 438/2001, de autoria do Senador Ademir Andrade, com a redação da PEC 232/1995, de autoria do Deputado Paulo Rocha, apensada à primeira, que altera o art.243 da Constituição Federal e dispõe sobre a expropriação de terras onde forem encontrados trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.”[44]

A proposta nº 6 visava incluir a redução à condição análoga a de escravo no rol de crimes hediondos, objetivando trazer punição mais rígida aos praticantes, uma vez que tais crimes são vistos pelo legislador com maior reprovabilidade, determinando, por exemplo, o cumprimento em regime inicialmente fechado. A proposta nº 7 objetivava a aprovação da PEC 438/2001, ao almejada até hoje, conforme se verá adiante.

Não obstante ambas as propostas tenham sido criadas a fim de que fossem cumpridas em curto prazo, como é notório, não foram postas em prática. Entre outros motivos, tem-se a resistência da bancada ruralista no senado. De acordo com avaliação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 64,8% das metas previstas neste plano foi cumprida total ou parcialmente.

Posteriormente, em 2008, foi lançado o 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Um importante diferencial deste com relação ao anterior foi a inclusão, entre suas 66 propostas, de trabalhadores estrangeiros e do setor empresarial. Outra mudança foi a inclusão de empresas privadas a vedarem a concessão de crédito aos empregadores de mão de obra escrava além da proibição dos mesmos em participar de licitações públicas.

No que tange à questão do supramencionado uso de mão de obra estrangeira no trabalho escravo, tal iniciativa foi de inegável importância, posto que criou estruturas de atendimento jurídico e social a estes indivíduos, tais como a emissão de documentação necessária à legalização de sua situação. Como vantagem, este 2º plano pôde analisar o primeiro e constatar as metas que obtiveram êxitos e quais foram suas deficiências.

 No ano de 2003, houve também a criação da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Sua principal função é monitorar a execução do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Neste sentido, investiga situações na qual os trabalhadores se encontram submetidos à condições análogas à de escravos, como, por exemplo, alojamento precário, jornada exaustiva e água não potável e servidão por dívida. De posse de tais informações, o MPT promoverá ações judiciais e extrajudiciais cujo intuito é a punição do empregador, prevenir o ato ilícito, além da inserção do trabalhador no mercado de trabalho conforme as condições estabelecidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

 Finalmente, impensável não abordar a atuação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no que concerne ao combate ao trabalho escravo no Brasil. Foi firmado, em 20002, entre a mesma e o Governo Brasileiro o Projeto “Combate ao Trabalho Escravo no Brasil”. Apresentou por finalidade o cumprimento das já mencionadas convenções nº 29 e 105 bem como da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, de 1998. Ambos da OIT. Dentre os principais avanços resultados de tal projeto, os reputados mais significativos:

“O banco de dados sobre trabalho escravo, que possibilita a realização de diagnósticos mais sólidos sobre o problema, identificação de focos de origem, aliciamento e aprisionamento de trabalhadores, autores do crime, atividades econômicas envolvidas, casos de reincidência. O banco de dados, denominado Sistema de Acompanhamento do Trabalho Escravo, foi apresentado ao MTE em 2006[45].”

O principal intuito da OIT, nesta seara, é o monitoramento do trabalho escravo de uma maneira padronizada, compartilhável.

Um importante diferencial dos dias de hoje é o surgimento de ações de cunho preventivo, cujo progresso já é perceptível. Um bom exemplo disso é a Campanha “Escravo, nem Pensar!”, coordenada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e pela ONG Repórter Brasil. Desde 2004 a mesma usa a educação e difusão de informações para fomentar o debate sobre o tema  nos Estados do Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins a fim de diminuir o aliciamento de trabalhadores, e é considerada pelo Governo Federal e pelos participantes da Conatrae como o primeiro programa de prevenção à escravidão de âmbito nacional.

4.4-  Posicionamento da jurisprudência quanto à competência

Até alguns anos atrás, entre as causas de impunidade, apontava-se a indefinição quanto ao foro competente para julgamento de crimes relacionados à exploração de mão de obra escrava. Exemplo disso é o disposto no livro Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil – contribuições críticas para sua análise e denúncia:

“Governo, Ministério Público (MP), juristas, movimentos sociais apontam a indefinição do foro competente para julgar os crimes de exploração do trabalho escravo- a Justiça Federal, a Justiça Comum ou a Justiça do Trabalho, que também reivindica tal atribuição- entre as principais causas da impunidade. Uma Jurisprudência já defasada admite que os processos possam correm na Justiça comum, mais exposta a injunções do poder político e econômico locais, o que afeta seguramente a imparcialidade dos julgamentos. A definição da competência jurisdicional em matéria de trabalho escravo é assunto a ser decidido pelo Supremo tribunal Federal( STF).[46]

Observa-se que o referido livro foi publicado em 2008. Não obstante, a partir de decisões recentes do Superior Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, nota-se estar pacificada qualquer suscitação de conflito de competência para julgar crime de redução análoga a de escravo, entre a Justiça Federal e a Estadual.

