Perfil do homicida passional

Resumo: trata-se de uma tentativa de identificar características do perfil do homicida passional. Na busca de resolver o problema proposto, se precisou entender primeiramente o significado de crime que é um fato típico, antijurídico e culpável e homicídio passional, que é o ceifar a vida de alguém, a qual se está vinculado por uma relação afetiva que pode ser sexual ou não, embasado no sentimento da paixão. Foram utilizadas quatro áreas do conhecimento humano: Filosofia, Sociologia, Psicologia e Direito. Considerando as demais fontes pesquisadas é possível dizer que o homicida passional é movido por inúmeros sentimentos como a posse, a falta de auto-estima, rejeição, etc. Sentimentos estes que o deixam cada vez mais dependente da vítima. A complexidade do tema é visível e impossibilita precisar as características predominantes, mas se pode identificar traços de personalidade compatíveis entre os que recorrem a este delito para se auto-afirmarem.

Palavras-chave: Homicídio. Paixão. Violência contra Mulher.

1. Introdução

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A violência registrada todos os dias, através dos veículos de comunicação, não faz parte apenas dos subúrbios das grandes cidades, ela está inserida em todo o meio social, não importando classe social, cor ou credo.

Conforme Vânia Cristine Cavalcante Anchieta e Ana Lúcia Galinkin1 a violência é um fenômeno que ocorre nas interações sociais, quando um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, moral, posses ou culturalmente.

Na visão de Eva Alterman Blay2, agredir, matar, estuprar uma mulher ou uma menina são fatos que têm acontecido ao longo da história na maioria dos países civilizados e dotados dos mais diferentes regimes econômicos e políticos.

2. Definição

O crime pode ser definido como aquele ato que causa violação, transgressão da lei; um desvio em relação à norma social; acontecimento que causa dano a outrem. É desassossego gerador de sentimento controverso. Um fato, ação ou omissão, que causa lesão a um bem juridicamente tutelado.

Segundo Bráulio Figueiredo da Silva3 o crime é objeto não só para o Direito, mas também para a Sociologia, quando Durkheim em seus estudos constata que o crime é um fenômeno social “normal” e necessário. De acordo com sua visão positivista, o crime é parte da natureza humana porque existiu em diferentes épocas, em diferentes classes sociais. O crime é normal porque é virtualmente impossível imaginar uma sociedade na qual o comportamento criminoso seja totalmente ausente. Não há nenhuma sociedade onde não exista criminalidade. Ela muda de forma e os atos assim qualificados não são os mesmos em toda a parte. Sempre e em toda parte haverá ações qualificadas como crime porque sempre existirão ações que irão ferir sentimentos coletivos dotados de uma energia e de uma clareza particulares.

Crime, segundo o dicionário Silveira Bueno4 é uma transgressão; e conforme o senso comum, é uma infração grave que vai contra o estabelecido na lei ou na moral.

Ricardo W. Dornelles5 diz que não existe um conceito uniforme sobre crime. O crime pode ser entendido de diversas formas. E cada maneira de explicar o crime vai ser fundamentada a partir de diferentes concepções sobre a vida e o mundo. O crime pode ser visto como uma transgressão à lei, como uma manifestação de anormalidade do criminoso, ou como o produto de um funcionamento inadequado de algumas partes da sociedade (grupos sociais, classes, favelas, etc.). Pode ser visto ainda como um ato de resistência, ou como o resultado de uma correlação de forças em dada sociedade, que passa a definir o que é crime e a selecionar a clientela do sistema penal de acordo com os interesses dos grupos detentores do poder e dos seus interesses econômicos.

Ainda conforme o mesmo autor, o crime não aparece como uma conduta inerente à natureza anormal de alguns indivíduos. Ao contrário, é uma realidade variável, no tempo e no espaço, é relativo e marcado por aspectos socioculturais.

Guilherme de Souza Nucci6 diz que, o crime sob o aspecto jurídico pode ser conceituado de forma material, formal e analítica. O conceito material é facultado ao entendimento do senso comum, sendo o que pode e deve ser proibido; o formal pode ser entendido como uma conduta proibida por lei e o analítico é uma concepção da ciência do direito de forma mais fragmentada que caracteriza o crime como uma conduta típica, antijurídica e culpável.

