Pensão alimentícia e maioridade

A pensão alimentícia é a “quantia fixada pelo juiz e a ser atendida pelo responsável (pensioneiro), para manutenção dos filhos e ou do outro cônjuge” (DICIONÁRIO JURÍDICO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS JURÍDICAS. Planejado, organizado e redigido por J. M. OTHON SIDOU. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 618). Para os fins do presente trabalho, interessa a pensão alimentar paga pelo pai aos filhos que atingem a maioridade.


O advento do novo Código Civil modificou a disciplina legal do tema, engendrando celeuma nos círculos acadêmicos e semeando a dúvida nos meios forenses.


O novel Código Civil de 2002 dispõe, in verbis:


“Art. 1.701. A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor” (sublinhamos).


Uma leitura apressada da inovação legal transcrita poderia induzir a erro o operador do direito, sugerindo de forma equivocada que o pensionamento dos filhos menores só duraria até o atingimento da maioridade, cujo advento deveria fazer cessar o pagamento de alimentos destinados à cobertura dos gastos com educação.


Acontece que existem duas modalidades de encargos legais a que se sujeitam os genitores em relação aos filhos: o dever de sustento e a obrigação alimentar.


O dever de sustento diz respeito ao filho menor, e vincula-se ao pátrio poder (leia-se: poder familiar); seu fundamento encontra-se no art. 1.566, IV, do Código Civil de 2002; cessando o poder familiar (antigo pátrio poder), pela maioridade ou pela emancipação, cessa conseqüentemente o dever em questão (CAHALI, Yussef Said. DOS ALIMENTOS. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 684).


A obrigação alimentar não se vincula ao pátrio poder, mas à relação de parentesco, representando uma obrigação mais ampla que tem seu fundamento no art. 1.696 do Código Civil de 2002; tem como causa jurídica o vínculo ascendente-descendente (CAHALI, Yussef Said. Obra citada, p. 685).


O novel Diploma Substantivo Civil inovou no tema da maioridade, fazendo cessar aos 18 anos a menoridade do filho, com o conseqüente sobrestamento do dever de sustento que decorre do poder familiar. Tal alteração ensejou uma dificuldade de ordem prática.


Com efeito, como fica então a situação jurídica dos filhos menores de 21 anos e maiores de 18 anos que recebem pensão alimentícia fixada em processo de divórcio, separação judicial, alimentos ou outra ação especial, na vigência do Estatuto Civil pretérito, no qual a maioridade acontecia somente aos 21 anos? É necessário aprofundar a pesquisa antes de responder a indagação.


O mestre Yussef Said Cahali acertadamente ressalta que “julgados, há, também, que, ainda por inspiração da eqüidade, ou por economia processual, preservam a pensão concedida para sustento do filho menor, agora sob o color de obrigação alimentícia, para além do momento inicial da maioridade, recusando a exoneração do genitor, ‘se a essa conclusão leva a prova dos autos’” (obra citada, p. 691).


O consagrado autor citado explica que “tal entendimento tem sido geralmente adotado naqueles casos em que o filho encontra-se cursando escola superior: ‘A maioridade do filho, que é estudante e não trabalha, a exemplo do que acontece com as famílias abastadas, não justifica a exclusão da responsabilidade do pai quanto a seu amparo financeiro para o sustento e estudos’” (obra citada, p. 691).


Verdade seja dita, o atual Regulamento do Imposto de Renda, reproduzindo dispositivo existente na legislação anterior, corrobora a opinião jurídica de que os filhos maiores, até os 24 anos, que estejam cursando estabelecimento de ensino superior, são considerados dependentes à luz do Direito Tributário (art. 77, § 2°, do Decreto n° 3.000, de 23 de março de 1999).


O colendo Superior Tribunal de Justiça preconiza a orientação pela qual os alimentos são devidos “ao filho até a data em que vier ele a completar os 24 anos, pela previsão de possível ingresso em curso universitário” (STJ – 4ª turma – RESP 23.370/PR – Rel. Min. Athos Carneiro – v.u. – DJU de 29/03/1993, p. 5.259).


Em recente julgado, o egrégio Superior Tribunal de Justiça abordou a questão ora ventilada, verbo ad verbum:


“RECURSO ESPECIAL. PENSÃO ALIMENTÍCIA. FILHA MAIOR. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N° 7/STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 399 DO CÓDIGO CIVIL NÃO VERIFICADA.


I – O prequestionamento é indispensável à admissibilidade do recurso. Incidência das súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.


II – Decidido pelo tribunal estadual, soberano na interpretação da prova, sobre a necessidade de filha maior ser provida com pensão alimentícia pelo pai, o reexame da questão encontra, em sede de especial, óbice da Súmula n° 7 desta Corte.


III – Não merece reforma o aresto hostilizado que, considerando a situação econômica de filha, a qual, embora maior e capaz, vive em estado de penúria, impõe ao pai a obrigação de prestar alimentos, por certo tempo.


Recurso não conhecido” (STJ – 3ª Turma – RESP 201348/ES – Rel. Min. Castro Filho – v.u. – DJU de 15/12/2003, p. 302).


Por ocasião do julgamento do recurso especial, o ministro Castro Filho afastou a alegação de que o Código Civil só assegura aos filhos maiores o direito a alimentos quando não puderem prover a própria subsistência por meio de seu trabalho (Notícias do Superior Tribunal de Justiça. Disponível na Internet via WWW.URL: <http://www.stj.gov.br/webstj/Noticias/detalhes_noticias.asp?seq_noticia=9711>. Acesso em: 17 de dezembro de 2003).


