Resumo: O presente trabalho visa buscar um entendimento à respeito da anencefalia, centralizando no fato em que a mulher gestante porta um feto anencéfalo e a preocupação no que diz respeito à preservação da dignidade inerente ao ser humano, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, vislumbrando a ideia defendida pela Constituição Federal de 88 que é de garantir a essência humana, na sua qualidade de vida, assegurando uma existência digna. O estudo alcança o tema em discussão, focando também no Direito Penal na sua questão do aborto, que é considerado crime, previsto nos artigos 124 ao 128, verificando também a Proposta de Emenda Constitucional 29/2015 que reconhece o direito à vida desde a sua concepção.[1]
Palavras-chave: Aborto. Anencefalia. Dignidade da Pessoa Humana. Atipicidade.
Abstract: The present work reach an understanding on respect of noncephalic, centralizing on fact which a pregnant woman ports an uncephalic fetus and the worry about the preservation of dignity inherent of human being, one of the fundamentals of the Democratic State of Rights, to gleam an idea defended by the Federal Constitution of 88, which is to guarantee the human essence, in the quality of life, to warrant a dignified existence. The study reaches the theme in discussion, centering around also on the Penal Rights on the question of abortion, considered crime, predicted on subjects 124 to 128, verifying also the Overture of Constitutional Amendment 29/2015 which recognize the duty of life since the conception.
Keywords: Abortion. Uncephalic. Human being dignity.
Sumário: Introdução. 1. Dignidade da Pessoa Humana. 2. Anencefalia. 3. Aborto no Brasil. 4. Aborto de feto anencéfalo à luz do Princípio da Dignidade Humana. Considerações finais. Referências.
Introdução
Por ser um dos temas mais polêmicos na contemporaneidade, o aborto vem sendo discutido e questionado por posições a favor e contrárias a legalização, com argumentos jurídicos, religiosos, morais, sociais e de saúde pública. O estudo visa demonstrar que a decisão do Supremo Tribunal Federal, resultado de uma evolução social, a respeito do aborto de feto anencéfalo, por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, enaltece a dignidade da pessoa humana, dando empoderamento feminino, onde a mulher poderá decidir sobre o seu corpo. Será abordada, brevemente, a Proposta de Emenda Constitucional 29/2015 que propõe mudança no artigo 5° da Constituição Federal reconhecendo o direito à vida desde a sua concepção.
Busca-se um equilíbrio entre essas duas vertentes, na ótica de que mesmo com as certezas da ciência sobre a inviabilidade do feto, a inexistência de tratamento que possa reverter esse quadro e a questão da permissão para realizar o aborto de feto anencéfalo, que como já mencionado acima, o aborto provocado dolosamente é crime tipificado no Código Penal.
Sabe-se que a Constituição Federal de 88 busca na sua essência a preservação dos direitos inerentes ao homem, e logo no seu início, em seu artigo 1° a nossa Carta Magna prevê o princípio da dignidade à pessoa humana, considerando esse, o valor supremo que abrange todos os direitos fundamentais.
A sociedade brasileira, representado pelo Código Penal, considera o aborto como um crime de grande seriedade e que causa repulsa para toda a população, sendo um crime de atentado à vida.
O fenômeno da anencefalia acontece quando não há uma completa formação do sistema nervoso do feto, o que mesmo que a criança sobreviva ao parto, já garante a incapacidade de sobrevivência da mesma, o presente estudo trará uma análise detalhada da visão médica à respeito desse fenômeno.
Diante o exposto, podemos vislumbrar um conflito, de que a mãe, ao realizar um aborto dessa natureza, estaria apenas antecipando um resultado já definido de maneira menos traumática.
1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana é uma qualidade inerente a todo ser humano, está prevista no artigo 1º, II da Constituição Federal e é considerada como um princípio de valor supremo, a base para os fundamentos da República Federativa do Brasil, in verbis: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana” (CF, 1988, art. 1º, inc. III).