Ainda segundo o autor, crime são os que sujeitam seus autores a penas de reclusão ou detenção. Penas privativas de liberdade, isolada, alternativa ou cumulativa com multa.

A Lei de Introdução ao Código Penal7 considera o crime como infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa.

Júlio Fabbrini Mirabete8 considera o crime como um conceito essencialmente jurídico, que, sob o aspecto formal é um fato humano contrário à lei; sob o aspecto material é aquele contrário ao bem juridicamente tutelado; e sob o aspecto analítico seria o fato humano descrito no tipo legal e cometido com culpa, ao qual é aplicável a pena.

Paulo José da Costa Júnior9 atribui que as infrações penais se desenrolam no palco do mundo exterior. Sendo elas obra do homem, se integram por dois componentes, um de natureza material ou objetivo e outro de natureza psicológica ou subjetiva. O aspecto subjetivo (físico, material) é um dos pontos fundamentais, em torno do qual se desenvolve o estudo do crime. Esse aspecto é composto por uma conduta (comportamento, posição, atitude) humana. Sem ela, o crime desaparece. Geralmente, não bastando à conduta, para que se complete o ciclo objetivo da infração. Quase sempre se faz necessário um resultado dela derivado, um evento naturalístico que altera a realidade exterior.

Violência e crime quando analisados pelo senso comum possuem um mesmo significado. Parece impossível entender que por formalidades do ordenamento jurídico possuam significados diferentes e que, ideologicamente, um crime ocorra sem violência, uma vez que, alguma conduta fora transgredida.

Hoje, o Código Penal Brasileiro (CP) não considera mais o adultério como crime. “Entretanto, a lei não modificou o costume de matar a esposa ou a companheira”.10

O crime passional, tratado aqui, é um homicídio, onde, homicídio é a morte de uma pessoa causada por outra, mas neste caso com uma particularidade, que é a vinculação afetiva sexual ou não entre as partes e o sentimento forte e dominador conhecido como ‘paixão’, ou seja, a violenta emoção, que está prevista no art. 121 da Parte Especial do Código Penal Brasileiro.

Fazem-se necessárias algumas considerações sobre crime passional e homicídio. O homicídio é uma modalidade do crime. O crime passional abrange as agressões físicas e morais que são cometidas em nome do sentimento ‘paixão’, contra pessoas que possuam um vínculo afetivo, sexual ou não. A este ato, dá-se também o nome de violência doméstica.

Homicídio passional é a expressão usada para designar o homicídio que se comete por paixão. Paixão esta, entendida como uma forte emoção, que pode comportar às vezes um sentimento platônico e outras ser agressivo, possessivo, dominador. Pode ainda, ser enquadrado nesse contexto o homicídio entre pais e filhos.  Duas características são fundamentais para identificar um homicídio passional dos demais, que são: a relação afetiva entre as partes, que pode ser sexual ou não e a forte emoção (entendida como paixão) que vincula os indivíduos envolvidos neste relacionamento.

O homicídio passional até pouco tempo era visto como algo ‘nobre’, pois a sociedade acreditava que deveria se punir a traidora com a morte11, só assim se estaria fazendo justiça e honrando o nome de quem fora traído.

Paloma Cotes12 diz que o homicídio passional foi por muito tempo considerado privilegiado, pois o homem matava sua esposa ou companheira sob violenta emoção e isso atenuava sua pena de um sexto a um terço, conforme art. 121 do Código Penal brasileiro.

A sociedade não se acostumou com a idéia da infidelidade explicita, seja feminina ou masculina. Entendiam à época e entendem até os dias atuais, de forma hipócrita, que a infidelidade causa ofensa à moral e à honra, por isso, deve-se punir o culpado do fato; o transgressor da norma de conduta social. Grande parte das absolvições no júri popular resulta de uma concepção cultural da sociedade, impregnada de um pátrio poder.

