Autor(a): Hívina Coelho Monteiro. E-mail: hivinacmonteiro@gmail.com. Acadêmica do curso de Direito no Centro Universitário Católica do Tocantins.
Orientador(a): Igor de Andrade Barbosa. E-mail: igor.barbosa@catolica-to.edu.br. Prof.º. M.e no Curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
Resumo: O estudo tem como objetivo identificar as implicações que podem resultar de uma possível autonomia concedida ao braço armado do Estado através da PEC n. 412/09, e ainda, mapear o braço armado do Estado, discutir sobre as autonomias administrativa, funcional e orçamentária e apresentar a Proposta de Emenda à Constituição n. 412/09 como instrumento de busca pela concessão da autonomia. Para atingir esses objetivos contou-se com o levantamento bibliográfico de pesquisas documentais nas instituições competentes, análises da legislação em vigor e da Proposta de Emenda à Constituição n. 412/09 que versa sobre a autonomia da Polícia Federal. Portanto, a conclusão deste trabalho é fruto de uma investigação científica baseada em revisão de literatura específica e em consulta às leis brasileiras, com uma abordagem qualitativa.
Palavras-chave: Autonomia. Braço armado do Estado. Proposta de Emenda à Constituição n. 412/09.
Abstract: The study aims to identify the implications that may result from a possible autonomy granted to the armed branch of the State through PEC n. 412/09, and also, map the armed branch of the State, discuss administrative, functional and budgetary autonomies and present the Proposed Amendment to Constitution no. 412/09 as an instrument for seeking autonomy. In order to achieve these objectives, a bibliographic survey of documentary researches was carried out in the competent institutions, analyzes of the legislation in force and the Proposed Amendment to Constitution no. 412/09 which deals with the autonomy of the Federal Police. Therefore, the conclusion of this work is the result of a scientific investigation based on a review of specific literature and in consultation with Brazilian laws, with a qualitative approach.
Keywords: Armed arm of the State. Autonomy. Proposed Amendment to Constitution n. 412/09.
Sumário: Introdução. 1. Braço Armado do Estado: Polícia Federal no Brasil. 2. Autonomia Administrativa, Funcional e Orçamentária. 3. Proposta de Emenda à Constituição nº 412/09. Da Governança de Polícia à Governança Policial. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Há muito tempo se ouve falar em intervenções na estrutura da polícia pelo chefe de governo através de nomeações e exonerações que o beneficiam, com o fim de obstruir investigações de aliados políticos. Portanto, desde 2009 a Polícia Federal tem buscado adquirir autonomia gerencial, a fim de que suas operações não sejam corrompidas por interferências políticas resultantes de sua subordinação ao Poder Executivo.
Após anos de corrupção na política brasileira, o deputado Alexandre Silveira apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição com o objetivo de assegurar autonomia administrativa, funcional e orçamentária ao órgão armado, de modo a garantir a imparcialidade e efetividade em suas atuações e organizá-lo através de lei complementar, alterando o texto constitucional do § 1º do artigo 144 da CF/88.
A PEC nº 412 foi apresentada em plenário em setembro de 2009 e voltou a ser pauta de discussão em meados de abril de 2020 quando o Ministro da Justiça pediu demissão de seu cargo alegando interferências na polícia por parte do atual Presidente da República. Desde a propositura da proposta de emenda, surgiram diversas discussões sobre o tema, onde várias hipóteses foram levantadas e muitos argumentos apresentados. Portanto, a discussão desse tema se justifica em razão do conhecimento mútuo, a fim de que a sociedade compreenda as implicações que podem resultar dessa concessão.
Nas literaturas específicas do tema, nota-se que os doutrinadores e juristas têm explicitado implicações referentes à concessão das autonomias, sendo elas positivas e negativas. Com base nessas discussões, busca-se identificar as implicações que podem resultar de uma possível autonomia concedia ao braço armado do Estado, mapeando a Polícia Federal, discutindo sobre as autonomias almejadas e apresentando a PEC como instrumento utilizado para garantir a autonomia administrativa, funcional e orçamentária ao órgão.
Este artigo utilizou-se de uma pesquisa bibliográfica com levantamento de informações sobre a Polícia Federal e sua busca pelas autonomias, na qual resultou de um estudo aprofundado em livros, artigos, revistas, leis e textos disponíveis em site confiáveis que conceituam, apresentam e discutem sobre o tema. O método adotado foi o dialético, que possibilitou um diálogo entre os diferentes pontos de vista acerca da concessão ou não das autonomias ao braço armado do Estado, com uma abordagem qualitativa que permitiu o estudo de materiais e documentos já publicados.
