Resumo: O artigo aborda didaticamente o percurso histórico peculiar do contrato, narrando interessantes momentos da historiografia das leis brasileiras, bem como, destacando a relevante evolução e função do contrato no direito privado vigente. E, ainda sobre a singularidade do contrato de adesão.
Palavras-chaves: Direito Civil, Direito Contratual, Contrato, Evolução. Contrato contemporâneo, Função social do contrato.
Abstract: The article discusses the historical course didactically peculiar contract narrating interesting moments in the history of Brazilian law, as well as highlighting the evolution and function of the relevant contract in private law in force. And about the uniqueness of the membership contract.
Keywords: Civil Law, Contract Law, Contract,. Evolution, Contract contemporar, Social function of the contract.
Sumário: 1. Introdução. 2. Historiografia brasileira do contrato e do direito civil. 3. O contrato de adesão e a teoria geral do contrato. 4. Conclusão
1.Introdução
Muitas foram as transformações pelas quais passou o direito, em particular, nesse milênio, destacamos especialmente o contrato que seguiu uma trilha própria, apesar da variedade tipológica indisfarçável, não faltou à doutrina certa uniformidade conceitual, se atentarmos para o fenômeno puramente abstrato ou meramente teórico.
Atuaram diversas forças convergentes sobre o contrato, com destaque para a força obrigatória e a influência de fatores determinantes das injunções sociais. É certo que outras forças igualmente compareceram, mas essas duas supracitadas ainda são as mais insistentes.
Em razão da maior influência de diversos fatores, no contrato pode vigorar a liberdade contratual, em seus vários sentidos: de opção subjetiva, ou seja, na escolha de com quem contratar; e a opção objetiva (que se refere à escolha material das prestações); a opção formal (a escolha tipológica das cláusulas); ou reversamente, a ausência dessa autonomia com a predominância da ordem pública, e maior imposição do Estado em qualquer das três opções, em caráter transitório ou permanente.
Ab initio, o contrato se baseou na influência estrutural da vontade humana, porém pôde, contudo, absorver de forma maior ou menor a influência das forças sociais ou naturais, sobre as quais não exerce o homem o seu poder e decisão pessoal (tais como as guerras, revoluções, terremotos, tsunamis, enchentes ou quaisquer fenômenos) sejam estes humanos ou físicos ou naturais.
É bom entendermos a acepção evolutiva do contrato que denota o desenvolvimento gradual e progressivo de uma ideia, de um sistema ou de uma arte (Laudelino Freire, 1957).
Assim há outros sentidos análogos, daí existirem a evolução etimológica, a linguística, a antropológica, e, enfim, a evolução social. Portanto, a evolução do contrato se traduz na transformação temporal e espacial, conforme explicou Joseph Zaksas.
Tendo em vista os diversos períodos históricos e as variadas civilizações com especial destaque à civilização romana e, ipso facto, ao “contrato romano” nos períodos: pré-clássico, clássico, no Baixo Império, o contrato medieval (feudal), o contrato na Alta Idade Média, o contrato do Código Napoleônico e o contrato na pendência deste, até enfim as suas mais recentes transformações vindo até a atualidade.
É relevante frisar que a evolução arrimada no atual Código Civil Brasileiro corresponde ao desenvolvimento sofrido por todo direito privado sob o influxo da repersonificação que consagrou a defesa da dignidade humana, da boa-fé objetiva e da função social de institutos típicos, tais como a propriedade, o contrato, a empresa, a família e a responsabilidade civil.
Ao focalizarmos o contrato no Direito Romano é indispensável apontar a noção de “obrigação” que sofreu enorme variação conceitual. No começo, não se cogitava de obrigação no sentido de relação individual. Nesses primórdios reinava intensa hostilidade dos grupos que permanecia mesmo entre os sobreviventes.
Mesmo quando se chegou a definiu a noção de um vínculo interpessoal, ainda se vivia em plena hostilidade, que se visava à punição pessoal para o descumprimento de qualquer compromisso. Fornece-nos um bom testemunho a Lei das XII Tábuas, quando estabeleceu o cumprimento da obrigação, assegurando como garantia, o próprio corpo do devedor.
“Tertius nundinus partes secuntur si plus minusce secuerunt se fraude esto” que constava na Tábula III, que estabelecia um macabro concurso de credores mediante o qual se realizava a divisão do corpo do devedor insolvente, além do Tibre, para o pagamento aos credores com as partes em que o corpo era fracionado.
Um grande giro conceitual promoveu a Lex Poetelia Papiria (428 a.C.)[1] que substituiu a responsabilidade do devedor, que recaía sobre sua pessoa e sobre seu corpo, para incidir sobre os seus bens pecuniae creditae bona debitoris, non corpus obnoxium esse.
Numa sociedade de costumes mais rudimentares encontrava-se nas trocas individuais o nexum que representava o procedimento mais comum e natural de estabelecer as relações obrigacionais. Com o desenvolvimento econômico e social veio a surgir o contrato e, naturalmente o seu poder vinculativo, como expressão do mais puro individualismo.
O que as pessoas enunciavam oralmente tinha a possibilidade de criar direitos e já era assim consagrado na Lex XII Tabularum, em sua Tábula VI. O contrato nascido do ritual da palavra vinculava os contratantes, e uma vez celebrado, com observância dos requisitos, impunha-se obrigatoriamente aos contratantes.
