Direito Penal

Princípio da Insignificância nos Crimes Contra a Fé Pública

Celso Gomes de Lira Júnior – Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados, 2020. E-mail: celsolirajr@gmail.com

Orientador: Gassen Zaki Gebara – Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília/UNIGRAN. E-mail: gassenufgd@yahoo.com.br

Resumo: Este trabalho objetiva apresentar de forma clara a inter-relação existente entre a aplicação do Princípio da Insignificância frente aos crimes cometidos contra fé pública. Por este estudo são levantadas questões de teor fático-jurídico na direção de apontar como se dá o posicionamento dos tribunais superiores ante o referido princípio quando o caso concreto envolve uma suposta agressão à fé pública, que é um dos mais importantes bens juridicamente tutelados em um Estado Democrático de Direito, tal qual se manifesta a República Federativa do Brasil. O objetivo geral é levar o leitor à possibilidade de assimilar de como se comporta o princípio da insignificância quando o caso concreto gira em torno da fé pública. Este estudo se justifica uma vez que o princípio da insignificância tem sido cada vez mais evocado para tratar de questões jurídicas. Como resultado, é possível se identificar as nuances que são evidenciadas quando do encontro destas duas esferas existentes no Direito, além de determinar o comportamento decisório dos tribunais do entrechoque do direito individual do sentenciado ao direito coletivo à fé pública.

Palavras-chave: Insignificância. Princípio. Fé Pública. Relação.

 

Abstract: This paper presents in a clear and objective way the interrelationship between the application of the principle of insignificance in relation to public faith. For this study, there are issues of function between how the position of the principle is given when the concrete case involves public faith, which is one of the most important legally-tutored assets in a democratic state of law, which manifests itself as Federative Republic of Brazil. The general objective is to take the reader to the possibility of assimilating how the principle of insignificance behaves when the concrete case revolves around public faith. This study is justified since the principle of insignificance has been increasingly evoked to address legal issues. As a result, it is possible to identify the nuances that are evident when these two spheres of law meet, in addition to determining the decision-making behavior of the courts of the clash between the individuals rights to the collective rights to public faith.

Keywords: Insignificance. Principle. Public Faith. Relationship.

 

Sumário: Introdução. 1. O princípio da intervenção mínima do direito penal. 1.1. Do conceito de crime no ordenamento jurídico brasileiro. 1.2. Da tipicidade no direito penal. 1.3. Do afastamento da tipicidade material – causas. 1.4. Dos princípios e a sua subsunção à insignificância. 2. Da aplicação do princípio da insignificância. 2.1. Dos seus requisitos. 2.2. Do vetor de aplicação do princípio bagatelar. 3. Dos crimes contra a fé pública. 3.1. A fé pública. 3.2. Do objeto jurídico tutelado. 4. Do posicionamento Jurisprudencial Dominante acerca do princípio Bagatelar. 4.1. Da postura do Superior Tribunal de Justiça. 4.2. Da postura Supremo Tribunal Federal. Conclusão. Referências bibliográficas.

 

Introdução

Atualmente os tribunais têm discutido sobre a aplicação do princípio da insignificância, principalmente na área do Direito Penal. Vários são os casos relatados de penalidades que acabam em muito sendo exacerbadas quando comparadas à natureza delitiva do crime perpetrado como, por exemplo, o furto de comida, objetos de pequena monta, e até mesmo aqueles que atentam contra fé pública.

O âmbito da ciência do Direito muito tem pesado sobre este fato uma vez que a própria razão da existência da pena se dá pelo primado da ressocialização, pois, do contrário, não fosse o indivíduo delituoso penalizado não haveria sequer razão de estipulação de crimes, quem dirá a razão para o seu cumprimento de pena.

Invariavelmente pode-se ver que casos de crimes de ordem insignificante, isto é, de pouca ou nenhuma reprovação social, ocorrem, o que acaba obstaculizando toda a celeridade da resposta dirimitória no ordenamento jurídico pátrio. Do mesmo modo, é necessário que se tenha em mente a razão da existência do primado da fé pública.

Existem correntes que defendem que contra a fé pública não é admitido o princípio da insignificância. Na contramão também é fácil de identificar que por algumas vertentes o princípio da insignificância é plausível para a fé pública, justificando-se por valores considerados mínimos quando da avaliação da quantidade estipulada na ocorrência.

Neste artigo debate-se essa dicotomia, e como objetivo geral tem-se o condão de analisar quem detém a razão sobre esta questão. Sendo assim, analisar-se-á tanto a perspectiva da insignificância quanto a perspectiva da fé pública.

Como objetivo específico, estabelece-se o norteamento do leitor para melhor se posicionar sobre esse assunto levando-se em consideração a primazia da fé pública como sendo um dos principais nortes do estabelecimento das raízes do próprio Estado Democrático de Direito, modelo pelo qual adota o Brasil em sua configuração.

O presente artigo científico conta com quatro capítulos breves e diretos que não satisfazem todo o tratamento do tema, mas sim, busca introduzir o leitor a referida ciência do tratado. Ao final, passar-se-á à conclusão, momento em que serão refrizados os principais pontos que devem ser levados em consideração que foram expostos ao longo de todo o tratamento, sem que se deixe de sugerir ao intérprete novos rumos de leitura para uma melhor elucidação.

