Princípios constitucionais penais: uma (re)leitura do princípio da individualização da pena

Resumo: Considerando, na conjuntura atual, a importância dos princípios constitucionais e sua influência em todos os ramos do Direito, notadamente no Direito Penal, foram escolhidos, como objeto de estudo deste artigo, os princípios constitucionais penais, mais especificamente o princípio da individualização da pena, que vem a consagrar a isonomia material em todas as suas etapas: legislativa, judiciária e executória. Objetivando, então, apresentar uma (re)leitura constitucional do princípio da individualização da pena, o presente trabalho fora desenvolvido  apenas em um tópico, no qual os princípios constitucionais penais, por fundamentarem e perpassarem aquele, ganharam relevo. O princípio da individualização da pena, convém aclarar, foi trabalhado no subtópico. Sobre os princípios constitucionais penais, foram levantadas, dentre outras, questões de denominação e classificação; sobre o princípio da individualização da pena, destacaram-se seu conceito, previsão constitucional e momentos.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Penal. Princípios Constitucionais Penais. Princípio da Individualização da Pena.

INTRODUÇÃO

Como é sabido, os princípios constitucionais se irradiam por todo o ordenamento jurídico, incluindo, portanto e inquestionavelmente, o Direito Penal no âmbito de sua influência. Com efeito, o Direito Penal pretendido deve atender à principiologia constitucional que o fundamenta, resguardando, assim, os direitos humanos – essência de nosso Estado Democrático de Direito. Como consequência dessa “vinculação” aos princípios constitucionais, tem-se que, a norma penal que estiver em desacordo com qualquer um deles deve ser banida de nosso ordenamento jurídico.

Conhecida a dimensão dos princípios constitucionais, imperioso se faz voltar para os específicos e de suma importância, para a elaboração, interpretação e aplicação das normas penais, princípios constitucionais penais, que, apesar de não serem taxados uniformemente pela doutrina, são numerosos.

Dentre os princípios constitucionais penais, escolheu-se, para trato no presente artigo, o da individualização da pena, isso porque ele consagra a isonomia material e permite a aplicação de penas proporcionais a quem comete crimes, tudo na exata proporção das circunstâncias em que ocorreram.

Tomando como foco o princípio da individualização da pena e objetivando apresentar uma (re)leitura constitucional do mesmo, o presente trabalho fora desenvolvido  apenas em um tópico, no qual os princípios constitucionais penais, por fundamentarem e perpassarem aquele, ganharam relevo. O princípio da individualização da pena, convém aclarar, foi trabalhado no subtópico.

1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS, SEUS FUNDaMENTOS e a escolha Da INDIVIDUaLIZaçÃo da pena

O Direito Penal é edificado com base em princípios que estão presentes na Constituição Federal (1988), norteando as normas penais que vêm a ser elaboradas. Qualquer norma penal criada em desacordo com os princípios constitucionais deve ser banida do ordenamento jurídico.

Os princípios que foram inseridos na Constituição, de maneira expressa ou implícita, têm a função de orientar o legislador para a realização de um sistema de Direito Penal, voltado para a proteção dos direitos humanos.

Sendo assim, o Direito Penal tem como fundamento alguns princípios que são próprios do Estado Democrático de Direito. Sustenta Lopes (1999, p.72) que, as ideias de igualdade e de liberdade deram um caráter menos cruel ao Direito Penal ao estabelecerem limites à intervenção estatal, resguardando as liberdades individuais. Esses princípios, inicialmente previstos nos Códigos Penais dos países democráticos, foram inseridos, posteriormente, nas Constituições.

Muito se tem discutido a respeito da correta terminologia que deve ser empregada para esses princípios, de modo que a doutrina tem apresentado uma variedade de nomes: “princípios básicos do direito penal”, “princípios informadores do direito penal”, “princípios constitucionais do direito penal” e “princípios limitadores do direito penal”. Apesar de divergirem quanto à nomenclatura a se adotar (mais adequada), os autores convergem no entendimento de que esses princípios são de suma importância para o sistema punitivo, que deve se pautar pelo resguardo das garantias e direitos fundamentais – pilares do Estado Democrático de Direito. 

