Resumo. O presente trabalho tem por objeto o estudo acurado dos institutos da prescrição e decadência. Pretende-se revisitar os conceitos à luz da atual legislação civilista em vigor, cotejando com a prática processual. Muito se evoluiu teoricamente desde os últimos estudos do tema, sobressaindo-se nesse interregno a discussão acerca da possível aplicação da nova teoria da classificação das ações cíveis de conhecimento. O escopo que se almeja é estabelecer um campo harmônico de atuação entre a teoria e a práxis cíveis, otimizando a operabilidade do sistema.
Palavras-chave: Prescrição. Decadência. Ações.
Abstract. This work aims the accurate study of institutes of prescription and decay. It is intended to revisit the concepts in the light of current tort law in force, indexing the procedural practice. Much has evolved theoretically from the latest studies of the subject, standing up in this interregnum a discussion of the possible application of the new theory of the classification of civil lawsuits knowledge. The scope which aims is to establish a harmonic field of expertise between theory and praxis civil, optimizing the system's operability.
Keywords: Prescription. Decay. Actions
Sumário. Introdução. 1. Origens no direito romano. 2. Tradicional distinção entre prescrição e decadência. 3. A classificação chiovendiana dos direitos subjetivos. 4. Exercício dos direitos subjetivos: classificação trinaria e quinaria. 5 O princípio da actio nata e a identificação da prescrição. 6. As denominadas ações imprescritíveis. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O tema da prescrição e decadência permeia o cotidiano da vida do operador jurídico, que trabalha sob e sobre prazos.
O Direito, dada sua função ordenadora, não poderia falhar na tarefa de vedar a perpetuação de situações jurídicas indeterminadas, daí o tratamento milenar da extinção de direitos.
A doutrina pátria atual pouco tem se debruçado sobre o tema, ainda mais depois de certa instabilidade doutrinária pela possível acolhida de uma novel classificação das ações cíveis.
Não bastasse, sobreveio relevante e fundamental reforma no processo de execução, sem que se tenha voltado os olhos para a operabilidade entre o Direito Civil e o Processual Civil.
Com efeito, não se pretende exaurir as vias de discussão da temática, mas alçar os olhares para conceitos e definições que influem diretamente na proteção dos direitos.
Buscar-se-á o exame dos tradicionais conceitos de prescrição e decadência e, após, calcar uma sólida base, serão relacionadas com ambas as teorias de classificações das ações, com vistas a possibilitar um debate contemporâneo.
1 Origens no direito romano
Etimologicamente a palavra prescrição procede do latim praescriptio, derivado do verbo praescribere, formado a partir da união dos prefixos prae e scribere, com a significação de escrever antes ou no começo (LEAL, 1978, p. 3) [1].
O instituto remonta ao processo ordinário – ordinaria judicia, em que ao pretor incumbia a nomeação do árbitro, que pré-determinava a orientação do julgamento do litígio por meio da fórmula (LEAL, 1978, p.3) [2]. É o denominado período da arbitragem obrigatória, que antecedeu a configuração do monopólio jurisdicional, quando o Estado já demonstrava certo fortalecimento e maior intervenção na solução das controvérsias,
“Como se vê, já nesse período o Estado tinha alguma participação, pequena embora, na solução dos litígios; o sistema perdurou ainda durante todo o período clássico do direito romano (período formulário, século II aC a século II dC), sendo que, correspondentemente ao fortalecimento do Estado, aumentou a participação através da conquista do poder de nomear o arbitro (o qual era de inicio nomeado pelas partes e apenas investido pelo magistrado). Vedada que era a autotutela, o sistema então implantado consistia numa arbitragem obrigatória, que substitui a anterior arbitragem facultativa” (GRINOVER, CINTRA, DINAMARCO, 2006, p.28) [3].
As partes compareciam perante o pretor, a quem submetiam a controvérsia e ficavam vinculados ao que por ele fosse traçado para, em momento posterior, ser submetido ao magistrado para cumprimento e execução. Para tanto, escrevia uma fórmula (receita) da resolução do conflito, que fazia lei entre as partes por força da litiscontestatio.
