Resumo: No presente artigo, busca-se identificar o modo como a Prescrição pode tornar efetiva a Segurança Jurídica. Inicialmente esses elementos foram analisados individualmente, ressaltando a sua importância no Ordenamento Jurídico. A segurança se revela garantindo o funcionamento do sistema de confianças que a lei contém. A Prescrição limita os direitos, garantindo que a falta do exercício dentro do lapso temporal correto, extingue a pretensão. Ambos os dimensionamentos vislumbraram cada conceito de forma a evidenciar sua atuação nos diversos ramos do Direito, uma vez que ela possui efeitos que se alastram por todo o Ordenamento Jurídico. Como resultado geral do trabalho, admite-se que a falta de ação gera extinção da pretensão e dessa forma a Prescrição atua reforçando a Segurança Jurídica. Além disso, ela amplia a confiança necessária ao cumprimento das leis vigentes.
Palavras-chave: Prescrição, Segurança Jurídica, Ordenamento Jurídico, Lógica.
Abstract: The purpose of this paper is the identification of the way that the Prescription could help the effectiveness of the Law Security. Initially these juridical elements are object of an individual analysis, considering their importance to the Legal System. Security is na element that grants the functionality of the whole system of confidence that the law predicts. The Prescription offers a limitation to the right, granting that the inertia extinct a pretension. These analysis of these elements permit a general approach to all juridical lineages, considering that they have general effects that affects all Legal System. As a result of this analysis, without an effective quest for the exercise of a pretension it lasts the right associated. In this case, the Prescription enforces the Law Security. Beyond this, it amplifies the confidence that is necessary to the respect to the commandments of the Law.
Keywords: Prescription, Law Security, Legal System, Logic.
Sumário: 1. Introdução; 2. A Segurança Jurídica e a Lógica do Ordenamento Jurídico; 3. Relevância da Prescrição enquanto uma Garantia do Ordenamento Jurídico; 4. Considerações Finais; 5. Referências
1. Introdução
Entender a lógica que rege um Ordenamento Jurídico é essencial para a compreensão dos mecanismos jurídicos nele incluídos. Relevante nesse contexto é o caso da segurança, em qualquer de seus âmbitos e sentidos. No decorrer do presente artigo, busca-se discutir a relevância dos elementos essenciais à efetivação das proteções existentes. Nesse particular, essencial é reconhecer a importância desses elementos para a garantia dos Direitos individuais.
De um lado, discute-se o princípio da Segurança Jurídica. Ela serve de baliza para aquelas garantias que o Estado deseja prover à população. E, nesse sentido, consubstancia valores que possibilitam a estruturação de determinados direitos, que são validados em função estabilização dos atos estatais.
De outro, discute-se a Prescrição. Trata-se de instituto que determina a lógica contida no Sistema Legal, relativamente à efetivação dos direitos. E, em função da sua existência, torna-se possível reconhecer que nem todos os direitos são eternos, como se poderia pensar, especialmente se a pretensão de um Direito não for exercida em tempo hábil para a efetivação do direito por meio dela estabelecido.
Dessa forma, cada elemento é analisado individualmente, porém, resguardam-se suas naturais interações e o modo como eles atuam, auxiliando na manutenção da sociedade, mantendo o status quo.
2. A Segurança Jurídica e a Lógica do Ordenamento Jurídico
O Direito confirma e estabelece alguns critérios que garantem a vida em sociedade. O mais relevante deles é garantir a segurança nas relações interindividuais, e entre os indivíduos e o Estado. Elemento que oferece suporte a esta condição é a Segurança Jurídica. Ela passa a ser analisada enquanto regra estruturante do Ordenamento Jurídico, que atua visando a estruturação de fidelidades e garantias no âmbito das Relações Sociais.
Buscando traçar a linhagem geral desse princípio, realiza-se uma análise de caráter mais conceitual. Pode-se vislumbrar a importância e a mecânica de funcionamento da Segurança Jurídica. Em complemento, pode-se argumentar que ela ascende enquanto princípio norteador dos demais valores que o Estado vai sinalizar, no curso do desenvolvimento de suas atividades, indicando o suprimento das necessidades a serem suportadas pelo Mercado e que surgiram na Sociedade.