Todos os direitos fundamentais estão ligados à dignidade da pessoa humana, tais direitos têm como objetivo proteger a pessoa humana, para que esta tenha uma vida digna. Não há gradatividade em relação à pessoa, ninguém será mais digno do que outra, pois como foi supra citado, tal princípio é inerente ao ser humano. Ninguém terá sua dignidade alterada, independentemente de sua origem, raça, idade, sexo, condição social e econômica.
Cabe apontar um ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello:
‘(…) violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra” (MELLO, 2008, p. 943).
Segundo o ministro do STF Luís Roberto Barroso, a autonomia é o elemento ético que compõe a dignidade humana:
“A autonomia é o elemento ético da dignidade humana. É o fundamento do livre arbítrio dos indivíduos, que lhes permite buscar, da sua própria maneira, o ideal de viver bem e de ter uma vida boa. (…) A autonomia pressupõe o preenchimento de determinadas condições, como a razão (a capacidade mental de tomar decisões informadas), a independência (a ausência de coerção, de manipulação e de privações essenciais) e a escolha (a existência real de alternativas). (…) Mas a autonomia é a parte da liberdade que não pode ser suprimida por interferências sociais ou estatais por abranger as decisões pessoais básicas, como as escolhas relacionadas com religião, relacionamentos pessoais, profissão e concepções políticas. (…)” (BARROSO, 2014, p. 81-82).
A autonomia é o alicerce da dignidade, logo, todo ser racional existe como um fim em si mesmo e não como meio para imposição de vontades arbitrárias. Quando a Constituição brasileira de 1988 elevou o princípio da dignidade da pessoa humana, fez senão considerar que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função do Estado. Toda ação estatal deve ser avaliada considerando-se cada pessoa como um fim em si mesmo, mas também procura-se compatibilizar valores individuais e coletivos.
Como fundamento constitucional, a dignidade da pessoa humana é de uma importância indispensável no direito brasileiro, em que o Estado atua de todas as suas formas, com base a proteger a dignidade das pessoas, garantindo uma vida de qualidade e justa. Já há decisão do STF à respeito do tema a ser estudado, em relação ao aborto de anencéfalos, onde mesmo o aborto sendo considerado crime, foi garantido a sua permissão com base na dignidade da mãe.
2. ANENCEFALIA
A anencefalia é uma má formação do cérebro durante a formação embrionária, que acontece entre o 16º e o 26º dia de gestação, caracterizada pela ausência total ou parcial do encéfalo e da caixa craniana do feto.
Conceito médico de anencefalia:
“Consiste na ausência parcial ou completa da abobada craniana, bem como da ausência dos tecidos superiores com diversos graus de má formação e destruição dos rudimentos cerebrais. Em suma, anencefalia significa ‘sem encéfalo’, sendo encéfalo o conjunto de órgãos do sistema nervoso central, contidos na caixa craniana” (FEITOSA, 2006, p. 18).
Na totalidade dos casos, o diagnóstico da anencefalia é obtido por meio da ultrassonografia, sem margem de erro. As causas da anencefalia ainda são pouco conhecidas, há entendimentos que demonstram o fenômeno como fator genético e também em casos de deficiência de ácido fólico durante a gestação da mãe, visto que hoje em dia, a Organização Mundial da Saúde indica a suplementação de ácido fólico em 0,4 miligrama por dia três meses antes da mulher engravidar e nos três primeiros meses de gestação para a prevenção de defeitos do tubo neural.
Em função da má formação craniana, esses fetos assumem posições anômalas durante o parto, podendo dificultar o processo.