É nessa função que se identifica o significado de prescrição, senão vejamos:
“Ao estatuir a fórmula, se a ação era temporária, ele a fazia preceder de uma parte introdutória, em que determinava ao árbitro a absolvição do réu, se estivesse extinto o prazo de duração da ação. E a essa parte preliminar da fórmula, por anteceder a esta, e dava a denominação de praescriptio” (LEAL, 1978, p.4) [4].
O surgimento dessa função pretoriana é indiscutivelmente romano onde, aliás, verificou-se ao longo da história evolutiva do processo a criação e desenvolvimento de seus maiores institutos.
O poder de instituir as fórmulas contou com autorização do legislador, uma vez que
“A Lei Aebutia do ano 520 de Roma investiu o pretor do poder de criar ações não previstas no direito honorário quando, então, inicia-se o uso de fixar um prazo para sua duração, originando as chamadas ações temporárias em contraposição às perpétuas” (LEAL, 1978, p.4) [5].
Ainda no direito romano cindiu-se o instituto da prescrição extintiva da prescrição aquisitiva, a que se preferiu denominar-se usucapião.
De acordo com Câmara Leal[6] (1978, p.4), “desde a lei das XII tabuas, no direito honorário, adquiria o cidadão romano a propriedade pelo uso da coisa durante dois anos, quando imobiliária e, durante um ano, em relação às demais – usus auctoritas fundi biennium, caeterarum rerum annus”.
Inegavelmente o objeto de ambos os institutos é diverso: com a prescrição verifica-se a extinção de um direito, por outro lado, através da usucapião se adquire a propriedade real.
Os pontos de divergência são ressaltados pela doutrina:
“É assim que a prescrição extintiva ou liberatória tem por objeto as ações, estendendo-se, por isso, a sua aplicação a todos os departamentos do direito civil e comercial; tem, como condições elementares, a inércia e o tempo; e é seu efeito extinguir as ações. Ao passo que a prescrição aquisitiva, ou usucapião, tem por objeto a propriedade, circunscrevendo-se ao direito das coisas, na esfera restritamente civil, sem projeção ao comercial” (LEAL, 1978, p.5) [7].
Pelo atual Código Civil, verifica-se a clara distinção feita pelo legislador brasileiro entre a prescrição e usucapião, tratando no art.189 da prescrição extintiva e a partir do art.1.238 discorre da aquisição da propriedade pela usucapião, o que faz no capítulo dos Direitos das Coisas, do que se infere a adoção da corrente dualista romana, como outrora já o havia sido por Clóvis Beviláqua na formulação de sua monumental obra de 1916:
“Nosso Código Civil, baseando-se na corrente dualista, reservou a denominação prescrição, sem qualquer qualificativo, para a extintiva das ações, adotando, para a aquisitiva da propriedade, sua primitiva denominação – usucapião, e, inspirando-se na orientação alemã, separou-as, como institutos autônomos, localizando a prescrição extintiva na parte geral, e a aquisitiva na parte especial, como figura jurídica pertinente ao direito das coisas” (LEAL, 1978, p. 7) [8].
Desta feita, o objeto do presente estudo cinger-se-á ao estudo verticalizado dos institutos da prescrição (leia-se: extintiva) e da decadência, sob o cotejo da legislação em vigor.
2 Tradicional distinção entre prescrição e decadência
Aprende-se nos cursos jurídicos, e vê-se na práxis forense a tradicional fórmula: a prescrição extingue a ação e a decadência o próprio direito.
De acordo com a tradicional doutrina, distinguem-se quanto ao objeto, uma vez que a prescrição teria por objeto a ação e a decadência o direito; e quanto aos efeitos, pois a prescrição não extingue direta e imediatamente o direito, mas a ação que o protege, enquanto que a decadência extingue direta e imediatamente o direito e não, necessariamente a ação (LEAL, 1978, P.398) [9].
A esta tradicional posição doutrinária, opôs-se Agnelo Amorim Filho, apontando para as seguintes falhas:
“Com efeito, adotando-se o referido critério, é fácil verificar, praticamente, na maioria dos casos, se determinado prazo extintivo é prescricional ou decadencial, mas o autor não fixou, em bases científicas, uma norma para identificar aquelas situações em que o direito nasce, ou não, concomitantemente com a ação, pois é este o seu ponto de partida para a distinção entre os dois institutos. Em segundo lugar, o critério em exame não fornece elementos para se identificar, direta ou mesmo indiretamente (isto é, por exclusão), as denominadas ações imprescritíveis” (1960, p.10) [10].