O homem, o macho, o ser que possuía controle sobre a vida e a morte como nos tempos do Império Romano, ainda é aplaudido pelo tanto de aventuras amorosas que desfruta. Esse homem que construiu sua história pela dominação dos mais fracos, orgulhava-se e continua orgulhando-se de suas conquistas.

A concepção adotada pela sociedade brasileira em relação à mulher é a de ‘objeto de posse’. O homem possui um bem que é a ‘sua mulher’. Culturalmente foi disseminado através de gerações que o homem era o dono da casa, a ele recorriam para resolver seus problemas, sua palavra era a última. A mulher neste contexto inexistia como ser ativo, pensante e capaz de decidir.  Esta realidade de inferioridade perdurou por muitos séculos, e esta submissão gerada pelos mais diferentes fatores, fez com que a sociedade a discriminasse, vendo-a como a culpada, a provocadora da situação, mesmo quando esta é a vítima.

Ainda, se cultiva uma visão herdada do período em que a mulher precisava obedecer ao pai, depois ao irmão mais velho e ao marido quando casada.

O desvenciliamento deste passado acontece a passos lentos, mas elas estiveram  em condições piores, sem direito a trabalho, voto, etc.

Conforme Paloma Cotes13, homens matam mais por serem mais violentos. Mas os motivos também estão no papel que cada um dos sexos desenvolveu ao longo da História. Um ciclo de submissão que se rompeu há menos de um século ainda faz com que muitos homens subjuguem as mulheres. Estudo feito em 1998 pela União de Mulheres de São Paulo revelou que pelo menos 2.500 mulheres foram vítimas de crimes passionais naquele ano. Os assassinos passionais premeditam o crime, são muito violentos e na maioria dos casos confessam à sociedade o que fizeram. Eles precisam mostrar que lavaram a honra. Esses homens matam por vingança, por narcisismo. A sociedade precisa parar de ser “hipócrita”, afirma o promotor Marcelo Milani.

Segundo Juliana Linhares14, valores como a possessividade e dominação, freqüentemente presentes nos crimes passionais, são historicamente mais fortes na educação dos homens do que na das mulheres.

A fronteira existente entre o consciente e inconsciente do ser humano que se deixa levar por fortes emoções e se torna um homicida passional, parece bastante tênue. A razão foge ao seu alcance, como se eles deixassem a racionalidade esquecida no porão de suas mentes, partindo em busca de um remédio para extirpar o mal que, acreditam ser vítimas. O sentimento exacerbado por um outro ser e a dependência que entendem condicionante para se manterem vivos, faz com que os homicidas fiquem cegos e hajam por instinto, retornando assim aos primórdios da espécie que utilizavam da força, da coação e do poder para conseguir seus intentos.

Fato é, que a paixão origina-se do amor, carregado de ciúme, atingindo uma aguda inflamação dos sentimentos. Há “apaixonados” que se entregam ao silêncio, à depressão ou reagem de forma brutal e fria, são impulsivos e explosivos. Traduz Rabinowicz que “uma grande paixão cria no homem como que uma segunda natureza e todas as leis da sua psicologia normal perdem o valor.15

O jurista De Plácido E Silva16 entende paixão por uma exaltação ou irreflexão, conseqüente de um desmedido amor à mulher ou de contrariedade a desejos. Qualquer fato que produza na pessoa emoção intensa e prolongada, diz-se paixão. Assim, tanto pode vir do amor como do ódio, da ira e da própria mágoa.

A Pathos (Paixão), tem sua origem no grego e significa algo denominado como afeição, sentimento forte e dominador.

Hoje, entende-se por paixão um sentimento forte, impregnado por uma emoção violenta e até colérica, uma dependência do outro, necessidade de ter a pessoa pretendida sempre sob controle e por perto para vigiar seus passos. A possessividade e a dominação são características predominantes nos homicidas passionais.

A Paixão pode ser definida sob várias óticas, por isso, a classificação ‘passional’ não cabe nos códigos. A codificação busca de forma objetiva a tutela de valor essencial como à vida. A subjetividade na forma de interpretação deste sentimento faz com que as sanções aplicadas fujam a uma regra geral, sendo necessário o estudo de cada caso em particular.