Ao estudar os princípios básicos do Direito Penal, escreve Nilo Batista (2001, p. 61):

“Tais princípios básicos, embora reconhecidos ou assimilados pelo direito penal, seja através de norma expressa (como, por exemplo, o princípio da legalidade – art. 1° do CP), seja pelo conteúdo de muitas normas a eles adequadas (como, por exemplo, a inexistência de pena de morte ou mutilações – art. 32 CP, e o objetivo de integração social na execução da pena – art. 1° da LEP – com relação ao princípio da humanidade), não deixam de ter um sentido programático, e aspiram ser a plataforma mínima sobre a qual possa elaborar-se o direito penal de um Estado de Direito Democrático.”

Para se estudar o Direito Penal em sua plenitude, necessita-se, antes de tudo, conhecer as suas bases e os princípios que estão previstos na Constituição. Dessa compreensão inicial, pode-se partir para a visão geral do ordenamento jurídico penal. Como será visto a seguir, os doutrinadores têm divergido quanto à enumeração/escolha dos Princípios Básicos do Direito Penal.

Para Lopes (1999, p.75), são princípios básicos do Direito Penal, quanto ao preceito primário: legalidade, intervenção mínima, insignificância, taxatividade, lesividade, culpabilidade e humanidade. Quanto ao preceito secundário, o autor enumera os princípios da proporcionalidade, individualização e finalidade da pena.

Nilo Batista (2001, p. 64) destaca os seguintes princípios básicos do Direito Penal: princípio da legalidade (ou da reserva legal ou da intervenção legalizada); princípio da intervenção mínima; princípio da lesividade; princípio da humanidade; princípio da culpabilidade.

Domitila de Carvalho (1992, p. 53-74) aponta como princípios de maior relevância: o princípio da legalidade e o princípio da culpabilidade.

Palazzo (1989, p. 43-61), igualmente, identifica como princípios de maior importância o princípio da legalidade e o princípio da culpabilidade.

Manuel de Rivacoba y Rivacoba (2000, p.39-54) destaca os seguintes princípios básicos do Direito Penal: “Son, por su orden: principio de la legalidad, principio de la actividad, princípio de ofensividad, principio de subjetividad, principio de proporcionalidad y principio de humanidad.”

Luisi (1991, p. 39-54) apresenta cinco princípios do Direito Penal: princípio da legalidade, da intervenção mínima, da humanidade, da pessoalidade da pena e o da individualização da pena.

Moura Teles (2001, p. 56) aponta, como princípios mais importantes do Direito Penal, estes: o princípio da legalidade, o princípio da extra-atividade da lei penal mais favorável, o princípio da individualização da pena, o princípio da responsabilidade pessoal, o princípio da limitação das penas, o princípio do respeito ao preso e o princípio da presunção de inocência.

Para Luiz Regis Prado (1995, p. 45-51), são princípios básicos do Direito Penal: princípio da legalidade ou reserva legal, princípio da intervenção mínima, princípio da fragmentariedade, princípio da culpabilidade, princípio da humanidade, princípio da irretroatividade da lei penal, princípio da adequação social e princípio da insignificância.

Inobstante se reconheça o valor, bem como a importância, de todos os princípios aqui mencionados, escolheu-se apenas, para trato no presente artigo, o princípio da individualização da pena, restando aos demais um tratamento específico em outro momento. 

1.1 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

O princípio da individualização da pena está previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal de 1988, que dispõe o seguinte: “A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) prestação social alternativa; d) suspensão ou interdição de direitos”.

Tal princípio, insta observar, consagra a isonomia material, isso porque ele atribui tratamento diverso a indivíduos que se encontram em situações distintas (Favoretto, 2012, p. 113). Cuida-se, com efeito, de tratar os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades, objetivando-se a efetiva Justiça.

O processo de individualização da pena, conforme reconhece a doutrina, desenvolve-se em três momentos que se interligam e se complementam. O primeiro momento é o legislativo, também chamado de individualização legislativa: o legislador ao eleger uma conduta como crime deve observar a gravidade da mesma, de modo a estabelecer os patamares mínimo e máximo da sanção penal (pena abstrata).

