SUMÁRIO: 1- INTRODUÇÃO. 2- PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO INSTRUMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. 2.1- Princípio da Proporcionalidade como Igualdade. 2.2- Princípio da Proporcionalidade como Razoabilidade. 2.3- Princípio da Proporcionalidade como Limitação do Avanço do Estado sobre a esfera de liberdade do indivíduo 3- CONCLUSÃO. 4-REFERÊNCIAS
1- INTRODUÇÃO
O princípio da proporcionalidade surge com a filosofia do direito, e seu desenvolvimento até os dias atuais acompanha a história da defesa dos direitos humanos, surgindo como decorrência da passagem do Estado de Polícia para o Estado de Direito, com intuito de controlar o poder de coação do monarca (poder de polícia), limitando-o quanto aos fins almejados e os meios empregados.
Portanto, a origem do princípio da proporcionalidade se deu com a idéia de garantia à liberdade individual em face dos interesses da administração, ou seja, essa noção de que existiam direitos oponíveis ao próprio Estado e que este, por sua vez, deveria propiciar que tais direitos fossem respeitados.
Aristóteles, na antiguidade, já escrevia sobre o que seria a idéia de proporcionalidade, na sua obra Ética a Nicômaco, quando define o princípio da justiça distributiva, no qual a proporcionalidade faz parte do próprio conceito de justiça.
Na modernidade é que a proporcionalidade começa a se delinear com as características hoje apresentadas, principalmente, esse fato se mostra mais claramente na obra de Beccaria, Dos Delitos e Das Penas, onde o principal é a exigência da proporcionalidade na racionalidade que ele agrega para o Direito Penal, ocorrendo posteriormente uma transposição das idéias surgidas no Direito Penal para o estudo do poder de polícia.
Foi na Alemanha que se desenvolveu a noção mais aceita na atualidade, a partir da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, decorrente da constatação de que não basta um ordenamento jurídico prevendo direitos fundamentais para esses sejam efetivamente observados, mas somente na década de 70, é que os julgados alemães trouxeram decisões com a fórmula do princípio de proporcionalidade que é hoje utilizada, ou seja, o meio empregado pelo legislador deve ser necessário e adequado para alcançar o objetivo procurado.
Mesmo não explícito na Constituição brasileira, o princípio da proporcionalidade deve ser invocado nos ordenamentos em que se consagram os direitos fundamentais e o Estado de Direito, sendo estes dois elementos apontados como sede material do princípio para os que o considera como norma jurídica. Outros acham que é dispensável uma justificação normativa, e evocando Alexy, os defensores desta corrente dizem que a própria estrutura da norma que são princípios já seria suficiente razão para o reconhecimento do dever de proporcionalidade.
2- PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO INSTRUMENTO DE DECISÃO JUDICIAL
O controle judicial de leis sem razoabilidade é necessário e um instrumento que pode ser adequadamente utilizado para este fim é a invocação do princípio da proporcionalidade, o que se tem praticado no poder judiciário brasileiro, tanto em sede controle difuso de constitucionalidade como concentrado, contudo não há ainda uma sistematização da matéria.
Muita cautela, contudo deve ser adotada, vez que se por um lado se tem o controle amplo sobre os atos do poder legislativo por excesso ou abuso de poder na edição das leis, por outro que o tribunal não utilize critérios subjetivos para que não se tenha uma “oligarquia judiciária” como afirmou Aliomar Baleeiro apud Suzana Toledo (2000, p. 105-106).
Verificar se as restrições de direitos fundamentais, por exemplo, verificadas numa lei, foram realizadas com a observância dos requisitos formais da Constituição não é suficiente, cumpre analisar se as condições impostas se revelam incompatíveis com o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, avaliando os subprincípios deste, ou seja, adequação ou idoneidade e necessidade ou exigibilidade.
Essa conversão do princípio da reserva legal para o princípio da reserva legal proporcional pressupõe não só legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos e a necessidade de sua utilização.
Utilizado de diversas formas na decisão judicial, o princípio da proporcionalidade poder aparecer no seu sentido estrito como no genérico que são manifestações que apenas se aproximam deste princípio. Pode ainda ser utilizado como forma de limitação de atuação do Estado, aproximando-se do princípio da igualdade e da razoabilidade, bem como ser utilizado como limitação ao avanço do Estado sobre a esfera de liberdade individual.
2.1- Princípio da Proporcionalidade como Igualdade
O princípio da igualdade está presente nas constituições de países que adotam o Estado Democrático de Direito, porém é um princípio jurídico, explícito na Constituição, enquanto que o princípio da proporcionalidade permite a compatibilização entre princípios ou entre interesses que a Constituição consagra.