A evolução da sociedade romana foi tornando a vida cada vez mais complexa, surgindo uma pluralidade negócios e a necessidade de dar maior materialidade aos contratos.
Então, como relatou Gaius, surgiram as quatro principais modalidades de contratos, a saber: contratos re ( uma espécie de contrato real) que se perfaziam mediante a entrega de uma coisa; o contrato litteris ( que se completava pela inscrição no codex do credor); o contrato verbis (que se realizava mediante a troca das palavras sacramentais), dos quais o mais relevante era a stipulatio.[2]
Apenas mais tarde, veio surgir o contrato consensu, cujo nascimento foi lento e complexo. E, nem por isso, arrefeceu a afirmativa de Gaius que pontificava: “as obrigações ora nascem do contrato ora do delito”.
No Baixo Império romano ocorreu preciosa mutação no contrato, através do simbolismo que mais tarde bem caracterizou o direito germânico. O contrato obrigava mediante a simples proclamação verbal[3] que veio aprofundar na Idade Média.
Interessante observar que a boa-fé é oriunda da fides dos romanos que fora considerada como poder e como promessa, representava o respeito à palavra dada, o que posteriormente, nos levou a uma acepção ética. Fides era, o ponto inicial para haver confiança e se manifestava de diversas formas, como fides patroni (nas relações de patronato e clientela, esta tida como uma classe intermediária entre cidadãos inteiramente livres e os escravos) e afides populi romani (que atuava na esfera internacional para fundamentar o poder político do Império Romano e no plano das relações internas tratando com a legitimação de poder e da força política).
Portanto, a boa-fé se desenvolveu a partir do conceito de fides, que dava ampla margem ao julgador para decisão mediante o caso concreto. Alguns doutrinadores apontam a boa-fé como a ponte do direito romano que permitiu a passagem do formalismo para o consensualismo, posto que desaparecendo a certeza e a materialidade ritualística da forma, foi a boa-fé entre os contratantes que deu base à relação jurídica obrigacional. Durante a Idade Média, o direito civil sendo fortemente influenciado pelo direito canônico, conferiu à boa-fé forte carga ética que se equiparava à má-fé ao pecado.
A necessidade de segurança jurídica trouxe a exigência de serem observadas todas as formalidades exigidas pelo Direito Romano, e estas eram frequentemente atribuídas aos escribas, que reduziam por escrito todas as convenções das partes, consignando que todos os rituais haviam sido observados, embora em verdade não o tivessem sido. De tal forma que se generalizou a praxe que consagrou que a menção do fato valia pelo próprio fato. Portanto, passou-se a considerar que bastava a declaração de que as formalidades haviam sido cumpridas[4].
Não se abdicava do formalismo contratual, mas sua proclamada observância produzia seu efeito de cumprimento. Assim, teve começo a categoria dos contratos consensu que se formavam independentemente de todo elemento material.
Simultaneamente sob a égide do elemento religioso, foi introduzido o juramento servindo como boa técnica de atribuir maior validação às declarações dos contratantes; quem faltasse ao juramento procedia como se houvesse incorrido em mentira, e esta, era também tratada como peccatum. Portanto, sem abolir de todo a sacramentalidade dos rituais, ainda prevalecia o valor da palavra nas avenças.
Cada uma das etapas históricas do contrato forneceu positivas contribuições evolutivas. Quando se cogitava em vinculação do sujeito pela palavra oral, ou sua passagem para a forma escrita, ou o regresso à oralidade do compromisso, onde o direito se depreende do feitichismo da ritualidade do passado vindo se assentar em princípios, apesar de todas as contribuições germânicas, as influências cristãs e a participação visigótica.
Foi na construção lusa que localizamos a origem de nosso direito codificado mais propriamente, nosso Código Civil de 1916 que serviu de parâmetro até final do milênio. Remontando-se a origem do direito pátrio e o anseio pela codificação que veio por três reis portugueses que vincularam seus nomes aos majestosos monumentos legislativos. À frente D. Afonso V[5] que viveu no século XV com as Ordenações[6] por ele editadas, consagrando o direito primitivo do Reino de Portugal, e que subsistiram por dois séculos.
Superadas as Ordenações Afonsinas[7] pelo tempo e contexto histórico vieram as Ordenações Manuelinas que foram contemporâneas às grandes navegações e descobertas com a ampliação do reino lusitano pelos novos caminhos que rendeu o cognome de “Feliz” ao D. Manuel, também chamado de “o Venturoso”.
Com a marca dos dedos de Dom João I, o Mestre de Avis, sucedeu-lhe as Ordenações Filipinas que tiveram longeva vigência. Tendo sido editadas no período de ocupação por Dom Felipe IV de Espanha e transcenderam a restauração do império português. Só sendo revogadas em Portugal com o Código Civil de 1867, tendo subsistido no Brasil até o advento do Código Civil de 1916 lhe pusesse termo quando entrou em vigor em 01/01/1917.
2.Historiografia brasileira do contrato e do direito civil.
A Constituição de 1824, do Império brasileiro em seu art. 179, n.18 recomendou que se organizasse o quanto antes um Código Civil e um Criminal que atendessem às necessidades brasileiras e se sujeitassem ao estado da ciência jurídica. Coube ao governo imperial deliberar como medida liminar à codificação principalmente do Direito Civil que se achava em esparsa legislação, assistemática e desorganizada.