Sobre o assunto, explica Silva (2012, p. 144): “[…] o legislador deve cominar aos delitos penas proporcionais, que sejam coerentes com a gravidade do injusto penal”. Logo, o legislador não deve impor pena insuficiente, nem muito menos mais gravosa; ela deve simplesmente ser justa/proporcional.

Como exemplo de pena insuficiente, apresenta Favoretto (2012, p. 115) a prevista para o delito de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral): “A mencionada conduta, certamente a mais relevante dentre todos os delitos eleitorais, recebe sanção insuficiente por parte do Estado, de maneira a permitir a concessão de uma série de benefícios penais, fato que não se justifica diante do comportamento de tamanha gravidade”.

Ainda sobre a individualização legislativa, faz-se necessário esclarecer que, de início, o legislador faz uma seleção dos bens a serem tutelados e protegidos. Após, ocorre o processo de valoração, ou seja, de acordo com a importância dos bens protegidos, o legislador irá fixar uma pena correspondente. Quanto maior a importância do bem jurídico lesado, mais grave será a consequência penal.

A vida humana merece uma proteção maior do que o patrimônio. Consequentemente, a sanção para quem pratica um homicídio será muito mais grave do que para aquele que comete um furto.

Segundo Rogério Greco (2000, p. 71):

“A esta fase seletiva, realizada pelos tipos penais no plano abstrato, chamamos de cominação. É a fase que cabe ao legislador, dentro de um critério político, de valorar os bens que estão sendo objeto de proteção pelo Direito Penal, individualizando a pena de cada infração penal de acordo com a sua importância e gravidade.”

Quando o legislador, através de uma lei, incrimina determinada conduta, concomitantemente estabelece uma pena correspondente. Como escreve Luisi (1991, p. 37):

“Não se trata de penas com quantitativos certos e fixos. Também prevê as espécies de pena e muitas vezes as prevê de forma alternativa, e mesmo, em outras ocasiões, dispõe a sua aplicação cumulada. Em outros textos normativos, viabiliza as substituições da pena, geralmente as mais graves por espécies mais atenuadas.”

Na individualização legislativa também se fixam regras para serem seguidas nas posteriores individualizações da pena. Assim, a lei estabelece o caminho que deve ser trilhado pelo juiz no momento da aplicação da pena ao caso concreto. A execução penal também encontra suas diretrizes na lei.

O segundo momento é o da individualização judiciária. Segundo Luisi (1997, p. 37):

“[…] tendo presente as nuanças da espécie concreta e uma variedade de fatores que são especificamente previstos na lei penal, o juiz vai fixar qual das penas é aplicável, se previstas alternativamente, e acertar seu quantitativo entre o máximo e o mínimo fixado para cada tipo realizado, e inclusive determinar o modo de sua execução”.

O poder discricionário (o que não quer dizer totalmente livre!) de aplicar a pena é confiado ao juiz pelo ordenamento jurídico. Sobre o assunto, leciona Luiz Regis Prado apud Favoretto (2012, p. 118):

“[…] a individualização judiciária da sanção implica significativa margem de discricionariedade, que deverá ser balizada pelos critérios consignados no artigo 59 do Código Penal e pelos princípios penais de garantia. Trata-se, pois, de discricionariedade juridicamente vinculada.”

No momento em que o juiz cumpre o que consta no artigo 59 do Código Penal, individualizando a pena, ele fixa a exata proporção entre o crime e a sanção penal correspondente. Trata-se não só de um dever do Estado, no exercício de punir quem violar o ordenamento penal, mas também um direito do condenado, de saber com exatidão as razões porque lhe foi aplicada determinada pena.

A motivação da sentença exerce, então, uma dupla função. Em primeiro lugar, protege o cidadão contra o arbítrio do juiz. Em segundo lugar, representa uma garantia para o Estado que deseja que sua vontade seja cumprida nos exatos termos em que foi determinada, propiciando, destarte, a correta administração da justiça.

No Estado Democrático de Direito, a sanção penal tem finalidade, essencialmente, pública. Pela primeira vez em nosso ordenamento jurídico, foi enunciado, no artigo 59 do Código Penal, que a finalidade da sanção seria não só retribuir o mal causado, como também prevenir novas práticas criminosas.