 

1.  O princípio da intervenção mínima do direito penal

Uma das pilastras da ciência do Direito Penal, sem dúvidas, é a intervenção mínima nos casos concretos. Este ramo da ciência jurídica se perfaz pela mínima intervenção punitiva estatal, uma vez que apenas em suas normas abstratas, caracterizadoras de condutas comissivas, é que se pode trabalhar pela sua aplicação justa e coerente.

Estefam (2018) aduz que o Direito Penal é considerado como ultima ratio, a última voz que só se deve intervir nessa área nos casos em que for extremamente necessária sua utilização; ou seja, o Direito Penal é visto como última saída para a resolução dos conflitos da sociedade. Segundo o doutrinador:

 

O princípio da intervenção mínima, ao situar o Direito Penal como ultima ratio, constitui outra clara expressão do postulado da proporcionalidade em matéria penal. De acordo com aquele, o Direito Penal deve atuar como última fronteira no controle social, limitando sua incidência somente quando outros ramos do Direito não propiciaram, em abstrato, soluções adequadas e menos lesivas à proteção de bens jurídicos. (ESTEFAM, 2018, p. 142).

 

O referido Professor descreve que, a princípio, todas as questões envolvendo conflitos jurídicos devem ser resolvidas pelas demais áreas de trato e resolução, tais como o Direito Civil ou mesmo o Direito do Consumidor (ESTEFAM, 2018).

Sendo assim, facilmente parte-se da compreensão de que a intervenção frequente do Direito Penal na vida do indivíduo só tende a propiciar mazelas, algo que, certamente, não é o que se espera de um modelo de Estado Democrático de Direito, porquanto tal modelo priva pela proteção do cidadão contra abusos do próprio Estado.

 

1.1.  Do conceito de crime no ordenamento jurídico brasileiro

Em relação ao conceito de crime do ordenamento jurídico brasileiro fato é que se têm diversas correntes que vêm a definir como crime a junção da tipicidade, culpabilidade e objeto material tutelado eivado de lesão. Neste sentido:

 

A ciência penal no naturalismo, como produto do positivismo que predominou a generalidade do pensamento científico do final do séc. XIX, rechaçava toda a especulação transcendental, e procurou reproduzir no sistema do Direito Penal os elementos naturais do delito. Também denominado de conceito clássico do delito, sustentava que a verificação do fato criminoso demandava a existência de fatos perceptíveis pelos sentidos, tal como um conceito físico ou biológico. (JAPIASSÚ & SOUZA, 2018, p. 192)

 

Desta forma prevê-se que pelo naturalismo tem-se o alinhamento com o pensamento positivista, oportunidade em que a incidência da tipicidade fatalmente é necessária para que haja a configuração do reconhecimento do delito e, por sua vez, a aplicação da norma que existe em abstrato.

 

1.2.  Da tipicidade no direito penal

A tipicidade no Direito Penal se manifesta como sendo o momento em que o caso concreto se adequa à norma incriminadora. A título de exemplo tem-se o homicídio de um indivíduo, contudo, o tipo penal do artigo 121 do Código Penal Brasileiro prediz que:

 

Art. 121. Matar alguém. Pena: reclusão, de seis a vinte anos. (BRASIL, 1940)

 

Essa é uma pequena demonstração que pode ser evidenciada no processo de aplicação da tipicidade. Não basta que um indivíduo morra, mas sim, que alguém o mate. Isso quer dizer que se alguém morre por causas naturais, impossível será a identificação da ocorrência de um crime, porquanto o verbo do tipo penal é claro: matar.

O exemplo acima citado é utilizado para explicar claramente como se dá a atipicidade. Em seguida, tratar-se-á diretamente dos crimes contra a fé pública, os quais são elencados do artigo 289 ao artigo 311-A, como será visto adiante.

A tipicidade então pode ser vista como uma conformidade, momento em que o fato praticado pelo agente acaba por adentrar a moldura da norma que está escrita na lei penal (JAPIASSÚ & SOUZA, 2018).

Conforme Japiassú e Souza (2018) a adequação típica pode se dar de duas formas: a) adequação típica imediata; e, b) adequação típica mediata. Pela primeira classificação temos a adequação direta, a qual pode ser verificada sem o concurso de qualquer outra norma; ou seja, vale dizer que na adequação típica imediata a norma incide fatalmente sem obstrução ou barramento de outra norma existente para a tipificação.

Já, pela segunda classificação, a adequação típica mediata, é vista como a adequação que embora não haja adequação típica direta, por força de outra norma que não a direta, a tipificação ocorre, no caso, por norma de extensão. A título de exemplo, o artigo 14, II (tentativa), e o artigo 29 (concurso de agentes), ambas as normas do Código Penal Brasileiro, conforme se vê abaixo:

 

Art. 14 – Diz-se o crime; II – tentado, quando iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. (BRASIL, 1940).

 

Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (BRASIL, 1940).

 

Desta forma então, é nitidamente percebível que a tipificação pode, realmente, ocorrer de duas maneiras distintas, imediata ou mediata, sendo que, para a classificação da tipificação, faz-se necessário que se observe a norma penal.

 

1.3.  Do afastamento da tipicidade material – causas

No Direito Penal brasileiro, o afastamento da tipicidade material, na grande parte das vezes é dado pelas excludentes de ilicitude, não deixando de se observar, a contento, o erro de tipo. As excludentes de ilicitude podem ser encontradas entre o artigo 23 ao artigo 25 do CP.