Conforme Paulo Roberto Ceccarelli17, o acometido por paixão, é aquele que padece de alguma causa que desconhece e que o leva a reagir de forma imprevista.  A paixão demonstra uma permanente dependência do outro ser. Aristóteles entendia paixão como um elemento intrínseco ao ser humano, que não deveria ser extirpado e nem condenado. Platão entendia que as paixões traziam obstáculos, e por isso, defendia que as pessoas deveriam se defender, usar de força para defender-se de seus malefícios. Aristóteles acreditava que, por não escolher suas paixões, o homem não poderia ser responsável por elas, mas deveria responsabilizar-se pelas ações decorrentes desse sentimento, quando estas de alguma forma alterassem o curso normal da vida de cada indivíduo. Aristóteles tinha como inconcebível a idéia de que o comportamento passional era involuntário, impensado. Defendia o equilíbrio entre os sentimentos; a dominação de tais impulsos, mas nunca a repreensão, pois acreditava que o homem virtuoso é aquele que sabe usar a pathos (paixão) com a logos (razão).

Paulo Roberto Ceccarelli18, diz que a paixão na visão de Aristóteles não é algo ruim. O que pode desvirtuar este sentimento é a intenção que se esconde em cada atitude cometida pelo ser humano, como um homicídio passional. A paixão em si, o sentimento puro, faz bem, pois serve como mola propulsora da humanidade.

Segundo o mesmo autor,  Hegel expressava sua visão sobre o tema com a seguinte frase: ‘Nada de grande se faz sem paixão’ .

A falta de ‘manutenção’, cuidado com este sentimento, leva o ser humano a passionalidade, a cometer atos contrários à ética, a moral, os bons costumes e as normas jurídicas.

Existe uma necessidade constante da vigilância de sentimentos. O ser passional equipara-se a um animal irascível diante de situações que entende ser afronta a sua honra e a necessidade de ser bem quisto na sociedade.

Conforme entendimento de Paloma Cotes19, os homicidas passionais são emocionalmente imaturos, não aceitam a frustração de serem abandonados ou o medo de serem traídos e têm um histórico de violência contra a mulher que se repete graças à impunidade.

Homicidas passionais são compulsivos e encontram sua essência no ato de matar quem eles julgam amar. Costumam seguir um ritual específico sendo comum não conseguir separar-se dos restos mortais de suas vítimas.

Segundo Benedito Raymundo Beraldo Júnior20, homicídio passional é o homicídio cometido por paixão, tanto pode vir do amor como do ódio, da ira e da própria mágoa.  O sentimento, neste caso, move a conduta criminosa. O agente comete o fato por perder o controle sobre seus sentidos e sobre sua emoção, na maioria das vezes comete-o sob o argumento da legítima defesa da honra.

É chamado de passional o crime cometido num momento em que um dos dois é rejeitado. Os sentimentos presentes são egocentrismo, egoísmo, egolatria. O sexo, principalmente da parte do homem, infelizmente tem a ver com o poder. O que deveria ser uma coisa prazerosa nem sempre é. Os homens sempre quiseram mandar nas mulheres, por isso se viram no direito de matar.

[…].

Não é por amor mesmo. É paixão que se transforma em ódio. O que leva à morte é o ódio feroz porque a pessoa foi rejeitada. É uma série de sentimentos baixos, ruins, que levam ao assassinato. O ciúme é um sentimento que todo mundo conhece e sabe que provoca raiva, humilhação.21

Em meio a esta combustão de sentimentos controversos a violência contra a mulher, praticada pelo seu companheiro, aumenta. O descontrole emocional, a perda da auto-estima, a imaturidade dos indivíduos em lidar com a sensação de derrota, quando se sentem abandonados, rejeitados, constitui lamentável realidade nos dias atuais. Homens traídos são qualificados de forma pejorativa, existindo enorme cobrança social, que é produto de uma sociedade patriarcal, machista.

Homens foram condicionados a não demonstrar sentimentos e a tratar questões relevantes de forma não pacífica. A rejeição ou contrariedade a todo legado cultural existente, em que o homem reinava como ser absoluto, não foi assimilado de forma integral pelas gerações que sucederam. O conflito se faz existir onde outrora só existia o homem, o macho, o varão como centro do universo.