As regras básicas, que orientam a individualização judiciária, estão previstas no artigo 59 do Código Penal. Inicialmente, deve o juiz escolher a pena aplicável dentre as cominadas; após, deve determinar a quantidade da pena aplicável, dentro dos limites previstos; o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Todo esse caminho deve ser trilhado observando sempre a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias do crime, bem como o comportamento da vítima.

Levantando a necessidade de o juiz se orientar pelo princípio da individualização da pena, o Supremo Tribunal Federal, numa interpretação conforme a Constituição, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade dos artigos 33, §4º e 44 da Lei 11.343/06, admitindo, em observância ao caso concreto, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos:

“Ressaltou que a Corte, ao analisar o HC 97256/RS (DJe de 16.12.2010), declarara incidenter tantum a inconstitucionalidade dos artigos 33, § 4º, e 44, caput, da Lei 11.343/2006, na parte em que vedada a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo delito de tráfico. Ponderou que a negativa de substituição, naquele caso, calcara-se exclusivamente na proibição legal contida no referido art. 44, sem qualquer menção às condições pessoais do paciente, o que não seria possível. Afirmou que o legislador facultaria a possibilidade de substituição com base em critérios objetivos e subjetivos, e não em função do tipo penal. Ressaltou que se a Constituição quisesse permitir à lei essa proibição com base no crime em abstrato, teria incluído a restrição no tópico inscrito no art. 5º, XLIII, da CF. Desse modo, a convolação de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos deveria sempre ser analisada independentemente da natureza da infração, mas em razão de critérios aferidos concretamente, por se tratar de direito subjetivo garantido constitucionalmente ao indivíduo. Sublinhou que, à luz do precedente citado, não se poderia, em idêntica hipótese de tráfico, com pena privativa de liberdade superior a quatro anos — a impedir a possibilidade de substituição por restritiva de direitos —, sustentar a cogência absoluta de que o cumprimento da reprimenda se desse em regime inicialmente fechado, como preconizado pelo § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Consignou que a Constituição contemplaria as restrições a serem impostas aos incursos em dispositivos da Lei 8.072/90, e dentre elas não se encontraria a obrigatoriedade de imposição de regime extremo para início de cumprimento de pena. Salientou que o art. 5º, XLIII, da CF, afastaria somente a fiança, a graça e a anistia, para, no inciso XLVI, assegurar, de forma abrangente, a individualização da pena.
HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 14.6.2012. (HC-111840)” – Grifo nosso

Sobre o tema, esclareça ainda que, dois são os sistemas de aplicação da pena comumente estudados pela doutrina. O primeiro, chamado método Roberto Lyra, enuncia que o juiz deve obedecer a dois momentos, para fixar a pena. Por esse sistema, o juiz estabelecerá a pena-base segundo os critérios gerais do artigo 59, atendendo ainda, às situações contidas nos artigos 61 a 67, todos do Código Penal. Em seguida, observará as causas especiais de aumento ou de diminuição de pena.  

O segundo método, chamado Nelson Hungria, e adotado por nosso Código Penal, estabelece que o juiz deve observar três momentos, ou três fases, quando for transformar a pena cominada abstratamente numa pena concreta.

Com efeito, o artigo 68 do Código Penal dispõe: “A pena-base será fixada atendendo-se aos critérios do artigo 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”.

Por esse método, fixa-se, inicialmente, a pena-base, segundo o que preceitua o artigo 59 do Código Penal. Em seguida, deve ser observada a existência de circunstâncias agravantes e atenuantes. Por fim, na terceira etapa, aplicam-se as causas especiais de aumento ou de diminuição de pena.

As circunstâncias judiciais estão previstas no artigo 59 do Código Penal e servem para estabelecer critérios que devem ser obedecidos pelo julgador no momento em que fixa a pena-base, entre os limites abstratos da sanção contidos na lei penal.

Ao analisar o artigo 59 do Código Penal, escreve Mirabete (2000, p. 293):

“[…] nos termos do dispositivo em estudo, o juiz deve levar em conta, de um lado, a ‘culpabilidade’, os ‘antecedentes’, a ‘conduta social’ e a ‘personalidade do agente’, e, de outro, as circunstâncias referentes ao contexto do próprio fato criminoso, como os ‘motivos’, as ‘circunstâncias do crime’, bem como o ‘comportamento da vítima’. Diante desses elementos, que reproduzem a biografia moral do condenado de um lado, e as particularidades que envolvem o fato criminoso do outro, o juiz deve escolher a modalidade e a quantidade da sanção cabível, segundo o que lhe parecer necessário e suficiente para atender os fins da pena.”