O primeiro capítulo traz o mapeamento da Polícia Federal, apresentando sua estrutura, atribuições e atividades. O segundo capítulo aborda brevemente as autonomias administrativa, funcional e orçamentária, discutindo sobre funcionalidade e relevância dentro do órgão. O terceiro capítulo explica suscintamente o procedimento de uma Proposta de Emenda à Constituição e explana o objetivo da PEC n. 412/09, sendo está o mecanismo utilizado para concessão das autonomias. Por fim, o último capítulo apresenta a governança de polícia, explanando sobre as implicações da concessão das autonomias e a necessidade do exercício do controle externo por parte do Poder Executivo.
A polícia é uma organização presente em quase todas as nações, caracterizada por uma variedade de forma em que se apresenta em cada país. No Brasil, a Segurança Pública é inserida pela Constituição Federal em seu artigo 144 como um dever do Estado que se dá por meio de cinco órgãos distintos e independentes: a polícia federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, a polícia civil e polícia militar com os corpos de bombeiros militares (ELY, 2007).
A Polícia Federal foi oficialmente criada em 28 de março de 1944 no governo de Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo (1937-1945). A Polícia Civil do Distrito Federal localizada no Rio de Janeiro/RJ, foi transformada em Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), através do Decreto nº 6.378/44, que incumbiu a ela os serviços de polícia no Distrito Federal e de polícia marítima, aérea e segurança de fronteiras em âmbito nacional. (PONTE, 2018).
Esta alteração ocorreu pela necessidade de uma polícia com atuação em todo o território federativo. Em 1967, após a mudança da Capital para Brasília, a Constituição Federal vigente passou por novas alterações, mudando mais uma vez o nome da instituição. O DFSP passou a ser denominado de Polícia Federal, previsto como órgão de Segurança Pública e Polícia Judiciária da União pela atual Constituição Federal.
A Polícia Federal é um órgão previsto na lei nº 13.047/2014 que reorganiza as classes da carreira Policial Federal, complementa e apresenta algumas alterações à lei nº 9.264/1996 que dispõe sobre o desmembramento e reorganização da carreira de Polícia Civil do Distrito Federal. É um órgão policial permanente, fundado na hierarquia e na disciplina, com atribuições definidas no § 1º do artigo 144 da CF/88. O artigo 2º-A da Lei nº 13.047, apresenta a seguinte definição:
“Art. 2º-A. A Polícia Federal, órgão permanente de Estado, organizado e mantido pela União, para o exercício de suas competências previstas no § 1º do art. 144 da Constituição Federal, fundada na hierarquia e disciplina, é integrante da estrutura básica do Ministério da Justiça. (Lei nº 13.047 de 2014)”
Órgão mantido pela União e estruturado em carreira com realização de concursos públicos para provimento dos cargos previstos. Sua atividade-fim é desenvolvida por Agentes de Polícia Federal, Delegados de Polícia Federal, Escrivães de Polícia Federal, Papiloscopistas de Polícia Federal e Peritos Criminais Federais, todos aprovados em concursos de nível superior, com idade mínima de dezoito anos e preenchimento de todos os requisitos apresentados em edital.
Na carreira policial as atividades são distribuídas por cargos e competências, ficando os agentes com atividades de execução de operações, de investigações policiais e repreensão; os delegados com atividades de direção, supervisão, assessoramento e planejamento, investigações e instauração de procedimentos policiais; os escrivães com atividades de formalização dos procedimentos policiais e realização de serviços cartorários. (MACHADO, 2012)
Como órgão distinto e independente, a Constituição Federal de 1988 prevê as seguintes atribuições à Polícia Federal em seu artigo 144:
“§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a:
I – Apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – Prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – Exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;
IV – Exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.”
A nova redação trazida pela CF/88, acrescenta à PF o exercício de polícia judiciária da União aumentando sua responsabilidade como agente central da democracia. A ela incumbe o dever de realizar atos específicos no auxílio do Poder Judiciário, sendo responsável por investigações dos crimes julgados pela Justiça Federal.