O mundo subterrâneo das paixões e os desmandos de mentes insanas, possessivas, coléricas causam conflitos nos mais variados ambientes sociais. O homicídio contra as mulheres acontece nos meios miseráveis, pobres, remediados e ricos.

A falta de valores, a constituição de famílias desregradas, as visões diferenciadas do que é certo ou errado rompe o elo de civilidade entre as pessoas. O individualismo exacerbado, a personalidade ditatorial causa relacionamentos afetivos ou interpessoais insuportáveis que chegam ao extremo, ceifando vidas.

Dependendo das pessoas envolvidas o amor pode machucar, destruir, matar. É uma triste realidade. Tais pessoas prendem-se a um sentimento forte e dependente, como se esta fosse à última centelha de vida, o último suspiro para não permanecer moribundo. A reação gerada pela constante situação de deploração humana é estirpar o mal, acabar com o problema, mesmo que para isso, faça-se necessário anular a vida do ser que dizem amar.

Aline Machado Parodi22  diz que o homicida passional vivência um desequilíbrio de emoções fortes, como o medo, a raiva, a paixão, o ciúme e, em alguns casos, a descoberta da traição. Qualquer um de nós pode se tornar um homicida ocasional, mas na maioria dos casos, aqueles que cometem crimes passionais têm tendências psicopatas23. O passional perde a noção de controle e autocrítica e age por impulso. Às vezes, são aquelas pessoas que não reagem diante de frustrações e por ser considerada uma herança genética, aliada ao meio social que vai impulsionar ou frear. Ainda segundo a psicologia, costumam ficar evidentes as mudanças de comportamento dos companheiros antes que ocorram as primeiras agressões. Algumas características são o ciúme excessivo, a mania de perseguição, a desconfiança de tudo e todos.

A infância tem papel importante no desenvolvimento sadio – físico e mental do ser humano. Alguns traços de personalidade podem denunciar que algo não está sendo assimilado de forma correta. Maltratar animais, ver sangue, não sentir dor, não respeitar limites são algumas das características que se percebe na tenra idade e precisam ser educadas. O descaso com estas atitudes pode desencadear um adulto problemático, com tendências suicidas, homicidas, psicopatas, sociopatas, etc.

Na opinião de Benedito Raymundo Beraldo Júnior24 depois de ocorrido o fato, o homicida passional não tem medo de zombarias, é como se o significado de futuro não existisse, fica preso ao passado, sentindo-se lesado, ofendido na honra e no sentimento pessoal. Relembra as juras de amor eterno, os carinhos dispensados ao outro e deixa sem perceber, a emoção tomar conta de si.

Ainda segundo o autor, o artigo 5°, I,  da Constituição Federal diz que todos são iguais perante a lei e que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Sob esta visão constitucional a mulher possui uma relevância semelhante a do homem na sociedade, fato este que antigamente não era considerado. Sendo assim, ambas as partes podem e devem dignificar sua honra da mesma forma.

Benedito Raymundo Beraldo Júnior25 defende que, com as conquistas da mulher, ela exerce papel igual ao do homem e que, alguns homens assumiram o papel antes destinado às mulheres.

Analisando o contexto histórico, verificamos mudanças relevantes, mas a mulher, no âmbito econômico, ainda recebe na maioria das vezes,  menos que o homem desempenhando a mesma função. Estes fatores somados a tantos outros contribuem para o conflito entre gêneros, podendo ser um dos vários fatores relacionados aos homicídios passionais.

Partindo do pressuposto de que quem comete a traição é o único responsável pelo fato, não se pode imputar a alguém à desonra. A imagem do agente é a que foi maculada e não a de quem se sentiu violado. Então, lavar a honra com sangue não cabe como justificativa em hipótese alguma.

A honra é direito personalíssimo e cabe somente a cada indivíduo zelar por ela.

Hoje, o legislador entende que o adultério não é mais considerado crime como em 1940, mas, mesmo assim, existe ainda um ranço hipócrita que fecha os olhos de forma machista e ataca a mulher como sendo a causadora se não de todos, mas da grande maioria dos crimes passionais contra ela praticados.