São excludentes de ilicitude: a) estado de necessidade; b) legítima defesa; e, por fim, c) estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito. Rapidamente, passando por algumas explicações, aduz-se que, em primeiro lugar, em relação ao estado de necessidade, vê-se a oportunidade em que o autor pratica uma conduta tipificada, contudo, por força de interesses jurídicos protegidos opostos, é identificado um sacrifício em razão de guarda de ambos os interesses, uma vez que é visto como impossível levar-se em conta os dois interesses jurídicos em oposição, neste sentido:

 

Estado de necessidade consiste em hipótese em que o agente pratica conduta típica, mas, por força de colisão de dois ou mais interesses juridicamente protegidos, o sacrifício de um para salvaguardar a sobrevivência do outro estará considerado como justificado, diante da impossibilidade de salvamento de todos os bens postos em perigo. (JAPIASSÚ & SOUZA, 2018, p. 260)

 

Já, por sua vez, a legítima defesa é um instituto penal totalmente distinto do estado de necessidade. Por legítima defesa temos a figura do agente que é forçado a repelir uma agressão que é acima de tudo, injusta. Sua conceituação é encontrada no artigo 25 do CP brasileiro, o qual esclarece que “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem” (BRASIL, 1940).

Aqui se vê que o fundamento deste instituto jurídico de direito está na defesa de bens jurídicos, bem como, o próprio ordenamento jurídico, quando diante de um ataque considerado injusto. Se não assim fosse, impossível tornar-se-ia estabelecer que esteja em legítima defesa quem acaba agindo para proteger interesses próprios, sem que esteja sofrendo injusta agressão.

Por fim, o estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito, é um dos institutos de afastamento da tipicidade que mais tem causado dúvidas entre os intérpretes da área, e que merece real atenção neste momento. Uma das causas que mais colocam em dúvidas o entendimento deste instituto é que ele não está normatizado no Código Penal, tal como os anteriormente vistos.

No entanto, o cumprimento do dever legal, que não esbarre no excesso, é tido como totalmente possível de afastar a tipicidade nos casos em que lhe caiba aplicação. Em certos momentos, a própria lei é quem determina que o agente venha a lesionar bens jurídicos alheios, por força exclusiva deste instituto penal. O exemplo clássico da doutrina está em ações em que ocorre a penhora de bens, a execução de prisões, a aplicação do poder de polícia, bem como a fiscalização de gêneros alimentícios, tal qual a sua recolha quando prejudicados (JAPIASSÚ & SOUZA, 2018, p. 267).

Vale observar ainda que o erro sobre o elemento do tipo, embora não constante dentre as excludentes, ainda sim, finda por afastar a tipicidade, sem, no entanto, afastar a culpabilidade. O erro sobre o elemento do tipo está descrito no artigo 20 do CP, e aduz:

 

Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (BRASIL, 1940).

 

Assim, note-se que havendo previsão de crime culposo, a tipicidade subsistirá, uma vez que o erro sobre os elementos do tipo exclui apenas o dolo, e não a culpa. Desta forma, é válido ressaltar que, de fato, o erro de tipo não é uma excludente de ilicitude, mas sim, tão somente um instituto de exclusão de dolo.

 

1.4.  Dos princípios e a sua subsunção à insignificância

Conforme Estefam (2018), Claus Roxin é tido como o Professor que primeiro tratou sobre o tema, sendo este, então, quem o desenvolveu. De acordo com este princípio, a própria finalidade do Direito Penal estaria consubstanciada na proteção subsidiária dos bens jurídicos tutelados pela matéria. Desta forma, a aplicação deste princípio acaba por gerar atipicidade no cenário do ordenamento jurídico:

 

O princípio da insignificância ou da bagatela foi desenvolvido por Claus Roxin. Para o autor, a finalidade do Direito Penal consiste na proteção subsidiária de bens jurídicos. Logo, comportamentos que produzam lesões insignificantes aos objetos jurídicos tutelados pela norma penal devem ser considerados penalmente irrelevantes. A aplicação do princípio produz fatos penalmente atípicos. (ESTEFAM, 2018, p. 158).

 

Assim, estabelece-se que a subsunção à insignificância se dê nos moldes em que os fatos atípicos em matéria penal são os melhores meios para se produzir a mais justaposição frente aos conflitos que emergem do meio social, no momento da decisão jurisprudente.

É considerada praticamente unânime a aceitação deste princípio nos moldes atuais (ESTEFAM, 2018). Em relação à divergência, tem-se a constatação do nível da lesão ao bem jurídico tutelado, momento em que se orienta para a probabilidade da consideração da aplicação do princípio, sempre que a lesão não se encontre na característica diminuta, mas sim, na característica de insignificância (ESTEFAM, 2018).

A título de exemplo, a doutrina elucida o caso de subtração de uma folha de papel em branco ou mesmo de um dente de alho. Fato é que nestes casos, é unânime o reconhecimento de que o princípio da insignificância tem que ser aplicado, para melhor ponderar a decisão jurisprudente; no entanto, se o objeto da subtração é avaliado pela soma de um quarto de salário mínimo, o caso passa a ser debatido invariavelmente, oportunidade em que os entendimentos sobre a aplicação passam a ser de irrelevante preocupação.

 

2.  Da aplicação do princípio da insignificância

Conforme visto anteriormente, a aplicação do princípio da insignificância se dá pelo condão do garantismo penal, modelo pelo qual se estrutura o Código Penal Brasileiro. Nesta esteira, a aplicação desse vetor principiológico se dá quando, de fato, a penalização se torna um óbice em si mesmo, uma vez que não atinge seu objetivo – ressocialização – mas sim, só tende a dificultar ainda mais a vida do cidadão delituoso, exorbitando-se da sua mais justa e compensatória punição.