“Uma gestação de feto com anencefalia acarreta riscos de morte à mulher grávida. Sem dúvida, e sobre isso há alguns dados levantados que são muito interessantes. Em primeiro lugar, há pelo menos 50% de possibilidade de polidrâmnio, ou seja, excesso de líquido amniótico que causa maior distensão do útero, possibilidade de atonia no pós-parto, hemorragia e, no esvaziamento do excesso de líquido, a possibilidade de descolamento prematuro da placenta, que é um acidente obstétrico de relativa gravidade. Além disso, os fetos anencéfalos, por não terem o pólo cefálico, podem indicar a expulsão antes da dilatação completa do colo do útero e ter o que nós chamamos de distócia do ombro, porque nesses fetos, com freqüência, o ombro é grande ou maior que a média e pode haver um acidente obstetrício na expulsão no parto do ombro, o que pode acarretar dificuldades muito grande no ponto de vista obstétrico. Assim sendo, há inúmeras complicações em uma gestação cujo resultado é um feto sem nenhuma perspectiva de sobrevida. A distorcia do ombro acontece em 5% dos casos, o excesso de líquido em 50% dos casos e a átona do útero em 10% a 15% dos casos” (DINIZ, 2004, p. 27).
Não há tratamento ou meios disponíveis para reverter os casos de anencefalia, sendo certo o fato do bebê vir a falecer em poucas horas, ou no máximo em poucos dias, ou ainda raramente em alguns meses, até mesmo a Organização Mundial de Saúde não recomenda ressuscitar a criança em casos de parada cardiorrespiratória, apesar dessa condutar não ser apreciada em grande parte dos casos aqui no Brasil.
3. ABORTO NO BRASIL
O aborto é considerado crime contra a vida e está prevista pelo Código Penal Brasileiro nos artigos 124 à 128, com a pena de um a quatro anos de detenção em casos de aborto com o consentimento da mulher, e de três à dez anos para quem o fizer sem consentimento. Nos casos em que a gravidez é resultante de estupro e quando não houver outro meio de salvar a vida da gestante devido à uma gravidez de risco, o aborto não será qualificado como crime.
Ainda há grande divergência da população no que diz respeito ao aborto ser considerado crime em alguns outros casos, fato este que implica um grande número de práticas de aborto em clínicas clandestinas, o que gera um alto número de fatores de risco à saúde e à vida das mulheres, devido à falta de condições dessas clínicas para a realização do procedimento abortivo.
A medicina entende que a vida começaria a partir da fecundação, com a introdução do espermatozoide no óvulo feminino. Já para o Direito Penal, inicia-se aos quatorze dias após a fecundação. Para Heleno Cláudio Fragoso, ele entende sobre o aborto a seguinte indagação: “(…), a interrupção do processo fisiológico da gravidez desde a implantação do ovo no útero materno até o início do parto” (FRAGOSO, 1981).
A configuração do crime de aborto se dá no instante em que se ataca o bem jurídico, que é a vida intra-uterina. A possibilidade de praticar o crime de aborto encerra com o início do parto.
Foi julgado recentemente pelo STF, por maioria de votos, procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF nº 54, em que exclui a tipificação de conduta criminosa para a realização do aborto em casos de gestação de feto anencéfalo. Ou seja, afastou a interpretação, segunda a qual, a interrupção deste tipo de gravidez é conduta tipificada no Código Penal, no artigos 124, 126, 128 incisos I e II, onde criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de risco à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo. Foi abordado pelos ministros questões como o momento em que a vida se tem início, definição essa, inexistente na Constituição Federal e no Código Penal Brasileiro. No segundo dia de julgamento Ayres Britto indagou: “à luz da Constituição não há definição do início de vida, nem à luz do Código Penal. É meio estranho criminalizar o aborto sem a definição de quando começa essa vida humana”.
Para a maioria do plenário do STF, obrigar a mulher manter a gravidez diante do diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde física e psicológica. Aliado ao sofrimento da gestante, o principal argumento para permitir a interrupção da gestação nesses casos foi a impossibilidade de sobrevida do feto fora do útero. Os ministros se preocuparam em ressaltar que o entendimento não autoriza “práticas abortivas”, nem obriga a interrupção da gravidez de anencéfalo. Apenas dá à mulher a possibilidade de escolher ou não o aborto em casos de anencefalia. Tal decisão ainda gera muita polêmica no Brasil, condenada por grande parte da população, existindo quem queira a proibição do aborto em todos os casos.
