Sumário: 1- Introdução; 2-O Estado Fiscalizador e Regulador da Atividade Econômica; 3- Leis de Criação da ANEEL e da ANA; 4- Política Nacional de Recursos Hídricos; 5- Competência de Outorga de concessão – ANEEL / ANA – Caso concreto; Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo fazer uma breve reflexão sobre os fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, e competência de outorga de concessão do uso de água entre as Agências Reguladoras e Fiscalizadoras, mediante a análise de um caso concreto.
Para tanto, fizemos uma abordagem da evolução do Estado intervencionista na atividade econômica até o momento em que o mesmo passou a exercer em determinadas atividades, as atribuições de fiscalização e normatização dos produtos e serviço produzidos por empresas concessionárias, que antes eram de responsabilidade do Setor Público. Hoje a normatização e fiscalização de diversos setores da economia, estão sendo realizados por Agências que, no caso do uso de água, envolvem a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e Agência Nacional Águas – ANA.
Destacamos alguns dispositivos das Leis de criação da ANEEL e da ANA, bem como da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, pertinentes ao uso da água para fins energéticos e de abastecimento, e a competência de outorga de concessão das Agências envolvidas, mediante a experiência de um caso concreto.
Por fim, elaboramos a conclusão, onde se pode aferir a interação de diversos dispositivos legais que envolvem a utilização da água dentro dos Princípios e Fundamentos da Política Nacional dos Recursos Hídricos.
2- O ESTADO FISCALIZADOR E REGULADOR DA ATIVIDADE ECONÔMICA
Desde os primórdios que antecederam a Independência do Brasil, já se podia sentir a intervenção do Estado na economia. Tal fato fôra marcado com a chegada da Família Real no ano de 1808, quando D. João VI, governando o Reino Unido, Brasil – Portugal e Algarves, criou o Banco do Brasil, a Imprensa Nacional e a Fábrica Real de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas (IMBEL), ou seja, antes mesmo do Brasil ser um Estado, na visão que temos hoje.
O Brasil tornou-se independente em 1822, e, mais tarde no ano de 1889, foi proclamada a República, constituindo-se num país produtor e exportador da monocultura cafeeira. Mas é com o Estado Novo na década de 30 (trinta) até 1945, na ditadura getulista, que o Brasil começa a se modernizar, com a expansão da rede ferroviária, fábricas têxteis, exportações de outras culturas agrícolas, mas basicamente com a construção de duas grandes empresas do Estado, a CIA SIDERÚRGICA NACIONAL – CSN (já privatizada) destinada a produzir o aço e a PETROBRÁS, que marcou a presença do país no ramo de exploração e refino de petróleo. A partir da tecnologia adquirida pela produção do aço e do petróleo estava formada a base necessária para a criação da indústria automobilística, implantada na década de 60 (sessenta) pelo Governo de Juscelino Kubischeck, que no embalo da modernidade nacional fundou a cidade de Brasília para vir a ser a nova capital do País.
Sendo o território brasileiro de proporções continentais e tendo o governo até então centralizado todas as suas ações políticas na capital Federal em Brasília, viu-se a necessidade de adequar também as ações administrativas, de forma a agilizar a Administração Pública Federal. Assim foi editado o Decreto-Lei nº 200 de 25/02/67, (mais tarde alterado pelo Decreto-Lei nº 900 de 29/09/69), o qual conferiu ao Executivo Federal atribuições legislativas, já que se vivia um regime de exceção (1964/1985). Este diploma legal tinha como escopo descentralizar a Administração Federal, estabelecendo uma Administração Direta, constituída pela Presidência da República, Ministérios, Órgãos, Secretarias, e uma Administração Indireta, constituída por fundações, autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mistas, dando a estas últimas entidades, maior autonomia administrativa.
Portanto na medida em que o Estado modernizava a Administração Pública, transferindo certas atividades para os entes descentralizados (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), observou-se mais tarde que tais transferências constituíram, na realidade, no período de maior intervenção do Estado na economia, proliferando-se assim a criação de fundações e de empresas estatais federais, que eram necessárias sob o ponto de vista governamental, porém sem obedecer a um critério definido. Como exemplo citamos: SERPRO, RFFSA, CIBRAZEM, EMBRATUR, PORTOBRÁS, SIDERBRÁS, E ELETROBRÁS.
Foi no final de 1988, durante o Governo Sarney, que o Brasil, absorvendo os ventos da globalização, os efeitos da queda do muro de Berlim e do Império Soviético, que sepultou o sonho socialista idealizado por Karl Max, aprovou em 05/10/88 a nova Constituição Federal, estabelecendo nos seus artigos 173 e 174, respectivamente, os limites do exercício da atividade econômica por parte do Estado e a sua nova função, como agente meramente regulador e fiscalizador, conforme se depreende da simples leitura de tais dispositivos:
“Art. 173: Ressalvado os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
…..
Art. 174: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Objetivando o aprimoramento do Estado na nova ordem constitucional, foi editado durante o Governo Collor, a Lei nº 8.029 de 12/04/90, que dispunha sobre a dissolução de entidades da Administração Pública Federal. Pela Lei nº 8.031 de 12/04/90 foi criado o Programa Nacional de Desestatização, reordenando a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo Setor Público. A partir de 1994, já no Governo de Fernando Henrique Cardoso, é que efetivamente o Estado começa a diminuir seu tamanho, onde se realiza o aprofundamento do Programa de Desestatização, através da Lei nº 9.491 de 09/09/97, que revogou a Lei nº 8.031, de 12/04/90.
