Princípio da vedação das provas ilícitas ou obtidas por meios ilícitos

Resumo: O presente estudo tem o objetivo de discutir a inadmissibilidade da prova ilícita no processo civil, tendo por base o princípio de vedação deste tipo de prova contido no artigo 5º. da Constituição Federal de 1988. Diante da importância da prova para o processo, a justificativa para tal discussão está justamente na análise da possibilidade de se admitir (ou não) uma prova considerada ilícita o que, por conseguinte, irá influenciar a decisão do juiz e o desfecho do processo. Para tanto, e tendo como base uma revisão da literatura pertinente, o estudo apresenta a prova e seus principais aspectos no contexto do processo civil, bem como conceitua a prova ilícita e a relaciona com o princípio da vedação para, então, discutir o conflito de interesses entre os direitos fundamentais e a possibilidade de admissão da prova ilícita segundo o princípio da proporcionalidade. Desta forma, o estudo mostra que, num primeiro momento, a prova ilícita deve ser impreterivelmente vedada no processo, mas que, frente ao conflito entre o respeito e garantia dos direitos fundamentais, há a possibilidade de sua admissão, tendo sempre em vista o respeito à justiça e à Constituição Federal.[1]

Palavras-chave: Prova; Ilicitude; Princípio da vedação; Processo civil; Proporcionalidade.

Introdução

A prova, no contexto do Direito, contém o mesmo teor do sentido comum, ou seja, a produção dos atos ou dos meios através dos quais as partes ou o juiz têm condições (ou não) de afirmar a verdade dos fatos alegados, podendo este instrumento ser considerado em si mesmo ou até o resultado dos atos ou dos meios produzidos na apuração da verdade.

Justamente por essa sua característica, a prova é uma das formas mais utilizadas, seja no convívio comum, seja no meio jurídico, para demonstrar a verdade por meio da percepção e sentidos, tendo sempre em vista o julgador enquanto verdadeiro destinatário final de sua existência.

Indo mais além, a prova tem fundamental importância para o processo judicial, ao contribuir, de maneira direta, para a formação do convencimento do juiz no caso, podendo ser produzida – e aceita – de várias formas, como a realização de perícia (prova pericial), a oitiva de testemunhas (prova testemunhal), o depoimento das partes e a juntada de documentos (prova documental), etc., momento em que são consideradas lícitas.

Nesse contexto, a (in) admissibilidade das provas que tenham sido obtidas por meios ilícitos, ou seja, quaisquer meios que violem os princípios constitucionais ou preceitos legais de natureza material, é um dos tópicos de maior discussão no processo, diante da estreita relação entre a possibilidade de se comprovar ou não os fatos apresentados através de uma prova ilícita e a nulidade desta, tendo como base o princípio constitucional que traz, no artigo 5º. da Constituição Federal de 1988, a efetiva proibição de provas, no processo, que tenham sido obtidas justamente através de meios ilícitos.

Diante disso, a relevância da discussão proposta encontra suporte no fato de que, de maneira alguma, as normas e princípios constitucionais e legais devem ser desrespeitados, mesmo que seja garantido, a todos os cidadãos, o direito de demonstrar os fatos por eles afirmados, no chamado direito à prova, o que acaba por configurar um cenário conflituoso, no qual o juiz tem, em mãos, a prova ilícita enquanto única forma de provar, por exemplo, a inocência do réu devendo, ou não, considerar nula tal prova, implicando na condenação do réu e contrariando os princípios da verdade real e da proporcionalidade.

Logo, frente a tais considerações iniciais, o presente estudo discute, com base em uma revisão da literatura, o princípio da vedação das provas ilícitas ou obtidas por meios ilícitos no processo civil, segundo o artigo 5º., em contraponto – ou em consonância – com o princípio da proporcionalidade e da possibilidade de admissão de tais provas, no chamado confronto de princípios demonstrando, assim, que o Direito está sempre em evolução e que sua aplicação deve estar sempre em consonância com a sociedade e com a justiça.

Desenvolvimento

Conforme introdutoriamente mencionado, a prova é um dos instrumentos mais importantes no processo, por seu fim de permitir que o julgador tenha condições de apurar a verdade dos fatos e decidir pela culpa ou inocência de um réu.