Inicialmente, importa reconhecer que o Estado representa uma fonte de Garantias e Determinações para todos. E isso é possível considerando-se que, para Max Weber, o ente estatal representa “[…] uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território.”[1] Refletindo sobre esse tema, afirmam Rossato, Rossato e Rossato, que há três sentidos associados à atuação estatal:
“Comporta: 1º. uma racionalização do direito com a especialização do poder legislativo, judiciário e de política, para proteger a segurança dos indivíduos; 2º. uma administração racional com regulamentos explícitos que lhe permitam intervir em todos os domínios (educação, saúde, economia, cultura); 3º. força física militar permanente.”[2]
Essa é uma forma de observar o papel deste instrumento, que possui forte base na territorialidade. Analisando a questão, Seitenfus observa que
“O princípio da territorialidade levou o espaço físico a transformar-se em espaço jurisdicional sob a autoridade estatal. Encontrava-se o fundamento do Estado moderno pela identificação de sua base territorial. A linha de fronteira – linear, precisa, visível, intangível e inconteste – estabelecia o limite espacial onde seria exercida, com exclusividade a soberania.”[3]
Esse domínio territorial só é possível, se calcado em um mecanismo decisório a contento. E, nesse sentido exsurge o Direito, que desempenha o papel de oferecer um conjunto de normas gerais, capazes de impor subserviência e controle comportamental dos indivíduos. Dentro da base de comportamentos possíveis e que são abrangidos pelo Direito, a Constituição Federal consigna o ápice dessa estrutura jurídica, determinando comportamentos e ditames gerais a serem respeitados de forma a garantir a vida em sociedade.
Embora possa parecer um elemento exclusivamente teórico, o Princípio da Territorialidade representa uma questão tão relevante, que foi incrustado na Constituição, no corpo do seu art. 4º. Citado ipsis litteris, o artigo retrata que:
“Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: […]
IV – não-intervenção;
V – igualdade entre os Estados;
VI – defesa da paz; […]
IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; […]
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”[4]
Esse artigo expressa os valores a serem defendidos dentro e fora do território nacional, para que se garantam as prerrogativas mínimas para a vida em Sociedade. Além destes, há outros princípios que encerram garantias que o Estado deve salvaguardar. Ele se encontra estampados no art. 5º, em seu caput: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança [grifou-se] e à propriedade, […]”[5]
Pode-se perceber pelo citado, que a Segurança é reconhecida como um elemento amplo e geral, a ser garantida indiscriminadamente. E, passa a ser uma condição a ser respeitada nas ações do Estado. Além da segurança física, para que possa garantir a proteção esperada, o ente estatal precisa garantir uma segurança no que se refere às relações jurídicas.
E a essa espécie de segurança se dá o nome de “Segurança Jurídica”. Ela funciona como uma regra informacional de proteção sistêmica que, nas palavras de Couto e Silva, possui sentido duplicado, em função das suas duas naturezas. Nesse sentido, trata-se de
“[…] um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos.”[6]
E, compulsando as regras vigentes, pode-se perceber que esse princípio se encontra consignado teoricamente às previsões constantes no inciso XXXVI do supracitado art. 5º. Nos termos deste, “[…] a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”[7]. Além disso, há uma natureza subjetiva, relativa àquilo que “[…] concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimento e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação”[8]. No presente artigo, porém, o foco da discussão é a sua interação com o Princípio da Confiança.
Senso similar é encontrado por Souza, para o qual, a “Segurança é fato, é o direito como factum visível, concreto, que se vê […]”[9] e, exatamente por isso, atua enquanto regra intrínseca às relações, determinando uma confiança que percorre o Sistema de Normas e Instituições de caráter estatal, que subsiste. E, nesse sentido, se comporta enquanto uma verdadeira proteção ao “direito à confiança” no Sistema de Direitos instituído pela Norma. E, dessa forma, ela visa garantir a relevância e a subsistência de determinados atos e condições impostas ao sistema.