Seja a subtração de uma folha de papel; ou até mesmo, a subtração de um dente de alho, fatalmente se encontrará o juiz diante de um caso de aplicação do referido princípio. Deste norte, é fatídico que se analise os requisitos para que o princípio da insignificância seja aplicado ao caso concreto.

 

2.1.  Dos seus requisitos

De acordo com Micheletto (2013), os requisitos para aplicação do princípio da insignificância são: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e por fim, d) inexpressividade da lesão jurídica.

Assim, resta claro que os requisitos somente são atendidos quando arrazoados e sopesados casuisticamente a razoabilidade do caso, esgueirando-se pelo certo grau de bom senso do magistrado. Pela mínima ofensividade da conduta é possível estabelecer que a conduta, apesar de ser ofensiva, não seja considerada de grau grave ou mesmo moderada, mas sim, de grau mínimo.

A ausência de periculosidade social da ação perpetrada não pode ser considerada como de risco social, uma vez que o Direito se pauta pelo garantismo em razão do fenômeno social.

Do mesmo modo, é impossível a aplicação do princípio da insignificância quando o grau de reprovabilidade do comportamento não é considerado mínimo. Por fim, a lesão jurídica precisa ser inexpressiva, algo que esbarra fortemente na quão expressiva o Magistrado entende que a lesão seja.

 

É preciso analisar se o reconhecimento do princípio da insignificância deve ser feito unicamente pelo nível ínfimo da lesão sofrida, isto é, pelo desvalor do resultado. Ou se, juntamente com o nível da lesão, devem ser analisadas se as circunstâncias judiciais, como a culpabilidade do agente, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, consequências, circunstâncias, etc., são favoráveis. (MICHELETTO, 2013, n.p.)

 

Portanto, se faz notar que os requisitos são compostos por uma diversidade de eventos que são conjuntamente considerados para aplicação principiológica por parte do Julgador quando diante do caso concreto sub judice.

 

2.2 Do vetor de aplicação do princípio bagatelar

O vetor de aplicação do princípio bagatelar é, naturalmente, a desnecessidade de aplicação da pena, sendo tal mais danosa que a própria conduta delituosa. Neste caso, trata-se de uma vertente do princípio da insignificância considerada como a “bagatela imprópria”, oportunidade em que não se aplica a atipicidade material da conduta, mas, tão somente, afasta-se a culpabilidade, rememorando que a vertente própria da bagatela, conforme o tratado anteriormente, se dá pela própria atipicidade da conduta.

Em relação à vertente imprópria do princípio da insignificância, temos:

 

Há autores que propõem outra vertente do princípio da insignificância, que denominam “bagatela imprópria”. Tratar-se-ia de reconhecer a irrelevância penal de fatos delituosos pela desnecessidade da pena, segundo avaliação efetuada pelo juiz no caso concreto. O reconhecimento dessa tese não implicaria a atipicidade material da conduta, mas o afastamento da culpabilidade. (ESTEFAM, 2018, p. 158-159).

 

A exclusão da culpabilidade, neste molde, dá-se em razão da teoria da função da culpabilidade, em que está baseado o argumento de que o agente, além de ter alterações em seu modo de agir, é dirigido pela avaliação do cumprimento de necessidades de caráter preventivo.

Tem-se, pela doutrina, neste caso, o exemplo da vítima de lesão corporal que informa ao julgador no momento do processo que apesar da lesão sofrida, a situação de convivência com o agressor era rotineiramente pacífica, justamente em um ambiente familiar. Este é um exemplo claro em que a aplicação da pena é totalmente desnecessária, oportunidade em que se vê, de fato, uma aplicação da “bagatela imprópria” (ESTEFAM, 2018).

 

3.  Dos crimes contra a fé pública

O título X do Código Penal brasileiro inaugura os crimes contra a fé pública, sendo que, tem-se o início no artigo 289 – crime de moeda falsa – e tem o seu fim no artigo 311-A – fraude em certames de interesse público. Após este último citado tem-se então iniciado o título XI – dos crimes contra a Administração Pública.

Desta forma, são encontrados, contra a fé pública, 22 espécies de crimes que são de interesse neste estudo. Os referidos crimes identificados são: a) moeda falsa; b) crimes assimilados ao de moeda falsa; c) petrechos para falsificação de moeda; d) emissão de título ao portador sem permissão legal; e) falsificação de papéis públicos; f) petrechos de falsificação; g) falsificação do selo ou sinal público; h) falsificação de documento público; i) falsificação de documento particular; j) falsidade ideológica; k) falso reconhecimento de firma ou letra; l) certidão ou atestado ideologicamente falso; m) falsidade material de atestado ou certidão; n) falsidade de atestado médico; o) reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica; p) uso de documento falso; q) supressão de documento; r) falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins; s) falsa identidade; t) fraude de lei sobre estrangeiro; u) adulteração de sinal identificador de veículo automotor; e, finalmente, v) fraudes em certames de interesse público.

Conforme Noronha apud Greco:

 

A fé pública é uma realidade e é um interesse que a lei deve proteger. Sem ela seria impossível a vida em sociedade. Fruto da civilização e do progresso – pois seria incompreensível ou inútil nas sociedades primitivas – hoje constitui um bem do qual a vida comunitária não pode absolutamente prescindir (GRECO, 2015, p. 241).