A conceituação carece de fundamento e explicação científicos: Toda e qualquer ação de conhecimento é extinta pela prescrição? Por outro lado, qual direito que é extinto pela decadência? Como identificar em cada situação a aplicação de um ou outro instituto?
Roberto Ruggiero leciona acerca da decadência:
“O seu conceito e, mesmo, os caracteres diferenciais da prescrição, dão dados pelo seguinte: que para determinadas relações jurídicas a lei ou a vontade do individuo estabelece previamente um termo fixo dentro do qual se pode promover uma ação, de modo que terminado esse termo já não pode ter lugar, seja por que modo for, prescindindo-se para tal de qualquer consideração de negligencia do titular ou da impossibilidade na qual se encontre e olhando-se exclusivamente ao fato do decurso do termo” (RUGGIERO, 1999, p. 430) [11].
O dado trazido por Ruggiero é fundamental para a compreensão do instituto em testilha: a decadência atinge aquelas ações cujo exercício do direito independe da colaboração de outra vontade. São exercitáveis e produzem alteração na realidade jurídica sem a conjugação da vontade do sujeito passivo.
Com relação a prescrição, Câmara Leal destaca os seguintes elementos de identificação, senão vejamos:
“I – existência de uma ação exercitável;
II – inércia do titular da ação pelo seu não exercício;
III – continuidade dessa inércia durante certo lapso de tempo;
IV – ausência de algum fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional” (LEAL, 1978, p. 11) [12].
Tais elementos auxiliam no momento de exame da prescrição, mas não soluciona alguns óbices na sua identificação, pois, através deles, não é possível definir-se qual ação que é atingida pela prescrição ou quais os direitos envolvidos e, ainda, quando se inicia esse prazo que será consumido pela inércia do seu titular.
3 A CLASSIFICAÇÃO CHIOVENDIANA DOS DIREITOS SUBJETIVOS
O direito enquanto concebido como ciência a serviço da regulamentação da vida interssubjetiva, no campo técnico e acadêmico cinge-se a dois grandes planos que possibilitam o estudo: direito objetivo (norma agendi) e direito subjetivo (facultas agendi).
Pelo direito objetivo estuda-se o ordenamento jurídico enquanto emaranhado de normas que possibilitam e tem por função a tutela de direitos.Quando se coloca esse plano jurídico na esfera de seu titular, possibilitando seu exercício ou defesa, falamos em direito subjetivo.
A classificação se reporta a monumental obra de Chiovenda:
“I – direitos tendentes a um bem da vida a conseguir-se, antes de tudo, mediante a prestação positiva ou negativa de outros (direitos a uma prestação);
II – direitos tendentes à modificação do estado jurídica existente (direitos potestativos)” (CHIOVENDA, 2000, p. 26) [13].
Os direitos a uma prestação são aqueles cujo exercício implica na cominação do sujeito passivo na prática de uma atividade. Significa dizer, “a categoria de direitos a uma prestação diz respeito na consideração das pessoas a que se endereça o mandamento legal de fazer ou não fazer alguma coisa, obedecer a uma ordem legal” (CHIOVENDA, 2000, p. 26) [14].
Dentro dessa categoria, incluem-se os chamados direitos reais que, apesar de se traduzirem tão-só na relação entre o titular e a coisa, quando de sua violação, exsurge a pretensão de seu respeito por outras pessoas (CHIOVENDA, 2000, p.28) [15].
Do latim potestas, o direito potestativo traduz-se no poder conferido ao seu titular, que possibilita o exercício independentemente da participação da vontade do sujeito passivo que verá sua esfera jurídica modificada. Nesse sentido a lição angariada por Chiovenda[16]:
“Em muitos casos, a lei concede a alguém o poder de influir, com sua manifestação de vontade, sobre a condição jurídica de outro, sem o concurso da vontade deste:
a) ou fazendo cessar um direito ou um estado jurídico existente;
b) ou produzindo um novo direito, ou estado ou efeito jurídico” (CHIOVENDA, 2000, p.30).