Segundo Alvim (2008), a prova é o meio que as partes se utilizam para estabelecer uma verdade mediante verificação ou demonstração no âmbito processual, sendo que seus meios são definidos pelo direito ou contidos por compreensão num sistema jurídico (conforme artigos 332 e 366 do Código de Processo Civil), como idôneos a convencer (prova como resultado) o juiz da ocorrência de determinados fatos, isto é, da verdade de determinados fatos, os quais vieram ao processo em decorrência de atividade principalmente, dos litigantes (prova como atividade).

Igualmente Marques (2006) define a prova como:

“Meio e modo utilizados pelos litigantes com o escopo de convencer o juiz da veracidade dos fatos por eles alegados, e igualmente, pelo magistrado, para formar sua convicção sobre os fatos que constituem a base empírica da lide. Torna-se possível reconstruir, historicamente, os acontecimentos geradores do litígio, de sorte a possibilitar, com a sua qualificação jurídica, um julgamento justo e conforme o Direito” (p. 06).

No entender de Carnelutti (2001), a prova, em sentido jurídico, busca demonstrar a verdade formal dos fatos discutidos, mediante procedimentos determinados, ou seja, através de meios legais e, portanto, legitimados.

De maneira mais aprofundada, Burgarelli (2000) traz que:

“No direito processual, provar resume-se na realização de uma tarefa necessária e obrigatória, para constituir estado de convencimento no espírito do juiz, este na condição de órgão julgador, a respeito de um fato alegado e sua efetiva ocorrência, tal como foi descrito. Prova, assim, é meio, é instrumento utilizado para a demonstração da realidade material. De modo a criar, no espírito humano, convencimento de adequação. Prova judiciária, por seu turno, é o meio demonstrativo de veracidade entre o fato material (fato constitutivo do direito) e o fundamento jurídico do pedido. Vale dizer é o meio pelo qual se estabelece relação de veracidade e adequação entre a causa próxima e a causa remota, elementos da causa de pedir. Estabelecida a relação, por meio da prova, ao juiz é dada a tarefa de aplicar a lei, a hipótese normativa de incidência fática, em regra, a norma de direito material” (p. 53).

Dessa forma, pode-se apontar que provar, então, é evidenciar, fazer ver a exatidão e autenticidade ou fidelidade dos fatos que estão sob debate, sendo que esta verdade que se busca comprovar é, segundo Malatesta (1995, p. 21), “a conformidade da noção ideológica com a realidade”, cabendo destacar, aqui, o caráter legal (permitido no ordenamento) e moral (não proibido), para a validade da prova produzida.

Assim, a prova pode – e deve – ser vista como uma fonte de informações em um contexto probatório que, aliado aos procedimentos, de um modo geral, oferece uma certeza processual que, cercada por certa dose de relativismo, pois está impregnada de historicidade, tem o intuito de auxiliar o juiz durante o processo.

Logo, como a prova é o meio utilizado para formar o convencimento do juiz a respeito da existência de fatos controvertidos que tenham relevância para o processo, no contexto do Processo Civil, sua relevância está no fato de que, visto que para julgar, o juiz necessita examinar a veracidade dos fatos alegados, principalmente pelo autor, que é quem propõe a demanda e, na maioria das vezes, é quem realmente necessita do provimento jurisdicional, é evidente que, deste modo, o juiz precisa saber quais são os fatos controvertidos no processo, para que, então, possa partir para a análise das provas produzidas pelas partes, que irão ajudá-lo a formar o seu convencimento e decidir o caso, indicando ou não a culpabilidade do réu.

Por sua definição e consequente importância e finalidade da prova, ou seja, a formação da convicção do juiz sobre a veracidade dos fatos a ele apresentados, bem como tendo em vista que tais fatos são os acontecimentos e circunstâncias que as partes demonstram em juízo, Theodoro Júnior (2004) traz que a prova, no processo civil, pode ser classificada de acordo com o objeto, sendo distinguidas entre diretas e indiretas, sendo as primeiras àquelas que possuem relação imediata com o fato, ou seja, que por si só já constituem uma ligação instantânea com o objeto controverso, diferente das provas indiretas, as quais consistem em fatos diversos do litígio, que, no entanto, podem chegar a matéria litigiosa através de raciocínio e uma construção lógica.

Como exemplo de prova direta, Theodoro Júnior (2004) cita um recibo de quitação, uma prova documental cuja proximidade com o fato controverso é palpável. Já a prova indireta é, por exemplo, uma perícia sobre a qual exige do juiz raciocínio e interpretação para ligar a circunstância relacionada ao fato probante, através dos indícios observados.