 

Sendo assim, não há como não se notar que a fé pública é um bem que fundamenta o próprio Estado Democrático de Direito, afinal, conforme Greco (2015) aponta, a fé pública é vista como um bem que a sociedade não pode deixar de considerar de forma absoluta, pois, em razão diversa, a configuração da sociedade em um Estado soberano, e precipuamente democrático, ver-se-á de forma incerta, trôpega, passível de perturbações sociais.

O fato é que o termo “falso” além de ser uma constante, se perfaz como valor que é comum a todos os crimes contra a Fé Pública. Na medida em que aquilo que é falso se opõe ao real, ao que é da lei, principalmente, ao que é verdadeiro, é possível que se estabeleça que o ato de falsificar atinja diretamente um bem público, e não um bem privado, pois é de interesse de todos que a falsificação de determinados objetos protegidos pela lei, se não coibida, geraria um Estado onde a falsidade produziria um verdadeiro colapso dos pressupostos primários da constituição do Estado Democrático de Direito (GRECO, 2015).

 

3.1. A fé pública

Reconhecidamente um bem jurídico tutelado de natureza pública, a fé pública se consubstancia pela maior verossimilhança e harmonia existente entre os indivíduos que compõe a sociedade e, bem como, o próprio Estado.

Portanto, é imprescindível que se considere que se há um crime contra a fé pública, deve haver o dano. Isto significa que sem potencialidade de lesionar o bem, tal como iludir uma vítima, e por consequência, não gerar um dano, ou um documento falso que não gere prejuízo a nenhum interessado, nestes moldes, é impossível que se enquadre a conduta em qualquer tipo de crime previsto dentre os citados. Sendo assim, se o dolo de lesionar a fé pública for grosseiro, ou seja, for incapaz de enganar a vítima, ou incapaz de avariar um documento a ponto de torna-lo nulo, não há crime. Nesta senda, quaisquer atos que evidenciam a inexistência de ofensa à fé pública, por esta razão fazem com que inexista qualquer tipo dos crimes anteriormente citados (GRECO, 2015).

Neste sentido:

 

(…) o falso deve ter relevância no mundo jurídico, haja vista que, na maioria das infrações penais elencadas no Título X do Código Penal, a sua prática traz, de alguma forma, prejuízo à fé pública, ou seja, para uma relevante relação de confiança que deve nortear o comportamento social. Assim, por exemplo, se alguém falsifica a data de seu nascimento, em uma carteira de identidade, com a única e exclusiva finalidade de fazer-se passar por mais velho para sua namorada, querendo, com isso, infantilmente, demonstrar ser mais “experiente”, embora tenha, efetivamente, levado a efeito o delito de falso, não podemos, segundo nosso raciocínio, imputar-lhe qualquer infração penal, pois o comportamento dele não tem relevância para efeitos de configuração dessas figuras típicas (GRECO, 2015, p. 242).

 

Deste norte, é possível que se evidencie que também há um provável concurso de crimes, como é o caso do estelionato, por exemplo. A conduta falsa é vista nesta espécie criminal e, também, nos crimes contra a fé pública. Para a resolução deste entendimento que é visto deveras complexo, o Superior Tribunal de Justiça acabou por emanar a súmula 17, a qual estabelece que “quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

Logo, é evidente que, antes da imputação de qualquer figura criminal, é imprescindível que se avalie qual tipicidade, formal e material, deve ocorrer de fato, a exemplo do estelionato. Para que se veja um crime contra a fé pública, é necessário que o nível do dano ultrapasse as linhas do estelionato e passe a incidir, de fato, na esfera dos crimes contra a fé pública.

 

3.2. Do objeto jurídico tutelado

O objeto juridicamente tutelado é variável, sendo que, para cada tipo de crime previsto no Título X do Código Penal, existe um objeto específico, o qual deve ser corretamente analisado para efeito de enquadramento na norma penal. Como exemplo, no crime de moeda falsa, o bem jurídico tutelado é a própria moeda, e assim por diante, de modo que, ressaltando, para cada um dos crimes constantes neste capítulo, existe um objeto jurídico tutelado específico.

Para analisar a fundo quais são os objetos jurídicos tutelados é necessário que se avalie crime por crime, cada espécie tipificada no Código Penal do Brasil, algo que não é o objetivo do estudo que ora se propõe. Mas, como já se deu um crime de exemplo, tratar-se-á, a título de assimilação, de mais alguns dos tipos do Título X do Código Penal, como forma de aprimorar o estudo, sublinhando que não serão analisados todos os crimes em questão.

Nos crimes assimilados ao de moeda falsa – art. 290, CP – destaca-se que o objeto jurídico tutelado é a cédula, nota ou bilhete sobre os quais recai qualquer das condutas dos comportamentos previstos no tipo penal, as quais são estabelecidas da seguinte forma:

 

Art. 290. Formar cédula, nota ou bilhete representativo de moeda com fragmentos de cédulas, notas ou bilhetes verdadeiros; suprimir, em nota, cédula ou bilhete recolhidos, para fim de restituí-los à circulação, sinal indicativo de sua inutilização; restituir à circulação cédula, nota ou bilhete em tais condições, ou já recolhidos para o fim de inutilização. Pena – reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos e multa

 

Esse é só mais um exemplo citado para fins de compreensão do estudo.