Na época fora nomeado o notável civilista Augusto Teixeira de Freitas[8] que aceitou o encargo em 1858, vindo a entregar a Consolidação das Leis Civis que representou notável trabalho e que inspirou os principais trabalhos legislativos no Brasil e na América Latina.
Recebida a Consolidação, entendeu o governo brasileiro de confiar a Teixeira de Freitas a elaboração de um código definitivo. Vindo a se dedicar e, em 1865, veio a divulgar uma parte do Esboço do Código Civil que fora considerado muito extenso, totalizando quase cinco mil artigos como apontou Comissão. O prévio parecer crítico da Comissão da época constrangeu o notável jurista, vindo a suspender a execução do contrato, e a rescindi-lo em razão da divergência suscitada e, enfim, não vem a terminar o Esboço. Freitas[9] então se manifestou queixoso de ingratidão da qual se considerava vítima.
Convidado Clóvis Beviláqua[10], seu projeto foi encaminhado ao Plenário da Câmara e, em 1902, é finalmente aprovado e, enviado ao Senado brasileiro[11]. Finalmente convertido em Lei (Lei 3.071, 01/01/1916) vindo a entrar em vigor no primeiro dia, do ano seguinte. Ficando vigente apesar de variadas e sucessivas modificações adjetas no restante do século.
É fato que o Código Civil Brasileiro de 1916 teve como séquito uma numerosa legislação extravagante que veio ao longo do tempo trazendo profícuas inovações, melhorias, adaptações e atualizações desde que a Lei 3.725/1919 veio a limitar as emendas redacionais ou por simples revisão gráfica.[12]
Tal qual ocorrera com o Código Civil Alemão (BGB de 1896) o nosso código civil de 1916 também se fez acompanhar da adjeta Lei de Introdução. E, diversamente do que fez o Código tedesco que a posicionou ao final do BGB, nosso legislador pátrio preferiu colocá-la antecedendo ao código propriamente dito.
A então Lei de Introdução, Decreto- Lei 4.657/1942 veio a fixar o princípio do prazo único ou simultâneo para a vigência da lei em todo território nacional, ao invés do regime de prazo sucessivo anteriormente em vigor. A referida Lei de Introdução mereceu nova redação dada pela Lei 12.376, de 2010 e passou a ser denominada de “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”. (Vide: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm).
Outra solução memorável foi para o conflito de leis no tempo e espaço[13], pois o art. 6º da referida Lei de Introdução substituiu a doutrina subjetiva de Gabba[14] pela tese objetiva de Roubier[15]. E, ainda dispõe que é competente a autoridade judiciária brasileira, quando o réu por domiciliado no Brasil, ou que aqui tiver que ser cumprida a obrigação (art.12).
Houve séria contribuição doutrinária e jurisprudencial em quase meio século que atuou convencendo sobre a necessidade de uma revisão em profundidade do Código Civil de 1916[16].
O governo então designou, nesse propósito, Comissão composta de civilistas notáveis, aos quais se atribuiu o encargo de elaborar o Código de Obrigações (Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo, Hahnemann Guimaraes).
Pareceu aos três mestres ser mais urgente o problema da seara obrigacional[17] tendo em vista a atender às modificações operadas pelas leis posteriores, seguiu as modernas tendências do direito, mitigando os excessos típicos do individualismo positivista e incompatíveis com a ordem jurídica da época e reduzir a dualidade de princípios aplicáveis aos negócios civis e mercantis que devem reger todas as relações de ordem privada (consta na Exposição de Motivos que apresentou o Anteprojeto ao então Ministro da Justiça Francisco Campos).
A douta proliferação de leis nos últimos cinquenta anos referendada pela Comissão, e já em dez anos de vigência do Código Civil havia o cotejamento de reforma. Então, a ilustrada Comissão de 1941 mostrou que a unificação dos princípios[18] gerais sobre as obrigações e a disciplina dos contratos em espécie, apresenta, sobretudo, a vantagem de resolver o problema do direito mercantil que ficará desta forma, reduzido a um restrito número de preceitos reguladores da atividade profissional dos comerciantes. As matérias relativas às sociedades empresariais e ao transporte comportarão, ainda, codificações autônomas.
Fora publicada a Parte Geral do Anteprojeto em 19/02/1941, não lhe faltando, porém, observações e críticas sobre todas suas partes. Caio Mário opinou que a mais injusta das críticas fora dirigida ao propósito da unificação de Direito obrigacional.
Entre os variados analistas, Caio Mário rendeu justas homenagens a João Baptista Vilela que teve acesso aos arquivos do Ministério da Justiça, e pôde entender suas contribuições. Contudo, a ideia reformista subsistia e prosseguiu acesa no governo de João Goulart, recebendo especial apoio do então Ministro da Justiça, João Mangabeira.
Finalmente, Caio Mário da Silva Pereira e Orlando Gomes assumiram a nobre incumbência de elaborar o Anteprojeto do Código de Obrigações de 1965, tendo sido entregue o trabalho completo em 25/12/1963. E fora fiel a unificação do Direito das Obrigações conforme bem preconizou Teixeira de Freitas, precedendo a sua proposição à prolazione, divulgada há meio século antes.