Quanto à classificação segundo o sujeito da prova, Theodoro Júnior (2004) aponta que esta pode ser pessoal, proveniente de uma declaração pessoal exercida por um sujeito do processo, sendo a prova testemunhal um bom exemplo. Outra forma é a prova real, estabelecida através de exames sobre coisas ou pessoas, tal qual a perícia. Por fim, cabe destacar a prova oral, tal qual depoimentos, ou prova escrita, documental.

Tal classificação segue aliada ao princípio da liberdade dos meios de prova, no qual, às partes no processo, é permitido, ao menos a priori, utilizar-se de quaisquer meios de prova, ainda que não os previstos em lei, conforme disposto no artigo 332 do Código de Processo Civil, que traz que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”

Dessa maneira, e segundo Câmara (2004), não há que se falar na tipicidade estrita aos meios de prova, vez que os meios previamente definidos em lei constituem rol meramente exemplificativo, dispondo as partes, por expressa previsão legal, de todos os meios de prova possíveis, desde moralmente legítimos, nos termos do artigo acima citado.

Assim, o direito à prova é um dos direitos fundamentais mais importantes para o réu no processo, sendo que tal direito fundamental é uma decorrência lógica do direito de ação daquele que, ao invocar a tutela jurisdicional, deve apresentar provas como forma de influenciar no convencimento do juiz acerca da procedência ou improcedência da pretensão deduzida e, consequentemente, da sua culpabilidade ou não.

No entanto, em algumas situações, tal direito à prova é negado no processo, o que se dá quando tal instrumento é ilícito e, portanto, sujeito à vedação.

A prova ilícita no processo civil: conceito e princípio da vedação frente à ilicitude da prova

Partindo-se do conceito de ilícito, que tem origem no latim illicitus e, sob significado amplo, quer dizer contrário a moral, aos bons costumes e aos princípios gerais do Direito, Fernandes (2009) apresenta a prova ilícita como aquela que infringe regras legais, morais ou ainda princípios gerais do Direito previstos no ordenamento jurídico. Logo, é possível apontar que toda prova ilícita ou ilegítima deve ser considerada proibida, uma vez que fere, diretamente, ordem legal ou constitucional.

Fernandes (2007, p. 79) se justifica ao apontar que:

“[…] a prova é vedada em sentido absoluto quando o direito proíbe em qualquer caso sua produção. Haverá prova vedada em sentido relativo quando, embora admitido o meio de prova, condiciona-se a sua legitimidade à observância de determinadas formalidades. A violação será sempre ilegal, mas a violação de uma proibição de natureza substancial torna o ato ilícito, enquanto a violação de impedimento de ordem processual faz com que o ato seja ilegítimo. Em síntese, a prova ilegal consiste em violação de qualquer vedação constante do ordenamento jurídico, separando-se em prova ilícita, quando é ofendida norma substancial, e prova ilegítima, quando não é atendido preceito processual.”

Nesse contexto, o princípio da vedação da prova ilícita, ou seja, as restrições ao direito à prova, para que assim não se admita que elas sejam colhidas ou produzidas em detrimento dos direitos e garantias constitucionais fundamentais positivados na Constituição Federal, configura a ilicitude das provas que, segundo o artigo 5º, inciso LVI da CF, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Capez (2011) esclarece que a ilicitude da prova decorre da violação à norma de direito material, mediante a prática de crime ou contravenção ou, então, por afrontar qualquer princípio constitucional que garanta a licitude e admissibilidade para prova no processo.

Tal conceito está presente na afirmação de Dinamarco (2002, p. 50-51), ao apontar que:

“Provas ilícitas são as demonstrações de fatos obtidas por modos contrários ao direito, quer no tocante às fontes de prova, quer quanto aos meios probatórios. A prova será ilícita – ou seja, antijurídica e, portanto, ineficaz a demonstração feita – quando o acesso à fonte probatória tiver sido obtido de modo ilegal ou quando a utilização da fonte se fizer por modos ilegais. Ilicitude da prova, portanto, é ilicitude na obtenção das fontes ou ilicitude na aplicação dos meios. No sistema do direito probatório, o veto às provas ilícitas constitui limitação ao direito à prova. No plano constitucional, ele é instrumento democrático de resguardo à liberdade e à intimidade das pessoas contra atos arbitrários ou maliciosos.”

Cabe ainda destacar as provas que são lícitas em si mesmas, mas que, no entanto, foram produzidas por meio de outra ilegalmente obtida, por exemplo, a confissão mediante tortura, bem como correspondências, comunicações telegráficas, de dados e qualquer tipo de comunicação permitido na atualidade em razão do desenvolvimento tecnológico, como e-mail, transferência de dados, mensagens de texto e voz através do celular, interceptadas ou obtidas sem prévia autorização legal.