 

  1. Do posicionamento jurisprudencial dominante acerca do princípio bagatelar

O posicionamento jurisprudencial dominante acerca do princípio bagatelar se dá no sentido de que a fé pública não pode receber a incidência deste princípio, uma vez que este é um dos principais pilastras do Estado Democrático de Direito e que, indubitavelmente, se fosse possível, estar-se-ia rumando a um estado de anarquia famigerado.

A fé pública é um bem jurídico tutelado pelo Estado, no sentido de proteção daquilo que é decidido pelo sujeito de direito de natureza pública, e não do sujeito de direito de natureza privada. Sendo assim, o princípio bagatelar tem maiores chances de incidência em questões de natureza privada, não tendendo a despontar em assuntos eminentemente de interesse de ordem pública.

A título de exemplo, nos itens seguintes, analisar-se-á o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema em epígrafe.

 

4.1. Da postura do Superior Tribunal de Justiça

Em relação ao posicionamento do Superior Tribunal Justiça, é possível que seja identificado um vasto arcabouço de jurisprudências, todas elas no sentido de não considerar aplicável o princípio da insignificância aos crimes contra a Fé Pública. Conforme o afirmado, segue jurisprudência neste sentido:

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. MOEDA FALSA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1 O delito de moeda falsa não se compatibiliza com a aplicação do princípio da insignificância (grifo nosso), segundo iterativa jurisprudência desta Corte, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo artigo 289 do Código Penal é a fé pública, insuscetível de ser mensurada pelo valor e pela quantidade de cédulas falsas apreendidas. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – AgRg no REsp: 122113 MG 2010/0218193-2, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 11/06/2013, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/06/2013)

 

No caso em que se prolatou a jurisprudência sobredita, o réu L.R.S. fora condenado à pena de 3 (três) anos de reclusão, mais 10 dias-multa, por infração do artigo 289, §1°, do Código Penal. Pelo andamento processual é possível que se verifique tratar-se de agravo regimental em recurso especial, em que se negou o provimento do referido recurso.

Conforme o relatório do caso a defesa do agravante sustentou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estava equivocada em se posicionar pela absoluta inaplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes de moeda falsa, em razão de que a tutela é pela fé pública. A Corte Especial entende, consoante a sua reiterada posição jurisprudencial, que a fé pública não é suscetível de ser mensurada pelo valor ou pela quantidade de cédulas falsas apreendidas;

Na ocasião, o agravante tentou repassar uma cédula falsa de R$ 20,00 (vinte reais), mantendo consigo uma outra, igualmente falsa, em sua carteira. A defesa argumentou que o fato não havia produzido resultado juridicamente relevante, de forma que seria cabível o reconhecimento da insignificância penal da conduta, e pugnando, por fim, pela reconsideração da decisão ou que fosse levado a julgamento pela Turma competente, com o consequente acolhimento da tese bagatelar e a absolvição em seguida do agravante. Este foi o relatado.

Na ocasião do voto, o Excelentíssimo Ministro OG Fernandes, então relator do caso, informou que L.R.S., fora condenado porque a iterativa jurisprudência da Corte Especial entende que a fé pública é insuscetível de ser mensurada pelo valor e pela quantidade de cédulas falsas apreendidas.

Em relação às súmulas do STJ, até o momento só existem 3 (três) enunciados que vêm a vetorizar a aplicação  do princípio bagatelar em casos diversos, sendo elas:

 

Súmula 589 – É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.

 

Súmula 599 – O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.

 

Súmula 606 – Não se aplica o princípio da insignificância a casos de transmissão clandestina de sinal de internet via radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997.

 

De fato ainda não existe um entendimento sumulado sobre a questão do princípio da insignificância em relação aos crimes contra a fé pública, no entanto, como se viu acima, o entendimento pela não aplicabilidade está consolidado, principalmente pelo fato de que a fé pública é imensurável, sendo assim, uma das razões basilares para a sustentação do Estado Democrático de Direito.

Por óbvio, o STJ acabou se decidindo pela inaplicabilidade do princípio da insignificância envolvendo tanto a Fé Pública quanto a Credibilidade do Sistema Financeiro Nacional. De modo que a Corte Especial entende que a inserção de cédula falsa, de qualquer valor no mercado, não dá embasamento para que se considere uma conduta insignificante. Ademais, o bem jurídico não admite a insignificância, uma vez que se trata da fé pública e, consequentemente, da confiança que a sociedade deposita na moeda.

Uma outra jurisprudência dada pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, que negou provimento ao Recurso Especial impetrado contra o acórdão da referida tribuna, caso em que fora proposto agravo em recurso especial. O posicionamento do Tribunal Regional Federal da 3.ª região no sentido da ementa que se segue:

 

PENAL. ARTIGO 289, §1°, DO CÓDIGO PENAL. MOEDA FALSA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FÉ PÚBLICA. INAPLICABILIDADE. CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIME FORMAL. PRESCRIÇÃO DE OFÍCIO PARA UM DOS RÉUS. ARTIGOS 110, §1° C.C. 115 DO CÓDIGO PENAL. RECURSOS IMPROVIDOS. 1. Materialidade, autoria e dolo comprovados em relação ao delito de moeda falsa. (…)

  1. No crime de moeda falsa, o bem jurídico tutelado é a fé pública, de modo que inaplicável o Princípio da Insignificância (…) 5. Recursos desprovidos. (STJ – AREsp: 648201 SP 2015/0019626-7, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 23/09/2016)