A Polícia Federal é estruturada e organizada pelo seu regimento interno com previsão na portaria nº 155 de 27 de setembro de 2018. É composta por superintendências e conselhos previstos em cada Estado da Federação, com unidades centrais e descentralizadas. É um órgão federal com previsão de atuação em todo o território nacional, com atribuições de prevenção e apurações de infrações penais contra a ordem pública. O artigo 2º de seu regimento interno dispõe:
“Art. 2º A Polícia Federal – PF tem estrutura composta por unidades centrais e unidades descentralizadas.
§ 1º As unidades centrais têm sua estrutura definida no Anexo II.
§ 2º As unidades descentralizadas possuem a seguinte estrutura:
I – Superintendência Regional de Polícia Federal no Rio de Janeiro – SR/PF/RJ:
a) Delegacia Regional Executiva – DREX/SR/PF/RJ;
b) Delegacia Regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado – DRCOR/SR/PF/RJ;
c) Corregedoria Regional de Polícia Federal – COR/SR/PF/RJ;
II – Superintendência Regional de Polícia Federal em São Paulo – SR/PF/SP:
a) Delegacia Regional Executiva – DREX/SR/PF/SP;
b) Delegacia Regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado – DRCOR/SR/PF/SP;
c) Corregedoria Regional de Polícia Federal – COR/SR/PF/SP;
III – Superintendências Regionais de Polícia Federal – SR:
a) Delegacias Regionais Executivas – DREX;
b) Delegacias Regionais de Investigação e Combate ao Crime Organizado – DRCOR;
c) Corregedorias Regionais de Polícia Federal – COR.”
As Superintendências Regionais são instituições descentralizadas que compõem a Polícia Federal a fim de assegurar o cumprimento das atribuições em cada Estado-membro da federação. De acordo com o artigo 27 do Regimento Interno previsto na Portaria nº 155/2018, a elas compete:
“Art. 27. Às Superintendências Regionais, na sua área de atuação, compete:
I – planejar, dirigir, supervisionar, coordenar, orientar, fiscalizar e avaliar a execução das atividades, ações e operações correlatas à atuação da Polícia Federal;
II – administrar as unidades sob sua subordinação, em consonância com as normas legais vigentes e com as diretrizes emanadas das unidades centrais;
III – propor diretrizes específicas de prevenção e repressão aos crimes de atribuição da Polícia Federal, a fim de subsidiar o planejamento operacional das unidades centrais;
IV – executar operações policiais integradas com as unidades centrais, relacionadas à repressão uniforme dos crimes de atribuição da Polícia Federal;
V – apoiar as unidades centrais nas inspeções às suas unidades, dispondo dos meios e das informações necessárias;
VI – promover estudos e dispor de dados acerca das ações empreendidas, e consolidar relatórios de avaliação de suas atividades, com vistas a subsidiar o processo de gestão das unidades centrais;
VII – adotar ações de controle e zelar pelo uso e manutenção adequada dos bens imóveis, equipamentos, viaturas, armamentos e outros materiais sob sua guarda;
VIII – fiscalizar as obras e serviços de engenharia sob sua responsabilidade, bem como manter registro atualizado dos documentos, plantas prediais, obras e serviços em andamento; e
IX – coordenar, em âmbito regional, as atividades relativas à segurança de grandes eventos.”
De acordo com suas competências, as Superintendências Regionais são vistas como garantias de atuação da polícia em todo o âmbito nacional, sendo também subordinada ao Poder Executivo e ao Ministério de Justiça. Assim como os diretores gerias e chefes de gabinetes, os superintendentes são nomeados em comissão pela livre escolha do Presidente da República.
Por fim, cabe ressaltar que toda estrutura do órgão é definida pelo seu Regimento Interno, pela Lei nº 13.047 e pela Instrução Normativa nº 13/2005 que dita as competências especificas das unidades centrais e descentralizadas da Polícia Federal, bem como as atribuições de seus dirigentes.
Etimologicamente, autonomia é o poder de dar a si a própria lei. O Dicionário Online de Português a define como a aptidão ou competência para gerir sua própria vida, valendo-se de seus próprios meios, vontades ou princípios. Kant, principal filósofo da era moderna, descreveu a autonomia como a capacidade da vontade humana de se autodeterminar segundo uma legislação moral por ela mesma estabelecida, livre de qualquer fator estranho ou exógeno com uma influência subjugante, tal como uma paixão ou uma inclinação afetiva incoercível.