Primeiramente, imprescindível levar em consideração que se trata de um crime contra a organização do trabalho, enquadrando-se no artigo 109, inciso V da Carta Maior. Porém, mais relevante do que este fator, mostra-se o fato que ser um problema que desrespeita frontalmente os Direitos Humanos, o homem em sua essência e preservação de valores mais intrínsecos. Por isso, não é passível de ser, sob nenhum aspecto, particularizado, ou ter seu âmbito restringido. Trata-se de trabalho prestado em condições sub-humanas, análogas às de escravos, sem observância das leis trabalhistas ou previdenciárias. Vai além da liberdade individual, configurando um crime federal.

Há entendimento sumulado do STJ- Enunciado nº 122:

“COMPETE A JUSTIÇA FEDERAL O PROCESSO E JULGAMENTO UNIFICADO DOS CRIMES CONEXOS DE COMPETENCIA FEDERAL E ESTADUAL, NÃO SE APLICANDO A REGRA DO ART. 78, II, "A", DO CODIGO DE PROCESSO PENAL”.

No que tange a esse assunto, há diversos precedentes nos quais se encontra tal conflito de competência, seja ele positivo ou negativo. A maioria solucionada de acordo com o exposto acima. Exemplo:

"PROCESSO PENAL. RECURSO CRIMINAL. REDUZIR ALGUÉM À CONDIÇÃO ANÁLOGA A ESCRAVO (ART. 149, CP). FRUSTRAR DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA (ART. 203,CP). CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. CONFIGURAÇÃO DE INTERESSE ESPECÍFICO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL”. (grifo nosso) HABEAS CORPUS Nº 43.381 (2005/0062951-3)

 Outro ponto se mostra relevante devido a sua recorrente presença nas decisões e por se encontrar pacificado. Vejamos: no que tange a permissão para que agentes do grupo de Fiscalização Móvel adentrem em imóveis sem prévio mandado judicial, há diversos Habeas Corpus impetrados invocando a ausência de mandado como suficiente para macular eventual prisão, em uma tentativa que visa trazer à baila, ainda que de forma implícita, a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, ou seja, já que ação teria começado de forma irregular, todo o resto estaria comprometido. Entretanto, conforme diversos doutrinadores penalistas já se manifestarem, em se tratando de crime permanente, como é o caso do artigo 149 do CP, é dispensável o mandado. Traz-se à baila os dizeres do doutrinador Cezar Roberto Bittencourt:

"Em razão da sua natureza de  crime  permanente,  este não  se  configurará  se  o  estado  a  que  for  reduzido  o ofendido  for  rápido,  instantâneo  ou  momentâneo, admitindo-se,  no  máximo,  dependendo  das circunstâncias,  sua  forma  tentada.  Enquanto  não  for alterado  o  estado  em  que  a  vítima  se  encontra,  a consumação  não  se encerra."[47]

Verifica-se ainda, que contrariamente ao afirmado comumente pela doutrina, o conceito “condições degradantes”, expressão inserida no artigo 149, não é tomado de subjetividade. Tal argumento é utilizado pelos empregadores, quando flagrados em tal situação, como estratégia de defesa para levar ao convencimento de que se trataria de meras irregularidades trabalhistas, passíveis de infração prevista pela CLT. Mas não. Ousa-se aqui, discordar plenamente de tal entendimento haja vista que as chamadas condições degradantes são aquelas que saltam aos olhos de qualquer indivíduo médio, pela equiparação do homem a um animal. Nas palavras de Dercides Pires da Silva, Coordenador de Grupo Móvel:

“O que é trabalho degradante? Como identificar um trabalho degradante? Degradante é sinônimo de humilhante e deriva do verbo degradar; é o ato ou fato que provoca degradação, desonra. Degradação é o ato ou o efeito de degradar. Degradar é privar de graus, títulos, dignidades, de forma desonrante. Degradar é o oposto a graduar, a promover; degradar é despromover. Degradante é o fato ou ato que despromove, que rebaixa, que priva do estatus ou do grau de cidadão; que nega direitos inerentes à cidadania; que despromove o trabalhador tirando-o da condição de cidadão, rebaixando-o a uma condição semelhante à de escravo, embora sem ser de fato um escravo. Portanto, trabalho degradante é aquele cuja relação jurídica não garante ao trabalhador os direitos fundamentais da pessoa humana relacionados à prestação laboral.”( Grifo nosso)[48].

5- Das iniciativas recentes

Para combater o trabalho escravo contemporâneo, distintas medidas foram adotadas desde que o governo reconheceu oficialmente a existência de trabalho escravo em território brasileiro (no início dos anos 90). Medidas como o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAFE) , bem como o Grupo Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério Publico do Trabalho e Emprego (MTE). 

5.1- Lista Suja

Nesse contexto, merece destaque  a Portaria n°540, surgida em 10 de outubro de 2004 e vulgarmente conhecida como “Lista Suja”. A mesma consiste no Cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em situação análoga à de escravo. Tal iniciativa surgiu com a edição da Portaria nº 1234/2003 pelo Ministro de Estado do Trabalho e Emprego (Ricardo Berzoini). Como imediata consequência de tal Portaria, o Ministério da Integração Nacional publicou a Portaria nº 1150 no ano de 2003.