Definindo a questão de modo similar está Leib Soibelman que, sobre o tema da Segurança Jurídica, nas palavras de Martins, ensina que
“[…] como decorrência natural da adoção do Estado de direito, resulta que tanto o Estado, quanto os indivíduos são sujeitos de direitos subjetivos de natureza pública: Estado e indivíduo exigem-se reciprocamente o cumprimento de obrigações e prestações que leis de direito positivo estabelecem a favor de um e de outro.”[10]
Conforme esta percepção, a Segurança Jurídica se origina de uma confiança mútua entre o Estado e o cidadão, que devem conjuntamente atuar, buscando uma estabilidade associada a certo status quo, cuja função precípua é o estabelecimento da reciprocidade essencial à efetivação de certos direitos. Quanto mais robusta for esta, maior a confiança no Estado, bem como, em todo o sistema de normas que este provê. Assim sendo, ela se expressa enquanto uma garantia da efetivação do Contrato Social existente, que coloca lado a lado Estado e Sociedade Civil.
Resta claro, que, respeitadas essas condicionantes, a segurança se apresenta como uma evidenciação da necessidade de ordem social, que é suportada, em última instância, pela atuação do Estado. E, nesse sentido, a proteção individual e coletiva é estabelecida em conformidade com a necessidade de oferecer sustentação à Ordem consubstanciada, especialmente no que se refere à não-interferência[11].
Preocupação similar é expressa por Couto e Silva, para o qual a Segurança Jurídica delimita um status quo que visa à correção da viabilidade das relações interindividuais e dos indivíduos para com o Estado. Essa arquitetura de ações visa evitar “surpresas” em relação àqueles direitos individuais consignados na lei:
“Nessa moldura, não será necessário sublinhar que os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança são elementos conservadores inseridos na ordem jurídica, destinado à manutenção do status quo e a evitar que as pessoas sejam surpreendidas por modificações do direito positivo ou na conduta do Estado, mesmo quando manifestadas em atos ilegais, que possa ferir os interesses dos administrados ou frustrar-lhes as expectativas.”[12]
Relevando-se o teor do excerto citado, deve restar claro que, mesmo havendo alguma margem de discricionariedade, associada às ações do ente estatal, há determinadas prerrogativas que se impõe, quando se trata do desenvolvimento da sociedade. Há certas barreiras de atuação, que se constituem em liberdades as quais o Estado não pode alterar, inerentes aos direitos de todos os cidadãos, que são questões “[…] tidas como tão essenciais que toda a autoridade política (e todo o poder em geral) teria a obrigação de garantir o seu respeito.”[13]
Nesta senda, é mister ter por referência que a Segurança Jurídica, enquanto princípio, “[…]se encontra intensamente relacionado ao Estado Democrático de Direito, podendo ser considerado inerente e essencial ao mesmo, sendo um de seus princípios basilares que lhe dão sustentação.”[14] Considerando-se essa perspectiva, há limites tidos como integrantes dos Direitos Humanos ou mesmo da categoria dos Direitos Fundamentais, que o Estado não pode ferir, para que possa ser reconhecido como efetivamente democrático.
Considerando-se todo esse somatório de questão relevantes,necessário é referir que, consideradas as palavras do douto Paulo Bonavides, a Democracia, enquanto desenho estrutural estatal e enquanto mecanismo de organização do Estado, deve, obrigatoriamente, ser reavaliado, no contexto atual. E, dessa forma, a
“[…] democracia moderna oferece problemas capitais, ligados às contradições internas do elemento político sobre que se apóia (as massas) e à hipótese de um desvirtuamento do poder, por parte dos governantes, pelo fato de possuírem estes o controle da função social e ficarem sujeitos à tentação, daí decorrente, de o utilizarem a favor próprio (caminho da corrupção e da plutocracia) ou no interesse do avassalamento do indivíduo (estrada do totalitarismo).”[15]
Considerando-se esse contexto, impende reconhecer que a manutenção do status quo, ao mesmo tempo em que garante uma série de direitos, pode ser encarada como um problema. E isso ocorre, principalmente, quando a manutenção de determinada ordem impõe óbices à manutenção da Justiça. Acerca dessa questão, revela Martins que a Segurança Jurídica se sobrepõe a diversos outros elementos entendidos como essenciais.
Nesse sentido, comentando a posição assumida por Radbruch. Martins afirma que “Radbruch sustentou em 1932 que a segurança está acima da justiça, mas depois que viu os horrores do nazismo, pregou a volta ao direito natural, reconhecendo que a injustiça é sempre injustiça, ainda que apresentada sob a forma de uma lei.”[16] E isso bem espelha a necessidade de rever alguns dos conceitos tradicionais, que são experimentados em toda a Sociedade Ocidental.