O ministro Castro Filho sustentou que “o fato de atingir a maioridade não significa que o alimentante (o pai) se exonera da obrigação alimentar, pois esta é devida entre ascendentes e descendentes, enquanto se apresentar como necessária” (Notícias do Superior Tribunal de Justiça. Disponível na Internet via WWW.URL: <http://www.stj.gov.br/webstj/Noticias/detalhes_noticias.asp?seq_noticia=9711>. Acesso em: 17 de dezembro de 2003).


Aliás, a necessidade dos alimentos vincula-se com a própria subsistência (física e mental) do ser humano, e abrange, além dos gastos com alimentação e vestuário, as despesas com a formação intelectual. Não foi à toa que a Carta Magna de 1988 erigiu a educação em “direito de todos e dever do Estado e da família” (art. 205).


O jurista Lourenço Prunes, citado por Yussef Said Cahali, explana que “a instrução e educação não são privilégios dos menores, como pretendem alguns autores; isso seria uma espécie de regressão às Ordenações, que mandavam ensinar a ler até a idade dos doze anos (Liv. I, Tít. 88, § 5°), a despeito do fato de que, em direito romano, a instrução e educação já se incluíam, genericamente, entre os alimentos (…); assim, mesmo maiores podem e devem, em certas circunstâncias, ser instruídos e educados à custa dos pais” (obra citada, p. 693).


Destarte, deixando de lado a polêmica questão da redistribuição do ônus da prova, a conclusão que se extrai do arrazoado acima é que a maioridade não implica no sobrestamento da pensão alimentícia devida pelos genitores à respectiva prole. Na realidade, opera-se apenas a mudança da causa da obrigação alimentar, que deixa de ser o dever de sustento decorrente do pátrio poder e passa a ser o dever de solidariedade resultante do parentesco.


Em abono do pensamento acima, Sérgio Gilberto Porto ensina que a obrigação alimentar recíproca entre pai e filhos estatuída no art. 1.696 do Código Civil de 2002 não se submete a qualquer critério etário, e acrescenta que “se é certo que, com a maioridade ou emancipação, cessa o pátrio poder, também é certo que, tão-somente com o implemento de tal fato, não será  extinto o dever alimentar, merecendo que se analise, caso a caso, o binômio necessidade-possibilidade” (DOUTRINA E PRÁTICA DOS ALIMENTOS. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 45).


At last but not least, afigura-se interessante tecer um breve comentário acerca do aspecto processual. Deveras, uma vez atingida a maioridade, não há necessidade de ajuizamento de ação de exoneração de alimentos pelo pai, a fim de fazer cessar a obrigação alimentar em relação ao filho. Verdadeiramente, seria um excesso de formalismo vedar a discussão da cessação ou não do dever alimentar com a superveniência da maioridade, no próprio âmbito da ação alimentos original (ou outra ação especial). À luz do princípio da economia processual, vislumbra-se a razoabilidade da dispensa da propositura de ação de exoneração de alimentos. É certo que a superveniência da maioridade não faz cessar automaticamente o pagamento da pensão alimentícia, mas também não há necessidade de exigir-se que a questão seja discutida em outro processo.


Por outro lado, seria uma extravagância impor o ajuizamento de uma ação de exoneração de alimentos, determinando-se ao final do processo a cessação do pagamento de alimentos pelo pai, sob o argumento de que a maioridade do filho extingue o dever de sustento decorrente do pátrio poder, para ensejar-se posteriormente a propositura de nova ação de alimentos pelo filho, a título de obrigação alimentar decorrente do parentesco, e conseqüente restabelecimento do pagamento da pensão alimentícia. O caráter instrumental do processo recomenda que tudo seja discutido e solucionado no âmbito da ação originária (ação de alimentos, etc.), evitando-se a interposição de ação de exoneração de alimentos e a sua contrapartida lógica (ação de alimentos).


Convida-se à leitura do julgado abaixo do colendo Superior Tribunal de Justiça, ipsis verbis:


“Processual Civil – Alimentos – Exoneração – Alimentando – Maioridade superveniente – Ação de exoneração – Desnecessidade.


Alimentos. Filhos. Maioridade. Extinção.


– Atingida a maioridade do filho, o alimentante pode requerer, nos autos da ação em que foram estipulados os alimentos, o cancelamento da prestação, com instrução sumária, quando então será apurada a eventual necessidade de o filho continuar recebendo a contribuição.


– Não se há de exigir do pai a propositura de ação de exoneração, nem do filho o ingresso com ação de alimentos, uma vez que tudo pode ser apreciado nos mesmos autos, salvo situação especial que recomende sejam as partes enviadas à ação própria.


Recurso conhecido pela divergência, mas desprovido” (STJ – 4ª Turma – RESP 347.010-0/SP – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar –  v.u. –  DJU de  10.02.2003).


Ademais, considerando-se que a obrigação alimentar constitui relação jurídica de trato sucessivo, a coisa julgada material incidente nas ações de alimentos alcança tão-somente as prestações vencidas e exigíveis.


À guisa de conclusão, é lícito afirmar que o advento da maioridade do filho não implica na interrupção do pagamento da pensão alimentícia, a qual apenas deixa de ter como causa o pátrio poder (poder familiar) e passar a subsistir com fundamento no princípio da solidariedade entre os parentes. Para eximir-se da obrigação de pensionar o filho (alimentando), o pai (alimentante) deverá demonstrar que aquele (o filho) não necessita dos alimentos ou então terá que provar que ele (o pai) não tem condições financeiras de arcar com o pagamento da pensão alimentícia (binômio necessidade-possibilidade).


Informações Sobre o Autor

Afonso Tavares Dantas Neto

Promotor de Justiça.


Equipe Âmbito Jurídico

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