Analisando-se a Portaria nº 540, observa-se a determinação de que o rol de empregadores constantes na lista seja atualizado a cada seis meses, cientificando-se os seguintes órgãos:

Ministério do Meio Ambiente; Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Educação Nacional, Ministério da Fazenda, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Banco Central do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Banco do Brasil S/A, Caixa Econômica Federal.[49]

Neste sentido, as cláusulas impeditivas para a obtenção e manutenção de crédito rural quando comprovada a existência de trabalho escravo ou degradante surgiram como uma das medidas para pôr em prática o “Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo”, elaborado pelo Governo Federal em 2003.

5.1.2-Da Constitucionalidade da medida

A doutrina se encontra bastante dividida quanto à adoção da “lista suja”, visto que parte da mesma defende a inconstitucionalidade da medida, sob o argumento de que desrespeitaria princípios constitucionais, como o da Presunção de Inocência, da Legalidade e da Ampla Defesa. No entanto, no presente trabalho, defende-se a Constitucionalidade da referida medida, para tanto, tem-se como base artigo do Juiz do Trabalho João Humberto Cesário, que expõe detalhadamente o assunto com peculiar maestria.

Faz-se necessário informar que os nomes dos empregadores são postos em tal lista somente após regular processo Administrativo, permissivo do exercício de Ampla Defesa por parte do Empregador em âmbito Administrativo. Necessário ainda enfrentar argumentos no sentido de que, tendo em vista não ter havido processo no âmbito penal com trânsito em julgado, isso levaria à Presunção de Inocência. Ora, como é sabido, os ramos do Direito são independentes entre si, e o Princípio elencado permanece intacto dentro da esfera penal.

Assim, importa ressaltar que, em matéria de Princípios Constitucionais igualmente relevantes, faz-se necessário que um se sobreponha ao outro diante do caso concreto, consistindo na tão mencionada ponderação de princípios. No presente caso, mostra-se razoável a preferência pela proteção do interesse público em detrimento do particular.

Outro argumento contrário seria o de que a inclusão na “lista suja” acarretaria  dano irreparável ou de difícil reparação aos empregadores. Entretanto, prejuízo indiscutivelmente maior se vislumbra ao pensar que há um risco de que a sociedade financie empregadores que usufruem do trabalho escravo, colocando-os no mesmo patamar daqueles que agem de forma lícita, honesta. Obviamente, tal opção não seria razoável. Demanda-se, portanto, este juízo de ponderação.

Nas palavras do magistrado João Humberto Cesário :

“Aliás, eloqüentes exemplos do asseverado residem no próprio processo penal, onde na sentença de pronúncia o juiz deve se pautar pela máxima in dubio pro societate em detrimento do adágio in dubio pro reo, ou mesmo no caso da prisão cautelar, que obviamente não demanda a existência de sentença transitada para ser implementada. ( grifo nosso)[50]

Por  fim, quanto às alegações de que haveria frontal desrespeito ao Princípio da legalidade haja vista não ter o auditor autoridade legiferante, não procede. O poder administrativo não possui competência para legislar realmente. Não obstante, conforme frequentemente tratado no âmbito do Direito Administrativo, o administrador possui o poder discricionário, que lhe permite agir conjugando os juízos de necessidade e oportunidade dentro dos limites legais. Ora, o Administrador Público ostenta fé pública e seus atos têm presunção de veracidade. Corroborando o exposto mostra-se indispensável a citação das palavras de João Humberto Cesário:

“Com efeito, principalmente quando o magistrado aprecia o caso estudado em sede de antecipação de tutela, deverá a princípio referendar o ato da administração, já que, no mais das vezes, a única prova inequívoca existente no caderno processual são os autos de infração lavrados pela Superintendência Regional do Trabalho, capazes de conduzir à verossimilhança da notícia de trabalho escravo.”[51]

Importantíssimo informar que uma vez posto o nome de um empregador na referida lista, este não permanecerá lá necessariamente. Conforme retro mencionado, a atualização do Cadastro de Empregadores consiste na inclusão de nomes que utilizaram trabalho análogo ao escravo em sua propriedade e aos quais não há mais a possibilidade de recurso na seara administrativa. No entanto, destaca-se que à época desta atualização, realiza-se também a exclusão daqueles que desde a inspeção do trabalho, lograram êxito em sanar as condições encontradas, ao longo de dois anos, adequando-se assim aos requisitos elencados pela Portaria nº 540.

A seguir, o Site do Conselho Nacional de Justiça explica como se dá a referida exclusão:

“Como subsídio para proceder às exclusões adota-se o seguinte procedimento: procede-se à análise de informações obtidas por monitoramento direto e indireto daquelas propriedades rurais, por intermédio de verificação in loco e por meio das informações dos órgãos/instituições governamentais e não governamentais, além das informações colhidas na Coordenação Geral de Análise de Processos da Secretaria de Inspeção do Trabalho.[52]

Importante ressaltar que, para que se concretize a exclusão, é necessário ainda que o empregador pague multas decorrentes da ação fiscal bem como comprove a quitação de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários.[53]

5.2- Danos Morais Coletivos

Torna-se cada vez mais comum deparar-se com pedido de danos morais coletivos impetrados pelo Ministério Público do Trabalho em sede de Ação Civil Pública (ACP) diante da constatação de existência de trabalho análogo ao escravo. Neste caso se faz necessária a compreensão do instituto que, não obstante ser mais comumente visto em sua modalidade individual.

