Planejamento tributário aplicado à sucessão hereditária

Resumo: O artigo a ser publicado é uma síntese do que foi julgado adequado para a obtenção do título de Especialista em Função Social e Prática do Direito, na modalidade Formação para o mercado de Trabalho, e aprovado em sua forma final pela Coordenação do Curso de Pós-graduação em direito Tributário da Universidade do Sul de Santa Catarina em convênio com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG. As doutrinas esclarecem que uma das normas de incidência sobre o inventário e partilha é o pagamento do imposto de transmissão causa mortis. É, justamente, a tributação sobre os direitos hereditários o cerne deste artigo. Importante assinalar que os entes de direito público têm exercido pesada tributação sobre os contribuintes, alternativa encontrada para o incremento de receita e custeio das despesas estatais. O imposto sobre transmissão causa mortis ou doação é tributo da competência exclusiva dos Estados e do Distrito Federal e que tem por característica primordial o implemento de função nitidamente fiscal. Os herdeiros ou legatários, na transmissão causa mortis dos direitos hereditários, são onerados pela carga tributária excessiva que lhes é imposta, da mesma forma que ocorre com os contribuintes em geral. Sobressai desse ponto, a importância da realização do planejamento tributário na sucessão hereditária, cuja conseqüência pode representar efetiva economia fiscal ao contribuinte. Nesse trabalho, estabelece-se, a partir da pesquisa histórica do imposto sobre transmissão causa mortis, ligação do planejamento tributário com a carga fiscal exercida sobre a sucessão hereditária, com o fito de, ao final, aferir a eventual perspectiva do emprego da elisão fiscal à sucessão hereditária.


Com a expansão do capitalismo após a Revolução Industrial, surgiram diversos movimentos sociais para a implantação da democracia e que determinaram a transformação de estruturas e funções do Estado. Nesse novo cenário, a sociedade passou a reclamar proteção mínima, que se relaciona com o estado de bem-estar instaurado a partir do recente sistema econômico e social.[1]


Na nova ordem política e social, o Estado assumiu, sem dúvida, o desenvolvimento de políticas sociais tendentes à universalização dos direitos básicos (educação, saúde, assistência social, previdência, habitação, dentre outros), em perspectiva que se convencionou denominar de teoria do Welfare State.


Ocorre que para a promoção do bem-estar social e universalização dos direitos sociais, é necessária a captação de recursos financeiros em valor suficiente a cobrir os custos da atuação.


Os tributos constituem, assim, a principal fonte de receita pública. Porém, o valor arrecadado, muitas vezes, não é suficiente ao custeio das atividades essenciais do Estado, razão pela qual, os entes tributantes, como alternativa ao déficit público, exercem pesada carga tributária sobre os contribuintes.


A tributação exercida sobre a sucessão hereditária segue essa mesma voracidade fiscal, revelando-se útil, portanto, a adoção de método de planejamento tributário para a redução da carga fiscal que sofre o sucessor hereditário.


A transmissão causa mortis aos herdeiros e legatários e a doação de quaisquer bens e direitos são hipóteses de incidência do imposto sobre transmissão de causa mortis, consoante prevê o Código Tributário Nacional[2] e a própria Constituição Federal[3]. O fato gerador surge na data do falecimento do autor da herança.


Já a cessão de direitos hereditários está dentro das hipóteses de incidência do imposto sobre a transmissão de bens imóveis – ITBI. A alíquota desse tributo é bem reduzida, se comparada com a alíquota do imposto sobre transmissão causa mortis.[4]  Desse modo, na venda posterior de um imóvel, a transferência da tributação para o cessionário – que passa a ser efetivo contribuinte do imposto, no lugar do herdeiro-cedente – é quase integral e não é abatida no preço de venda dos direitos hereditários. Patente, portanto, a vantagem econômica para o cedente.[5]


Silvio de Salvo Venosa resume a tributação incidente sobre o direito sucessório e sobre a cessão dos direitos da herança em lição essa que merece ser prestigiada:


“Sobre transmissão de bens entre herdeiros no inventário também haverá imposto inter vivos (conhecido no passado como “sisa”). Assim também ocorre quando o cônjuge recebe bens imóveis de percentagem acima de sua meação, no que a exceder. A lei específica regulará tais situações. A instituição desse imposto inter vivos passou à competência dos Municípios pela atual Constituição (art. 156, II). Em cada caso, será avaliado interesse em tomar ciência do processo. O herdeiro renunciante não é herdeiro, não incidindo sobre ele o dever de pagar o tributo. São contribuintes do imposto causa mortis os herdeiros e legatários e eventuais cessionários. Os bens da herança localizados em outros Estados recolherão os impostos de acordo com as respectivas leis, com a expedição de carta precatória para essa finalidade. Os respectivos comprovantes de pagamento do imposto (guias) deverão ser juntados no inventário. A prova de pagamento é essencial para o registro do formal de partilha ou carta de adjudicação. Com o pagamento do tributo e reserva de bens para pagamento das dívidas do espólio, encerra-se o inventário e pode ter início a partilha” (art. 1.022 do CPC).[6]


Sem dúvida, a cessão de direitos hereditários constitui indiscutível forma de planejamento tributário aplicável à sucessão hereditária, representando instigante temática técnico-jurídica. A questão proposta requer o esforço do jurista moderno para uma solução mais adequada ao caso concreto, pois não há, ainda, em nosso Direito, resposta definitiva à hipótese lançada, muito embora a orientação aqui traçada encontre sólido alicerce.


Destaque-se que a cessão de direitos hereditários, muito embora gere, na prática, o mesmo efeito que a renúncia translatícia[7], com esta não se confunde, pois, na primeira (cessão da hereditariedade), o cessionário substitui integralmente o herdeiro, enquanto, na renúncia in favorem, como se examinou supra, o herdeiro aceita a herança para, posteriormente, transmiti-la a beneficiário determinado. Essa última hipótese não pode ser enquadrada como método de planejamento tributário, pois ocorrem fatos geradores distintos, que determinam a incidência tanto do ITCD quanto do ITBI.


A elaboração dessa pesquisa científica passou pela análise da doutrina e da jurisprudência existente sobre os diversos assuntos que envolvem a sucessão hereditária, para, ao final, revelar que o melhor posicionamento parece ser aquele segundo o qual a cessão da hereditariedade tem nítida função de redução da carga tributária imposta ao herdeiro, ocupando, por isso, importante status nos procedimentos de elisão fiscal aplicável à sucessão hereditária.


Conclui-se, portanto, que, sob a visão contemporânea acerca da tributação incidente sobre os direitos hereditários, a cessão dos direitos hereditários representa método de planejamento tributário, voltado à sucessão hereditária, que pode ser observado pelo herdeiro que pretenda diminuir a carga tributária que lhe é imposta com a morte do sucedido.


 


Notas:

[1] ARRETCH, Marta. Emergência e Desenvolvimento do Welfare State: Teorias Explicativas. BID, Rio de Janeiro, RJ, 1995, n. 39, p. 3-40.

[2] BRASIL. Código Tributário Nacional, art. 142. Planalto. Brasília, DF, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.

[3] BRASIL. Constituição (1988), art. 155. Constituição da República Federativa do Brasil. Planalto, Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.

[4] No Município de Primavera do Leste, a alíquota do ITBI é, atualmente, de 2%. Cf. PRIMAVERA DO LESTE. Lei Municipal n.º 699 de 20 de dezembro de 2001. art. 210. Câmara Municipal de Primavera do Leste, MT, 2008.

[5] Examinou-se, nesse trabalho, que hipótese diferente ocorre quando o herdeiro simplesmente renuncia ao quinhão hereditário a que tem direito. Em se tratando de renúncia em favor de um único herdeiro (renúncia translativa), há a incidência do ITCD e, em etapa mais adiantada, do ITBI, pois, na renúncia in favorem, é como se o herdeiro houvesse aceitado a parcela a que renunciou, para, posteriormente, transferi-la ao terceiro-beneficiário, que o herdeiro-renunciante individualizou. Verificando-se a superveniência da renúncia pura e simples, não há que se falar em qualquer proveito econômico por parte do renunciante, tendo em vista a repulsa à condição de herdeiro, diante da abdicação ao quinhão hereditário.

[6] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 342. (Coleção de direito civil, v. 7).

[7] O instituto foi objeto de estudo em capítulo específico.

Informações Sobre o Autor

Aline Crema de Mello

Pós-graduada em Direito Tributário pela UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-graduada em Direito Público pela ICE – Instituto Cuiabano de Educação. Advogada militante na Comarca de Primavera do Leste/MT. Chefe de equipe de serviços fazendários da prefeitura municipal de Primavera do Leste/MT. Professora de Direito Tributário e Financeiro da faculdade Professora de Legislação Comercial no curso técnico da escola Estadual Alda G. Scopel. Membro do Conselho Municipal dos direitos e deveres das mulheres de Primavera do Leste/MT


Equipe Âmbito Jurídico

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