Além do Programa de Desestatização e como forma de reduzir a presença do Estado na economia, foram criaram as chamadas Agências Executivas, as quais são disciplinadas pelos Decretos nos 2.487 e 2.488, ambas de 02/02/98, e as Agências Reguladoras, as quais estão sendo instituídas por leis esparsas. Por intermédio destas Agências o Estado apenas fiscaliza e normatiza os produtos e serviços produzidos por empresas concessionárias (particulares) que antes eram de responsabilidade do Setor Público. Hoje já existem mais de 20 (vinte) Agências Reguladoras e Fiscalizadoras, em diversos ramos da atividade econômica. Entre os diversos setores da atividade econômica que o Estado passou a ser o agente fiscalizador, destacamos a utilização da água, para fins energéticos e de abastecimento, regulados respectivamente pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e pela Agência Nacional de Águas – ANA.
3- LEI DE CRIAÇÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA – ANEEL E AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUA – ANA
Por intermédio da Lei nº 9.427, de 26/12/96, é instituída a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, que tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do Governo Federal, bem como a articulação com os Estados e o Distrito Federal, para o aproveitamento energético dos cursos de água e a compatibilização com a política nacional de recursos hídricos, dispondo o seu artigo 3º:
“Art. 3º: Além das incumbências prescritas nos artigos 29 e 30 da Lei nº 8.987 de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL:
I- implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração de energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo atos regulamentadores necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995;
II- promover as licitações destinadas à contratação de concessionárias de serviço público para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica e para a outorga de concessão para aproveitamento de potenciais hidráulicos;
III- definir o aproveitamento ótimo de que trata os §§ 2º e 3º do art. 5º da Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995;
IV- celebrar e gerir os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, expedir autorizações, bem como fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões e a prestação dos serviços de energia elétrica;
V- dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permissonárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores;
VI- fixar os critérios para cálculo do preço de transporte de que trata o § 6º do art. 15 da Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995, e arbitrar seus valores nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos.
VII- articular com o órgão regulador do setor de combustíveis fósseis e gás natural os critérios para fixação dos preços de transporte desses combustíveis, quando destinados à geração de energia elétrica, e para arbitramento de seus valores, nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos;
A Lei nº 9.427, de 26/12/96, foi posteriormente alterada pela Lei nº 9.648, de 27/05/98.
Por intermédio da Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, é instituída a Agência Nacional de Águas – ANA, que tem por objetivo implementar, na sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Entre as diversas competências estabelecidas no art. 4º, destacamos os incisos IV e XII, e o disposto no art. 7º, § 2º:
IV- outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água da União, observado o disposto nos art. 5º, 6º, 7º e 8º;
XII- definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por agentes públicos e privados, visando a garantir o uso múltiplo dos recursos hídricos, conforme estabelecido nos planos de recursos hídricos das respectivas bacias hidrográficas,
Art. 7º: Para licitar a concessão ou autorizar o uso de potencial hidráulico de energia hidráulica em corpo de água de domínio da União, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, deverá promover, junto à ANA, a prévia obtenção de declaração de reserva de disponibilidade hídrica.
§ 2º: A declaração de reserva de disponibilidade hídrica será transformada automaticamente, pelo respectivo poder outorgante, em outorga de direito de uso de recursos hídricos à instituição ou empresa que receber da ANEEL a concessão ou autorização de uso do potencial de energia hidráulica.
Embora as competências estejam bem definidas quanto às respectivas áreas de atuação, nota-se que ambas as Agências têm como atribuição: regular ou fiscalizar a utilização da água, seja para a geração de energia hidráulica, seja para conservar ou manutenir o uso múltiplo dos recursos hídricos. Na prática, a competência de uma Agência pode-se confundir com a da outra, na medida em que se trata do mesmo bem sob a tutela do Estado fiscalizador.
4-POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS
Por intermédio da Lei nº 9.433 de 08 de janeiro de 1997 foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos e a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamentando o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal.
Destacamos o disposto nos artigos 1º e 2º, consistentes nos fundamentos e nos objetivos da Política Nacional dos Recursos Hídricos.
Quanto aos fundamentos do art. 1º:
Art. 1º: A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:
I- a água é um bem de domínio público;
II- a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III- em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;
IV- a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;
V- a bacia hidrográfica e a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VI- a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
Quanto ao fundamento previsto no inciso I – “a água é um bem de domínio público”. É necessário lembrar que o Decreto nº 24.643 de 10/07/1934, que instituiu o Código de Águas, já considerava a água como um bem público, de uso comum ou dominical. Por sua vez o inciso I do art. 66 do antigo Código Civil, considerava os rios e mares, como bens públicos de uso comum do povo. O Novo Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406 de 10/01/02, repete este conceito de bem público, no seu artigo 99, I. Se a água é um bem público, ainda que localizada em propriedades particulares, seu aproveitamento, seja para fins industriais, agrícolas, de energia hidráulica, ou de abastecimento, deve respeitar as normas emanadas pelo Poder Público, já que em síntese a água é um bem que pertence à toda sociedade.