Com razão pontificou Caio Mário que não havia razão científica para que se submetessem a regimes diferentes relações jurídicas de idêntica natureza, ou em razão unicamente do caráter subjetivo de seus integrantes.
Veio então o golpe de Estado de 1964 e, em seguida, instaurou-se o governo de Castelo Branco que nomeou Caio Mário da Silva Pereira para a Chefia do Gabinete, confiando-lhe os trabalhos da reforma dos Códigos (Civil, Penal, Processo Civil, Processo Penal, Trabalho e Processo do Trabalho).
E, permaneceu ainda vinculado ao seu Anteprojeto de 1963 e continuou como secretário da Comissão composta por Orozimbo Nonato, Orlando Gomes, Nehemias Gueiros, Sylvio Marcondes e Theóphilo Azeredo. Santos. Depois de numerosas reuniões efetuou finalmente a entrega do Presidente da República, com o relatório de Caio Mário, em 24/09/1965.
Conveniente expor a divisão do relatório que bem explicita o conteúdo do projeto: Visão geral; unificação do Direito Obrigacional; Visão analítica – negócio jurídico; contratos; declaração unilateral de vontade; responsabilidade civil; enriquecimento indevido, títulos de crédito, empresários e sociedades.
Paralelamente ao Anteprojeto de Código de Obrigações, promoveu-se a elaboração de um projeto de Código Civil, cuja redação foi confiada ao Professor Orlando Gomes que o entregou ao Ministro da Justiça. E, para revê-lo foi constituída Comissão, composta de Orozimbo Nonato, Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira. De posse de ambos os projetos, o presidente os enviou ao Congresso Nacional para discussão e votação.
Mas, ao invés de enfrentar as críticas que naturalmente haveriam de surgir, pois que ambos continham necessárias inovações que se defrontavam com ideias já assentadas, o governo recuou.
E o pretexto para a retirada do Projeto de Código Civil fora este ser divorcista. Assim perdeu o país a oportunidade de efetuar a reforma do Direito Civil estruturado sobre dois projetos de alto nível que consagravam os progressos da ciência, os mais modernos conceitos em vigor em países adiantados.
No governo de Arthur da Costa e Silva, não teve seu Ministro da Justiça[19] nenhuma sensibilidade com o trabalho já realizado e, entendeu por começar tudo novamente. Nomeando a Comissão em 1972, sob a coordenação de Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Viana Charmoun, Clóvis Couto e Silva e Torquato Castro.
Apesar de notável qualidade dos juristas componentes, pecava o anteprojeto por falta de unidade de pensamento, e de certa timidez na adoção de soluções mais modernas aliada à inadequação de proposições à realidade econômica e social do país.
Então ocorreram mais de 700 (setecentas) emendas, das quais as duzentas emendas de autoria de Caio Mário da Silva Pereira sendo reeditado em 1973 sem melhorias sensíveis. Enviado ao Congresso em 1974[20] entrou em morosidade letárgica até 1983, quando por iniciativa do relator, recebeu aprovação relâmpago.
Recebido o projeto de código civil que tomou o número de 634-B, de 1975 logo recebeu numerosas emendas. As novidades que a legislação extravagante e a Carta de 1988 inseriram em nosso direito positivo são de tal extensão, e tal alcance que o projeto de Código Civil não tinha a menor chance de ser convertido em lei. Convocaram juristas, escolas de Direito, instituições de classe, num apelo para que retomasse a discussão[21].
O contrato está intimamente ligado à vida social, posto que todos contratem, seja pela mais singela manifestação de vontade que é geradora de direitos e obrigações elementares, seja na elaboração de documentos mais complexos.
Quem observou as figuras do contrato romano, verificou que sobrevivem no direito moderno e nos códigos atuais, apesar de influenciados por novas ideias. Assim o Código Civil brasileiro reproduziu a tipologia contratual romana. Como a execução do contrato de edição, da representação dramática e do seguro, a contratualística de 1916 é aproximadamente a mesma da codificação justiniana do século VI.
Subsiste a mesma técnica e predomina a concepção consensualista, com nítidos resquícios romanos, como por exemplo, a permanência da figura dos contratos reais na fase da formação das avenças, substituída pela ideia consensualista inicial, apesar da doutrina de traditio da coisa ser convertida em elemento fundamental de sua execução.
Concluímos que há, portanto, quatro fases nítidas na evolução do contrato: 1ª subsistência da ideia contratualista clássica; 2ª decadência ou declínio do contrato[22]; 3ª retomada de prestígio; 4ª surgimento de novas figuras contratuais.
No contrato que recebemos do passado romano e que sobreviveu no Código Civil de 1916 onde predominou o individualismo liberal, conforme enunciou o art. 1.134 do Código Napoleônico[23].
Como consequência, os juristas deduziam – quem diz contratual, diz justo[24]. O princípio do equilíbrio econômico do contrato demonstra claramente o seu caráter reformulador em relação à teoria contratual clássica na medida em que se encontra amparado em uma ideia de igualdade não apenas formal entre os contratantes, mas também, e principalmente, a igualdade substancial é levada em consideração.