 

Pela análise do STJ, constatou-se que o acusado J.C.A. fora preso em virtude de tentativa de introduzir moeda falsa, fato este ocorrido em 25/1/2013, na cidade de Cajuru/SP, oportunidade em que o réu tentou passar nota falsa de R$ 100,00 (cem reais) para um posto de conveniência, uma vez que utilizou a cédula para pagamento de mercadorias de valor muito baixo. Os itens comprados foram um maço de cigarros e um chiclete. As testemunhas confirmaram que o acusado realmente entregou no referido posto de conveniência a nota de R$ 100,00 (cem reais) com intuito de pagar as referidas mercadorias de pequena monta. Fora então realizada uma prisão em flagrante pelas autoridades policiais, as quais ainda encontraram, em posse do acusado, outra cédula de R$ 100,00 (cem reais) falsa, também dentro de sua carteira.

O acusado, de origem peruana, não informar de forma devida a origem das cédulas falsas que detinha. O mesmo afirmou que elas teriam vindo de um câmbio de alguns dólares que possuía, na noite anterior, troca esta efetuada em plena Praça da Sé, na região central de São Paulo/SP. Não informou, ainda, qual atividade produtiva o mesmo tinha na capital de SP, acabando por apenas informar que trabalhava de garçom, sem saber dizer o nome de quem o contratava e as regiões em que trabalhara. Outro fato não explicado devidamente pelo acusado foi o motivo da sua viagem para Cajuru/SP, cidade localizada na região de Ribeirão Preto/SP. É relevante salientar que a distância é de cerca de 300 km da capital do Estado. Não informou o nome do amigo peruano que havia lhe dado carona até Cajuru, o qual estaria a caminho da cidade do Rio de Janeiro.

Um fator essencial para a caracterização da autoria e do dolo foi a tentativa de se evadir do país após a condenação em primeiro grau, oportunidade em que resolvera se dirigir para Bolívia com uma identidade falsa pelo nome de ALVARO DE LA HOYA GAVIRIA. Contudo, a tentativa de evasão do país foi frustrada por ter sido preso por autoridades policiais federais na cidade de Corumbá/MS.

Fora ainda entendido pelos magistrados, em análise o caso concreto, que a tentativa de evasão, principalmente com uma identidade falsa, acabou por demonstrar claramente a consciência do condenado a respeito da ilicitude da conduta que praticava e a tentativa de burlar a lei. De ante este fato o Ministro Relator acabou conhecendo o agravo, com fins de não conhecimento do recurso especial, principalmente por força da Súmula n.° 7 do STJ, a qual aduz que “A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial”. (STJ – AREsp: 648201 SP 2015/0019626-7, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 23/09/2016).

 

4.2.  Da postura do Supremo Tribunal Federal

Não se diferindo à postura adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, a Suprema corte se direciona a um entendimento equivalente e consoante, uma vez que o bem jurídico afetado não se aporta ao patrimônio, seja público ou particular, mas sim à fé pública e a credibilidade do Sistema Financeiro, conforme conta, a esteio da posição, a jurisprudência seguinte:

 

EMENTA HABEAS CORPUS. CRIME DE MOEDA FALSA. FÉ PÚBLICA TUTELADA PELA NORMA PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

INAPLICABILIDADE. Consoante jurisprudência deste Tribunal, inaplicável o princípio da insignificância aos crimes de moeda falsa, em que o objeto de tutela da norma é a fé pública e a credibilidade do sistema financeiro (grifo nosso), não sendo determinante para a tipicidade o valor posto em circulação. Circunstâncias do caso que já levaram à imposição de penas restritivas de direito proporcionais ao crime. (STF – HC: 105638 GO, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 22/05/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-113 DIVULG 11-06-2012 PUBLIC 12-06-2012)

 

Na circunstância do caso, o paciente do referido Habeas Corpus fora condenado a 3 (três) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa por infringir o artigo 289, §1° do Código Penal. Na denúncia consta que o paciente colocou em circulação 10 (dez) cédulas falsas no valor de 5 (cinco) reais. Mais uma vez é possível que se reafirme, por este entendimento, que a fé pública é imensurável, não sendo possível medi-la em termos pecuniários para azar ou não a incidência do princípio da insignificância, mas tão somente a incorrência em sua lesão.

O referido remédio constitucional iniciou-se por motivo de que a Defensoria Pública da União impetrou o mesmo, com pedido de liminar, em favor de H.F.B, quanto  ao acórdão do Superior Tribunal de Justiça nos autos do AI 1.286.070/GO. Na ocasião o AI fora denegado. A condenação se deu pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a qual não admitiu o recurso especial. A jurisprudência utilizada como base para a condenação pelo TRF fora a seguinte:

 

PENAL – CRIME DE MOEDA FALSA – ART. 289, §1°, DO CP – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – DOSIMETRIA DA PENA – MANUTENÇÃO – APELAÇÃO IMPROVIDA. I – Demonstrada, com base no conjunto probatório colhido nos autos a introdução de moeda falsa em circulação, tem-se configurado o dolo para a prática do crime de moeda falsa. II – Não se aplica o princípio da insignificância quando o bem tutelado é constituído pela fé pública na moeda como unidade de valor circulante (grifo nosso), que não deixa de ser ofendido em razão do pequeno valor da cédula posta em circulação. III – Não merece reparo a sentença que estabeleceu a dosimetria da pena com base na lei de regência. IV – Apelação improvida. (STJ- Ag: 1286070 GO, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Publicação: DJe 09/09/2010)