Quanto ao fundamento previsto no inciso II – “a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico”. Por muitos séculos, o homem pensou que os recursos naturais eram inesgotáveis, embora a sua exploração sempre foi feita de forma a atender a subsistência de pequenas sociedades. Contudo com o surgimento da Revolução Industrial na Inglaterra, no final do século XIX, o homem intensificou os meios de exploração dos recursos naturais existentes, de modo que, industrializados ou transformados, os produtos “in natura”, proporcionaria o desenvolvimento tecnológico de bens e produtos que se destinariam ao bem estar de uma comunidade. Assim, o ferro transformou-se em aço, trilhos, locomotivas, automóveis etc. O petróleo, em combustível para locomotivas, aviões, veículos automotores. O carvão, como combustível para as siderúrgicas. A água, como fonte natural de abastecimento à milhões de pessoas. No Brasil especificamente, além do abastecimento, a água com seu aproveitamento hidráulico, representa mais de 90% de toda energia necessária para o desenvolvimento do país. A partir da exploração hidráulica, a água torna-se um bem de valor econômico, já que a energia produzida pelas empresas geradoras, é vendida aos milhões dos consumidores, sejam eles de grandes indústrias ou de pequenos domicílios. A água serve também como meio de navegação de bens e pessoas, e por essa razão tal atividade, tem seu valor econômico. O abastecimento de água, por órgãos ou pelas empresas públicas ou governamentais, é realizado, via de regra, através da captação em águas de rios, lagos e açudes, que mediante certo valor, é comercializada com os consumidores finais. Suplementarmente, empresas particulares autorizadas pelo Departamento Nacional de Pesquisas Minerais – DNPM, extraem a água subterrânea, e comercializam junto aos seus consumidores, como água mineral. O fato é que, o ferro, o petróleo, o carvão e a água, são recursos naturais limitados, e o homem não pode perder essa perspectiva, sob pena de comprometer a existência das gerações futuras. As reuniões de Estocolmo em 1972, a Rio/92 e a Rio+10 em Durban, foram realizadas com este propósito: o desenvolvimento sustentável e uso racional dos recursos naturais.
Quanto ao fundamento previsto no inciso III – “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”. Embora o planeta Terra seja constituído de 70% de água, seria impossível imaginar situações de escassez de água. Ocorre que a água existente nos mares e nos oceanos, é uma água salgada, que não supre as necessidades humanas. Existem projetos de dessanilização, porém são considerados anti-econômicos. Restam as águas superficiais dos rios e lagos, bem como as águas subterrâneas, localizadas em grandes aquíferos, conhecida como água doce, vital para os humanos, animais e plantas. Apesar das grandes bacias hidrográficas existentes no Brasil, estima-se que o País, detém apenas pouco mais de 1%, de toda água doce no planeta. Sabendo-se que 90% da matriz energética do Brasil é constituída por energia hidráulica, fica a nosso ver, extremamente difícil a aplicação de tal inciso. Imaginamos uma hidrelétrica como ITAIPU, que gera 14.400 megawatts, e abastece as regiões Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste. Como conciliar a interrupção da geração de energia elétrica, vital para a indústria, hospitais e a população, e priorizar os recursos hídricos para o consumo humano e a dessedentação de animais? Basta lembrar que no ano de 2001, houve grande período de estiagem, que colocou em risco o nível dos reservatórios das hidrelétricas, que poderiam comprometer o fornecimento de energia. Rios e açudes chegaram também ao seu nível crítico, sendo que alguns pontos do território nacional, foi suspenso o abastecimento de água. Medidas governamentais foram implementadas de modo a racionalizar o uso da energia e da água de forma a superar a crise, até que chegasse o período das chuvas para normalizar o nível hídrico das bacias brasileiras. Esse período ficou conhecido como “Apagão”.
Quanto ao fundamento previsto no inciso IV – “a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas”. A praça, a praia, a rua, ou a água, são bens considerados públicos, logo pertencem a toda sociedade. Este fundamento consiste em racionalizar o uso da água, de forma que o maior número de pessoas, tenham acesso a esse bem vital para todos nós. O uso múltiplo está insculpido como fundamento da Política Nacional de Recursos Hídricos, implementado pela Lei nº 9.433 de 08/01/97. Ocorre que a utilização da água, antes do advento da Política Nacional dos Recursos Hídricos, era regulamentada pelo antigo Código de Águas, que data de 1934, época em que a Sociedade não tinha consciência que a água era um produto limitado, tal como ocorre nos dias de hoje. Embora partilhamos do pensamento que os recursos hídricos devem proporcionar o uso múltiplo das águas, na prática, encontraremos inúmeros exemplos, que não permitem a sua aplicação. Citamos como exemplo, o que motivou escrever o presente artigo. (USINA REPI IMBEL X COPASA). Antes da Lei nº 9.433/97, já existiam situações que autorizavam a utilização das águas, conforme preconizava o Código de Águas. Como então enfrentar situações de fato e direito já existentes, em relação ao fundamento do uso múltiplo instituído pela Lei nº 9.433/97? Se for exigido o uso múltiplo de alguém que vem utilizando a água aprovada pelo Código de Águas, não estaria ferindo o inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal? Por isso cada caso deve ser analisado detidamente, de forma a possibilitar o uso múltiplo das águas, sabendo-se que a partir das edições das Leis n.º 9.433/97 e 9.984/2000, qualquer deliberação para a utilização da água, em primeira instância, é do Comitê da Respectiva Bacia. Não havendo solução a deliberação é feita posteriormente pela ANA. Finalmente, não tendo solução nas instâncias anteriores, a deliberação é do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
Quanto ao fundamento previsto no inciso V – “a bacia hidrográfica e a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos”. De acordo com o que dispõe a Lei nº 9.984 de 17/07/2000, foi instituída a Agência Nacional de Águas – ANA, que tem por objetivo, implementar, na sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Assim, em rios da União e reservatórios de um modo geral, caberá à ANA a responsabilidade de implementar todas as ações, fiscalização e gerenciamento de cada bacia hidrográfica no que concerne aos recursos hídricos, para o abastecimento de águas. No que se refere aos potenciais hidráulicos, deverá a ANA articular-se com a ANEEL, para conceder as outorgas de concessão e utilização. Já se tem notícias que umas das primeiras bacias hidrográficas gerenciadas pela ANA, é a bacia do Rio Paraíba, que abrange os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo.
Quanto ao fundamento previsto no inciso VI – “a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades”. De acordo com o disposto no artigo 4º, inciso I a XVII da Lei nº 9.984 de 17/07/2000, tem a Agência Nacional de Águas – ANA, atribuições específicas para implementar o gerenciamento dos recursos hídricos, inclusive com a instituição de Comitês e Subcomitês de cada Bacia Hidrográfica, sempre em rios da União e, nos rios dos Estados, deve ser em articulação com o Sistema Nacional, e com o apoio dos Estados, Municípios e das Comunidades.