Assim, analisando-se a igualdade das partes dentro do contexto social – e não absorvida desta realidade, como no caso da igualdade formal – pode-se verificar a existência, em determinadas situações, de desigualdades pungentes no poder negocial das partes, em face da qual “a disciplina contratual procura criar mecanismos do balanceamento das prestações”.
Desta forma, o princípio em comento representa uma busca de justiça contratual por outra forma que não pela simples liberdade de manifestação da vontade. Em verdade, a justiça pretendida pelo princípio do equilíbrio econômico do contrato, encontra-se embasada na ideia de paridade nas obrigações das partes.
Do seu lado, o contrato fundava-se na noção fundamental da liberdade de contratar e, alicerçava-se na convicção de que o contrato resultava do equilíbrio dos interesses econômicos. Desta forma, nenhuma força estranha poderia interferir na economia do contrato.
O século XIX consagrou-se com uma provecta conquista da liberdade individual. Ao elaborar o seu Código, satisfez-se somente com a sua finalidade de assegurar a igualdade jurídica dos contratantes. Porém, o século XX foi mais ambicioso e René Savatier apontou novos caminhos dentro da evolução do contrato, considerando como medida “na escala do homem, do indivíduo”.
Após os desequilíbrios gerados pelo contrato[25], este passa a ser visualizado por diferente ângulo. E na dicção de Savatier “coloca-se na escala da coletividade, na escala da humanidade inteira”. Sem dúvida, foi uma nova corrente de pensamento, que penetraria no Direito Civil, abrindo horizontes diferentes, e gerando conceitos diferenciados. Modificando profundamente todo o direito privado.
Foi o próprio Savatier que assinalou indisfarçável mutação na filosofia do contrato, “menos considerado como livre construção da vontade humana do que como uma contribuição das atividades humanas à arquitetura geral da economia de um país, arquitetura que o Estado atual entende agora dirigir diretamente”.
Novos parâmetros mensuram o valor do contrato: o primeiro foi a concentração dos princípios de ordem pública; o segundo é a potestatividade das prestações, ou a sua correlação. Desse paralelogramo de forças desenhado pelas forças do Estado e pela autonomia da vontade, de que a manifestação contratual é apenas resultante. Por consequência da economia social que se tornou cada dia mais acelerada e o seu reflexo na vida privada, se traduzindo no justificável dirigismo contratual como princípio informativo do direito contratual.
Tamanha interferência estatal na economia do contrato levou muitos juristas impregnados das concepções individualistas advindas do século anterior, a proclamarem o declínio do contrato[26], entendendo equivocadamente que os Códigos de puro direito privado se transformariam em Códigos de Direito Social.
Porém quem acompanha o curso do contrato, através da doutrina e de sua disciplina nos Códigos tem a impressão de que permanecera sem alterações, por longo tempo da civilização ocidental.
Louis Josserand procurou demonstrar que esse imobilismo é tão-somente aparente, profetizando que as transformações jurídicas e econômicas que sofreu forçosamente geraria a criação de novos contratos.
Gaston Morin[27] testemunhou o aumento quantitativo e qualitativo dos contratos no sentido de que “conteúdo quantitativo obrigatório dos contratos” enriqueceu-se e sua irradiação estendeu-se. Em resumo: aumentou em quantidade e em ampliou-se suas qualidades.
A participação do fator econômico e do jurídico obrigou necessariamente a aproximação dos contratos, a tal ponto que “aquele direito privado que fizera parte o contrato que era o instrumento por excelência da vida econômica, teria sido tragado pelo Direito Econômico, e não mais existe onde se implantou a nova economia, coordenada e dirigida pelo Estado”.
Consequentemente em face da unidade da ciência jurídica impõe que o fenômeno contratual não pode ser tomado como exclusivo de um ou de alguns segmentos do mesmo complexo jurídico.
Nas suas modalidades contratuais e não na sua essência, o contrato é subordinado ora à pertinência a um deles, ora a outro, com referência ao Direito Econômico, como província jurídica que vem conquistando autonomia (Ives Gandra da Silva Martins, Jacques Blanc e François Rigaud, A. Pedrome e Izabel Vaz e Veniamin).
Essa tipologia no Direito Contratual Brasileiro inclui os contratos bancários, a incorporação imobiliária, a alienação fiduciária em garantia, joint venture, leasing, factoring, know-how, engeneering e hedging. Muitos doutrinadores apontam que o ponto principal da contratualidade contemporânea decorre do esvaziamento axiológico do princípio da autonomia privada.
O que operou transformações profundas na teoria contratual principalmente pela gradativa deterioração da base voluntarista do contrato e ainda preso a uma visão formal da autonomia da vontade que pretendia explicar e esgotar todo o universo contratual.
3.O contrato de adesão e a teoria dos contratos
Um dos principais causadores da debilidade da teoria clássica dos contratos que era calcada exclusivamente na vontade dos contratantes foi o crescimento da contratação de adesão.
Em tempo, os contratos de adesão são aqueles em que um dos contratantes adere em bloco ao conjunto de cláusulas contratuais preestabelecido pelo consorte contratual. Em sua etiologia destaca-se o esfacelamento de um dos mais relevantes alicerces da liberdade contratual; o da definição do conteúdo do contrato.
O contrato de adesão[28] insere-se no macrossocial na chamada massificação social. Nesses contratos, não são discutidos individualmente, assim como o real centro decisório não está presente no momento nem no local da contratação.
