Sumário: 1. A importância dos princípios para o direito; 2. Os princípios gerais de direito e o direito privado; 3. A nova arquitetura do direito privado; 4. Função dos princípios de direito privado; 5. Justificativa e conclusão; 6. Princípio da dignidade da pessoa humana; 7. Bibliografia.
1. A importância dos princípios para o direito
Falar de princípios no direito não é tarefa das mais fáceis, porém, não tão nebulosa que não se possa elucidá-la.
Muito se discute na doutrina sobre qual seria a finalidade dos princípios no direito, surgindo teses em vários sentidos. No entanto, parte do discurso encontrado nessas teses é uníssono.
Trata-se da importância dos princípios para o direito, que segundo pontificava o saudoso mestre Geraldo Ataliba, os princípios são a chave e essência de todo direito; não há direito sem princípios. As simples regras jurídicas de nada valem se não estiverem apoiadas em princípios sólidos[1].
Não menos importante entende o Professor Celso Antonio Bandeira de Mello, quando os defende dizendo que violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra[2].
Dessas lições depreende-se que os princípios estão para o direito, assim como o ar está para o ser humano. Renegá-los, seria o mesmo que negar a existência do direito.
2. Os princípios gerais de direito e o direito privado
Como já dissemos, muito se discute sobre qual seria a função dos princípios perante o direito, e ao longo do tempo, e de doutrina para doutrina, percebesse que não existe um entendimento único.
Segundo Aristóteles, princípio era uma fonte, uma causa de ação, tornando-se um freio dos fenômenos sociais. Já Cícero, analisando o conjunto de codificação civil romana, diz que os princípios serviriam para resolver casos novos[3].
Assim, é de se perceber que na antigüidade os princípios eram tidos como fonte de direito natural.
Porém, no direito moderno a questão é mais controvertida, o Professor Tércio Sampaio de Ferraz Júnior diz que os princípios compõe a estrutura do sistema e não o seu repertório; Unger diz que são meros expedientes para liberação das passagens legais que não mais atendem a opinião dominante; Hoffman diz que são permissões para livre criação do direito por parte do magistrado; Serpa Lopes define-os como simples fontes interpretativas e integrativas de normas legais, sem qualquer força criadora; os racionalistas compactuam com o pensamento esposado na antigüidade, definindo os princípios como fonte de direito natural, corrente esta sustentada por Del Vecchio, Espínola, Zeiller, idéia esta também aceita pela codificação civil espanhola e austríaca, onde respectivamente nos artigos 6º e 7º, encontra-se a prescrição dos princípios gerais do direito como direito natural[4].
Mas sendo inegável a importância dos princípios gerais do direito, independente da corrente jurídica que se adote, parece-nos acertado que entre as funções possíveis e imagináveis, talvez nos dias atuais, em que o direito privado precisa ser repensado, principalmente após a Constituição Federal de 1988, os princípios surgem como elemento integrador do ordenamento jurídico.
O Professor Gustavo Tepedino explica que hoje não temos mais um direito privado com uma sustentação normativa tipificadamente privada, pois com a promulgação da constituição, o Código Civil perdeu seu papel de constituição do direito privado, dividindo com o texto constitucional princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, e outras [5].
Dentro desta ótica, como bem preleciona Ricardo Luis Lorenzetti, é preciso identificar qual é a nova arquitetura do Direito Privado [6]
3. A nova arquitetura do direito privado
Na Idade Média existia a figura de um Estado atuante, onde tanto as classes auto-suficientes como as classes hipossuficientes eram plenamente atendidas.
Nesta época, o direito público prevalecia em relação ao direito privado, visto que as relações predominantes eram com o poder público.
Depois disso, com o crescente processo de industrialização e com o crescimento da atividade comercial, o direito privado passou a ganhar força com a atenção das codificações de direito privado em torno do indivíduo.
Porém, esse processo novamente se reverteu, e o legislador passou a se preocupar mais com os riscos e impactos sociais das atividades privadas e a forma de utilização dos bens, de maneira a assegurar os resultados sociais pretendidos pelo Estado, frutos dessa preocupação foi a Constituição federal promulgada em 1988.
Ocorre que atualmente o mundo passa por uma transformação onde o Estado é declarado como ineficiente, a política neoliberal imposta pela globalização impõe a desestatização, ressaltando cada vez mais as relações privadas.
Com isso, é de identificar que o direito privado atualmente goza de codificação própria que disciplina a base de seus institutos e de sua aplicação; goza de um piso mínimo de direitos e garantias fundamentais fruto da contribuição do Estado, tendo assim uma plataforma mais ampla que requer apenas regras da função institucional do direito privado permitindo a integração entre os diversos ordenamentos.