Quanto aos fundamentos do art. 2º:
Art. 2º: São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos:
I- assegurar a atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
II- a utilização nacional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III- a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.
Quanto ao objetivo previsto no inciso I – “assegurar a atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”. Já tivemos a oportunidade de salientar, que a água, a exemplo de outros recursos naturais, é um recurso limitado, vale dizer esgotável. O Brasil, no seus 500 (quinhentos) anos de história, devastou milhões de hectares de florestas e matas ciliares que acompanham os leitos dos rios. Essa devastação, além de proporcionar o desequilíbrio do clima, com elevação de temperaturas, reduz os índices pluviométricos nas estações das chuvas, o que compromete os estoques hídricos de uma determinada região. Reduzindo os estoques hídricos, fica prejudicada a navegação, pesca, e agricultura. Os lagos e principalmente os rios, dependem para sua sobrevivência, das matas ciliares que acompanham seu leito. A inexistência das matas ciliares, proporciona o assoriamento dos rios, que diminui o volume de água de seu leito, até a sua completa extinção. Exemplo de respeito ao objetivo inserido no inciso I do art. 2º da Lei nº 9.433/97, podemos citar a Bacia do Rio São Francisco. Por sua importância econômica, derivado da pesca, navegação, geração hidráulica e manutenção das populações ribeirinhas que desenvolve a agricultura ao lado de seu leito, foi instituída pela Lei nº 6.088 de 16/07/74, a empresa pública Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco – CODEVASF, que tem como finalidade o aproveitamento, para fins agrícolas, agropecuários e agro-industriais, dos recursos de água e solo do vale do São Francisco. Possivelmente os resultados da CODEVASF, foram satisfatórios de tal sorte, que pela Lei nº 9.954 de 04/01/2000, ficou também sob a responsabilidade da CODEVASF, a Bacia do Rio Parnaíba. Na realidade, tratando-se de uma empresa pública federal, é “longa manus”, o próprio Estado, que está garantindo as futuras gerações a disponibilidade de água destas duas importantes bacias hidrográficas brasileiras.
Quanto ao objetivo previsto no inciso II – “a utilização nacional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável”. O exemplo da CODEVASF citado no objetivo anterior, aplica-se ao presente objetivo, pelo menos em parte já que tal empresa tem como atribuição cuidar da infra-estrutura de duas grandes bacias hidrográficas, a do Rio São Francisco e do Rio Parnaíba. O objetivo inserido no inciso II, menciona a utilização nacional e integrada dos recursos hídricos. Para as outras bacias hidrográficas como a dos Rios Amazonas, Paraná, Grande, Araguaia, Paraíba do Sul, deverão ser constituídos os respectivos Comitês, que atuarão em conjunto com os Estados e Municípios, em articulação com o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, sob a chancela da Agência Nacional de Águas. Ocorre porém que a instalação dos Comitês para se articularem com demais órgãos de gerenciamento dos recursos hídricos, não tem um tempo determinado para o início do seu funcionamento. Diga-se a propósito, que desde a edição das Leis nº9.433/97 (Política de Recursos Hídricos) e 9.984/2000 (Criação da ANA) o único Comitê que já encontra-se em funcionamento no País, é o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Os demais encontram-se em fase de instalação. Portanto esse objetivo (art. 2º, II) só poderá ser alcançado ao longo de uma ou duas décadas.
Quanto ao objetivo previsto no inciso III – “a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais”. Por mais que o homem disponha de tecnologia para conquistar e dominar as suas ações, ele não consegue o domínio sobre o crescimento populacional, o tempo e o clima. Para o crescimento populacional até é possível fazer algum controle, como já ocorreu na China, porém não é a vontade do governante que vai estabelecer se um casal deve ter 1,2 ou 3 filhos. Essa regra é válida para qualquer Nação. Para o tempo, não há muito o que o homem possa fazer, pois trata-se da lei natural, com dias (e noites) de 24 horas e 365 dias por ano. Quanto ao clima, o homem se submete aos equinócios terrestres que definem as estações do ano, primavera, verão, outono e inverno. As mudanças das estações, obedecem uma simetria do movimento de translação da Terra, que alteram o clima: frio acima da linha do Equador, e calor na linha abaixo; outrora, frio na linha abaixo do Equador e calor na linha acima. Nesta mutação, as calotas geladas dos Pólos Norte e Sul, proporcionam o deslocamento de ventos, influenciando o aparecimento de grandes correntes marítimas, que se interligam nos oceanos, até chegar nos continentes. A partir daí, essas correntes marítimas, os ventos e a temperatura, irão definir em cada ponto do planeta, o período e a intensidade das chuvas, bem como o volume dos estoques hidrológicos de cada bacia hidrográfica. Aproveitando o dito popular, o homem depende da boa vontade de São Pedro, para saber se vai chover ou não. É claro que nos países desenvolvidos existem computadores de última geração, no sentido de anteceder a previsão do clima, seja em benefício da agricultura, seja em benefício dos estoques hidrológicos dos grandes reservatórios das usinas hidrelétricas, ou até mesmo para a vida cotidiana. No Brasil, não é diferente, possuindo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, tecnologia de ponta, que assegura dentro das padrões de previsibilidade, as condições climáticas em todo território nacional. Mesmo dispondo de tal tecnologia, tivemos no ano de 2001, uma seca prolongada, que deixou os reservatórios das hidrelétricas no seu nível crítico, o que motivou o racionamento de energia, inclusive comprometendo o abastecimento de água em algumas regiões metropolitanas como São Paulo e Recife. Os especialistas dizem que os efeitos da seca, fora provocada pelo El Niño, outrora pela La Niña, que são correntes marítimas que agem no oceano Pacífico. Acreditamos, que a prevenção e a defesa contra os eventos hidrológicos críticos de origem natural, embora estabelecido em lei, não é possível faze-lo, já que o homem não tem o domínio sobre aquilo que foi arquitetado pelo Criador. Quando muito, poderá alertar a população, através de campanhas publicitárias, ou através de políticas públicas, sobre o uso inadequado dos recursos naturais, citando como exemplo, “a água é um bem de todos! Você não pode desperdiçá-la.” Fora isso, torna-se impossível controlar o clima, já que muitas vezes, os efeitos que ele provoca num país, ou continente é resultado de uma ação devastadora realizada em outros países ou continentes.