O mesmo justifica-se porque no caso do trabalho escravo é possível observar não só o dano moral suportado pelos trabalhadores vitimados, mas também por toda a sociedade, que se depara com tamanha aberração social e incongruência em pleno século XXI. Além disso, o país é exposto negativamente em âmbito mundial diante da veiculação da notícia.

Destaca-se neste contexto, não somente um caráter sancionatório, mas também pedagógico do pagamento. O dinheiro arrecadado em regra, é revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Em sede de julgamento de Ação Civil Pública, o juiz do Trabalho João Humberto Cesário definiu que:

“Assim exposta a pretensão ministerial, resta claro que a compensação almejada não se destina à reparação do dano moral individualmente suportado pelos trabalhadores, o que me leva a concluir que a sua feição esteja imantada de notório interesse coletivo, haja vista que os vetores ofendidos  – fundamentos republicanos da dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho – são dotados de inquestionável transcendência difusa.” (grifo nosso)[54]

Outra ACP que merece destaque foi a movida em face da Empresa Construtora Lima Araújo LTDA, Dona das Fazendas Estrela de Alagoas e Estrela de Maceió, em Piçarra, sul do Pará. Neste caso, a mesma fora condenada a pagar R$ 5 milhões a título de danos morais.  Sobre o caso, manifestou-se Vieira de Mello Filho, ministro do TST:

“ Esse dano que é aplicado à coletividade importa, inclusive na desqualificação do país, é muito ruim à imagem do país. Daí o dano moral coletivo.”( entrevista oral)[55]

Destaca-se que tais danos morais coletivos são aplicados sem prejuízo de danos morais e materiais cabíveis na esfera individual.

5.2.1 Fixação do montante a ser pago

 Importante ressaltar que o Juiz João Humberto Cesário entendeu, ainda pela mitigação do princípio da “Imutabilidade do Libelo” em sede de ACP ao fixar o montante da condenação por danos morais coletivos.

 Nesta seara, defende-se a máxima efetividade da justiça em detrimento da formalidade, principalmente por estar em questão direito difuso, em prol de uma coletividade. Nas palavras do doutrinador Processualista Luiz Guilherme Marinoni,

“Uma das grandes inovações dos arts. 84 do CDC e 461 do CPC está na possibilidade de o juiz poder se desvincular do pedido, podendo conceder a tutela solicitada ou um resultado prático equivalente, e, ainda, aplicar a medida executiva que lhe parecer necessária e idônea para a prestação da efetiva tutela jurisdicional.[…]. ( Grifo do autor)”

Neste precedente, a condenação ao pagamento de valor irrisório por parte de uma grande empresa a título de danos morais, provavelmente não a inibirá de incidir em tal conduta, como aliás, há precedentes que demonstram o afirmado. Desta forma, a fim de que seja posto em prática a real intenção da ação cujo cunho é inibitório visando impedir a prática ou continuação do ilícito, se faz necessária tal medida, isto é, o julgamento de sentença ultra-petita ou extra-petita.

 Importante destacar que não se objetiva aqui, defender a parcialidade do Juiz no julgamento do caso concreto, mas sim sua maior elasticidade a fim de garantir a decisão justa. Neste sentido, não se mostra razoável exigir que o magistrado se quede engessado um pedido que se mostra claramente insuficiente ao propósito que se almeja.

Outro argumento capaz de silenciar posições em sentido contrário é que o parquet, inegavelmente legitimado à propositura desta ação não possui meios objetivos para quantificar o prejuízo sofrido pela coletividade. Isto porque, diferentemente dos danos morais sofridos individualmente, nos quais o indivíduo sabe exatamente o quanto algo lhe foi penoso, em sede de danos morais coletivos, mostra-se mais razoável a valoração do dano após cumpridos o ditames da ampla defesa, do contraditório, detalhada oitiva de ambas as partes, a fim de melhor satisfazer o interesse de caráter social.

 Neste contexto, relevante informar que na Conferência Mundial contra o racismo em Durban, África dos Sul, do qual o Brasil fez parte, foi aprovado o conceito de escravidão como um crime de lesa humanidade, sendo o trabalho escravo contemporâneo um crime contra os direitos humanos, e, portanto, um malefício à civilização contemporânea.[56]

5.3PEC 438/2001

5.3.1- Histórico

Quando o tema é trabalho escravo contemporâneo é trazido à baila, impossível não se fazer alusão ao tão comentado Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 438. Este projeto, em verdade tramita no Congresso Nacional desde 1995, ocasião em que o deputado Federal Paulo Rocha (PT-PA) apresentou a primeira versão do texto, mas não conseguiu avançar. Posteriormente, proposta semelhante foi apresentada pelo Senador Federal Ademir Andrade (PSB/PA) em 1/11/2001. Esta foi aprovada em 2003 e remetida à Câmara, onde o projeto apresentado em 1995 foi apensado.

