Por Voltaire Marensi, Advogado e Professor, integrante do time de especialistas de Franco Advogados
As empresas engolfadas pela depressão econômica acelerada pela pandemia do coronavírus enfrentam um problema que ainda não estão devidamente exposto e muito menos cuidado pelas autoridades governamentais. O discurso genérico sobre revisão de contratos envolve os planos coletivos e por adesão que centenas de milhares de empresas mantêm com as operadores de saúde. Quando se veem notícias dos dados da Agência Nacional de Saúde (ANS), de que o sistema serve 47 milhões de vidas, falta a informação mais relevante: 38 milhões são custeadas por empresas. Ter-se isso em mente é muito importante. A garantia de emprego está diretamente conectada com a condição das empresas cumprirem a legislação e proverem seus colaboradores da cobertura médica adequada. Portanto, de normas que permitam um ambiente sadio nas companhias.
Outra informação precisa ser analisada em conjunto. A Federação Nacional de Saúde Suplementar e a Associação Brasileira de Planos de Saúde, diante do quadro atual, teriam “recomendado” aos planos de saúde a suspensão temporária, por 90 dias, dos reajustes anuais das mensalidades. Esta medida de “recomendação” inclui planos médico-hospitalares individuais, coletivos por adesão (sindicatos/associações) e de pequenas e médias empresas com até 29 vidas cobertas. Tais medidas albergariam tanto os reajustes anuais, que se dão a cada 12 meses de contrato, quanto os aumentos por mudança de faixa etária.
Não deveria ser “uma mera sugestão” frente à pandemia que estamos vivenciando. Atravessamos período em que as condições potestativas – aquelas que são tomadas sem qualquer ato de vontade expresso pela outra parte em um determinado negócio jurídico –, são impostas como é o caso do procedimento atual dos planos de saúde.
Afinal, os planos de saúde, através de suas operadoras, remetem, com bastante antecedência, para os estabelecimentos bancários valores a serem cobrados sob a rubrica título de débito automático nas contas dos usuários, vale dizer, dos titulares dos respectivos planos contratados.
Quando se elaborou o projeto que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid – 19), os planos de saúde ficaram, literalmente, fora destas medidas emergenciais.
Desde esse momento, as empresas têm cobrado – com tato e cuidado – a razão disso.
A explicação para isso não veio ainda à tona. Os órgãos fiscalizadores têm atuado como sempre e precisam cumprir a missão de defender os interesses do cidadão, pessoa física e, sobretudo, pessoa jurídica, que constitui o eixo central de financiador de acesso à saúde para dezenas de milhões de pessoas.
Ante a presumida fragilização financeira vista no horizonte, a ANS sinalizou com a liberação dos R$ 15 bilhões mantidos em reserva técnica para problemas das operadoras. Exigiu contrapartidas. Não foram aceitas. Entre as justificativas para recusa está hipótese de serem obrigadas a manter inadimplentes por três meses. O que não se esclareceu é sobre o perfil destes usuários. Com absoluta certeza, devem ser de empresas esmagadas pelo corte abrupto de fluxo de caixa. Micro e pequenas, em sua maioria. Enquadradas sob regras que desequilibram a relação, portanto.
O fato é que, independente da condição do Estado – já enfraquecido e alquebrado – para socorrer via letra da lei seus pagadores de impostos, a recuperação do tônus econômico é uma atividade que se faz em conjunto. Estado e grandes corporações, como a maioria dos planos de saúde, deveriam ter consciência de ser hora de pensar no bem-estar de todos, sob pena dos fragilizados consumidores, cidadãos, pagadores de impostos (enfatizo) naufragarem diante da avalanche de problemas que se forma.
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