No processo de individualização da pena, não basta que o juiz, no momento da prestação jurisdicional, faça referência ou alusão aos parâmetros elencados no artigo 59 do Código Penal. A repetição do texto da lei não significa individualizar a pena. Para que exista o exato cumprimento da individualização judiciária, é necessário que o juiz, de forma clara e objetiva, estabeleça o conteúdo, o sentido e o alcance de cada referencial.

Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“Não responde à exigência de fundamentação de individualização da pena-base e da determinação do regime inicial da execução de pena a simples menção aos critérios enumerados em abstrato pelo art. 59, CP, quando a sentença não permite identificar os dados objetivos e subjetivos a que eles se adequariam, no fato concreto, em desfavor do condenado” (STF- HC 68.751- Rel. Sepúlveda Pertence – DJU, de 1. 11. 91, p. 15.569).

O segundo momento na fixação da pena é a análise das circunstâncias agravantes e atenuantes. Os artigos 61 e 62 do Código Penal tratam das circunstâncias agravantes de aplicação obrigatória. O juiz não pode, diante das circunstâncias agravantes, deixar de agravar a pena, todavia, o quantum da agravação fica ao seu livre arbítrio, devendo estar ligado às circunstâncias do fato. Se a pena-base for aplicada no máximo, não haverá incidência das circunstâncias agravantes, posto que, assim como as atenuantes, elas não podem ultrapassar os limites da pena abstrata.  

Segundo o magistério de Alberto Silva Franco (1993, p. 752), as agravantes revelam particular culpabilidade do agente, aumentando a reprovabilidade da ordem jurídica sobre ele.

As circunstâncias agravantes têm incidência plena nos crimes dolosos, todavia, sendo o crime culposo, apenas a reincidência poderá ser considerada no momento da aplicação da pena.

As circunstâncias atenuantes estão previstas no artigo 65 do Código Penal e expressam diminuição da culpabilidade do agente diante do crime cometido. Elas influem na mensuração da pena a ser aplicada pelo juiz, havendo sempre uma diminuição obrigatória, porém, indefinida.

O Código Penal inovou quando estabeleceu no artigo 66 uma circunstância atenuante não expressa: “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”. Trata-se de uma circunstância inominada e de conteúdo variável.

Mirabete (2000, p. 309) oferece alguns exemplos de circunstâncias inominadas:

“[…] a extrema penúria do autor de um crime conta o patrimônio, o arrependimento do agente, a confissão voluntária de crime imputado a outrem ou de autoria ignorada, a facilitação do trabalho da justiça com a indicação do local onde se encontra o objeto do crime, a recuperação do agente após o cometimento do crime.”

A terceira etapa na fixação da pena diz respeito às causas de aumento (majorantes) e de diminuição (minorantes) da pena, que estão distribuídas por todo o Código Penal, tanto na Parte Geral quanto na Parte Especial, diferentemente do que ocorre com as agravantes e as atenuantes, previstas tão só na Parte Geral. Destaque-se ainda que, nesta fase, os limites da pena abstrata podem ser ultrapassados.

A terceira fase de individualização da pena é a da execução, também chamada individualização executória. Segundo os ensinamentos de Nogueira (1993, p. 3):

“A execução é a mais importante fase do direito punitivo, pois de nada adianta a condenação sem que haja a execução da pena imposta. Daí o objetivo da execução penal, que é justamente tornar exeqüível ou efetiva a sentença criminal, que impôs ao condenado determinada sanção pelo crime praticado”.

Existe na Constituição de 1988 uma série de preceitos que dispõe sobre a execução da pena. O inciso XLIX do artigo 5°, por exemplo, dispõe: “é assegurado aos presos o respeito à sua integridade física e mental”. O inciso XLVIII do mesmo artigo, por sua vez, prevê que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, da idade e o sexo do apenado”. No inciso L, do mesmo dispositivo legal, vem estabelecido que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.”