Necessário, por óbvio, explicitar  a priori o conteúdo trazido pela referida PEC, possibilitando-se a dimensão de sua importância. Esta PEC prevê um acréscimo ao artigo 243 da Constituição, o qual já contempla o confisco de áreas em que são encontradas lavouras de psicotrópicos. Atualmente, o escravagista em cujas terras é constatada a existência de trabalho escravo, submete-se, sem prejuízo das demais sanções cabíveis nas distintas esferas jurídicas, à desapropriação de suas terras. Assim, dispões os seguintes artigos da Carta Constitucional:

“Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.” (grifo nosso)

Observa-se, neste contexto, que o escravagista que não cumpre a função social em sua propriedade rural sofrerá desapropriação de suas terras. Entretanto tal sanção é bastante branda ou até relativamente jocosa, considerando-se que o proprietário após ser flagrado utilizando-se do trabalho ao escravo, será ainda indenizado. Nos dizeres do Juiz João Humberto Cesário:

“Creio eu que esta é uma sanção muito branda. Porque na verdade, a desapropriação envolve o pagamento das terras, e chega a ser quase um prêmio para pessoas que cometem uma prática tão grave. ( grifo nosso)”[57]

Além disso, outra deficiência apresentada configura-se no fato de que tal sanção restringe-se apenas aos escravagistas rurais, não se coadunado com a escravidão moderna, que se encontra também em âmbito urbano, conforme já visto.

Tal proposta estabelece a pena de perdimento da gleba onde for constada a exploração de trabalho escravo (expropriação de terras), revertendo a área ao assentamento dos colonos que já trabalhavam na respectiva gleba.[58] Desta forma, é modificada é modificada a redação do mencionado artigo 243 da Carta Magna e o proprietário perde sua propriedade sem direito a qualquer indenização.   

Conforme previsto na Constituição federal, a Emenda Constitucional exige quorum qualificado para sua aprovação. Trata-se de um modelo de Constituição Rígida.

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II – do Presidente da República;

III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§ 2º – A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.”

Já houve diversos requerimentos de colocação da mesma na Ordem do dia, como iniciativa de diferentes parlamentares. No entanto, não obtiveram êxito. A referida PEC deveria, em umas das referidas tentativas, ter ido a plenário para a votação, no final de setembro de 2011, fracassando mais uma vez. Tem-se aqui a pretensão de esmiuçar quais os motivos intrínsecos que postergam ou até mesmo impedem a aprovação desta PEC.

Ora, conforme exposto em momento anterior, há membros do poder legislativos detentores de grandes propriedades rurais / latifúndios e que utilizam mão de obra análoga à escrava na mesma. Desta forma, resta claro o perigoso impasse criado, haja vista que se alguns dos próprios legisladores, responsáveis pela elaboração de leis, praticam o ato combatido Pela Carta Maior, dificultando maiores avanços.

Há, no parlamento, a Frente Parlamentar de Erradicação do Trabalho Escravo, atualmente presidida pelo deputado Domingos Dutra. Nas palavras do próprio, o que de fato impede a votação da matéria “ é o funil do Colégio de Líderes, com vínculos na bancada ruralista.” [59]

Uma clara amostra desse fato mostra-se através de um comentário proferido pelo parlamentar integrante da bancada ruralista no Congresso, o deputado Homero Pereira. Neste ponto, se transcrevem suas falas, a fim de, em seguida, combatê-las. Segundo tal deputado, o problema da PEC seria “a insegurança jurídica pela falta de uma definição precisa do que é trabalho em condições análogas à escravidão”. Conforme retro mencionado em momento inicial deste trabalho, a expressão “condições degradantes”, presente no artigo 149 do código Penal Brasileiro não pode ser tida como subjetiva, especialmente quando a intenção contida neste argumento for afastar sua aplicabilidade.

Nas palavras do Procurador do Ministério do Trabalho, Marcelo José, (atuante na seara do combate ao trabalho escravo), em entrevista feita com o próprio para viabilização do presente trabalho: “não há subjetividade alguma na expressão, basta que cada um reflita se gostaria e/ou permitiria que seu próprio pai ou filho laborassem nas condições em questão” (entrevista oral).

Desta forma, a subjetividade e por isso, a dificuldade de aplicação da norma, se mostra argumento desarrazoado, vazio. Além disso, alegar que se tratam apenas de irregularidades trabalhistas constitui uma alegação frequentemente usada por empregadores flagrados em tal situação.