O aborto é um assunto amplamente discutido no Brasil por estar ligado a valores sociais, religiosos, econômicos e jurídicos, não se esgotando mesmo com decisões tão embasadas do STF. A PEC 29/2015, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), estava com a sua tramitação parada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, mas em abril de 2017 o seu relator foi designado, podendo seguir para votação no plenário. Essa Proposta de Emenda Constitucional gera polêmica por propor mudança no artigo 5° da Constituição Federal, para que o direito à vida seja garantido desde a concepção, utilizando-se de argumentos científicos falsos para fundamentar onde a própria ciência mostra formas diferentes de identificar o início da vida humana. Ou seja, abre indício para interpretações de proibição do aborto mesmo em caso de risco à vida da gestante, gravidez gerada por estupro ou fetos com anencefalia, hoje considerados legais.
4. ABORTO DE FETO ANENCÉFALO À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Toda pessoa humana tem garantido o direito à uma vida digna, devendo ser garantido pelo Estado a sua segurança, saúde e bem estar social.
A anencefalia é um fenômeno que não existe cura, nem tratamento possível, sendo certo na totalidade dos casos, o óbito do bebê. Tendo em vista toda a complexidade de uma gestação, em que a mulher deve ter uma série de cuidados, em que a falta destes podem provocar um grande risco à sua saúde e até mesmo à vida, seria inviável a mulher passar por todas essas atribulações, sabendo que sua gravidez é de risco, para no final de todos esses meses ter o seu filho vindo à falecer no máximo em poucos dias.
A realização do aborto nesses casos deve ser permitida, a população deve deixar os dogmas de lado e observar a complexidade do caso concreto. Uma gestação envolve muitos procedimentos, afetando a mulher na questão física e também na psicológica. É inviável a mulher ter que passar por todos os meses de uma gravidez de risco, onde no final seu filho não sobreviverá, apenas pela tipificação de uma conduta de aborto como crime.
O aborto continuará sendo criminalizado pelo Código Penal brasileiro, mas é preciso considerar o caso concreto e suas exceções, sendo levado em consideração a Dignidade da Pessoa Humana assegurada pela Constituição Federal. Quando há um conflito de normas, no caso em questão o direito à vida, se faz necessário a utilização dos princípios estabelecidos pelo direito e sua interpretação ao caso concreto. Nenhum direito deve ser blindado a sua discussão, tendo em vista que a sociedade vive em constante movimento e o direito precisa adaptar-se.
A intervenção cirúrgica para abortar fetos anencefálicos só iria antecipar um resultado que seria certo de acontecer no final, poupando a mulher de sofrer os abalos físicos de psicológicos de uma gravidez como esta.
A proibição do aborto nesses casos, e até mesmo a condenação moral por parte da população é uma injustiça contra a mulher, que deve ter sua dignidade e segurança preservada. Obrigar a mulher à manter uma gravidez portando um feto anencéfalo fere o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio matriz este que deveria ser o preceito supremo que rege todos os outros princípios constitucionais.
Considerações finais
Ao concluir esse trabalho, fazer os apanhados bibliográficos, trouxe a reflexão de quem deve o Estado tutelar levando em consideração o princípio matriz, a dignidade da pessoa humana, este inerente a qualquer ser humano, tendo como alicerce a autonomia para uma vida digna, contemplando a saúde, bem estar, educação e felicidade.
Conforme demonstrado nesse trabalho, é certo o fato do bebê vir a falecer, portanto não há vida a ser tutela pelo Estado e a interrupção da gravidez não pode ser considerada como pratica abortiva, tratando-se então de conduta atípica, ou seja, não há tipicidade de conduta no Código Penal para esse caso.
Manter a gravidez de um feto anencéfalo traz riscos à saúde da gestante e o Estado deve garantir à mulher a proteção ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Acadêmica de Direito na Faculdade Paraíso do Ceará
Acadêmico de Direito na Faculdade Paraíso do Ceará
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