Porém, antes que se torne possível essa avaliação crítica, torna-se necessário o reconhecimento de que o modelo liberal foi prejudicial ao desenvolvimento da Sociedade, dentro da lógica liberal. E, por conta disso, foram geradas desigualdades e desrespeitos aos direitos dos indivíduos, tudo em nome de uma aparente igualdade e de uma suposta liberdade, que acabaram por não se consolidar. E essa falta de consolidação não foi possível, em função da mera constância no texto da lei.
Considerando-se toda situação, a Segurança Jurídica, continua a funcionar como um complemento às disposições legais, que foram incorporadas à legislação. Nesse sentido, “[…] se a lei é garantia de estabilidade das relações jurídicas, a segurança se destina a estas e às pessoas em relação; é um conceito objetivo, a priori, conceito finalístico da lei.”[17] Em vista de tal situação, a lei serve como uma garantia de Segurança Jurídica, sendo tratada como elemento diferenciador, no direcionamento à possibilidade de efetivação da Justiça, inclusa em um corpus protetivo de direitos, que mantém as relações em ordem, dentro do Estado.
Dessa forma, deve-se reconhecer à Segurança Jurídica uma condição que deve ser interpretada enquanto um comando que resulta em uma leitura “equalizadora” das leis, que garante a coesão necessária ao Ordenamento Jurídico. E isso auxilia a contemplar a própria proposta que se associa ao Estado Democrático, uma vez que este “[…] necessita de um direito cujo funcionamento seja previsível de forma semelhante ao de uma máquina”[18]. No entanto, o Direito, enquanto uma operação humana, não deve deixar de contabilizar o fato de que se trata de um mecanismo que atua entre seres humanos e que, por conta disso, não deve dar curso à sua própria e eventual desumanização.
Discutida a questão da Segurança Jurídica, relevando-se o modo como esta deve funcionar, resta claro que ela exsurge enquanto uma espécie de “regra de coesão”. Ela representa a evidenciação de algumas Garantias que são necessárias ao funcionamento do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Nesse sentido, ela se revela enquanto questão que transcende a esfera processual e que traz estabilidade às relações sociais. Ela assegura respeito ao status quo, tornando possível o desenvolvimento da sociedade como um todo.
Feita esta discussão, cabe discutir, a partir deste ponto, o papel e a relevância da Prescrição, no Ordenamento Jurídico. O foco do próximo item do presente artigo é justamente a construção dessa definição.
3. Relevância da Prescrição enquanto uma Garantia do Ordenamento Jurídico
Tendo em vista as definições acerca da Segurança Jurídica, realizadas no item anterior, busca-se, neste item, realizar a definição acerca da Prescrição. De plano, há uma reflexão acerca do papel do tempo nas relações jurídicas. E isso é feito de forma a verificar a importância daquela no Ordenamento Jurídico.
Ao se referir acerca do papel do tempo, especialmente no âmbito jurídico, , destaca Sílvio de Salvo Venosa, que “[…] o exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente. Deve ser exercido pelo titular dentro de determinado prazo. Não ocorrendo isso, perde o titular a prerrogativa de fazer valer seu direito”.[19] E isso já demonstra o seu papel na construção e manutenção da estrutura dos direitos.
Dessa forma, entendem os juristas que o decurso do tempo é uma ocorrência natural para todos os seres vivos. E, nesse sentido, Orlando Gomes, afirma que “[…] dentre os acontecimentos naturais ordinários, o decurso do tempo é dos que maior influência exerce nas relações jurídicas. A lei atribui-lhe efeitos, seja isoladamente, seja em concurso com outros fatores” [20]. E isso já demonstra a necessidade do reconhecimento de sua influência na vida e nas relações jurídicas dos indivíduos.