O deputado alegou, ainda, que:

 “sem uma definição, ficamos à mercê do fiscal do Ministério do Trabalho, que pode considerar que transportar o trabalhador num caminhão, em vez de num ônibus fechado, ou não dispor de um banheiro azulejado, é submeter o trabalhador a condições de escravidão”. ( Grifo nosso)

  Tal argumento não se sustenta, haja vista que, conforme informado anteriormente, o fiscal do Ministério do Trabalho possui fé pública e seus atos possuem presunção de veracidade, presumindo-se, portanto, pessoa plenamente apta para aferir se há ou não no caso concreto um trabalho análogo ao de escravo. Assim, não é cabível se deduzir ou insinuar que o mesmo decidiria arbitrariamente e com subjetividade em seu desempenho.

Por fim, o deputado afirma: “Para mim, escravidão é manter o trabalhador sob guarda armada, confinado, sem receber salário regular. Isso é muito diferente da prática de irregularidade trabalhista”.

A partir da análise desta declaração, observa-se o desconhecimento até mesmo por parte de parlamentares, a respeito da escravidão vigente nos dias atuais. Nos dizeres do deputado Tarcisio Zimmermann, prefeito de Novo Hamburgo-RS, “eles (os parlamentares) estão tornando mais evidente e relevante o Direito à Propriedade do que a Dignidade da Pessoa Humana”( entrevista oral).

5.3.1-Informações Recentes

 Recentemente, em 8 de maio de 2012, o Governo sucumbiu novamente aos interesses da chamada bancada ruralista. Semelhante ao que ocorreu na proposta de revisão do Código Florestal, os grandes fazendeiros presentes conseguiram fazer valer seus próprios interesses. Deste modo, a aprovação da referida PEC foi adida pelo prazo de duas semanas, já desmoralizando de vez o tratamento da matéria por parte do Congresso Nacional.[60]

Além disso, tais indivíduos lograram êxito ao deslocarem as atenções da aprovação da referida PEC , cerne da discussão, para a redefinição do conceito trabalho escravo vigentes nos dias de hoje. Neste contexto, setores da base governista, inclusive no próprio PT, exigiram, como condição para a aprovação da PEC em epígrafe, que fosse “previamente rediscutido e eventualmente relegislado o arcabouço jurídico que define o trabalho escravo no Brasil de hoje”.[61] Com as devidas vênias e com base nos argumentos já expostos no presente capítulo, tal ato configura um flagrante retrocesso para um país em desenvolvimento econômico intenso em pleno século XXI.

Nos dizeres o parlamentar Ivan Valente (PSol-SP):

“o país não pode retroceder para concepções atrasadas da escravidão dos grilhões e das bolas de ferro e deve manter os fundamentos que já vem adotando, que são reconhecidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).”[62]

Em 22 de meio de 2012, a PEC foi aprovada em segundo turno pela Câmara dos Deputados, prevendo a expropriação de propriedades em que trabalho escravo for encontrado, destinando-as à reforma agrária e ao uso social urbano. Nesta ocasião, em um total de 414 Senadores e Deputados Federais presentes,  houve 360 votos favoráveis à mesma, 29 votos contrários e a abstenção de 25 membros. Diante desta informação, importante destacar as palavras proferidas pelo jrnalista Leonardo Sakamoto:

“Parte dos deputados contrários à PEC perceberam que a posição favorável à aprovação teria quórum e recearam defender uma negativa que poderia ser questionada posteriormente pela sociedade, uma vez que o voto para mudança constitucional é aberto. Ao mesmo tempo, quase 100 deputados estavam ausentes. Isso ajuda a explicar o baixo número de votos contrários e leva a uma falsa impressão de que a votação foi fácil, quando – na verdade – a sua viabilização levou semanas. E até o resultado aparecer no painel eletrônico, ninguém tinha certeza de nada.” ( grifo nosso)

Uma relevante informação deste cenário é que a referida PEC voltará ao Senado, (sua casa iniciadora), por ter sofrido uma alteração para inclusão da exproprição de propriedades urbanas na votação em primeiro turno, realizada em 2004. Demonstra-se. Com tal inclusão, observa-se um avanço legislativo e adaptação às facetas da escravidão vigente.

Finalmente, a PEC em epígrafe deu origem à Emenda Constitucional nº 84 de 2014, a  qual dá nova redação ao artigo 243 da Carta Magna, o qual atualmente dispõe em seu caput:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.      (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014) ( grifo nosso)

2.Conclusão

A persistência de escravidão no cenário brasileiro intriga muitos indivíduos que acreditavam veementemente que a mesma fora erradicada por completo em 1888. Ora, é necessário que observemos que a mesma adaptou-se ao contexto atual, integrando, significativamente, inclusive, a base de países em pleno desenvolvimento econômico, tal qual é o caso do Brasil. Assim, a compreensão da escravidão contemporânea no Brasil tem como requisito a análise de seu modelo pré-republicano, visto que os mesmos guardam semelhanças entre si. Recentemente, a maior atenção de veículos de comunicação, principalmente a internet, deram maior dimensão do assunto à significativa parcela da sociedade.

 Sob outro aspecto, fundamental identificar como o poder judiciário tem decidido diante dos casos levados a ele. Observa-se, primeiramente a prevalência de denegação do pedido de Habeas Corpus em sede liminar em decisão com base na prática do crime previsto no artigo 149. 