Segundo Luiza Nagib Eluf26, os homicidas passionais trazem em si uma vontade insana de auto-afirmação. O assassino é cruel. Ele quer, acima de tudo, mostrar o poder do relacionamento e causa sofrimento a outrem. Sua história de amor é egocêntrica. Na sua vida sentimental, existem apenas ele e sua superioridade de subjugar. Ele transforma sua vida em um teatro e cria a separação, rejeição, subordinação e uma possível infidelidade do ser desejado.

Juliana Linhares27 diz que fica claro que o estopim para a ocorrência do crime passional é quase sempre uma crise de ciúme ou o fim do relacionamento, e o assassinato da parceira é freqüentemente premeditado.

Homicídios passionais, conforme o estudo realizado, não são movidos por sentimentos momentâneos. Os homicidas passionais trazem um histórico arraigado em problemas de toda a ordem e que são perceptíveis desde a tenra idade. Muitas vezes de forma astuta dominam seus sentimentos, aparentando equilíbrio e perfeição.  Certas atitudes na infância denunciam algo estranho, mas são encaradas de forma banal pelos pais. Com o passar do tempo, sem os limites que precisam ser impostos pelo poder familiar, as características evoluem, a ponto de não ser possível reverter o ato cometido.

3. Considerações Finais

Embora, o tema abordado seja conhecido da sociedade pela comoção causada, ainda existem tabus a serem vencidos. Assuntos que envolvam sentimentos afetivos, sexuais, permeiam a ceara do contraditório. Questões subjetivas são sempre discutíveis.

O homicídio passional é conhecido, mas pareceu existir um receio em se tratar do assunto  com maior profundidade pela literatura.

Definir o perfil de um criminoso passional é complexo, devido à diversidade do tema. Existem alguns fatores potenciais que precisam ser observados, pois indicam alguma forma de distúrbio. Outro aspecto que precisou ser considerado é o fator subjetividade. Cada pessoa reage de maneira diferente mediante situações também diferentes, coincidindo somente o delito. É preciso encontrar um limite mediano entre o certo e o errado para que se indique de maneira mais aproximada possível quem está sujeito a este tipo de comportamento.

Devido ao estudo realizado, se possibilitou entender que um homicídio passional é a morte de uma pessoa causada por outra, onde exista uma relação afetiva sexual ou não e um vínculo muito forte, arrebatador, possessivo, denominado ‘paixão’. Amor e ódio, nesse contexto, fazem parte da mesma moeda, mas o amor não causa malefícios, então seria contrário à paixão, que pode impulsionar a humanidade ou destruí-la, conforme a ceara de sentimentos que predominar (do estado platônico à ira).

Um dos subterfúgio mais usado pelo homicida passional para explicar sua atitude perante a sociedade é a acusação de adultério da outra parte, mesmo que seja uma mera suspeita. Na concepção do passional, o fato toma proporção de realidade agindo como se estivesse sendo a vítima.

Nas entrelinhas, se percebe que, existe ainda, um ranço machista na sociedade. A mulher, muitas vezes, continua sendo discriminada mesmo quando vítima.

Não existiu a pretensão de se instituir conceitos, mas se procurou mostrar de forma estrita o comportamento de um homicida passional, pois, se acredita ser de grande valia este compilado aos operadores do Direito e a todos que de uma forma ou outra trabalhem com questões sociais controversas.

 