Infere-se a dissonância entre os direitos a prestação e os direitos potestativos: a conjugação da vontade do sujeito passivo. Se naquelas o sujeito ativo está a mercê da atuação do passivo, nestes é o sujeito ativo que define o momento de seu exercício independente.
4 Exercício dos direitos subjetivos: classificação TRINÁRIA E QUINÁRIA das ações
Concebida como o direito fundamental público, subjetivo e abstrato, de provocar a atuação do aparelho jurisdicional para defesa de direitos, com o fim de possibilitar o mais adequado estudo do instituto e seu tratamento acadêmico, de há muito tempo discute-se a classificação da ação sob os mais variados aspectos, seja a partir do direito que defende, seja de acordo com a natureza do pronunciamento judicial que se almeja.
Chiovenda tece a seguinte correspondência[17]:
“Se a vontade da lei impõe ao réu uma prestação passível execução, a sentença que acolhe o pedido é de condenação e tem duas funções concomitantes, de declarar o direito e de preparar a execução; se a sentença realiza um dos direitos potestativos que, para ser atuados, requerem o concurso do juiz, é constitutiva; se, enfim,se adscreve a declarar pura e simplesmente a vontade da lei, é de mera declaração. Temos, portanto, correspondentemente, estes três primeiros grupos de ações:
a) Ações de condenação;
b) Ações constitutivas;
c) Ações declaratórias” (CHIOVENDA, 2000, p.35).
Lança-se mão da ação condenatória quando se pretende obter do réu uma prestação (positiva ou negativa).
Já a ação constitutiva (positiva ou negativa) cabe quando se procura obter, não uma prestação do réu, mas a criação de um estado jurídico, ou a modificação, ou a extinção de um estado jurídico anterior.
Quanto à ação declaratória, o seu objeto é a obtenção de certeza jurídica, nada mais. Não pretende o autor com ela o exercício de direito algum.
Essa a classificação tradicional, concebida sob o ponto de vista do conteúdo da ação.
O critério utilizado para estabelecer essa classificação da Teoria Trinária parte da relação com a norma individualizada de Direito, nada tendo a ver com os efeitos produzidos pela (eficácia da) sentença, aptos a gerar a coisa julgada formal e material.
Nesse sentido o escólio de Fredie Didier[18]:
“Não se confundem o conteúdo e os efeitos de uma sentença. […] O conteúdo compreende a norma jurídica individualizada estabelecida pelo magistrado, seja para certificar o direito a uma prestação (fazer, não fazer ou dar coisa), seja para reconhecer um Direito potestativo, seja ainda para tão-somente declarar algo. Efeito é a repercussão que a determinação dessa norma jurídica individualizada pode gerar e que vincula, de regra, as partes do processo. […] Uma importante conseqüência da distinção entre o conteúdo e os efeitos da sentença,aqui tomada em sentido amplo, é o fato de que a coisa julgada material atinge a norma jurídica individualizada estabelecida pelo magistrado (isto é, o conteúdo da sentença) e não os seus efeitos” (DIDIER, 2009, p.354).
Não são os efeitos da sentença (alteração no mundo fático) que serão acobertados pela coisa julgada, mesmo porque o grau de eficácia da norma individual proferida depende não apenas da intervenção jurisdicional. Com efeito, é o conteúdo (o bem da vida) que é acobertado pelo manto da inalterabilidade.
Contudo, essa classificação não é unânime.
Em 1970, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda instrumentalizou a difusão da Teoria Quinária das ações, sob o enfoque dos efeitos que produzem.
Ao lado das estudadas ações declaratória, constitutiva e condenatória, Pontes de Miranda acrescenta as mandamentais e executivas lato sensu.
Não afastando o brilhantismo do grande doutrinador alagoano, certo é que a ação mandamental já havia sido estudada pelo alemão George Kuttner. De acordo com a doutrina alemã, são mandamentais,
“As sentenças em que o juiz, sem proferir decisão com força de coisa julgada sobre a própria relação jurídica básica de direito privado, dirige imediatamente a outro órgão estatal, a uma autoridade pública ou a um funcionário público, a ordem determinada de praticar ou omitir um ato oficial, mais precisamente designado na sentença e contido no âmbito das atribuições desse órgão, e isso mediante requerimento especial e novo da parte vencedora” (MOREIRA, 2000, p.253) [19].