Estão sujeitos à outorga pelo Poder Público os direitos, entre outros, de uso de recursos hídricos concernentes: a) derivação ou capacitação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; b) à extração de água de aquifero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; c) aproveitamento dos potenciais hidrálicos; (art. 12 da Lei nº 9.433/97).
Portanto a utilização da água para o consumo final, seja para o abastecimento público seja para utilização de processo produtivo, deve respeitar e atender aos fundamentos e objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos. Tal utilização, seja pelo próprio Poder Público, ou por entidade particular, deve ser precedida de outorga, através da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, ou pela Agência Nacional de Águas – ANA, dependendo da finalidade do uso de água. O prazo de outorga está fixado em 35 (trinta e cinco) anos, podendo ser renovado.
5- COMPETÊNCIA DE OUTORGA DE CONCESSÃO – ANEEL / ANA: CASO CONCRETO
Não obstante as definições e objetivos constantes das Leis de criação da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e da Agência Nacional de Águas – ANA, que, em síntese, regulam a utilização de um mesmo bem que é a água, observa-se que, na prática, isto é, quando deparamos com um caso concreto, nem sempre a resolução do problema é de fácil solução, já que envolve o uso compartilhado da água, previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos. Para tanto, com o intuito de analisar a interação dos diversos dispositivos legais, vamos analisar um caso concreto, envolvendo uma empresa pública federal, uma empresa pública estadual, o Poder Público Municipal e o Ministério Público Estadual.
A INDÚSTRIA DE MATERIAL BÉLICO DO BRASIL – IMBEL é uma empresa pública federal instituída pela Lei nº 6.227 de 14/07/75, vinculada ao Ministério da Defesa, com capital integralmente subscrito pela União Federal. A sua sede social localiza-se em Brasília, possuindo filiais em outras unidades da Federação. Na Filial de Itajubá/MG, produz armamentos leves destinados às Forças Armadas, Forças Auxiliares e à exportação, sendo que 90% (noventa por cento) da energia elétrica utilizada nesta Fábrica e na Vila Militar provém da Usina Hidrelétrica denominada REDE ELÉTRICA PIQUETE – ITAJUBÁ – REPI, também de propriedade da IMBEL que se localiza no município de Wenceslau Brás – MG, distante cerca de 19 Km da cidade de Itajubá. O saldo remanescente da energia é fornecido pela CENTRAIS ELÉTRICAS DE MINAS GERAIS – CEMIG.
A REPI foi construída no ano de 1934, para atender a Fábrica de Itajubá – FI e Vila Militar, em Itajubá/MG, bem como a Fábrica Presidente Vargas – FPV e Vila Militar no município de Piquete/SP, já que à época tais estabelecimentos pertenciam ao Ministério do Exército / União Federal, e hoje pertencem à IMBEL. A REPI tem uma potência instalada de 3,34 MW, e pela Resolução nº 52 de 07/02/01, a ANEEL autorizou a IMBEL, a estabelecer-se como Produtor Independente de Energia Elétrica, mediante o aproveitamento hidráulico denominado PCH (Pequena Central Hidrelétrica) Rede Elétrica Piquete – Itajubá, REPI, localizada no Rio Bicas/Sapucaí, município de Wenceslau Brás, integrante da Bacia Hidrográfica do Rio Paraná. A REPI, é também fornecedora de energia elétrica para Vila Militar de propriedade da IMBEL, localizada no município de Wenceslau Brás.
A COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS – COPASA, pertencente ao Governo de Minas Gerais, tem sua sede localizada na Rua Mar de Espanha, nº 525, Bairro Santo Antônio, em Belo Horizonte/MG, a qual tem por objetivo implantar, distribuir e manutenir o sistema de saneamento básico (água e esgoto) no Estado de Minas Gerais.
Assim, a COPASA, firmou em 15/10/01 com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, que tem por finalidade fornecer água e esgoto tratados à população de Wenceslau Brás/MG, nos padrões exigidos pelas Portarias nº 36/90 e 1469/00 do Ministério da Saúde, decorrente do Contrato de Concessão de serviço público celebrado entre a COPASA e o Poder Público Municipal de Wenceslau Brás, face a Lei Municipal nº 131/98. O município de Wenceslau Brás, tem uma população estimada de 1.000 (um mil) habitantes.
A COPASA, pelo compromisso assumido perante o Ministério Público Estadual, iniciou os contatos com a IMBEL, no sentido de que esta cedesse para fins de abastecimento de água ao Município de Wenceslau Brás, parte do curso de água do Ribeirão Quilombo, o qual deságua no Rio Bicas, que abastece o lago (represa) para a geração da energia hidráulica da REPI. Fundamentou a sua pretensão esclarecendo que a utilização da água, estava baseada no art. 1º, incisos I e III, da Lei nº 9.433 de 08/01/97, e que a captação da água seria feita à montante da Usina já que no local ha um desnível aproximado de 100 (cem) metros, e a distribuição e o fornecimento de água à população de Wenceslau Brás, dar-se-ia pelo processo de gravidade, o que em tese representa menores investimentos de infra-estrutura para a COPASA.