 No que tange ao entendimento do STF (Suprema Corte) surpreendentemente, ainda não se encontra unânime com relação ao conceito de escravidão contemporâneo. Afirma-se isto ante a análise de recente julgamento (referente ao inquérito nº 2131) no qual alguns ministros, felizmente a minoria, entenderam que o caso em questão trazia apenas irregularidades trabalhistas. A prevalência deste entendimento demonstraria engessamento e até mesmo retrocesso do poder judiciário ao exigir as mesmas condições da era pré-republicana em pleno século XXI. Neste diapasão, observa-se também que a significativa bancada ruralista presente no Congresso Nacional alega subjetividade na expressão “trabalho degradante “ Contida no artigo 149 do Código Penal. Argumento que se mostra infundado diante de casos que saltam aos olhos por trabalhadores submetido à crueldade tamanha, perceptível à qualquer ser humano portador de uma sensibilidade mínima.

Recentemente, a jurisprudência se solidificou com relação à Competência para julgamento do crime previsto no artigo 149, julgando ser da Justiça Federal, ato louvável que trouxe celeridade ao julgamento dos diversos processos , os quais aumentaram significativamente com as denúncias feitas pelo Ministério Público Federal, fiscalizações do Grupo de Fiscalização Móvel.

 Afortunadamente, estas parcerias que envolvem o trabalho de órgãos Administrativos e o poder judiciário têm rendido bons resultados. Podemos observar a iniciativa da vulgarmente chamada “Lista Suja”, a qual impede o financiamento de crédito aos produtores rurais em cuja propriedade seja comprovada a existência de trabalho análogo a escravo;o ensejo à ações civis públicas do Ministério Público Federal pleiteando danos morais coletivos, por se tratarem, claramente de um crime contra os direitos humanos, vergonhoso para toda a coletividade, ainda mais em um período no qual os direitos difusos , de 3ª geração estão amplamente comentados e todos os ramos do Direito vistos sob um prisma constitucional.

O assunto de maior relevo e destaque neste momento é o proposta de emenda constitucional nº 438, a chamada ( PEC do trabalho escravo), a qual, após tantas tentas tentativas frustradas de colocação n ordem do dia para votação, fora aprovada em 22 de maio de 2012 em segundo turno, retonando ao Senado Federal devido à louvável inclusão da modalidade urbana na mesma. Uma boa noticía é que no ano de 2014 a referida PEC ensejou uma Emenda Constitucional ( EC nº 243) mudando de vez o texto da nossa Carta Magna.

 Deste modo, é possível esperar ainda mais avanços no sentido de combater e até mesmo erradicar a escravidão em nosso país.