4. Função dos princípios de Direito Privado
Com a duplicidade de codificação voltada para o direito privado, uma de ordem pública garantida pelos direitos fundamentais constitucionalmente previstos, e outra de ordem privada através das diversas codificações de direito privado com sua essência no Código Civil, resta agora a institucionalização da sociedade civil que se dará com a integração dessas duas ordens jurídicas.
Para se obter essa integração e, consequentemente obter esta função institucional do direito privado existe a necessidade de uma ordem de princípios como bem preleciona Lorenzetti [7].
5. Justificativa e conclusão
Lorenzetti explica que a necessidade de uma ordem de princípios como forma de institucionalização desse novo ordenamento jurídico civil com normas públicas e privadas, apresentando justificativas que definem a finalidade dos princípios de direito privado com funções múltiplas.
Inicialmente, os princípios de direito privado definem a origem das normas dentro do ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que dão uma função interpretativa ao direito privado.
Ademais, limitam as fronteiras do direito privado, tornando ilegítima a atuação jurídica além delas.
E por último, garantem uma função de integração sistemática entre os vários ordenamentos, idéia esta também sustentada pelo por José de Oliveira Ascensão, que diz que se temos uma ordem normativa representada por um sistema, tem de ser travejado e percorrido por princípios ou orientações fundamentais, que resultam justamente na sua unidade [8].
6. Princípio da dignidade da pessoa humana
Os princípios gerais de direito normalmente não estão declarados nas normas jurídicas, por outro lado, estão implícitos, pois como já vimos, permitem a análise dos diversos sub-sistemas que compõe o ordenamento.
Dessa forma, dependendo do tema jurídico controvertido, estaremos sob a escora de um determinado princípio. No campo do direito das obrigações que é o que particularmente nos interessa aqui, estaremos sob a égide dos princípios da dignidade da pessoa humana, da imputabilidade civil dos danos, da autonomia da vontade e da boa-fé, entre outros.
Se detendo de agora em diante especificamente ao princípio da dignidade da pessoa humana, vamos examiná-lo.
O princípio da dignidade da pessoa humana inicia com a discussão sobre o que seria essa tal dignidade, o que nos é respondido com grande simplicidade pelo Professor Miguel Reale que afirma que a dignidade consiste no reconhecimento de determinados valores pela sociedade como sendo essenciais à sua ordem e desenvolvimento [9].
O Professor Miguel Reale apresenta ainda uma justificativa religiosa para o princípio da dignidade da pessoa humana, sustentando ser essa a base do direito natural, do qual era inseparável a idéia que homem foi criado por Deus, à sua imagem e semelhança e, desse modo, considerado uma pessoa dotada de dignidade intocável[10].
Por outro lado, se entendemos que a dignidade da pessoa humana deve prevalecer em face da análise sociológica e de análise religiosa, também não custa acrescentar que na experiência histórico-cultural, e assim é o direito, o valor da pessoa humana sempre foi primordial, aferindo legitimidade à ordem jurídica positiva.
Se analisarmos pelo modelo jurídico-político ideal proposto por Weber, também teremos a dignidade da pessoa humana como um princípio, pois o seu modelo previa que o homem poderia alcançar o máximo de preservação com o máximo de participação dos valores comunitários.
A importância de se ressaltar a dignidade da pessoa humana, vem de certa forma pelo fato de quase todos os possíveis objetos de direito estarem relacionados com a pessoa, como nos ensina o Professor Walter Moraes [11].
Da lição do Professor Walter Moraes extraímos também o entendimento de que com os chamados direitos da personalidade definitivamente reconhecidos para o direito pátrio com o advento da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana ganha destaque no atual cenário do direito privado.
Por último, importante também ressaltar que com a evolução da ordem econômica através da transposição das barreiras alfandegárias, a pressão do mercado, especialmente intensas na atividade econômica privada, podem favorecer uma conspícua violação à dignidade da pessoa humana, reclamando assim a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana, como ressalta Gustavo Tepedino [12].
Deve o princípio da dignidade da pessoa humana, no campo do direito das obrigações, através das garantias fundamentais, oferecer parâmetros para o exercício do necessário controle da atividade econômica privada.
7. Bibliografia
Advogado militante na área empresarial em São Paulo, Professor Universitário nas disciplinas de Direito Empresarial, Direito do Consumidor, Direito Comercial e Prática Jurídica e membro da Comissão de Coordenação do curso de Direito da Universidade São Francisco, Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul, Membro do Fórum do Idoso Vítima de Violência
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