Assim, a contratação atende a realidade mercadológica, visando estabelecer modelos contratuais abrangentes e capazes de abarcar um bom contingente de pessoas. Sendo o contrato um encontro de vontades onde o enlace promovido pelo vínculo obrigacional selando a cooperação dos contratantes e delimita a sua eficácia (relatividade dos efeitos do contrato).
Se encararmos o contrato de adesão como um ataque à autonomia da vontade, teríamos o abalo de toda teoria dos contratos entoando o que chamam alguns a “crise do contrato” propondo uma gradativa redução do poder de vontade de um dos contratantes, fato que reduz a legitimação do fenômeno contratual.
A perda do poder contratual e o arrependimento da vontade individual na formação e funcionamento da relação contratual fez com que a doutrina viesse diferenciar a autonomia da vontade de autonomia privada (enfatizando nesta última expressão a importância do ordenamento jurídico na delimitação do espaço privado) e, ainda assinalar o distanciamento do modelo contratual socioeconômico do modelo contratual jurídico.
Percebe-se que a tutela jurídica do contrato no molde meramente formal ocorre a participação volitiva dos contratantes que é mínima, o que atesta o esvaziamento axiológico do princípio da autonomia negocial, com o surgimento de um novo conceito jurídico: o de autodeterminação.
Brilhantemente explica Joaquim de Souza Ribeiro que autodeterminação é conceito de valor, representando o poder concreto de o sujeito decidir seus caminhos e, determinar sua situação jurídica, é o autorregular-se nas palavras de Pontes de Miranda.
É a autodeterminação que dá conteúdo e substância à autonomia privada, dando-lhe sentido material. Cogita-se na tutela material do contrato a fim de resgatar o poder decisório contratual dos pactuantes e, ainda manter o respeito aos valores da pessoa humana.
O emblemático contrato de adesão como realidade massificada tendo sua disciplina jurídica no art. 54 do CDC onde se procura proteger o lado mais fraco, o consumidor e de maneira a evitar o desequilíbrio contratual.
Nessa produção protetiva insere-se a proibição às cláusulas abusivas previstas no art. 51 do CDC, a vedação ao abuso do direito que pode acarretar o desequilíbrio[29] das prestações contratuais (lesão contratual).
A proteção restrita do consumo representa mera visão parcial da contratação de adesão, posto que a massificação contratual não se reduza às relações de consumo (apesar de ser grande campo de incidência).
Também relações empresariais e civis se servem de contratos massificados, fato que se comprova através de modelos contratuais formatados por grandes empresas e que verdadeiramente regem certos setores negociais (franchising e leasing).
Daí decorre a necessidade de se proteger os contratantes regidos pelo Código Civil. Desta forma, é curial observar os contornos da proteção do contratante aderente nas construções civis e empresariais.
Dois dispositivos legais resumem basicamente a proteção no contrato de adesão: o art. 423 do CC que dispõe interpretação favorável ao contratante aderente e em outra regra proibitiva de renúncia de direitos por parte deste (art. 424 do CC).
O equilíbrio negocial ou contratual é difícil de ser discutido e nos remete a ideia do o que é justo, o que é equilibrado. Ante o receio de quebrar a segurança jurídica, as soluções geralmente oscilam entre as opções de delegar ou ao legislador a determinação do conteúdo equilibrado do contrato (o exemplo é o tabelamento de juros) ou à livre deliberação volitiva das partes (cujo funcionamento reside, portanto, na autonomia privada dos contratantes).
A vontade das partes constitui a justificativa para o equilíbrio existente no contrato (portanto, o equilíbrio negocial é construído pelas partes). E a base teórica que sustenta que tal conexão é o voluntarismo jurídico que considera a vontade das partes como instrumento legitimador de todo universo contratual.
Porém, no contrato de adesão não pode ser basear exclusivamente na vontade das partes posto que não haja o exercício efetivo da autodeterminação judicial. De sorte, que é necessário impor limitações explícitas à liberdade negocial e prover normas abertas que permitam ao julgador, acesso a uma tábula valorativa constante no ordenamento jurídico pautado no equilíbrio contratual possível a partir dos dados concretos que lhe forem apresentados.
A verdade é que a dinâmica negocial bem como a conservação da racionalidade descompassada com o atual estágio da dogmática contemporânea (tendente a suplantar a exclusividade do modelo hermenêutico da subsunção) desaconselha a adoção do primeiro caminho como meio de concretização do equilíbrio contratual.
A adoção de tal solução para a construção de equilíbrio negocial passa pelo reconhecimento da vinculatividade de normas principiológicas.
É a aceitação das normas abertas que aponta para a abertura do sistema jurídico aos fatos sociais configurando-se como resposta do mundo jurídico à velocidade das transformações e exigências sociais. E com a teoria do contrato passou igualmente a dar maior espaço para os princípios como categorias dogmáticas como, por exemplo, a classificação dos contratos desta forma, desenvolve-se a tutela material dos contratos com base na carga axiológica presente e estatuída pelo vigente texto constitucional.
Pode-se efetivamente cogitar num modelo contratual constitucionalizado calcado nos princípios como o da igualdade substancial, sendo o ponto crucial para a construção do conceito de equilíbrio contratual.