A IMBEL, embora não tenha participado de qualquer Acordo, seja com o Ministério Público Estadual, seja com o Poder Público Municipal, não fez qualquer objeção quanto à captação pretendida pela COPASA, na medida em que o uso compartilhado da água, é um dos fundamentos estabelecidos nos incisos IV, do art. 1º da Lei nº 9.433 de 08/01/97. Porém, entende que, para preservar os seus direitos e atender os compromissos e obrigações constantes da Resolução nº 52 da ANEEL (ato autorizativo para exploração do potencial hidráulico da REPI), a captação de água somente seria possível à jusante, isto é, após a água passar pelas turbinas de geração da energia hidráulica da REPI.
A captação, em tese, à jusante da Usina, poderá representar para a COPASA, maiores investimentos, na medida em que após captada a água, esta deverá ser distribuída a população através do processo de recalque, ou seja, instalação de bombas, no intuito de alcançar os pontos mais elevados da cidade.
Independentemente de ser definido o ponto de captação, sustenta a COPASA que possui direito de desviar a água à revelia da IMBEL, usufruindo ainda de parte do terreno como servidão de passagem, alegando que a prioridade dos recursos hídricos é o consumo humano, e por essa razão tem direito ou preferência na captação de água, conforme dispõe o art. 1º, inciso III da Lei nº 9.433 de 08/01/97.
A questão até então não tinha ainda qualquer decisão, seja de ordem administrativa ou judicial. O fato é que a COPASA, por ter celebrado o Termo de Compromisso junto ao Ministério Público Estadual, sustenta que possui direito de desviar a água no ponto que melhor atenda a seus interesses, fundamentando sua pretensão no inciso III do art. 1º da Lei nº 9.433/97, ou seja, a prioridade dos recursos hídricos é o consumo humano. Por outro lado, a IMBEL não se opõe a captação de água pretendida pela COPASA, já que o uso múltiplo desta, é um dos fundamentos insculpidos no inciso IV do art. 1º da Lei nº 9.433/97. Porém entende a IMBEL, que possuindo o ato autorizativo concedido pela ANEEL, para exploração dos recursos hídricos, como potencial hidráulico, não pode descumprir as obrigações impostas pela citada Agência, motivo pelo qual, a captação somente poderá ocorrer no canal de fuga, de Usina, à jusante. Considerando o ato autorizativo concedido pela ANEEL à IMBEL, para exploração dos recursos hídricos, pressupõe que a ANEEL, já cumpriu o disposto no art. 7º, § 2º da Lei 9.984 de 17/07/2000, ou seja, a ANEEL já obteve a declaração de reserva de disponibilidade hídrica, junto a ANA. Contudo, o assunto parece não ser de conhecimento da ANA, já que não houve qualquer pronunciamento desta Agência. Mas o que se pode indagar, é se haveria a necessidade de outorga de concessão do uso da água pela ANA, quando já houve ato autorizativo pela ANEEL à IMBEL.
Ora, a competência da ANEEL para outorga de concessão para o aproveitamento de potenciais hidráulicos encontra-se definida no inciso II do art. 3º da Lei nº 9.427 de 26/12/96, que assim define:
Art. 3º: Além das incumbências prescritas nos artigos 29 e 30 da Lei nº 8.987 de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL:
….
II- Promover as licitações destinadas à contratação de concessionárias de serviço público para produção, transmissão e distribuição de energia e para a outorga de concessão para o aproveitamento de potenciais hidráulicos; (grifamos)
Já a competência da ANA para outorga do direito de uso dos recursos hídricos, encontra-se prevista no inciso IV do art. 4º da Lei nº 9.984 de 17/07/2000, que assim define:
Art. 4º: A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cabendo-lhe:
….
IV- outorgar, por intermédio de autorização o direito do uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, observado o disposto nos arts. 5º, 6º, 7º e 8º.
O artigo 7º e seus parágrafos, da Lei nº 9.984 de 17/07/2000, dispõe que ANEEL deverá promover junto à ANA, a prévia obtenção de declaração de reserva de disponibilidade hídrica, seja em corpos de água de domínio da União, dos Estados ou do Distrito Federal, em cumprimento ao disposto do art. 13 da Lei nº 9.433 de 08/01/97. Ou seja, para a IMBEL, o ato autorizativo da ANEEL, de concessão para a exploração do potencial hidráulico, já seria a nosso ver suficiente para declarar a reserva de disponibilidade hídrica, não necessitando de outra outorga da ANA.
Todavia não é por demais observar que a partir da lei n.º 9.433/97, e 9.984/2000, não compete mais à ANEEL a outroga, mas somente a autorização e ou concessão de aproveitamento de potenciais hidráulicos. A outorga em rios federais é de competência da ANA e os casos anteriores de concessão ou autorização, deverão ser arbitrados pela ANA, ouvidos os argumentos de cada parte.
Como forma de maior reflexão sobre o tema objeto deste artigo, esclarecemos que tivemos a honrosa satisfação de poder contar com a colaboração do Prof. Doutor Zulcy de Souza, da Faculdade de Engenharia Hídrica da Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI; ex-Superintendente da Agência de Águas – ANA e ex-Diretor da Escola Federal de Engenharia de Itajubá – EFEI.
Refletindo sobre o assunto que envolve esse breve estudo, afirma o Prof. Zulcy que…
“de acordo com a Política Nacional de Recursos Hídricos, estabelecida pela Lei n.º 9.433, de 08/01/97, a água é um bem de domínio público e tratando-se de rio Federal, cujo curso se estenda por mais de Estado, o gerenciamento dos recursos hídricos, fica sob a responsabilidade dos Comitês e Subcomitês da Bacia Hidrográfica a que pertencer tal rio.
