Não é preciso declinar a série de vocábulos e expressões utilizados para identificar um fato natural, que sempre existiu, mas que a humanidade insiste em rejeitar: o amor ao mesmo sexo. O preconceito e a discriminação que cercam as variantes que se afastam da sexualidade aceita como correta – pelo simples fato de ser majoritária – levam ao surgimento de denominações que acabam sempre escorregando para o escárnio e o deboche.
No princípio, chamavam-se sodomia as relações de pessoas do mesmo sexo. Seguiu-se a expressão homossexualismo, que foi afastada por significar “desvio ou transtorno sexual”. O sufixo “ismo” utilizado para identificar doença foi substituído por “dade”, que quer dizer “um modo de ser”. Assim, surgiu a palavra homossexualidade, que, na Classificação Mundial das Doenças – CID, passou a nominar: “transtorno da preferência sexual”.
Jurandir Freire Costa, com inegável autoridade, denuncia a conotação pejorativa de tais expressões e introduz o vocábulo homoerotismo, pretendendo revalorizar as experiências afetivo-sexuais.
Com essa mesma intenção, mas buscando subtrair o teor sexual dos relacionamentos interpessoais, acabei por criar o neologismo homoafetividade, para realçar que o aspecto relevante dos relacionamentos não é de ordem sexual. A tônica é a afetividade, e o afeto independe do sexo do par.
De outro lado, a diversidade de manifestações da sexualidade leva a um rosário de expressões, tanto que a singela expressão GLS, que significava “gays, lésbicas e simpatizantes”, vem recebendo cada vez mais letras para englobar travestis, transexuais – ou agora nominados transgêneros – e bissexuais. Enfim, cada manifestação da sexualidade quer ter identidade própria.
Mas as divergências não se esgotam em questões terminológicas. Mesmo com referência aos direitos a serem assegurados, não existe consenso.
Enquanto alguns buscam somente o reconhecimento de direitos a partir da manifestação escrita da vontade, há os que se integram na luta para a aprovação da lei da parceria civil, enquanto outros querem ver suas relações identificadas como união estável. Parcela outra pretende, ainda, que lhe seja assegurado o direito de casar.
Nesse emaranhado de palavras e expressões – sempre permeadas de outras de conotações jocosas e depreciativas –, certo mesmo é que ainda existe um abismo até que se passe a encarar e, por conseqüência, nominar de um modo natural quem se afasta do modelo tido como certo, normal, de conformidade com a moral e os bons costumes.
No entanto, a partir do movimento “saindo do armário”, significativos têm sido os avanços no sentido de emprestar maior visibilidade e assegurar mais respeitabilidade aos vínculos homoafetivos.
Mesmo sem uniformidade terminológica, e sequer convergência quanto aos direitos a ser garantidos, chama a atenção a medida recentemente adotada no Reino Unido proibindo a utilização da palavra homossexual em documentos oficiais, conferências públicas e atas do governo, por ser considerada antiga e discriminatória. Em substituição, foi determinado o uso da expressão “pessoa com orientação para outra do mesmo sexo”, ou simplesmente “gay”.
Seja uma vitória do movimento homossexual ou mera medida demagógica, que nada contribuirá para minorar a discriminação ou o preconceito, há que reconhecer aí uma tentativa salutar, pois mostra ao mundo que está na hora de riscar do vocabulário não só uma simples palavra, mas a intolerância que, de forma injustificada, a sociedade tem para com a homoafetividade.
Não se trata apenas de buscar palavras politicamente corretas, mas – sobretudo – posturas humanas e sociais, democráticas e libertárias corretas.
Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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