Marcelo Rodrigues Prata, manifestando-se acerca dessa questão, resumindo as posições de diversos autores, exprime que:
“A esse respeito, professa Caio Mário que: “O tempo domina o homem, na vida biológica, na vida privada, na vida social e nas relações civis. Atua nos seus direitos”. Além disso, o mesmo autor diz que o tempo “…conduz à extinção da pretensão jurídica, que não se exercita por certo período, em razão da inércia do titular…”. Por seu turno, Clóvis Beviláqua, citando Kohler, diz que “o tempo é o meio onde se realizam os acontecimentos humanos; e uma atividade continuada em certa direção ou desviando-se de certa outra, não pode ser indiferente ao direito; a regulamentação das relações opera-se de acordo com as circunstâncias e os acontecimentos de um determinado tempo, vive neles e com eles se tece. Uma separação subitânea do direito ambiente, uma ‘fragmentação da esfera jurídica, não é coisa necessária ao progresso; daí o princípio: o que manteve durante certo tempo pode tornar-se um direito’”. Por seu turno, escreve Silvio Rodrigues que “…existe um interesse da sociedade em atribuir judicidade àquelas situações que se prolongaram no tempo. De fato, dentro do instituto da prescrição, o personagem principal é o tempo”.[21]
Outro autor que preleciona sobre a questão do tempo no Direito é François Ost[22]. Segundo este, a influência do tempo sobre o Direito institui uma lógica distinta daquela que subsiste nas relações sociais. De plano, a influência do Estado já é sentida, quando este incorpora a função de resolver conflitos.
Para tanto, necessário é observar que as relações interindividuais naturais geraram as formas primitivas de solução de conflitos. Essa posição é defendida por Cintra, Grinover, Dinamarco[23]. Tais autores expressam que, inicialmente, ocorrendo um conflito, os próprios indivíduos tratavam de resolvê-lo. Dessa forma, surgiram a Autotutela, a Autocomposição e as demais Formas Primitivas de Resolução de Conflitos.
No entanto, o Procedimento Judicial Estatal inverte essa lógica resolutiva. Por intermédio do aparato judicial, vê-se suprimida a satisfação momentânea e imediata, que seria produzida no âmbito da Vingança Privada. E ela é trocada pela possibilidade de gozo, sempre futuro, de eventual vingança reconhecida como coletivamente aplicada e que auxilia na manutenção da estrutura da Sociedade.
A supressão da vingança ocorre em três momentos temporais distintos. Inicialmente, conforme Ost, ela é reconstruída no passado, uma vez que os fatos são tipificados e são desligados dos fatos que geraram a violação do direito. E é em função, exclusivamente, da narração judicial que se atribuirá eventual pena, no âmbito da prestação jurisdicional.
O segundo nível de supressão, na tese de Ost, é o presente. Dentro de sua percepção, a vingança privada, que geraria o prevalecimento imediato de um indivíduo sobre o outro, é substituída pela batalha judicial. Apenas o transcurso desse embate, que não é resolvido imediatamente, é que pode gerar a satisfação do direito que foi originalmente violado.
O terceiro nível no qual ocorre essa supressão é o futuro. Por intermédio dele, garante-se que, finda a batalha gerada no âmbito do trâmite processual, estará gestava a eventual punição, em caso de condenação. Cumprida esta, não há mais que se falar em vendetta. Além disso, uma vez que a pena seja aplicada, o indivíduo que sofre seus efeitos pode ser perdoado e incluído novamente na lógica liberal.
Trata-se de uma posição que difere daquela de cunho divino, associada à Lex Tallionis. Segundo a lógica mutiladora daquele regramento, o indivíduo, ao ser punido, tinha seus membros extirpados, como uma forma de imposição da pena. A lógica liberal alterou a punição corporal, transformando-a em uma privação de liberdade. E, graças a essa situação, a intervenção estatal, na forma do processo, representa a introdução de uma nova lógica na operacionalização dos conflitos.
Porém, essa não é a única demonstração do papel jurídico do tempo. Ele também é responsável pela ascensão e extinção de um Direito. Observando essa situação, William Coelho Costa reflete sobre a importância do tempo, afirmando que
“[…] o direito é um instrumento de pacificação social, assegura ao titular de certo direito o seu pleno exercício em certo lapso temporal, sob pena de ser constante a instabilidade social em face da possibilidade do titular do direito violado ou ameaçado vier a exercitá-lo quando bem entender”.[24]
Visando impedir eventual arbitrariedade ou abuso de direito, o Estado fixa a Prescrição como uma regra acerca do exercício jurídico. Ela busca garantir a continuidade da Ordem, assegurando correção às Relações Interindividuais. Venosa expõe que, a decorrência de um dado lapso temporal objetiva “[…] colocar uma pedra sobre a relação jurídica cujo direito não foi exercido.”[25], protegendo, assim, o exercício do Direito como um todo.