Referências
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Notas
1 ANCHIETA, Vânia Cristine Cavalcante. GALINKIN, Ana Lúcia. Policiais civis: representando a violência. Associação Brasileira de Psicologia Social. Porto Alegre. V. 17 n.1. 17 de jun. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo .  Acesso em 10 de set. de 2006.
2 BLAY, Eva Alterman. Violência Contra a Mulher e Políticas Públicas. USP, São Paulo, 15 jul. 2003. Disponível em: http://www.usp.br/nemge/violencia . Acesso em 12 de set. de 2006.
3 SILVA, Bráulio Figueiredo Da. Criminalidade Urbana Violenta: Uma análise. Espaço – Temporal dos Homicídios em Belo Horizonte. UFMG, Belo Horizonte. Disponível em: http: www.crisp.ufmg.br/braulio. Acesso em 12 de set. de 2006.
4 BUENO, Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD, 1996. p. 172.
5 DORNELLES, Ricardo W. O que é crime? São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 17 e 18.
6 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.157, 158,162.
Nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci, o conceito material: é a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante a aplicação de sanção penal. É a conduta que ofende um bem juridicamente tutelado, ameaçada de pena. Esse conceito é aberto e informa o legislador sobre as condutas que merecem ser transformadas em tipos penais incriminadores; Conceito formal: é a concepção do direito acerca do delito, constituindo a conduta proibida por lei, sob ameaça de aplicação de pena, numa visão legislativa do fenômeno. Quando a sociedade entende necessário criminalizar determinada conduta, através dos meios naturais de pressão, leva sua demanda ao Legislativo, que, aprovando uma lei, materializa o tipo penal. Assim sendo, respeita-se o princípio da legalidade (ou reserva legal), para o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem lei anterior que a comine. Conceito analítico: é a concepção da ciência do direito, que não difere, na essência, do conceito formal. É o conceito formal fragmentado em elementos que propiciem o melhor entendimento da sua abrangência. Trata-se de uma conduta típica, antijurídica e culpável, uma ação ou omissão ajustada a um  modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária ao direito (antijuridicidade) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito.
7 DECRETO-LEI N° 3.914,  de 9 de DEZEMBRO de 1941.
8 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral. Arts. 1[i] a 120 do CP. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.95, 96 e 97.
9 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal: curso completo. 8 ed. Rev., e consolidada em único volume. São Paulo: Saraiva, 2000. p.41.
10 BLAY, Eva Alterman. Violência Contra a Mulher e Políticas Públicas. USP, São Paulo, 15 jul. 2003.
11 BLAY, Eva Alterman. Violência Contra a Mulher e Políticas Públicas. USP, São Paulo, 15 jul. 2003. Disponível em: http://www.usp.br/nemge/violencia . Acesso em 12 de set. de 2006.
Conforme a autora, no Brasil, sob o pretexto do adultério, o assassinato de mulheres era legítimo antes da República. Koerner mostra que a relação sexual da mulher, fora do casamento, constituía adultério – o que pelo livro V das Ordenações Filipinas permitia que o marido matasse a ambos. O Código Criminal de 1830 atenuava o homicídio praticado pelo marido quando houvesse adultério.
[…].
Posteriormente, o Código Civil (1916) alterou estas disposições considerando o adultério de ambos os cônjuges razão para desquite.
12 COTES, Paloma. Assassinos ainda lavam a honra com sangue e são absolvidos na justiça. Diário Vermelho, São Paulo, 9 jul. 2004. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/diario/2004/0209/0209_lavar_honra.asp .  Acessado em 12 de set. 2006.
Nos dizeres de Paloma Cotes, até 1940, homicidas que argumentassem ‘perturbações de sentidos e da inteligência’ podiam se ver livres da cadeia. Criou-se então, o argumento do homicídio privilegiado, que possibilita a redução de um sexto a um terço da pena (conforme Artigo 121 do Código Penal brasileiro), quando o assassino age ‘sob violenta emoção, em resposta à provocação injusta da vítima’. Nasceu assim, a legítima defesa da honra, que vingou, apesar do absurdo. A idéia de que o homem poderia matar a mulher porque ela feriu sua honra não faria sentido nem se fosse aceito o pressuposto de que a mulher é mera propriedade. Juridicamente, a honra é um atributo pessoal e intransferível, não depende das atitudes dos outros.