Portanto, é a igualdade material o esteio lógico da justiça social. Amparada pela boa-fé objetiva e a função social[30] do contrato. Prezando que o contrato não deve servir de instrumento para que, sob a capa de mero equilíbrio formal, as prestações em favor de um contratante lhe acarretem um lucro exagerado em detrimento do outro contratante.
4.Conclusão.
É certo que o princípio da igualdade substancial redimensiona o vínculo contratual e também a legitimação da construção do equilíbrio negocial, que é erigido dos valores centrais do sistema jurídico, e não baseado apenas na vontade individual das partes.
É reconhecido que no contrato de adesão o poder negocial é meramente mitigado. Havendo uma simplificação no consentimento.
Mesmo assim ainda vigora o princípio da igualdade substancial concretiza a cláusula geral da solidariedade social que deve estar voltada à verticalização dos interesses do homem. Eis o porquê há maior dirigismo estatal na mecânica do contrato de adesão.
Concluímos que a justiça contratual deixa de ser concebida como inexorável decorrência imediata da autonomia da vontade das partes. E a tutela material dos contratos passa a ser guiada também pelos interesses sociais (aspecto extrínseco da função social do contrato) e, por outro lado, pela concretização de um modelo de contrato que proteja e realize interesses e valores individuais dos contratantes, pautado pela observância aos deveres e imposto pela boa-fé objetiva, igualdade e solidariedade (variante intrínseca da função social).
Assim a regulação da política social corretiva da lex mercatoria operando espécie de saneadora redistribuição equânime e justa das vantagens e perdas que se realizam no complexo sistema contratual vigente.
Imperioso que haja também o controle da força perversa do mercado. Enquanto que o CDC exemplificou mais de dezesseis hipóteses de cláusulas abusivas (estampadas em seu art. 51), além de colocar verdadeira cláusula geral de abusividade contratual (inciso IV do art. 51), a codificação civil vigente peca ao resumir em vedar a renúncia antecipada a direito decorrente da natureza do negócio (sendo apenas uma das hipóteses do CDC).
Desta forma, restaram excluídas diversas práticas contratuais abusivas e verificáveis na massificação contratual, cabendo ao intérprete à áfrica de elaborar a tutela efetiva do contrato perante o aderente.
Nesse sentido, propõe-se o salutar diálogo das fontes definido pela Cláudia Lima Marques, explorando a textura aberta do sistema para possível concretização dos valores nas cláusulas gerais de boa-fé objetiva (art. 422), função social do contrato (art. 421) e o abuso do direito (art. 187) refazendo o aporte indispensável para real construção da proteção ao aderente.
Defende Judith Martins-Costa que as cláusulas gerais permitem a exata abertura e mobilidade do sistema jurídico. O princípio da proporcionalidade não atua apenas nas relações entre os cidadãos e o Estado, mas igualmente nas relações havidas entre particulares.
E, sustenta Perlingieri “que a vigência do princípio da proporcionalidade, diretamente na relação contratual, não somente, portanto, em chave vertical, nas relações “Estado-cidadão-organização”, mas também nas relações entre cidadãos. Isto que se constitui o aspecto mais interessante”.
Como o ordenamento jurídico pátrio dá prevalência aos valores existenciais, não é razoável que a interpretação contratual e a intervenção estatal do contrato pendam para os valores patrimoniais, há o paradigma da essencialidade consistente na tutela maior sobre o contrato que envolva interesses e necessidades existenciais.
A realidade contemporânea do contrato prima por defender a pessoa humana que se situa na principiologia central de nosso sistema jurídico, efetivando maior proteção ao mais vulnerável, o contratante aderente.
A doutrina contratualística vigente está “antenada” com os preceitos de boa-fé e da função social[31] dos contratos que são capazes de informar relações contratuais mais equânimes justas e razoáveis, num país marcado por desigualdades materiais, regionais e concretas que não são atendidas por qualquer intenção legislativa.
Enfim, pode-se afirmar que todo direito em uma função social, posto que só exista para e pela sociedade. É essa a função que dá conteúdo ao direito, informando-o e dirigindo-lhe a interpretação.
Esse movimento de funcionalização dos institutos jurídicos alcança também o contrato, impondo-lhe a busca pelo equilíbrio entre os interesses individuais e sociais. E, nesse sentido vem à codificação civil vigente propor a função social do contrato como razão e limite da liberdade contratual.
O contrato é o elo que, de um lado, põe o valor do indivíduo como aquele que o cria, mas de outro lado, estabelece a sociedade como o lugar onde o contrato vai ser executado e onde vai receber uma razão de equilíbrio e medida.
Desta forma, terceiros poderão ser partes do contrato, comportando relativização dos princípios clássicos dos contratos, o controle das cláusulas abusivas e iníquas: o controle da conduta das partes contratantes; a ponderação de valores econômicos e a justiça dos contratos.
Entende-se, portanto, que a função social está diretamente relacionada com a realização do contrato constitucionalizado, com vistas à justiça social e que impõe que o exercício dos direitos individuais seja voltado para a realização de fins e valores estabelecidos pela Constituição da República brasileira para que encontre tutela jurídica.
Por sua vez, a boa-fé objetiva é direcionada à conservação ou promoção de saudável ambiente contratual, primando pela lisura contratual, o que serve para a consolidação de ambiente mercadológico socialmente justo.