Antes da Nova Reforma levada a efeito por meio da Lei nº. 11.232 de 2005, ação executiva lato sensu era a denominação difundida para aquela espécie cuja sentença possibilitava a execução sine intervalo, tal como no processo monitório. Nesses modelos de processo, uma vez proferida a sentença condenatória, o titular da norma individual poderia desde logo desencadear a promoção de atos executivos.
Por outro lado, até então, as demais sentenças condenatórias exigiam o ajuizamento de um novo processo, para promover a execução do julgado.
Sob o mesmo pálio, as ações mandamentais distinguiam-se das tradicionais condenatórias, porquanto possibilitavam a execução imediata da ordem contida na sentença, isto é, sine intervalo. É o que ocorre com a sentença proferida na ação constitucional civil de Mandado de Segurança.
De acordo com a doutrina de Pontes de Miranda, na ação mandamental, “o juiz expede o mandado, porque o autor tem pretensão ao mandamento e, exercendo a pretensão à tutela jurídica, propôs a ação mandamental; já a ação executiva “é aquela pela qual se passa para a esfera jurídica de alguém o que nela devia estar, e não está” (MIRANDA, 1999, p.131) [20]·.
Contudo, como dito, esse era o cenário antes da Reforma Processual.
Após a fusão entre as técnicas de conhecimento e de execução, em que a todas as sentenças proferidas no Processo de Conhecimento possibilita-se a execução no mesmo processo, em uma fase denominada Cumprimento de Sentença, parece perder razão de ser a nomenclatura alçada pela Teoria Quinária, sob o prisma da eficácia executiva das sentenças.
Com efeito, todas as sentenças de conhecimento, agora, ostentam o selo de titulo executivo judiciais, passíveis de execução de imediato.
Assevera Fredie Didier [21]:
“Com a edição da Lei nº 11.232/2005, essa discussão perdeu um pouco a sua razão de ser. […] Perdeu o sentido, pois, distinguir as sentenças condenatórias das mandamentais e das executivas. O critério distintivo era exatamente a necessidade ou não de um novo processo para a efetivação da decisão judicial: a sentença condenatória deveria ser executada ex-intervalo, em outro processo, a sentença mandamental/executiva poderia ser executada sine intervalo, ou seja, no mesmo processo em que foi proferida. O conceito de sentença condenatória é jurídico-positivo, e não lógico-jurídico: depende, pois, do exame do Direito positivo. Se antes a execução ex intervalo era a regra, agora a regra é a execução sine intervalo. Muda-se a técnica de execução, mas permanece sempre a mesma realidade: somente sentenças de prestação dão ensejo à atividade executiva. Como não há mais distinção da técnica executiva, todas podem, sem problema, ser chamadas de condenatórias” (DIDIER, 2009, 357).
Some-se, que aparentemente, a doutrina pátria confunde o critério que utiliza para aplicação da Teoria Quíntupla, ora enquadrando como seu conteúdo, ora referindo-se aos seus efeitos.
Vejamos a seguinte passagem de Luiz Guilherme Marinoni:
“A diferença teórica entre a execução direta e indireta, já frisada pela doutrina italiana clássica, não pode ser ignorada quando as sentenças são classificadas a partir dos meios executivos. A forma de atuação de tais sentenças é completamente distinta. A execução indireta, segundo o seu próprio nome indica, é incapaz de, diretamente, permitir a tutela do Direito. Ela atua sobre a vontade do demandado para constrangê-lo a adimplir a sentença, de modo que a tutela do Direito, em última análise, dependerá da vontade do réu. Por sua vez, a execução direta, também conforme faz sentir a nomenclatura, viabiliza a tutela do Direito diretamente, sem se importar com a vontade do demandado. Ao lado disso, em termos de valores, é substancialmente diversa a atuação judicial mediante execução direta e a que se dá por meio de execução indireta. Ainda que ambas sejam resultado da quebra de garantia de liberdade que se pensava outorgar, por intermédio do Princípio da Tipicidade, é certo que a atuação estatal sobre a vontade do cidadão tem sensível diferença em relação à atividade do Estado, que prescinde de tal forma de intervenção.Tanto é verdade que a grande preocupação do Direito Liberal Clássico sempre esteve ligada à incoercibilidade da vontade. […] Mas a tradição terminológica, importante para a boa circulação e compreensão dos conceitos, fez com que mantivéssemos as expressões condenatória, mandamental e executiva, já que com isso não perdemos os conteúdos e os significados que estão por detrás de cada um desses signos, conforme antes explicitado.” (MARINONI, 2007, p. 420) [22]
Marinoni parte da distinção entre execução direta e indireta, que constituem técnicas de execução da tutela condenatória das obrigações de fazer e não-fazer dizendo, ao final, ser fundamental a manutenção da nomenclatura, para não se perder os conteúdos e significados cunhados pela Teoria Quinária.