O Supremo Tribunal Federal recorre, num número cada vez maior, ao princípio da proporcionalidade para justificar seu posicionamento, contudo algumas questões poderiam ser resolvidas com a evocação do princípio da isonomia.
Gustavo Ferreira (2004, p. 162) cita uma decisão do STF proferida em abril de 1998, em que resolvendo Medida Cautelar preparatória (ADIMC-1753/DF) proposta contra os artigos 4º e parágrafo único da Medida Provisória n. 1.577-6/97, o Tribunal acolheu a inicial, entendo desarrazoada ou desproporcional a edição do ato normativo impugnado, concedendo a cautelar, reconhece que não há vedação genérica ao estabelecimento de privilégio processual ao Estado, pois seria reconhecida uma posição especial da Fazenda Pública na relação a fundamentar uma desequiparação.
Porém, disse o Tribunal, que um fundamento razoável deve ser encontrado a justificar tal privilégio, no caso, não encontrou razoabilidade na desequiparação, contudo este uso poderia dispensar a referência à proporcionalidade, resolvendo a questão com a simples referência ao princípio constitucional da isonomia.
Pois, conforme afirmou Gustavo Ferreira (2004, p. 163), há infinitas possibilidades de não equiparação legítimas sob o ponto de vista constitucional, contudo a incompatibilidade do ato com o princípio da igualdade se dá quando não há nexo lógico entre a finalidade pretendida e a diferenciação procedida ou quando o elemento caracterizador da desigualdade é ilegítimo.
Apesar de haver estreita relação entre a proporcionalidade e a igualdade, há distinção nos seus planos de atuação. O princípio da igualdade atua separando e individualizando e o da proporcionalidade funciona harmonizando e conciliando, contudo para se aferir a validade de uma norma legal frente ao princípio da isonomia, necessita-se da idéia de proporcionalidade ou de razoabilidade.
2.2.Princípio da Proporcionalidade como Razoabilidade.
Sendo os dois instrumentos de limitação do poder estatal, possuem identidade, se diferenciando por sua formação distinta no sistema constitucional, além de fundamentação própria e elementos caracterizadores que as diferenciam operacionalmente.
A razoabilidade se refere à legitimidade da escolha dos fins em nome dos quais o Estado atuará, e a proporcionalidade verifica se os meios são necessários, adequados e proporcionais aos fins já escolhidos. O Estado deve justificar racionalmente sua atuação, enquadrando-a no conjunto de regras e princípios albergados pela Constituição, com imprescindível derivação do princípio do devido processo, pois o reconhecimento de uma inconstitucionalidade, baseado no princípio da razoabilidade, não necessariamente será fundado em outro dispositivo constitucional.
A proporcionalidade vai mais adiante, indagando se o ato é adequado e necessário à finalidade, ao objetivo, além de verificar, no cotejo entre os bens, direitos ou interesse protegidos e atingidos pela atuação estatal, qual deverá prevalecer no cão concreto, portanto diferentemente da razoabilidade, sempre haverá duas grandezas em relação: bens, direitos ou interesses constitucionalmente consagrados.
Segundo Vitalino Canas apud Gustavo Ferreira (2004, p. 130), a razoabilidade é um teste intermédio de proporcionalidade, contudo é comum encontrar na jurisprudência referência a irrazoabilidade do meio escolhido, fruto da prática de se nomear a proporcionalidade por razoabilidade, mas que não reflete sua origem.
Como exemplos do exposto, pode-se citar a ADIMC n. 1407; ADIMC n. 1922, RE n. 175161. No primeiro caso o princípio da proporcionalidade aparece como sinônimo do princípio da razoabilidade, em que o relator discorre sobre o conceito de razoabilidade e cita o da proporcionalidade. No segundo caso o relator remete ao conceito doutrinário de proporcionalidade, contudo não havia tensão entre direitos, o que seria caso de princípio da razoabilidade. No terceiro o relator também utiliza o princípio da proporcionalidade identificando-o como razoabilidade, indicando sua sede material na cláusula do devido processo legal.
2.3.Princípio da Proporcionalidade como Limitação do Avanço do Estado sobre a esfera de liberdade do indivíduo
Existem decisões que usam o termo proporcionalidade, mas não como instrumento limitador da atuação do Estado, apenas se aproximam com a idéia de limitação proporcional do poder de restringir direitos na esfera de liberdade individual.
No julgamento de HC n. 75889-MT, em que o Tribunal concede a ordem por ter o prolator da sentença infringido o princípio trifásico da fixação da pena que caracterizaria a desproporcionalidade, o relator Ministro Marco Aurélio dispõe sobre proporcionalidade na dosimetria da pena. Trata-se de restrição ao direito de punir estatal.