Autonomia se refere a capacidade de autogerenciamento e de tomada de decisões sem interferências de terceiros (SOUSA, 2015). Ela não se confunde com independência, pois esta consiste na realização de atividades sem qualquer tipo de auxílio. Os órgãos autônomos que possuem previsão legal na CF/88 gozam de ampla autonomia administrativa e financeira com funções de coordenação e planejamento e orçamento próprio para gerir o exercício de suas atividades.
À Polícia Federal apenas é assegurado a autonomia investigativa que é baseada no princípio de que seu objetivo é agir de acordo com o interesse público. Portanto, ao órgão armado é garantido autonomia em suas investigações, podendo atuar e executar suas operações sem interferências externas, apenas controladas pelo Ministério Público Federal e o Poder Judiciário, a fim de assegurar a legalidade dos atos. (CEOLIN, 2020)
Possuir autonomia para agir não torna a Polícia Federal totalmente autônoma e independente, pois isso não afasta a sua subordinação administrativa ao Poder Executivo e o Ministério de Justiça. Significa dizer que suas ações independem de consentimento político e sua subordinação não influencia nas operações realizadas contra tais governos.
Embora a polícia obtenha autonomia investigativa, o órgão tem buscado autonomia funcional com o intuito de se auto-organizar internamente, de modo a garantir que não haja intervenção política dentro de sua estrutura e consequentemente em suas operações, bem como autonomia administrativa e orçamentária para alocação de recursos e envio de orçamento próprio diretamente ao Congresso sem passar pelo governo. (CEOLIN, 2020)
Segundo Guilherme Cunha Werner (2015, pág. 20):
“A ausência de autonomia dificulta a correta aplicação da lei e impede o legitimo desenvolvimento das atividades de Polícia Judiciária, com o perigo de transformá-la em um instrumento a serviço dos detentores do poder, incapacitando-a do pleno exercício de suas funções constitucionalmente atribuídas.”
Assim, a Polícia Federal tem buscado isenção política em sua instituição, fundando-se em três dimensões da autonomia, que são: administrativa, funcional e orçamentária. Para Stancati (2015), a autonomia administrativa está diretamente relacionada a liberdade que a pessoa ou instituição possui para conduzir seus negócios e interesses de acordo com suas próprias normas, sem que esteja sujeita a regramentos de outros órgãos e poderes.
A autonomia funcional confere ao órgão a prerrogativa de dar cumprimento à lei e adotar medidas necessárias para o exato desempenho de suas funções, não podendo sofrer influências, tanto no plano externo, quanto no plano interno, do exercício de suas atribuições legais, sendo oponíveis inclusive contra outros órgãos e poderes públicos e políticos da federação (WERNER, 2015).
Quanto a autonomia orçamentária, Werner (2015, p. 21) afirma que ela é “manifesta no pleno exercício das capacidades de iniciativa e elaboração de sua proposta de custeio dentro dos limites estabelecidos em lei”. Entretanto, é necessário que sejam exercidas dentro dos limites impostos pela Constituição Federal e demais normas que as regulamentam.
Assim, como defende alguns doutrinadores, as autonomias mencionadas garantem o distanciamento de possíveis interferências políticas e a efetividade e imparcialidade em seus atos, não tornando a Polícia Federal um órgão totalmente independente, pois elas devem ser exercidas dentro dos limites assegurados pelo Estado Democrático de Direito, a fim de que não excedam seus parâmetros de atuação e não tornem sem efeito a democracia do país.
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 60 a possibilidade de emendá-la através de propostas realizadas por membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, pelo Presidente da República ou por membros das Assembleias Legislativas das Unidades Federativas.
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I – De um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II – Do Presidente da República;
III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.”
Essa emenda se dá através da Proposta de Emenda à Constituição, conhecida como PEC, que tem o objetivo de alterar algumas partes do texto constitucional sem precisar convocar uma nova assembleia constituinte.
O presidente do Poder Legislativo deve encaminhá-la à Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ), que examinará a admissibilidade da proposta de forma técnica, verificando os requisitos formais e materiais, como competência e restrições quanto ao conteúdo. (MARTINS, 2015). Sendo a PEC admitida, deverá ser enviada a uma comissão temporária criada pela CCJ, e após remetida à Câmara dos Deputados para ser feita as deliberações principais, exceto quando tiver sido iniciada por parte do Senado Federal.