As técnicas de coerção e coação (execução direta e indireta) são apenas métodos de se fazer vale a vontade estabelecida na norma jurídica individual da sentença proferida.
São aplicadas a todas as ações em que se busca compelir que o réu faça ou deixe de fazer algo, bem como nas mandamentais, cuja eficácia busca o cumprimento de uma ordem.
A utilização de uma ou outra técnica de execução não desnatura a natureza e conteúdo da sentença proferida, que será condenatória. A forma como será executada (sine intervalo) é que determina o tratamento unitário na espécie de ações condenatórias.
Pretender-se manter a nomenclatura cunhada por Kuttner e Pontes de Miranda para afastar o risco de retrocesso doutrinário, ao revés, causa difusão e confusão dentro do processo evolutivo da ciência processual, não se estabelecendo um conceito unânime a partir do qual se possa aprimorar no plano da técnica executiva.
5 O PRINCÍPIO DA ACTIO NATA E A IDENTIFICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO
De acordo com o art.189 do Código Civil pátrio, “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem o art.205 e 206”.
Conforme noticia José Carlos Barbosa Moreira[23], a fonte inspiradora do legislador foi, seguramente, o § 194, I do Código Civil Alemão (BGB), que dispõe: “O direito de exigir de outrem um fazer ou um não fazer (pretensão) se sujeita à prescrição”.
Naquele dispositivo encontra-se a consagração do princípio da actio nata, ou seja, o marco inicial do prazo prescricional, quando o direito é violado e pode seu titular exigir a prestação correlata. Em outras palavras, a pretensão de ver o sujeito passivo condenado nasce no momento em que há violação a direito, iniciando, então, o decurso do lapso prescricional.
Com efeito,
“Para que nasça a pretensão, segundo o art.189, é mister não apenas que o direito exista, senão também que tenha sido violado. Quando se tem por um direito violado? A resposta é: quando o sujeito passivo da relação jurídica deixa de fazer o que devia ou faz o que não devida, dando-se por ai ao verbo fazer, obviamente, a mais larga acepção possível” (MOREIRA, 2003, p. 122) [24].
Indaga-se: qual o direito que permite ao seu titular pleitear que o sujeito passivo faça ou deixe de fazer?
A resposta desenganadamente é a classe de direitos a uma prestação.
Os únicos direitos que admitem violação e necessitam do implemento de vontade do sujeito violador para que sejam tutelados são os direitos que permitem compelir a que se faça ou deixe de fazer.
Logo, a prescrição é instituto adstrito dos direitos a uma prestação que, uma vez violados, disparam o relógio do prazo legal para que seu titular exerça a ação que lhe caiba, impondo o comportamento do sujeito passivo.
Diversa não é a conclusão de Barbosa Moreira, quando leciona:
“A alusão à violação traz a mente uma divisão clássica dos direitos subjetivos: aquela que separa, de um lado, os direitos a uma prestação (positiva ou negativa) e, de outro, os direitos a uma modificação jurídica, habitualmente denominados postestativos. Nestes o sujeito passivo não esta obrigado a prestar: submete-se, pura e simplesmente, à modificação produzida por ato do sujeito ativo, diretamente (exemplos: a escolha do devedor,na obrigação alternativa; a revogação do mandato) ou por intermédio judicial (exemplos: a anulação do casamento, o divórcio). Ora, não havendo obrigação de prestar, a violação é impensável. Logo, nessa esfera, não há cogitar de pretensão” (MOREIRA, 2003, p.123) [25].