 

Dessa forma, o valor impresso na moeda falsa não é considerado como fator de análise para se decidir ou não pela criminalização. Se assim fosse, o crime estaria voltado para o prejuízo de quem recebe a moeda falsa, e esse não é o entendimento do STF. A Excelentíssima Ministra Rosa Weber, valendo-se do posicionamento do Excelentíssimo Ministro Ayres Britto no que tange ao que dito fora, se assim mesmo fosse, o objeto de proteção da norma penal estaria sendo nulificado. Neste caso, o objeto não é individual e tampouco tangível; pelo contrário, o objetivo da criminalização é a proteção da credibilidade do sistema financeiro e da política monetária do país, lugares em que repousa a fé pública (HC 97220/MG. DJe 26.8.2011).

 

Conclusão

Conforme visto no corpo de todo o trabalho, foram elencados 4 (quatro) capítulos com a finalidade de discorrimento do tema. No esteio do primeiro capítulo observou-se o levantamento sobre o próprio conceito de crime estabelecido na doutrina e no Código Penal brasileiro. Além do mais fora tratado dos casos de afastamento da tipicidade e suas respectivas causas. Por fim, no primeiro capítulo ainda observou-se um primeiro contato com o tema do princípio da insignificância, momento em que se começou a adentrar junto ao tema que norteou todo este trabalho.

No segundo capítulo adentrou-se incisivamente no tema do princípio da insignificância, revelando-se como um capítulo de real importância para todo o conjunto do artigo, e, também, evidenciou-se que no referido capítulo tratou-se dos requisitos que devem constar para que haja a validação da aplicação do princípio bagatelar, sendo que, ao final deste capítulo, fora apesentado o vetor de aplicação principiológica, oportunidade em que fora observada a bagatela própria e a bagatela imprópria, bem como seus efeitos.

No terceiro capítulo tem-se o momento em que foram citados todos os crimes contra a fé pública apontados no Código Penal Brasileiro. Também se discorreu sobre o tratamento da fé pública neste limiar, e, ao final, encetando-se sobre o objeto material tutelado, findou-se com a definição do bem jurídico tutelado, no caso, a própria fé pública.

No quarto e último capítulo, de questão nevrálgica, fora possível observar na prática como se dá o posicionamento dos Tribunais acerca desta referida problemática, ocasião em que foram levantadas diversas jurisprudências, tendo, no tratamento, o crime de que mais ocorre daqueles relacionados à fé pública: o de moeda falsa; sem, contudo, deixar um esclarecimento sobre a incidência e o tratamento em relação à forma de como deve ser entendido o princípio da insignificância nos demais crimes contra a fé pública.

Explanada a análise legal e jurisprudencial acerca da matéria, é indiscutível a necessidade da proteção da fé pública como um dos elementos balizadores do Estado Democrático Direito, pois, com razão, a sua preservação fita a confiança depositada pelos seus cidadãos ao Estado em que se compreendem. Com efeito, uma vez abalada a fé pública sobremodo, incorrer-se-ia à barafunda social, comprometendo não só a própria soberania do Estado ou o seu arranjo econômico ou a sua política monetária, mas, em última análise, a própria figura do Estado reconhecida como tal.

Todavia, a respeito de toda posição fundamentada pelos Tribunais Superiores, a tutela de um bem jurídico aliado ao legítimo exercício do jus puniendi estatal deve sopesar-se com os direitos e garantias fundamentais reservados aos indivíduos, quando uma vez reforçada a premissa da mínima intervenção estatal na esfera penal-punitiva.

Dar-se à vista que, uma vez averiguada a tipicidade formal da conduta contra o bem jurídico tutelado, in casu, a fé pública, a melhor solução deve enveredar-se por uma análise detida e ponderada de cada caso concreto judicializado, à luz dos valores que direcionam a aplicação do princípio bagatelar, quais sejam: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e, por fim, d) inexpressividade da lesão jurídica[1].

Por isso exposto, a análise é casuística; cada caso afeto à fé pública, quando no primeiro momento for averiguada a subsunção do fato à norma (tipicidade formal), passar-se-á a apurar a real extensividade lesiva da conduta (tipicidade material), atentando-se que o direito penal, por ter um caráter subsidiário, deve ser evocado em última razão, ocasião em que os demais ramos do direito não se mostrarem satisfatórios em reparar o dano ou de punir o agente.

Por danos insignificantes quando atentados à fé pública, com mínima reprovabilidade social, somado aos demais requisitos necessários à aplicação do princípio bagatelar, a conclusão se torna una e clara: um sublinhado caso de atipicidade material.

 

Referências

BRASIL. (1940). Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

 

ESTEFAM, A. (2018). Direito penal: parte geral (arts 1° a 120). 7a ed. São Paulo: Saraiva Educação.

 

GRECO, Rogério. (2015). Curso de Direito Penal: parte especial, volume IV. – 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus.

 

JAPIASSÚ, C. E. A; SOUZA, A. B. G. (2018). Direito penal: volume único. São Paulo: Atlas.

 

MICHELETTO, P. (2013). Princípio da insignificância ou bagatela. Disponível em: https://bit.ly/2Yhqfoj, acesso em: 07 de maio de 2019, às 17:23.

 

 

[1] Vide o item 2.1.

Âmbito Jurídico

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