O RE n. 211.043 versava sobre uma empresa que alegava violação a uma emenda constitucional, que permitia à União conceder isenções de tributos estatais e municipais, procurando a referida empresa demonstrar o direito de apenas pagar o ICM, de competência do Estado-membro, na mesma proporção que lhe eram cobrados os impostos federais, pois sobre estes tinha isenção parcial. O que se pretendia era a aplicação de uma Lei Complementar que isentava automaticamente do ICM aquelas atividades isenta do Impostos de Importação.
O referido RE foi relatado também pelo Ministro Marco Aurélio que recorreu ao princípio da proporcionalidade para justificar a inconstitucionalidade, entendendo ser necessária a reforma da decisão recorrida, alegando violação ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, da determinação da natureza jurídica da relação entre a empresa e o Fisco da União.
De acordo com o princípio da insignificância que impede a punição de fatos delituosos inexpressivos, o mesmo Ministro relator do HC n. 77.003/PE, justificou sua decisão no princípio da proporcionalidade, fazendo menção tanto a este como ao princípio da razoabilidade, não se pronunciando sobre o fundamento do princípio invocado. A não referência sobre a sede material do princípio evocado pode ter explicação pela proximidade com a idéia de insignificância, que tanto remete para o princípio da razoabilidade por ser uma limitação da atuação estatal, como à idéia de necessidade que é um elemento do princípio da proporcionalidade.
Na maioria dos julgados, o princípio da proporcionalidade é tratado como uma norma jurídica, mas se utilizado também como um princípio de interpretação, justifica a ampliação do seu uso e permite um maior controle social sobre o seu alcance.
3- CONCLUSÃO
Iniciado no direito administrativo, o princípio da proporcionalidade nasceu junto com o jusnaturalismo, como idéia de limitação ao poder de polícia, e atualmente se revela como uma possibilidade de controle judicial material, exigindo do legislador a mais restrita possível intervenção na esfera privada dos direitos individuais.
Tem como subprincípios a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, em que o legislador brasileiro deverá observá-lo na regulação das medidas limitativas desses direitos, de modo a unicamente restringi-los quando os meios utilizados sejam idôneos, necessários e proporcionados em relação com a consecução de fins constitucionalmente legítimos.
Em virtude da pluralidade de significado e sentido, o princípio da proporcionalidade, muitas vezes, é utilizado pelo poder judiciário em suas decisões, como razoabilidade, igualdade, entre outros. Deve-se, contudo precisar sua definição e aplicação, para que não se recorra a este princípio de forma desnecessária, vez que se tem, além de outros princípios já dispostos na constituição, como o da igualdade, o devido processo legal, outras formas clássicas de interpretação.
Aconselhando-se, entretanto, que em caso de tensão entre direitos constitucionais, dê-se preferência ao uso do princípio da proporcionalidade, tendo em vista que o equilíbrio desse conflito é sua finalidade, servindo com instrumento de controle de excesso e compatibilizando os interesses envolvidos.
Esse cuidado na utilização do princípio da proporcionalidade para dirimir diferenças, apesar de possível redução do uso do termo, não pode ser visto como restrição de sua aplicação, mas como tentativa de realizar a técnica correta e mais adequada a cada caso concreto, contribuindo assim com o desenvolvimento de sua sistematização, vez que com isso possibilitará a melhor definição de cada termo e com sua utilização específica, o que não significa que dependendo do conteúdo adotado não possa ter atuação abrangente.
O controle e limitação do poder estatal podem ser realizados através de princípios implícitos da Constituição, sejam como normas jurídicas, ou princípios interpretativos, contudo devem ser demonstrados na sua utilização os elementos em que se fundamentou a decisão.
Desta forma os destinatários desta decisão poderão compreender seu percurso até o resultado, não sendo aceitável aquele com grau de subjetividade tal que não se vislumbre sua justificação e, portanto sua verificação tanto na compatibilidade da interpretação como na aplicação do texto constitucional, podendo ser visto, inclusive, como cerceamento de defesa.
É necessário, portanto, sistematizar o uso do princípio da proporcionalidade, definindo-se melhor seus significados e utilização adequada de cada sentido no contexto do caso concreto, e porque não colocá-lo explicitamente na Constituição, já que de forma implícita é considerado como uma garantia aos direitos fundamentais, consagrado hoje principalmente na jurisprudência constitucional, como instrumento de decisão capaz de promover o equilíbrio quando se tem em tensão bens, direitos, ou interesses protegidos e atingidos pelo poder estatal.
Referências bibliográficas
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