Afinal, o desafio de compreender como aponta Fachin[32] o Direito Civil do terceiro milênio para estar próximo aos fatos e às circunstâncias, saber conviver com uma indispensável instabilidade que lhe dê entradas e saídas, dos fatos para o Direito e do Direito para os fatos.
Poucos conceitos evoluíram tanto como o conceito de contrato e tamanha evolução já tinha sido abordada pelo saudoso San Tiago Dantas, apontando as flexibilizações doutrinárias dos princípios e a imposição do interesse público, sem quebra do sistema. (DANTAS, [ Francisco Clementino de] San Tiago. Evolução contemporânea do direito contratual. São Paulo: Editora Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 139, p. 5-13, jan./fev. 1952).
A evolução do contrato representa a “árvore genealógica” das modernas figuras contratuais (…). O contrato romano entrou numa segunda fase onde o rigor exacerbado das formalidades e solenidades não lograram sobreviver, devido guerras púnicas.
Devido à beligerância de Roma, surgiu o jus gentium tornando-se comum os negócios entre viajantes e cidadãos. A Lei Poetelia, de 326 de a.C. transformou a antiga figura da sponsio[33] com firme carga formal em stipulatio (onde vigeria maior liberdade quanto às formalidades negociais).
A terceira fase do direito romano, o contrato conheceu o apogeu, onde atuou diretamente o pretor, auxiliado pelos jurisconsultos clássicos.
A quarta fase é a da cognitio extra ordinem em que a simples manifestações e convenções tornaram-se válidas e novas figuras contratuais (assim, já nessa época, se conheciam os contratos atípicos, ou seja, aqueles sem previsão legal específica).
O desuso das solenidades contratuais ocorreu após Constantino. O Direito Privado foi dominado pelas práticas forenses mais simples e rápidas. O que importava era conventio (considerada por Flávio Tartuce como o embrião da autonomia da vontade) e, nessa fase deixaram as formalidades de ser tão importantes.
O código de 1804 (Napoleônico) pode ser encarado como uma tentativa de rompimento com o Direito Romano, e pretendeu regular o contrato, tornando-o um instituto complexo e dotado de amplos mecanismos.
E, contemporaneamente é inexorável perceber que o contrato não é mais um instituto regulatório dos interesses dos contratantes, não se traduz apenas como “lei entre as partes”, onde as regras tradicionais se curvam de maneira a harmonizar os interesses individuais com os interesses da coletividade e do bem público.
A estrutura clássica do contrato pautada no pacta sunt servanda puro e simples passou por profundas transformações, permitindo a possibilidade de revisão das cláusulas e de seu conteúdo, submetendo-se ao rebus sic stantibus, enfim otimizando sua execução.
A contundente mudança estrutural do Direito contratual foi guiada pela mass consumption society, ou seja, pela sociedade de consumo, onde predominam o contrato de adesão e onde há o imenso desequilíbrio da equação contratual.
Portanto, novos paradigmas foram traçados desde a Constituição Brasileira de 1988 com endosso do Código Civil de 2002 e, ainda, do CDC, a Lei 8.078/1990 que traduzem o esforço de se manter o equilíbrio da base objetiva negocial do contrato e, permitir o fiel cumprimento de sua função social[34].
É nítida a socialização do contrato bem como o dirigismo contratual, principalmente diante das leis protetivas do consumidor, havendo consequente abrandamento dos princípios da força obrigatória das convenções (pacta sunt servanda).
E, tal socialização dos contratos tem seu embrião no art. 5º, da LICC e que ganho reforços constitucionais da proteção da dignidade da pessoa humana e solidariedade social, a isonomia ou igualdade lato sensu (que constroem a espinha dorsal da constitucionalização do Direito Civil e com efetivos reflexos em todo direito privado).
E, ainda, pelos princípios apontados por Miguel Reale, como a socialidade, eticidade e a operabilidade que propõe o prestigiado diálogo das fontes.
Lembrando-se que o princípio da função social do contrato é de ordem pública e deve ser encarado e interpretado em todas as fases contratuais e de acordo com o contexto social (denota a proteção dos direitos metaindividuais e difusos e ainda a função socioambiental dos contratos).
Assim imbuído o Direito Civil de maior concretude confirma a análise social do contrato pelos dispositivos arts. 50, 108, 157, 170, 187, 317, 406, 422, 423, 424, 478, 479 e 2.035 do Código Civil de 2002, e, ainda, o art. 608 do CC que prevê a responsabilidade de terceiro aliciados (que não é parte no negócio). Esse último dispositivo legal citado traz o salutar princípio da retroatividade motivada ou justificada da função social do contrato.
Flávio Tartuce bem como outros doutrinadores de peso repudia a ideia de crise dos contratos, acreditando-se num conceito emergente, num contrato contemporâneo que continua a ser a fecunda fonte dos direitos de crédito, sendo a força motriz da circulação de riquezas e oportunidades.
O direito obrigacional afinal existe e evolui no intuito de estabelecer e aperfeiçoar as diretrizes éticas- jurídicas para autorregulamentação dos particulares. Pois o Estado Democrático de Direito não coaduna com a miséria de uns ao lado do enriquecimento de outros, numa desproporcional gangorra das relações contratuais.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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