Salienta também que nos casos de rios cujo curso encontra-se dentro dos limites de um Estado, o gerenciamento desse recurso hídrico deverá ser articulado pelos Comitês, com órgãos dos respectivos Estados.
Quanto ao caso “in concreto” envolvendo um dos Fundamentos e objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos que é o uso múltiplo das águas, tem como partes interessadas, entidades de natureza pública, como é o caso da Prefeitura Municipal de Wenceslau Braz-MG, e as empresas governamentais, IMBEL (Federal) e a COPASA (Estadual).
Antes de qualquer contenda, seria importante inicialmente destacar que hoje, cabe à ANEEL, autorizar e ou conceder ao interessado para que uma CH (Central Hidrelétrica) seja construída sob o aspecto técnico, econômico e de segurança. Sob o aspecto ambiental cabe ao IBAMA se pronunciar em rios da União e os Órgãos do Estado, quando tratar-se de rios Estaduais.
Cabe à ANA autorizar por outorga o uso da água, considerando-se os aspectos do seu uso múltiplo.
Tratando-se o Rio Sapucaí, de um rio Federal, já que seu curso localiza-se em São Paulo e Minas Gerais, a questão do uso múltiplo de água pelas entidades retro mencionadas deveria ser apreciado pelo respectivo Comitê ou Subcomitê da Bacia do Rio Sapucaí. Caso não seja possível uma definição, ai sim, seria o assunto encaminhado para deliberação junto a ANA.
Finaliza o Prof. Zulcy que: “o histórico hidrológico do rio é de responsabilidade da ANA por intermédio de sua Superintendência de Recursos Hídricos. A ANA é que estabelecerá as vazões mínimas de entradas nos reservatórios e de lançamento à jusante das barragens, bem como às máximas a serem retiradas à montante e jusante dos reservatórios. A cota máxima “maximorum” no reservatório e mínima a jusante são aprovadas pelo Órgão Ambiental correspondente”.
Pelas ponderações expedidas pelo prof. Zulcy, depreende-se que o uso múltiplo das águas requer uma análise aprofundada por parte do Comitê ou Subcomitê da respectiva Bacia Hidrográfica. Somente na ausência de uma definição por parte do Comitê e que o assunto deverá ser apreciado pela Agência Nacional de Águas – ANA, já que no presente caso o ato autorizativo para a exploração do potencial hidráulico havia sido concedido pela ANEEL.
6. CONCLUSÃO
Como se observa da leitura do art. 1º da Lei nº 9.433/97, é que a Política Nacional dos Recursos Hídricos, baseia-se numa série de fundamentos elencados nos incisos I a VI. De fato, no inciso III, em situações de escassez, o uso prioritário da água destinar-se-à ao consumo humano e a dessendentação de animais. Porém, a nosso ver, essa priorização dos recursos hídricos só acontecerá quando efetivamente ocorrer as situações de escassez de água, de forma semelhante a que ocorreu no ano de 2001, quando a maioria das bacias hidrográficas brasileiras, encontravam-se com níveis críticos para o abastecimento de água e para a geração de energia hidráulica.
Contudo, basear-se no fundamento capitulado no inciso III, do art. 1º, da Lei nº 9.433/97, como justificativa legal, para desviar a água ou captá-la no ponto que melhor atenda aos interesses da COPASA parece não ser o melhor argumento jurídico, para amparar tal pretensão. Ao contrário, tal prática se executada a nosso ver, constitui infração prevista nos arts. 49 e 50 da Lei nº 9.433/97, senão vejamos:
Primeiro porque “in casu” não está comprovado que naquela bacia hidrográfica estivesse decretada ou fora reconhecida uma situação de escassez dos recursos hídricos. Em segundo lugar, o lago e a hidrelétrica da REPI, já encontram-se instalados desde os idos de 1934, e mesmo com o advento da Lei nº 9.433/97, somente agora é que se pleiteia a utilização dos recursos hídricos de forma compartilhada. Assim, senão configurada a situação de escassez, não ha como utilizar-se deste fundamento (prioridade de água para consumo humano) para captação da água no ponto desejado pela COPASA. Frise-se que a IMBEL, não nega o fundamento do uso compartilhado (inciso IV, art. 1º), desde que a captação seja no canal de fuga da Usina.
Em terceiro lugar, por intermédio da Resolução nº 52 de 07/02/2001, da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, foi autorizada a IMBEL a estabelecer-se como Produtor Independente de Energia Elétrica, pelo aproveitamento do potencial hidráulico denominado PCH Rede Elétrica Piquete – Itajubá – REPI, localizado no Rio Bicas, Município de Wenceslau Brás/MG.
Esta autorização tem vigência por um período de 30 (trinta) anos, a contar da publicação da Resolução nº 52, da ANEEL, que ocorreu no DOU Seção 1, pág. 71, edição de 08/02/2001. No art. 2º da Resolução encontram-se elencados uma série de obrigações a serem cumpridas pela IMBEL, entre as quais destacamos:
Art. 2º: Em decorrência da presente autorização, constituem obrigações da autorizada:
I- cumprir e fazer cumprir todas as exigências da presente autorização, da legislação atual e superveniente que disciplina a exploração de potenciais hidráulicos, respondendo perante a ANEEL, usuários e terceiros, pelas eventuais conseqüências danosas decorrentes da exploração da PCH;
….
IX- articular-se com os órgãos de recursos hídricos competente, objetivando estabelecer os procedimentos relativos aos usos múltiplos da água e a disponibilidade hídrica respondendo pelas conseqüências do descumprimento das leis, regulamentos e autorizações;
Conforme se depreende, qualquer ato que venha a modificar as condições autorizadas pela Resolução nº 52, deverá ser comunicada à ANEEL, inclusive quando objetivar-se ao uso múltiplo da água, aliás, neste caso deverá ser ouvido o Comitê da Bacia Hidrográfica e respectivamente a ANA.