Em cada casa do Congresso Nacional, a PEC deverá ser aprovada por três quintos dos parlamentares e em caso de alterações, reencaminhada à casa originaria para ser rediscutida e votada. Após a votação e aprovação pelas casas, a proposta será promulgada e publicada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senada Federal no diário oficial e anexada ao texto constitucional entrando em vigor imediatamente. (MARTINS, 2015)
A Polícia Federal tem buscado alteração do texto presente no § 1º do artigo 144 da Constituição Federal de 1988, através da Proposta de Emenda à Constituição nº 412 de 2009, com o objetivo de organizá-la por meio de Lei Complementar. Se aprovada, o novo texto normativo, prescreverá normas para sua autonomia funcional, administrativa e de elaboração de proposta orçamentária, segundo enunciado escrito pelo Deputado Alexandre Silveira, autor da PEC.
Magne Cristine Cabral da Silva (2017), entende que a PEC nº 412/09 suprime a Polícia Federal do texto constitucional, sujeitando-a a Lei Complementar elaborada pelo Congresso Nacional. Ocorre que, a criação ou extinção de qualquer órgão público como unidade integrante da Administração Pública se dá através de lei de iniciativa do Presidente da República, assim, a organização por lei complementar tira do órgão o seu status de “órgão permanente, organizado e mantido pela União”, podendo torna-la extinta.
A justificativa utilizada pelo deputado Alexandre, é de que a Polícia Federal deve ser construída como uma polícia republicana que atua a serviço do Estado e não de governos, de modo a garantir a imparcialidade e efetividade no exercício de suas funções. A Proposta de Emenda à Constituição foi apresentada em plenário no dia 30 de setembro de 2009, e se encontra em tramitação aguardando parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Silveira (2009) afirma que com a concessão das autonomias, os problemas de uma polícia submetida às intempéries do poder e de capricho dos governantes, a criminalidade organizada, a corrupção e a impunidade estarão prevenidas no país.
O anseio pela concessão da autonomia administrativa está no fato de que o órgão é organizado e estruturado pelo Poder Executivo através de nomeações de sua preferência. De acordo com o deputado, o ideal seria que o próprio diretor-geral, com mandato e escolhido por lista, pudesse escolher sua equipe inteira, de forma a blindá-la de influências políticas.
Quanto a autonomia orçamentária, o autor da PEC explica que elaborar o próprio orçamento e enviar direto para o Congresso Nacional, evita o corte no orçamento, contingenciamentos e retirada de recursos pela gestão governamental do país.
Alexandre Silveira defende que mesmo com a concessão das autonomias pleiteadas, a Polícia Federal continuará submetida ao controle finalístico do Ministério da Justiça, a quem continuará vinculada aos órgãos de controle da União, ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público e ao controle jurisdicional dos órgãos do Poder Judiciário.
Desse modo, acredita que a legalidade dos atos da polícia estará em consonância com as normas previstas no ordenamento jurídico. Assim, a Proposta de Emenda à Constituição não propõe uma independência funcional absoluta, mas dispõe ao órgão uma autonomia gerencial.
Governança é um termo que vem do grego e significa direção. É um tema amplo que apresenta diversas definições, sendo utilizado em diferentes campos, como: economia, política, cultura, entre outros. Para Proença Jr., Muniz e Poncioni (2009), a governança gera expectativa de respostas conceituais e modos de ação para o desempenho das tarefas em provimento do bem público.
O Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017, em seu art. 2º, § 1º, conceitua a governança como um “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade”.
Na política, a governança de polícia incide sobre as finalidades, os meios e os modos do todo da polícia, ou seja, consiste no uso da polícia para determinados fins, pautados pela produção autorizada e legal de obediência, com determinados meios e de determinados modos. (PROENÇA JR.; MUNIZ; PONCIONI, 2009). Com base nisso, sugerem-se iniciativas para a reforma da organização policial, de modo a torná-la mais eficiente, imparcial e responsável no desempenho das ações para o controle do crime.
O governo exercido sobre a polícia deriva de uma medida de razoabilidade, caracterizada pela existência de instâncias autorizativas e meios de controle que garantem a legitimidade e legitimação da ação de governo e da decisão policial. O controle exercido sobre a polícia e os limites legais que lhe são impostos, tem por finalidade assegurar que estes não produzam a opressão policial nem a tirania do governo.