Em outras palavras, a vedação se dá diante de provas que violam regras de direito material, constitucional ou legal, no momento de sua obtenção.

Aqui, Didier Júnior, Braga e Oliveira (2008, p. 38) trazem que:

“A confissão obtida sob tortura, o depoimento de testemunha sob coação moral, a interceptação telefônica clandestina, a obtenção de prova documental mediante furto, a obtenção de prova mediante invasão de domicílio etc. São também exemplos de provas ilícitas aquela colhida sem observância da participação em contraditório, o documento material ou ideologicamente falso, ou qualquer outra prova que se mostre em desconformidade com o ordenamento jurídico, pouco importando a natureza jurídica da norma violada”.

Também Grinover, Fernandes e Gomes Filho (1992, p. 109) apontam que as provas:

São ilícitas, em sentido estrito, as provas obtidas com violação a alguma norma ou princípio de direito material, isto é, conseguidas através de conduta para a qual o direito penal, civil ou administrativo, por exemplo, imponha para o infrator uma sanção de natureza também material, em geral visando proteger às liberdades públicas e o direito à intimidade. Seria o caso das provas obtidas com violação ao domicílio (art. 5º, XI, CF) ou das comunicações (art. 5º, XII, CF); as conseguidas mediante tortura ou maus tratos (art. 5º, III, CF); as colhidas com infringência à intimidade (art. 5º, X, CF), dentre outras.”

Tendo em vista o exposto acima, e sabendo-se que a prova, conforme vem sendo destacado, é a forma de que dispõem as partes para demonstrar uma alegação feita em juízo, é relevante destacar que o direito fundamental às provas assegurado às partes no processo, sendo igualmente evidente a manifestação do devido processo para que a lisura do processo seja garantida e mantida. Neste sentido, Lucon (2008, 23) considera que:

“O devido processo legal substancial impõe ao julgador que seja oferecida igualdade de oportunidades processuais. Essa igualdade, no campo do direito à prova, revela-se na efetiva possibilidade de participação aos litigantes e significa, para o julgador, o dever de fazer observar a garantia do contraditório na exata medida em que autoriza às partes a encartar aos autos todos os elementos de que dispõe para atuar sobre seu convencimento.”

Assim, conforme o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, é possível concluir que as provas ilícitas são inadmissíveis em regra, o que significa que, se a prova for produzia sem amparo da lei instrumental, não terá valia.

No entanto, e tendo sempre em vista o pleno direito de defesa do reú e a não violação dos princípios constitucionais, principalmente do devido processo legal, o que configura um conflito de interesses, tem-se a possibilidade de vedação de uma prova considerada ilícita.

A possibilidade de admissão da prova ilícita no processo civil: a proporcionalidade e o conflito de interesses

De maneira geral, e tendo sempre em vista a questão do respeito e defesa dos direitos fundamentais expressos constitucionalmente, a possibilidade de admissão da prova ilícita no processo se dá diante da incongruência existente entre a segurança social em contraposição à liberdade individual.

Nesse sentido, Santos (2011) entende que:

“(…) para dar cumprimento aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, torna-se indispensável assegurar às partes o direito de produzir provas, com a finalidade de demonstrar a procedência da acusação ou da defesa. Em decorrência disso, negar às partes o direito de produzir provas, equivale a negar-lhes a proteção daqueles dois princípios, que nenhum significado teriam para o processo, se não pudessem ser aplicados no seu momento central.”

Bonfim (2011), por sua vez, aponta que, no caso da ocorrência de conflito entre princípios ou direitos no caso concreto, “ (…) um dos métodos mais utilizados pela moderna hermenêutica para o correto solucionamento do impasse é o chamado 'princípio da proporcionalidade', que pode revestir-se de variantes mais ou menos aperfeiçoadas (…) ”(p. 362).

O princípio da proporcionalidade, segundo Bonfim (2011, p. 94), estabelece que a maneira adequada de resolver um conflito de interesses envolvendo princípios constitucionais, legais ou direitos fundamentais, “(…) possibilitando assim, através de seu método, um controle intersubjetivo das ações do juiz-Estado ou de qualquer órgão estatal incumbido da aplicação do direito (…).”

Em essência busca-se, por este princípio, avaliar os valores dos bens jurídicos envolvidos na produção da prova ilícita e o fato que tal prova busca demonstrar ao juízo.