Ocorre que para expedir a Autorização para a IMBEL, para o aproveitamento do potencial hidráulico, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, inexoravelmente, já deve ter obtido da Agência Nacional de Água – ANA, a declaração de reserva de disponibilidade hídrica, consoante disposição prevista no art. 7º, § 2º e 3º da Lei nº 9.984 de 17/07/2000 (que dispões sobre a criação da ANA) que transcreveremos:
Art. 7º: Para licitar a concessão ou autorizar o uso de potencial de energia hidráulica em corpo de água de domínio da União, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, deverá promover, junto a ANA, a prévia obtenção de declaração de reserva de disponibilidade hídrica.
….
§ 2º: A declaração de reserva de disponibilidade hídrica será transformada automaticamente, pelo respectivo poder outorgante, em outorga de direito de uso de recursos hídricos à instituição ou empresa que receber da ANEEL a concessão ou a autorização de uso do potencial de energia hidráulica.
§ 3º: A declaração de reserva de disponibilidade hídrica obedecerá ao disposto no art. 13 da Lei nº 9.433 de 1997, e será fornecida em prazos a serem regulamentados pelo Presidente da República.
A nosso ver, quando expedida a Autorização para a IMBEL, a ANEEL por disposição do art. 7º da Lei nº 9.984/2000, previamente já deveria ter comunicado a ANA, sobre a utilização do potencial hidráulico e por óbvio obteve a declaração de reserva de disponibilidade hídrica. Logo, qualquer alteração posterior, seja pela utilização do potencial hidráulico, seja pelo uso compartilhado da água, deverá ser comunicado a ambas as Agências, ANEEL e ANA, pena de ser a responsabilizada a IMBEL, por ação ou omissão, já que a utilização por parte da COPASA da água para o abastecimento, modificará indubitavelmente o “status quo” que ensejou o ato autorizativo inserido na Resolução nº 52 da ANEEL.
Portanto, a nosso ver, a IMBEL já tem autorização legal da ANEEL e via de conseqüência da ANA, para explorar a PCH da REPI, consubstanciando num direito adquirido (art. 5º, XXXVI da CF). Neste sentido a resolução ANA n.º 131, de 11.03.2003, que dispõe sobre procedimento referentes à emissão de declaração de reserva de disponibilidade hídrica e de outorga de direito de uso de recursos hídricos, para uso de potencial hidráulico de energia hidráulica superior à 1 MW em corpo de água de domínio da União, estabelece, nos seus artigos 1º e 7º, “in verbis”:
Art. 1º – Para licitar a concessão ou autorizar o uso do potencial de energia hidráulica em corpo de água de domínio da União, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, deverá promover, junto á ANA, a prévia obtenção da declaração de reserva de disponibilidade hídrica;
…
Art. 7ª – Os detentores de concessão e de autorização de uso de potencial de energia hidráulica, expedidas até a data desta Resolução, ficam dispensados da solicitação de outorga de direito de uso dos recursos hídricos.
Depreende-se que no caso presente, não haveria necessidade da ANEEL declarar à ANA, a reserva de disponibilidade hídrica, na medida em que o autorizativo contido na Resolução n.º 52, de 07/02/2001 é anterior a presente Resolução ANA n.º 131, de 11.03.2003, e a PCH em questão tem uma potência instalada de 3,34 Mw, superior portanto a 1 Mw a que se refere a Resolução ANA 131.
Por outro lado, a COPASA, ao contrário, não demonstrou qualquer instrumento de outorga da ANA, para realizar o abastecimento de água à Wenceslau Brás a não ser o argumento que está sendo pressionada pelo Ministério Público, para realizar tal finalidade.
Porém, a nosso ver, não poderá a COPASA derivar a água a revelia da IMBEL, já que, se assim o fizer, estará cometendo uma infração prevista nos artigos 49 e 50 e incisos da Lei nº 9.433/97 (Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos) que destacamos:
Art. 49: Constitui infração das normas de utilização de recursos hídricos superficiais ou subterrâneos:
I- derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso.
Além de não ter demonstrado possuir a outorga, também não demonstrou a situação de escassez prevista no art. 1º, III da Lei nº 9.433/97, razão pela qual, se qualquer atitude praticada pela COPASA, `a revelia da IMBEL, corresponderá à uma lesão aos direitos de outorga consubstanciados na Resolução nº 52 da ANEEL.
Finalmente, como pôde ser observado neste breve estudo, é que, de todos os aspectos abordados, o que provoca e sugere maiores reflexões, são os fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, elencados no art. 1º, incisos I a VI da Lei nº 9.433/97, que serviram de base para análise de um caso concreto, do uso compartilhado da água, que é um recurso natural limitado e dotado de valor econômico. Não obstante o decurso do tempo, as Partes, IMBEL e COPASA solucionaram amigavelmente a pendência, encontrando outro ponto de captação, de forma que atendesse aos interesses de ambas, sem, contudo contrariar quaisquer dos fundamentos e os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos.
Advogado; Doutorando em Direito das Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília UNICEUB; Mestre em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo UNISAL; Professor de Graduação e Pós Graduação em Direito Público e Direito Internacional Público no Curso de Direito da Faculda de de Ciências Sociais e Tecnológicas – FACITEC Brasília DF; Ex-professor de Direito Internacional Público da Universidade Metodista de São Paulo UMESP; Colaborador da Revista Âmbito Jurídico www.ambito-jurídico.com.br; Advogado Geral da Advocacia Geral da IMBEL AGI; Autor de Artigos e Livros entre eles 200 Anos da Indústria de Defesa no Brasil e Soberania – O Quarto Poder do Estado ambos pela Cabral Editora e Livraria Universitária. Contato: rene@imbel.gov.br; renedellagnezze@yahoo.com.br.
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