Resumo: Artigo desenvolvido com o objetivo de destacar o papel do princípio da ofensividade no direito penal moderno e sua importância na jurisprudência brasileira.
Palavras Chaves: Princípio – ofensividade – direito – direito penal moderno – insignificância – política criminal – dogmática penal – bem jurídico.
Intitulado pelo brocardo latino 'nulla necessitas sine injuria' – não há necessidade sem ofensa – este princípio é também conhecido como Princípio da Lesividade e objetiva proibir que todas as condutas que de algum modo represente ofensa ao bem jurídico sejam criminalizadas. É um princípio limitador do “jus puniende” estatal, criando balizas para o legislador e também para o aplicador do direito que devem nortear a aplicação do direito penal naquelas condutas que coloquem em risco ou em perigo de lesão as ações consideradas graves ao bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico.
O princípio da ofensividade protege os bens jurídicos de toda arbitrariedade do poder estatal. Para tipificação de algum crime material há necessidade que haja pelos menos um perigo concreto, muito embora o legislador venha ampliando os casos de perigo abstrato, a doutrina penal principalmente Cezar Roberto Bitencourt afasta essa idéia, “somente se justifica a intervenção estatal em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, que represente no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado (Bitencourt, 2008, p. 22).”
Bitencourt acrescenta: “O príncipio da ofensividade (ou lesividade) execerce função dupla no direito penal em um Estado Democrático de direito: a) função político-criminal – esta função tem caráter preventivo informativo, na medida em que se manifesta nos momentos que antecedem a elaboração dos diplomas legislativos-criminais; b) função interpretativa ou dogmática – esta finalidade manifesta-se a posteriori, isto é, quando surge a oportunidade de operacionalizar-se o Direito penal, no momento em que se deve aplicar, in concreto, a norma penal elaborada (Bitencourt, 2008, p. 22)”.
O princípio da ofensividade está ligado à reserva legal a proteção do bem jurídico na sua esfera fundamental, a proteção à bem de valor protegido pela Carta Magna, não está atrelado a valores éticos morais ou religiosos, mas o que o legislador considerou como efetivamente ofensivo.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores vem se dedicando no estudo deste princípio. Há uma variedade de casos apresentados que em situações onde o bem se apresenta insignificante para o direito penal, mas apresenta-se por outro lado ofensivo para o mesmo direito.
“Ementa: Penal. Habeas corpus. Furto qualificado mediante o concurso de duas ou mais pessoas (CP, art. 155, § 4º, inciso IV). Bens avaliados em R$ 91,74. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade, não obstante o ínfimo valor da res furtiva: Réu reincidente e com extensa ficha criminal constando delitos contra o patrimônio. Liminar indeferida. 1. O furto famélico subsiste com o princípio da insignificância, posto não integrarem binômio inseparável. 2. É possível que o reincidente cometa o delito famélico que induz ao tratamento penal benéfico. 3. Deveras, a insignificância destacada do estado de necessidade impõe a análise de outro fatores para a sua incidência. 4. É cediço que a) O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada; b) a aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. 5. In casu, consta da sentença que “…os antecedentes criminais são péssimos, ressaltando-se que a reincidência não será no momento observada para se evitar bis in idem. Quanto à sua conduta social e personalidade, estas não lhe favorecem em razão dos inúmeros delitos contra o patrimônio cujas práticas lhe são atribuídas, o que denota a sua vocação para a delinquência. 6. Ostentando o paciente a condição de reincidente e possuindo extensa ficha criminal revelando delitos contra o patrimônio, não cabe a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes: HC 107067, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 26/5/2011; HC 96684/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 23/11/2010; e HC 108.056, 1ª Turma, Rel. o Ministro Luiz Fux, j. em 14/02/2012. 5. Ordem denegada. HC 112262 / MG – MINAS GERAIS HABEAS CORPUS Relator(a): Min. LUIZ FUX Julgamento: 10/04/2012”
A luz da jurisprudência do STF o princípio da ofensividade deve ser analisado em conjunto com outros condicionais como o principio da insignificância, a reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Apesar da jurisprudêrcia citar um caso em que o furto do bem foi avaliado em R$ 91,74 (…) o réu era reincidente na prática do delito e sua ficha criminal era extensa.
Neste caso, analisando as duas vertentes do princípio da ofensividade a política criminal e a função interpretativa ou dogmática do direito penal podemos identificar que para casos análogos como o apresentado não é interessante que o intérprete da lei aplique a insignificância e absolva o réu de modo direto, pois, agindo assim o operador do direito incentivaria insdiscriminadamente a reiteração da prática delitiva.
O Supremo Tribunal Federal ao analisar os pedidos de mínima ofensividade e insignificância pondera caso a caso o que lhe foi apresentado e agindo assim delimita o teor do princípio da insiginificância para que o fim do direito penal que é a proteção do bem jurídico seja alcançado.
Outro exemplo do pensamento da jurisprudência do STF sobre o tema nos revela a importância de se aplicar a política criminal sobre o caso concreto e absolver o réu quando a conduta apresentada não ofende a bem jurídico relevante.
“EMENTA PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. WRIT CONCEDIDO. 1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. 2. O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. 3. Ordem concedida. HC 110475 / SC – SANTA CATARINA HABEAS CORPUS Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI Julgamento: 14/02/2012 Órgão Julgador: Primeira Turma”
Assim como ressalta Zaffaroni: “o injusto concebido como lesão a um dever é uma concepção positivista extremada; é a consagração irracional de dever pelo dever mesmo. Não há dúvida que sempre existe no injusto uma lesão ao dever [uma violação a norma imperativa], porém o correto é afirmar que só existe violação quando se afeta o bem jurídico tutelado. Não se pode interromper arbitrariamente a análise do fato punível e se a ação não prejudica terceiros, deve ficar impune, por expressa disposição constitucional” (Zaffaroni, 1973, p. 226).
Concluímos a necessidade de valoração da conduta, o aplicador do direito deve observar se esta ofende o bem jurídico a ponto de prejudicar terceiros caso contrário esta conduta é atípica para o direito penal. Não há, portanto, delito e o que condenar.
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, Pós-graduando em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-Uniderp – LFG
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