A Prescrição, mais do que mera criação estatal, é um instituto que possui raízes históricas que o consagram, como referem Monteiro[26], Tourinho e Dantas[27]. E ela surge a partir da noção de praescriptio, do Direito Romano. O termo deriva do verbo “prescrever”, que significa respeitar o que já estava escrito. O conceito jurídico surgiu com a Lex Julia de Adulteriis, datada de 18 a. C. e estava associado à idéia de perdão. Mas, apenas com Justiniano que se atribui à prescrição seu duplo efeito, de extinguir ou criar direitos.
No último caso, se referia à ocupação do espaço, dando-lhe utilidade. Assim,
“Cada pai de família ocupava a parte livre que julgasse conveniente, com a única condição de se conformar às prescrições que regulavam o modo de ocupação. Daí o dar-se a tais terras a qualificação de agri arcifinii ou occupatorii. Essas ocupações que, de resto, não eram permitidas senão aos membros do populus romanus, não conferiam direito de propriedade, mas somente uma posse que o Estado podia revogar a seu arbítrio, mas que entretanto, protegia enquanto durava.”[28]
No que se refere ao primeiro caso, ela atuava sempre que um cidadão romano se via livre de uma obrigação prévia. E essa condição de liberdade surgia após um momento de inércia de um credor que deixasse de tomar as medidas cabíveis para efetivar a continuidade da Obrigação devida originalmente. No caso brasileiro, que possui raízes romano-germânicas, não é muito distinto.
A questão da Prescrição enquanto Instituto Jurídico ocorre no âmbito da Constituição. Ela serve de base para a construção deste. Uma primeira menção à Prescrição no Ordenamento Jurídico Brasileiro ocorre no art. 7º, segundo o qual
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;”[29]
Além dessa menção, tal instituto é referido em outros elementos da legislação pátria. No que se refere à Matéria Cível, a Prescrição é estabelecida no art. 189. “Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”[30] e implica na perda do direito de ver a Prestação Judicial efetivada. Note-se que o direito material violado é mantido, porém, não há mais a garantia legal à proteção da pretensão derivada da violação de direitos.
No que se refere a esse ramo do Direito, há dois tipos de Prescrição: uma Extintiva e outra Aquisitiva. A primeira, mais tradicional, é referida por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Segundo estes, “A existência de prazo para o exercício de direitos e pretensões é uma forma de disciplinar a conduta social, sancionando aqueles titulares que se mantêm inertes.”[31]
Nesse caso, está-se diante de “sansão” imposta ao descaso. No que se refere à cobrança de dívidas, os artigos 205 e 206 do Código Civil, preveem os prazos para exercício dessa pretensão. O caso do primeiro artigo é mais geral, sendo que “Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.”[32] Já no segundo artigo, há diversos prazos[33].
Em se tratando da Prescrição Aquisitiva, ela representa um “ganho” ao agente que der ao bem uma utilidade superior à original. Nesse caso se afigura a usucapião. Para Janaína Alvarenga Silva,
“Entre os doutrinadores pátrios, numa posição majoritária, a usucapião é definida como “um modo de aquisição da propriedade, por via da qual o possuidor se torna proprietário” (GOMES, 1999, p.163), não derivando o direito de o usucapiente se tornar proprietário de nenhuma relação com o antigo dono, como sustenta Monteiro (1997).”[34]
No que se refere à Matéria Processual Penal, esse instituto surge no art. 107, segundo o qual “Art. 107. Extingue-se a punibilidade: […] IV – pela prescrição, decadência ou perempção;”[35] Este instituto difere do seu correlato Civil. No Processo Penal, o Estado perde o direito processar e punir a Violação de Direito, em virtude da ocorrência da Prescrição.
Em matéria Penal, há a Prescrição da Pretensão Punitiva, de um lado.