De tal sorte, em se tratando de direitos potestativos, em que não se exige a colaboração do sujeito passivo para o seu exercício não há que se falar no surgimento de pretensão, pois ao seu titular é conferida a faculdade de exercitá-lo desde logo.
6 As denominadas ações imprescritíveis
Se as ações declaratórias “não tiram, não proíbem, não permitem, não extinguem e nem modificam nada[26]”, encontram-se ligadas ao instituto da prescrição ou da decadência? Ou a nenhum deles?
A ação declaratória tem por objeto a obtenção de certeza jurídica, o que é inconciliável com os objetos da prescrição e da decadência.
Ademais, nenhuma insegurança o seu exercício traz, pois com ela não se pretende uma prestação do sujeito passivo, tampouco influenciar em relação jurídica alheia.
Por tais razões, “a conclusão que se impõe é a seguinte: as ações declaratórias devem ser classificadas como ações imprescritíveis. E é esta, realmente a classificação dada pela maioria dos doutrinadores[27]”.
De acordo com Agnelo Amorim[28], porém, a conclusão da inaplicabilidade dos prazos prescricionais e decadenciais está correta, mas a nomenclatura equivocada,
“Torna-se mister examinar um assunto de natureza terminológica, que deve ser analisado antes de qualquer outro, para que o problema que temos em vista fique bem equacionado. É o que diz respeito a manifesta impropriedade da expressão imprescritíveis, pois tal expressão não corresponde, com exatidão, ao sentido em que ela é utilizada comumente. Imprescritível significa que não prescreve ou não sujeito a prescrição. Deste modo, lógica e gramaticalmente, a expressão abrange, não só a) as ações não sujeitas nem a prescrição nem a decadência, como também b) as ações sujeitas a decadência (indiretamente, por força da extinção do direito a elas correspondente), pois estas ultimas também são ações que não prescrevem” (FILHO, 1978, p. 33).
Agnelo prefere chamá-las de ações perpétuas, como designado no direito romano por Savigny.
Em soma, “por aí se verifica facilmente que são perpétuas: a) todas as ações meramente declaratórias; e b) algumas ações constitutivas (aquelas que não tem prazo especial de exercício fixado em lei)” [29]. Dentro das chamadas ações perpétuas, podemos citar, exemplificativamente, as ações declaratórias de inexistência e as constitutivas negativas de nulidade.
CONCLUSÃO
Do que foi exposto, fica claro a imanente relação existente os institutos cíveis da prescrição e decadência com o exercício das ações processuais.
Desde Chiovenda já se havia apercebido a correlação entre a espécie de subjetivo direito material e a via processual jurisdicional escolhida para sua tutela.
Pontes de Miranda deu um passo além.
Contemplou-nos seu monumental Tratado das Ações, inovando com a sistematização da Teoria Quíntupla das Ações Cíveis. Após isso, nos idos dos anos 70, a doutrina pátria não mais voltou ao tema da prescrição e decadência.
Seja para aceitar ou repudiar a nova classificação, até porque uma classificação não é correta ou incorreta, mas apenas útil, é preciso amoldá-la com os conceitos de prescrição e decadência já definidos e calcados pelo atual Código Civil, de forma a possibilitar a operabilidade lógica do sistema jurídico.
Quando da formulação de sua Teoria, Pontes de Miranda deparou-se com um sistema que distinguia formalmente a atividade de conhecimento da executória.
Naquele contexto havia, evidentemente, sentido e razão para se tratar as supostas ações mandamentais e executivas em apartado.
Fato é que a atual conjuntura legislativa e doutrinária absorveu o sincretismo das atividades de conhecimento e execução da tutela jurisdicional obtida com a sentença.
Logo, as técnicas de coerção (mandamental) e coação (executiva) não passam de meios de se buscar a eficácia do comando condenatório sentencial.
Sob tal ângulo, passível de enquadrar as eficácias mandamentais e executivas dentro da ação condenatória, utilizando-se da nomenclatura cunhada por Chiovenda, que classifica as ações a partir de seu conteúdo.
Remanesce, assim, sólida a distinção entre prescrição e decadência, a partir da distinção entre os direitos a uma prestação e os direitos potestativos.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Toledo de Ensino. Advogado Consultivo do Escritório Mandaliti Advogados
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