Ocorre que, com a PEC nº 412/09, o órgão tem almejado uma governança policial que instrumentaliza a execução do trabalho policial e seus desdobramentos, concedendo lhe autonomia administrativa, funcional e orçamentária, deixando-o à mercê das próprias regras e estruturação.
Contudo, a governança policial está contida e subordinada à governança de polícia, pois, conforme esclarece Proença Jr., Muniz e Poncioni (2009), o “desenvolvimento da governança policial numa democracia, se pressupõe a existência de regras para execução de suas atividades, pois a confiança cega na lei e a expectativa de que se possa confinar a polícia ao seu respaldo são simplesmente ingênuas ou ignorantes em relação à realidade do trabalho da polícia”.
No entanto, nota-se que à governança policial é admitida uma medida de autonomia, pois, de acordo com o relatado nos capítulos anteriores, a Polícia Federal goza de autonomia para instrumentalizar a execução do seu trabalho e seus desdobramentos, a fim de que não ocorra ingerências ou ameaças políticas. Desse modo, o órgão pode atuar e executar suas operações sem interferências externas, devendo assegurar apenas a legalidade de seus atos.
Governar a polícia é uma forma de fiscalizar e controlar a legalidade de suas ações, é um meio de assegurar sua aderência à democracia. Proença Jr., Muniz e Poncioni (2009), afirmam:
“A questão não é qual governança de polícia a accountability permite, mas sim qual accountability se deve ter para que se possa ter governança de polícia. Controlar para saber, saber para explicar tanto o agir quanto o não agir, apreciando as alternativas de como, à luz do mérito dos porquês, se agiu desta ou daquela maneira. É desta forma que se pode governar a polícia para buscar a sua adesão à democracia.”
Atualmente, a governança policial voltou a ser pauta de discussão no meio jurídico, tendo em vista a interferência política em suas estruturas e organizações. Assim, a Polícia Federal tem buscado autonomia gerencial, com o objetivo de se auto-organizar e autoadministrar.
Como disse Alexandre Silveira (2009) em sua justificativa para a propositura da PEC n. 412, a autonomia gerencial não se confunde com a independência absoluta do órgão, tendo em vista o controle que será exercido pelo Poder Judiciário, visando aferir sua adesão à democracia.
No entanto, a governança policial ao passo que é defendida por uns é repreendida por outros que declaram que confiar no judiciário e nas regulamentações legais para assegurar a legitimação dos atos da polícia é pura ingenuidade, já que não é possível controlá-la diretamente.
A falácia da governança policial representa um risco ao Estado Democrático de Direito, visto que com a concessão das autonomias almejadas pela Polícia Federal, esta terá prerrogativa para editar atos normativos relacionados a gestão de pessoal com autoexecutoriedade e elaborar sua própria proposta orçamentária. (SILVA, 2017)
Ademais, atuará sem receber influências advindas do poder público, isto é, adotando medidas que julgar pertinente perante agentes, órgãos ou instituições. Deste modo, a governança policial deixaria de estar contida e subordinada a governança de polícia, colocando a democracia em perigo e a própria Constituição em contradição.
A respeito da PEC n. 412/09, o Ministério Público Federal manifestou-se por meio da Nota Técnica 7ª CCR nº 4/2015, afirmando que tanto as Forças Armadas quanto a Polícia Federal representam os braços armados do Estado e que retirar tais órgãos da esfera do Poder Executivo implica em um verdadeiro atentado ao Estado Democrático de Direito.
“Não se pode vislumbrar qualquer possibilidade de que as instituições policiais se tornem independentes e autônomas, pois isso não condiz com os conceitos de democracia e república. Não há exemplo histórico de democracia que tenha sobrevivido intacta quando Forças Armadas ou polícias tenham se desvinculado de controles. Em suma, não há democracia com braço armado autônomo e independente”. (Nota Técnica 7ª CCR, nº 4/2015 – Ministério Público Federal)
Por outro lado, Eliomar da Silva Pereira (2015), entende que a nota técnica apresentada acima, advinda do Ministério Público Federal, faz confusão entre autonomia e independência. Para ele, a autonomia funcional reafirma o Estado Democrático de Direito, sendo imprescindível para o exercício de sua competência constitucional.