“Na prescrição da pretensão punitiva, a passagem do tempo sem o seu exercício faz com que o Estado perca o poder-dever de punir no que tange à pretensão (punitiva) de o Poder Judiciário apreciar a lide surgida com a prática da infração penal e aplicar a sanção respectiva. Titular do direito concreto de punir, o Estado o exerce por intermédio da ação penal, que tem por objeto direto a exigência de julgamento da própria pretensão punitiva e por objeto mediato a aplicação da sanção penal. Com o decurso do tempo sem o seu exercício, o Estado vê extinta a punibilidade e, por conseqüência, perde o direito de ver satisfeitos aqueles dois objetos do processo.”[36]
De outro, há a Prescrição da Pretensão Executória. Esta
“[…] ocorre após o transito em julgado da sentença condenatória. O seu prazo é determinado pela pena imposta na sentença condenatória. O reconhecimento da prescrição da pretensão executória impede que o estado execute a pena ou medida de segurança imposta, subsistindo os efeitos da condenação, como custas, reincidência etc. Sendo que a mesma pode ser executada no juízo cível com o intuito de reparar os danos causados pelo ato lesivo”.[37]
Analisando-se a questão ora posta, resta claro que a Prescrição é um importante instrumento jurídico. Ela auxilia na possibilidade de garantir a Segurança Jurídica, estabilizando as Relações Sociais, bem como as Relações Jurídicas. E isso se torna possível, uma vez que ela influencia a criação e a extinção de Direitos para os indivíduos, nos mais diversos ramos do Direito Pátrio. Trata-se de uma garantia da preservação de relações harmoniosas.
Por meio destes dois institutos, o cidadão não ficará indefinidamente temeroso da eventual ação de outrem. Pela inercia, uma vez decorrido o lapso temporal a ele associado, se instaura a Prescrição e, dessa forma, vê-se retirado o direito ao reconhecimento da pretensão.
Dessa forma, atuando em conjunto com a Segurança Jurídica, a Prescrição é essencial ao funcionamento do Sistema de Normas. A primeira viabiliza a proteção que deve tornar o Ordenamento Jurídico coeso e funcional e garantindo a validade do poder do Estado. A segunda impõe a retaliação a um status quo que não é mais útil aos indivíduos e que não protege adequadamente seus direitos.
4. Considerações Finais
Entender a lógica que rege um Ordenamento Jurídico é essencial, tendo em vista que ele é composto por diversas normas. A Segurança Jurídica é um elemento essencial para que se possa entender um pouco da lógica que subsiste em todo o sistema de normas. Ela mantém todas as previsões unificadas, em termos do sentido que a elas é atribuído.
Por seu intermédio se atribui um quantum de previsibilidade e estabilidade às relações sociais e jurídicas, corroborando a existência de determinados comportamentos que são esperados dos atores sociais. E isso é estruturado de modo a permitir a continuidade dos comportamentos que tornam possível a manutenção do equilíbrio na Sociedade.
Outro elemento que garante essa estabilidade de direitos é a Prescrição. Ela imprime uma lógica que, associada à Segurança Jurídica, garante a estabilidade necessária às garantias e aos atos dos indivíduos em suas relações sociais. E, nesse sentido, ela atua enquanto síntese daquelas garantias efetivadas por intermédio da ação do Estado, no que se refere à confiança na Lei.
Prescrição e Segurança Jurídica atuam convalidando o status quo da Sociedade, determinando direitos e seus exercícios, de forma a prevenir o exercício de determinadas pretensões jurídicas estabelecidas. A segunda atua como uma forma de limitar exercício de direitos, em função do decurso do tempo. A primeira se releva enquanto a estabilização dos atos, visando a sua manutenção no tempo. Interagindo, esses institutos e princípios, revelam e consubstanciam o direito e o lapso para a sua efetivação, perfazendo ditames essenciais da atualidade.
Elas são dois elementos contidos no Ordenamento Jurídico que promovem garantias relacionadas à nas Relações Jurídicas e Sociais, essenciais ao correto funcionamento da Sociedade. Em seu esteio, cidadãos podem conviver pacificamente e em conjunto, formatando uma organização cujo fundamento visa a ampliação das seguranças individuais e a promoção da justiça.
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com o trabalho intitulado “O Caráter da Súmula Vinculante no Contexto da Reforma Institucional do Poder Judiciário Brasileiro”; bacharel em Administração, Ciências Sociais e licenciado em Sociologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA); Advogado
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