Referências
CERQUEIRA, Gelba Cavalcante de. FIGUEIRA, Ricardo Rezende. PRADO, Adonia Antunes. COSTA, Celia Maria Leite (Org.). Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil. Contribuições críticas para sua análise e denúncia. Rio de Janeiro: UFRJ,2008
COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. 4. ed. São Paulo: Unesp, 1997.
FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando Fora da Própria Sombra. A escravidão por dívida no Brasil contemporâneo.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
GRENOUILLEAU, Oivier Pétré-. A História da Escravidão. São Paulo: Boitempo, 2009.
JOLY, Fábio Duarte. A escravidão na Roma Antiga. Política, economia e cultura. São Paulo: Alameda, 2005. Passado Presente.
PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil. As razões da escravidão Sexualidade e vida cotidiana As formas de resistência. 20. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
PRADO, Adonia Antunes(Coord.). PADRE FIGUEIRA, Ricardo Rezende ( Coord.), MOTTA, Ana. RIBEIRO,  Antônia Macedo. TONETO, Bernadete. Terra e Trabalho Escravo. Violência e Impunidade. Niteroi: Centro de Estudos Sociais Aplicados. Universidade Federal Fluminense, 2002.
PRUDENTE, Wilson. Crime de Escravidão. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
REVISRA VIA LEGAL. Viagem rumo à escravidão. Gigantes destruidores. Uma polêmica herança imperial. Brasília, DF:Centro de Produção da Justiça Federal(cpjus) 2011. Ano IV n. XII.
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Brasil: Colonização e Escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 3ed. Ver. E atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
Notas:
[1] FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Terra e Trabalho Escravo. Violência e Impunidade. Niteroi: Centro de Estudos Sociais aplicados Universidade Federal Fluminense, 2002. p. 31
[2] http://pt.wiktionary.org/wiki/escravo , pesquisa feita em 12 de abril de 2012
[3] PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil- A Razões da escravidão Sexualidade e vida cotidiana As formas de resistência. São Paulo: Contexto, 2006. p. 12
[4] JOLY, Fábio Duarte. A escravidão na Roma Antiga- Política, economia e cultura. São Paulo: Alameda, 2005. p.8.
[5] http://www.soleis.adv.br/leishistoricas.htm
[6] http://www.soleis.adv.br/leidosexagenario.htm
[7] http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_dos_Sexagen%C3%A1rios
[8] http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/iluminismo/iluministas-franceses.php
[9] http://www.scientificcircle.com/pt/274/ilustracao-escravidao-condicoes-saude-escravos-novo-mundo/
[10] FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando Fora da Própria Sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 46 et seq.
[11] http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/convencoes/convencoes.php, pesquisa feita em 12 de abril de 2012
[12] FIGUEIRA, Ricardo Rezende.Op. cit. p. 44
[13] NETO, apud CERQUEIRA, Gelba Cavalcante de. FIGUEIERA, Ricardo Rezende. PRADO, Adonia Antunes. COSTA, Célia Maria Leite . Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008.  p. 243
[14] SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho.3. ed. rev e atualiz. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p.109
[15] SÜSSEKIND, Arnaldo. Op. cit. p.114
[16] FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Op. cit. p.17
[17]FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Op. cit.p. 17
[18] Ibid. p.18
[19] Ibid. p. 35
[20] Ibid. p.154
[21] ROSIERS, Frei Henri des. Op. cit. p. 14
[22] Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dorothy_Stang.  Visto em 16/4/2012 às 18:59 min.
[23] Fonte: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1525 em 16/4/2012 às 21:00
[24]Fonte:http://www.correioforense.com.br/noticia_pdf/id/41998/titulo/JFPA_em_32_processos_sobre_trabalho_escravo_28_reus_sao_condenados.html em 16/04/2012 às 21:25
[25] http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1525
[26] FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Op. cit. p. 243
[27] ABREU, Carolina de Cássia Ribeiro de. Op. cit. p. 109
[28] http://www.reporterbrasil.org.br/conteudo.php?id=9#6não
[29] Fonte: Revista Via Legal – ano IV n. XII- Op. Cit. p.25
[30] Revista Via legal. Op. cit. pg.26
[31] FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Op. cit. p.255
[32] Ibid. p. 255
[33] FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Op. cit.p. 253
[34] http://www.prt10.mpt.gov.br/content/o-que-%C3%A9-termo-de-ajuste-de-conduta
[35] FIGUEIRA, Ricardo Rezende Op. cit. p.147
[36] http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1925
[37] PRUDENTE, Wilson.Crime de Escravidão. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.16
[38] Fonte: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102343 em 22 /04/2012 às 10:40min.
[39] Op. cit. p. 16
[40]http://www.youtube.com/watch?v=2pS2dAzCXGE- Julgamento STF em 23/2/2012
[41] Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Comiss%C3%A3o_Pastoral_da_Terra , em 19/04/2012 à 16:24 min.
[42] Fonte: http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/sobre_o_mpt/apresentacao/!ut/p/c5/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os_iAUAN3SydDRwOLMC8nA89QzzAnC1dzQy8LI6B8JJK8u6uns4Gnq7OhT5BvkLGBgRkB3eEg-5BUGDg5ugL1B3v7OrlaGjg7GaPJYzEfJG-AAzga6Pt55Oem6hfkRhhkBqQrAgCVw1J3/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/
[43] FIGUEIRA, Ricardo Rezende em Trabalho escravo Contemporâneo no Brasil- contribuições críticas para sua análise e denúncia. Op. cit. p. 143.
[44] http://carep.mte.gov.br/trab_escravo/7337.pdf
[45] FIGUEIRA, Ricardo Rezende- Trabalho Escravo Contemporâneo – contribuições críticas para sua análise e denúncia – Op. cit.p.147
[46] FIGUEIRA, Ricardo Rezende- Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil- contribuições críticas para sua análise e denúncia- Op. cit.p. 152
[47] Código  Penal  Comentado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva,  2009, p. 495
[48] http://www.sinpait.com.br/site/internas.asp?area=9915&id=532
[49] Incisos contidos no art3.Portaria nº540/2004
[50] CESÁRIO, João Humberto- A Importância do Cadastro de Empregadores que tenham mantido Trabalhadores em condições análogas a de escravo como instrumento de cidadania. Questões materiais e processuais à luz da nova lei do Mandado de Segurança- pg.15
[51] CESÁRIO, João Humberto. Op cit. p.16
[52] http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/forum-de-assuntos-fundiarios/lista-suja-do-trabalho-escravo em 4 de abril de 2012 às 17:24 min.
[53] art.4º, parágrafo 1º – Portaria nº 540/2004
[54] Processo nº 00177.2005.061.23.00-3- Tribunal Regional do Trabalho 23ª Região  Vara do Trabalho de São Felix o Araguaia- MT
[55] Entrevista concedida à TV Justiça
[56] PRUDENTE, Wilson. Op. cit. p. 12
[57] João Humberto Cesário em entrevista para a Rádio Justiça: http://www.youtube.com/watch?v=mWQ6RS-jWN8
[58] http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=36162
[59]Revista  Tribuna do Advogado- outubro/2011- p.12
[60] http://www.trabalhoescravo.org.br/noticia/58 em 15/5/2012
[61] http://www.trabalhoescravo.org.br/noticia/59
[62] http://www.trabalhoescravo.org.br/noticia/58

Informações Sobre o Autor

Cinthia Correa Fernandes Alves

Graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro pós- graduada pela Universidade Cândido Mendes em Direito Civil e Processual civil e Advogada


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Equipe Âmbito Jurídico

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