Em uma era de eterna globalização que estamos obrigatoriamente vivendo, muito se questiona o papel do Estado (Poder Público) no desenvolvimento da sociedade. Quando se fala em desenvolvimento, engloba-se todos os âmbitos, ou seja, o social, econômico, ambiental, religioso, educacional, jurídico, etc. Será que o estado pode intervir em todos os campos para melhor desempenhar seu papel de provedor do bem-comum? Ou será que ele tem apenas a função de ditar as regras mínimas de convívio e das diversas relações que os homens travam entre si? Esses e outros inúmeros questionamentos são diariamente postos em pauta. Nas relações consumeristas não é diferente. Será que o estado pode intervir no mercado para resguardar os direitos dos consumidores? Será que tal atitude não irá prejudicar o crescimento econômico-financeiro da própria sociedade?
O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor reserva um capítulo todo para tratar desse importante tema. No segundo capítulo, há um breve disciplinamento das políticas que o Brasil deve seguir para que os direitos básicos de todo consumidor sejam respeitados e protegidos em todo território nacional. Composto apenas de dois artigos, esse capítulo é de extrema maestria, pois tanto elenca os princípios do Direito do Consumidor como mostra os instrumentos que essas políticas serão efetivadas pelo Poder Público e, principalmente, pela própria sociedade.
No art. 4°, a principal característica da relação consumerista é devidamente qualificada ao se prever legalmente a fragilidade incontestável inerente à consumidor em relação ao poderio sócio-econômico do mercado, senão vejamos:
Art 4° – A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo
Já dizia Henry Ford, “O consumidor é o elo mais fraco da economia; e nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco”. Ora, sabia o famoso magnata da indústria automobilística que não pode a economia sobreviver sem sua parte mais importante: o consumidor. Sem ele, tudo se paralisa. É o consumidor que bombeia o mercado consumidor, já que é ele quem forma e consolida a demanda que impulsiona o fornecedor a produzir. Se o consumidor é constantemente prejudicado, se ele perde seu potencial de consumir, não terá o fornecedor mais demanda, mais lucro, mais razão de existir. Quebra-se, então, o ciclo consumerista.
Em seguida, no inciso segundo, as possíveis ações estatais são enumeradas. Ora, como pode o estado interferir no mercado para proteger o consumidor? Ao meu ver, a principal intervenção estatal seria a fiscalização e punição do mercado para garantir produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. Com essa medida seria impedida a manutenção no mercado de produtos e serviços nocivos e prejudiciais ao ser humano.
O art. 4° busca de todas as maneiras proteger o consumidor.da voracidade e implacabilidade do mercado que busca indiscutivelmente lucro a todo custo. Atualmente, uma das maneiras mais eficientes e duradouras para implementar essa política nacional de relações de consumo, sem sombra de dúvida, é construída e fortificada através da educação. O Estado pode sim contribuir com essa tarefa ao educar e informar os fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres no mercado. Assim, mesmo tendo papéis antagônicos nas relações consumeristas, esse dois atores (fornecedor e consumidor) ficarão conscientes de seus limites e responsabilidades, construindo juntos um mercado mais harmônico e pacífico.
No art. 5°, por sua vez, há uma previsão, não taxativa mas meramente exemplificativa, dos instrumentos estatais que irão efetivar e consolidar a política consumerista, in verbis:
Art 5° – Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o Poder Público com os seguintes instrumentos, entre outros:
I – manutenção de assistência jurídica integral e gratuita para o consumidor carente;
II – instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público;
III – criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;
IV – criação de Juizados Especiais de pequenas Causas e Varas especializadas para a solução de litígios de consumo;
V – concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor.
Muito já se realizou para a construção e manutenção da harmonia na relação consumerista. Porém, muito ainda há de se fazer. Essa pequena participação nesse importante seminário tem por fim conscientizar e, principalmente, sensibilizar a nós, operadores do Direito, que somos duplamente responsáveis por essa tarefa. Desempenhamos dois dos principais papéis que a Política Nacional incube à toda sociedade. Primeiramente, somos detentores de conhecimentos sócio-jurídicos que devemos difundir e propagar a todos para que estes também sejam conscientes de seus direitos e deveres nas relações consumeristas. E, por fim, como cidadãos, devemos participar ativamente, lutando para que efetivamente essa política seja real, tangível, universal e, principalmente, parte indissociável de nossa vida social e econômica.
Advogada, formada pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR e mestranda em Políticas Públicas e Sociedade da UECE
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