Importante salientar que o Estado Democrático de Direito, conforme conceitua Silveira (2019), é uma forma de Estado em que a soberania popular é essencial, bem como a separação dos três poderes e o respeito aos direitos humanos. Portanto, contrário a ele é a emancipação do órgão policial e a concentração de poder em suas mãos, tendo em vista a possibilidade de tamanha autonomia se converter em soberania.
Assim, necessário que a autonomia investigativa da Polícia Federal lhe seja assegurada, a fim de que não haja ingerências políticas em suas investigações. Entretanto, é imprescindível que o referido órgão esteja contido e subordinado ao controle do Poder Executivo, para que seja garantido os preceitos da governança de polícia e a aderência à democracia, bem como os direitos humanos e a conservação do Estado Democrático de Direito.
CONCLUSÃO
No atual governo, o Ex-Ministro da Justiça pediu exoneração do cargo alegando interferências na estrutura organizacional da Polícia Federal por parte do Presidente da República. Durante muito tempo se ouve falar nessas intervenções políticas que objetivam “arquivar/anular” investigações que lhes dizem respeito.
Com base nisso surgiu a Proposta de Emenda Constitucional n. 412 em 2009, que sugere iniciativas para a reforma da organização policial, visando a concessão das autonomias administrativa, funcional e orçamentária ao braço armado do Estado, de modo a torná-lo mais eficiente e imparcial no desempenho de suas ações de combate ao crime.
Nota-se que a Polícia Federal é um órgão armado permanente, organizado e mantido pela União, conforme dispõe o art. 2º-A da Lei nº 13.047, e tem como atividade-fim a investigação, execução de operações e instauração de procedimentos policiais, com atuação em todo o território federal.
A autonomia gerencial, como disse Ceolin (2020), garante ao órgão o direito de se auto-organizar e autoadministrar, bem como apresentar o seu próprio orçamento junto ao Congresso Nacional. O anseio pela concessão das autonomias está no fato de que a organização do órgão pelo Poder Executivo torna-o sujeito as interferências através de cortes no orçamento, contingenciamentos e nomeações de superiores de acordo com suas preferências.
Contudo, a governança de polícia faz-se necessária para que as finalidades, meios e modos de atuação da polícia não sejam contrárias aos seus deveres e atividades estabelecidas no art. 144 da Constituição Federal de 1988 e para que não irrompa a legalidade de seus atos e sua aderência à democracia. O controle exercido pelo governo visa manter a legitimidade das ações e decisões policiais, tendo por finalidade assegurar que o órgão armado não produza a opressão policial nem a tirania do governo.
Portanto, tendo em vista os aspectos observados sobre a possível concessão das autonomias ao órgão armado do Estado e levando em consideração que a Polícia Federal tem como atividade-fim a investigação e execução de operações e que emancipá-la coloca em risco o Estado Democrático de Direito, sendo que este é assegurado pela Carta Magna, conclui-se pela não concessão das autonomias.
Na atual organização da Polícia Federal lhe é assegurado a autonomia investigativa que garante o bom funcionamento de suas operações e lhe permite atuar como lhe é devido. Logo, a procura pela autonomia gerencial, nada tem a ver com suas atuações, mas sim com a independência perante o Poder Executivo.
É notório que as ingerências políticas na estrutura da Polícia Federal são reais, no entanto, a resposta para esse problema não é a autonomia do órgão, pois os efeitos colaterais dessa concessão atingem não apenas o poder público, mas também a sociedade e seus direitos e garantias individuais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
BRASIL. Lei n. 13.047, de 2 de dezembro de 2014. Altera a Lei n. 9.266, de 15 de março de 1996, que reorganiza as classes da Carreira Policial Federal, fixa a remuneração dos cargos que as integram e dá outras providências, e a Lei n. 9.264, de 7 de fevereiro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13047.htm#art1>. Acesso em: 05 de outubro de 2020.
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Regimento interno da Polícia Federal. Portaria n. 155, de 27 de setembro de 2018. Disponível em: <https://www.gov.br/pf/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/regimento-interno-da-policia-federal-2018>. Acesso em: 05 de outubro de 2020.
BRASIL. Câmara Legislativa. PEC nº 412/09: ficha de tramitação. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=453251>. Acesso em: 05 de outubro de 2020.
BRASIL. Câmara Legislativa. PEC nº 412/09: íntegra. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=697312&filename=PEC+412/2009%20-%20dia%2021/10/2020>. Acesso em: 21 de outubro de 2020.
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