Didier Júnior, Braga e Oliveira (2008) compartilham o mesmo entendimento ao afirmar haver, nos casos de conflito de interesses,

“(…) posições as mais variadas: há quem não admita, em hipótese alguma, a prova ilícita; há quem a admita sempre; há quem a admita apenas no processo penal, e desde que em favor do acusado; e há, por fim, quem defenda a aplicação do princípio da proporcionalidade para a solução do conflito” (p. 38).

Os autores acima citados ainda consideram a importância da aplicação do princípio da proporcionalidade diante de conflitos de interesses acerca da vedação ou não das provas ilícitas ao apontar que:

“Esta última é a posição que prevalece e, sem dúvida, parece-nos a mais correta. Quando se está diante de um conflito de normas jusfundamentais (direito à prova versus vedação da prova ilícita), a solução deve ser dada sempre casuisticamente, à luz da ponderação concreta dos interesses em jogo, isto é, à luz do princípio da proporcionalidade. Os que admitem sempre a prova ilícita, ou não a admitem nunca, pecam por considerar de modo absoluto e apriorístico os direitos fundamentais em jogo. Aqueles que entendem que a prova ilícita somente é admissível excepcionalmente, e apensas no processo penal, pecam por dois motivos: primeiro, por entender que sempre, no processo penal, há discussão em torno do direito à liberdade, o que é falso, pois nem todas as penas envolvem a privação da liberdade; segundo, por entender que nenhum outro direito fundamental, a não ser o direito à liberdade, pode ser mais relevante que o direito fundamental à vedação da prova ilícita, o que também é indefensável à luz da teoria dos direitos fundamentais” (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2008, p. 39).

Para Fernandes (2007, p. 82):

“Em suma, a norma constitucional que veda a utilização no processo de prova obtida por meio ilícito deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade, devendo o juiz, em cada caso, sopesar se outra norma, também constitucional, de ordem processual ou material, não supera em valor aquela que estaria sendo violada.”

Ainda nesse ponto, Avolio (1999, p. 64) diz que:

“A teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade, também denominada teoria do balanceamento ou da preponderância dos interesses, consiste, pois, exatamente, numa construção doutrinária e jurisprudencial que se coloca nos sistemas de inadmissibilidade da prova obtida ilicitamente, permitindo, em face de uma vedação probatória, que se proceda a uma escolha, no caso concreto, entre os valores constitucionalmente relevantes postos em confronto.”

Deve-se buscar, portanto, uma adequação, uma proporção entre o que se violou para obter a prova e o que se busca tutelar.

Diante disso, através de dois requisitos essências, a adequação e a necessidade, “(…) julga-se a admissibilidade ou não de determinados meios de prova, mitigando […] as vedações às provas obtidas por meios ilícitos e das provas ilícitas por derivação, com filtro final da 'proporcionalidade em sentido estrito.” (BONFIM, 2011, p. 95).

Santos (2011) aponta que, sendo assim, e a partir da análise do caso concreto, levando-se em conta a adequação e a necessidade, através do método utilizado pelo princípio da proporcionalidade, procura-se chegar a uma síntese (proporcionalidade stricto sensu) onde, por vezes, o princípio constitucional da vedação das provas ilícitas pode vir a sucumbir diante de outros direitos tutelados que, para aquele caso específico são bem mais relevantes. Assim, baseado no princípio da proporcionalidade “(…) a doutrina e a jurisprudência procuram mitigar o aparente caráter absoluto do art. 5º, LVI, da CF, admitindo, em alguns casos excepcionais, a utilização no processo da prova ilícita.” (p. 7).

Neste ponto, Silva Júnior (2008) destaca que a proibição da valoração da prova adquirida de forma ilícita, segundo o princípio da proporcionalidade, deve ser o resultado de apreciação judicial que, por sua vez, tem de levar em consideração o interesse concreto da persecução em curso, o bem jurídico tutelado pela norma constitucional violada e a carência de tutela do interesse lesado.

Nesse cenário, Capez (2011, p. 33-34) entende que:

“Não é razoável a postura inflexível de se desprezar, sempre, toda e qualquer prova ilícita. Em alguns casos, o interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a intimidade que se deseja preservar. Assim, surgindo conflito entre princípios fundamentais da Constituição, torna-se necessária a comparação entre eles para verificar qual deva prevalecer. Dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada pelo senso comum, o Juiz poderá admitir uma prova ilícita ou sua derivação, para evitar um mal maior, como, por exemplo, a condenação injusta ou a impunidade de perigosos marginais. Os interesses que se colocam em posição antagônica precisam ser cotejados, para escolha de qual deva ser sacrificado.”