As pessoas são honradas justamente por não roubar e não matar ninguém, explica a diretora do centro de Liderança da Mulher no Rio de Janeiro, Rosiska Darcy de Oliveira. É uma covardia individual apoiada em uma covardia social, protesta. A honra, nesse raciocínio, é só do homem. É como se depois do casamento a mulher fosse um prolongamento desse sujeito. Ele deposita nela um bem que é dele, explica a socióloga Wânia Pasinato, da USP.
13 COTES, Paloma. Assassinos ainda lavam a honra com sangue e são absolvidos na justiça. Diário Vermelho, São Paulo, 9 jul. 2004. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/diario/2004/0209/0209_lavar_honra.asp .  Acessado em 12 de set. 2006.
14 LINHARES, Juliana.(Com reportagem de Camila Pereira e Renato Piccinin). Paixão fatal. Paixão, ciúme e assassinato. Revista VEJA. Ed. Abril. Edição 1974, ano 39, n° 37. São Paulo, 20 de set. 2006. p. 57.
15 BERALDO JÚNIOR, Benedito Raymundo. Legítima defesa da honra como causa excludente de antijuridicidade. Jus Navigandi, Terezina, a.8, n.367, 9 jul. 2004. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5418. Acesso em 12 de setembro de 2006.
16 SILVA, De Plácido E. Vocabulário Jurídico. 15 ed. Rio de janeiro: Forense, 1999. p.592.
17 CECARELLI, Paulo Roberto. A contribuição da Psicologia Fundamental para a Saúde Mental. Rev. Latinoa de Psicop. Fund., São Paulo, VI, I, março 2003, 13-25. Disponível em: http:www.ceccarelli.psc.br . Acessado em 19 de set. 2006.
18 CECARELLI, Paulo Roberto. A contribuição da Psicologia Fundamental para a Saúde Mental. Rev. Latinoa de Psicop. Fund., São Paulo, VI, I, março 2003, 13-25. Disponível em: http:www.ceccarelli.psc.br . Acessado em 19 de set. 2006.
19 COTES, Paloma. Assassinos ainda lavam a honra com sangue e são absolvidos na justiça. Diário Vermelho, São Paulo, 9 jul. 2004. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/diario/2004/0209/0209_lavar_honra.asp .  Acessado em 12 de set. 2006.
20 BERALDO JÚNIOR, Benedito Raymundo. Legítima defesa da honra como causa excludente de antijuridicidade. Jus Navigandi, Terezina, a.8, n.367, 9 jul. 2004. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5418. Acesso em 12 de setembro de 2006.
21 ELUF, Luiza Nagib. Revista ISTOÉ Gente. Disponível em: http://www.terra.com.br/istoegente/148/reportagens/capa_paixao_luiza_nagib_.htm . Acesso em abri. 2005.
22 PARODI, Aline Machado. Crimes por amor deixam rastro de sangue e medo. Jornal A Notícia, pág. A-11.  Joinville, 17 set. 2004.
23 Psicopata entende-se como um ser que possui total ausência de compaixão, nenhuma culpa pelo que faz ou medo de ser pego, além de inteligência acima da média e habilidade para manipular quem está em volta.              (NARLOCH, Leandro. PSICOPATA: CUIDADO TEM UM A SEU LADO. Seu amigo psicopata. São Paulo. Rev. Super Interessante. Ed. 228, jul. 2006. p. 42 – 51).
[i]24 BERALDO JÚNIOR, Benedito Raymundo. Legítima defesa da honra como causa excludente de antijuridicidade. Jus Navigandi, Terezina, a.8, n.367, 9 jul. 2004. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5418. Acesso em 12 de setembro de 2006.
Acesso em 12 de setembro de 2006.
25 BERALDO JÚNIOR, Benedito Raymundo. Legítima defesa da honra como causa excludente de antijuridicidade. Jus Navigandi, Terezina, a.8, n.367, 9 jul. 2004. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5418. Acesso em 12 de setembro de 2006.
26 ELUF, Luiza Nagib. Revista ISTOÉ Gente. Disponível em: http://www.terra.com.br/istoegente/148/reportagens/capa_paixao_luiza_nagib_.htm . Acesso em abri. 2005.
27 LINHARES, Juliana.(Com reportagem de Camila Pereira e Renato Piccinin). Paixão Fatal. Paixão, ciúme e assassinato. Revista VEJA. Ed. Abril. Edição 1974, ano 39, n° 37. São Paulo, 20 de set. 2006.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Elis Helena Pena

 

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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