Retornando à discussão, Didier Júnior, Braga e Oliveira (2008) consideram não bastar, então, que seja feito um juízo de proporcionalidade à luz do caso concreto, visto que:

“A admissibilidade da prova ilícita no processo deve ser vista, porém, como algo excepcional. Para que seja admitida, é necessário que sejam atendidos alguns critérios: (i) imprescindibilidade: somente pode ser aceita quando se verificar, no caso concreto, que não havia outro modo de se demonstrar a alegação de fato objeto da prova ilícita, ou ainda quando o outro modo existente se mostrar extremamente gravoso/custoso para a parte, a ponto de inviabilizar, na prática, o seu direito à prova; (ii) proporcionalidade: o bem da vida objeto de tutela pela prova ilícita deve mostrar-se, no caso concreto, mais digno de proteção que o bem da vida violado pela ilicitude da prova; (iii) punibilidade: se a conduta da parte que se vale da prova ilícita é antijurídica/ilícita, o juiz deve tomar as providências necessárias para que seja ela punida nos termos da lei de regência (penal, administrativa, civil etc.); (iv) utilização pro reo: no processo penal, e apenas nele, tem-se entendido que a prova ilícita somente pode ser aceita se for para beneficiar o réu/acusado, jamais para prejudica-lo” (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2008, p. 39).

Logo, busca-se, com isso, verificar, à luz do caso concreto, e não de acordo com um raciocínio a priori, qual direito deve preponderar, não se vedando, de maneira absoluta, a possibilidade de admitir-se no processo uma prova ilícita.

Dessa maneira, se após apreciar as peculiaridades do processo, se chegar ao consenso de que o bem jurídico tutelado guarda maior importância e valor do que o bem violado, na colheita da prova, é possível a admissibilidade de tais provas no processo, com a ressalva de que tal apreciação seja feita à luz de um critério razoável, levando-se em consideração os valores dos bens jurídicos postos em questão, para que, assim, e pautado no princípio da proporcionalidade, seja possível afastar a vedação probatória e admitir as provas ilícitas, e suas derivadas, em caráter excepcional no processo.

Conclusão

De acordo com o presente estudo, que teve o objetivo de discutir o princípio da vedação das provas ilícitas ou obtidas por meios ilícitos no processo civil, viu-se que a prova é um dos instrumentos mais importantes neste contexto, ao permitir que o juiz, frente sua apresentação, forme convicção e se decida acerca da culpabilidade (ou não) do réu.

Diante disso, o estudo mostrou que, quando segue todos os preceitos e princípios reguladores do processo, a prova é tida como lícita, mas que, frente à obtenção de fatos por meios ilícitos, como escuta e interceptação ilegal de correspondência e troca de dados, por exemplo, a prova é considerada ilícita e, por isso, segue o princípio da vedação, segundo o artigo 5º. da Constituição Federal de 1988, justamente por causar danos ao teor do processo, culminando com a formação da convicção e decisão do juiz.

No entanto, e conforme visto no estudo, o processo civil tem como suporte primeiro a Constituição Federal e, assim sendo, e diante da possibilidade de desrespeito aos direitos fundamentais, há a possibilidade de admissão de uma prova ilícita, tendo como ponto de partida o princípio da proporcionalidade, a fim de resolver tal conflito de interesses.

Assim, e tendo em vista a relação entre a vedação da prova e a impossibilidade de prejuízo aos direitos do cidadão, é possível concluir que, ainda que seja previsto na Constituição Federal e que hajam, certamente, inúmeras possibilidades de surgirem casos onde a vedação da prova ilícita põe em risco mais valores do que a sua admissão, permitir que um réu seja considerado impune dos crimes por ele comprovadamente cometidos, deve ser sempre motivo de estudo, debate e ponderação, tendo sempre em vista a aplicação da justiça.

 

Referências
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Nota
[1] Artigo Científico Apresentado à Universidade Candido Mendes – UCAM, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito Constitucional.

Informações Sobre o Autor

Renata Custódio de Oliveira Domingueti Silva

Graduada em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Especialização em Gestão de Pessoas e Projetos Sociais pela Universidade Federal de Itajubá. Especialização em Direito Processual pela Universidade José do Rosário Vellano. Especialização em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de Alfenas. Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Especialização em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes


Equipe Âmbito Jurídico

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