Ao tratar dos direitos do preso e sua previsão constitucional, escreve Moraes (2000, p. 242):

“A Constituição Federal, ao proclamar o respeito à integridade física e moral do preso, em que pese à natureza das relações estabelecidas entre a Administração Penitenciária e os sentenciados a penas privativas de liberdade, consagra a conservação por parte dos presos de todos os direitos fundamentais reconhecidos à pessoa livre, com exceção obviamente, daqueles incompatíveis com a sua condição peculiar de preso, tais como a liberdade de locomoção (CF, art. 5°, XV), livre exercício de qualquer profissão (CF, art. 5°, XIII), inviolabilidade domiciliar em relação a cela (CF, art. 5°, XI), exercício dos direitos políticos (CF, art. 15, III). Porém, o preso continua a sustentar os demais direitos e garantias fundamentais, por exemplo, à integridade física e moral (CF, art. 5°, III, V, X e LXIV), à liberdade religiosa (CF, art. 5°, VI), ao direito de propriedade (CF, art. 5°XXII), entre inúmeros outros, e, em especial, aos direitos à vida e a dignidade humana.”

A importância desses preceitos constitucionais é retratada com muita precisão por Cernicchiaro e Costa Júnior (1995, p. 143):

“De início, cumpre frisar não representam simples recomendações para a execução da sentença condenatória. Dirige-se também ao Direito Penal. Especificamente como balizas ao legislador que elabora a norma penal, definindo delitos e cominando as respectivas sanções. Embora os incisos mencionem ‘presos’ e presidiários, pessoas submetidas, quando menos, à prisão processual, sem impedir que se compreenda o definitivamente condenado, antes de tudo, definem que nenhuma pena pode afrontar a integridade física e moral de ninguém e, pelo menos no período de amamentação, não poderá separar a mãe do seu filho.”

O artigo 37 do Código Penal vem disposto da seguinte forma: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio, observando-se os deveres e direitos inerentes a sua condição pessoal, bem como, no que couber, o disposto neste capítulo.” E o artigo 38 do Código Penal reza: “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.”

Vê-se, assim, que o preso conserva todos os direitos não alcançados pela condenação. Convém, todavia, lembrar que, pelo artigo 15, inciso III da CF/88, o condenado tem suspensos os seus direitos políticos, enquanto durar os efeitos da condenação criminal irrecorrível, o que recebeu de Fragoso (1980, p. 41) a seguinte critica:

“A suspensão dos direitos políticos também é infundada, servindo para estigmatizar o preso e marcar a sua separação do mundo livre. Em Attica, o Comissário Correcional de Nova Iorque concordou com as exigências dos presos, no sentido da liberdade de ação política. A essa liberdade tem de corresponder o direito do voto”.

A atenção que vem sendo destinada aos direitos humanos do preso é consequência direta da luta que se travou durante o regime autoritário para proteger os direitos humanos dos presos políticos. Estes, além de sofrerem uma série de restrições em seus direitos, foram submetidos a expiações indescritíveis.

Sobre o assunto, escreve Nogueira (1994, p. 55):

“E essa luta que se desenvolveu em favor do preso político teve sua extensão aos direitos do preso comum, quase sempre privado dos seus mais elementares direitos, não só por desinteresse das próprias autoridades encarregadas da execução da pena, como, principalmente, pela completa ausência do Estado na solução dos problemas sociais, sempre relegados a um segundo plano, por falta de verbas, enquanto os gastos públicos são dirigidos para a propaganda promocional ou construção de obras desnecessárias e faraônicas.”

Com muita precisão, Mirabete (1988, p. 134) retrata o interesse atual pelos direitos dos presos:

“O interesse atual pelos direitos humanos é, de certa forma, um reflexo do movimento geral de defesa dos direitos da pessoa humana. Ninguém ignora que os presos, em todos os tempos e lugares, sempre foram vítimas de excessos e discriminações quando submetidos aos cuidados dos guardas ou carcereiros de presídio, violando-se assim aqueles direitos englobados na rubrica de ‘direitos humanos’. Definem-se estes como os direitos que naturalmente correspondem a cada pessoa pelo simples fato de serem humanos e em razão da dignidade a tal condição e às de liberdade, segurança, igualdade, justiça e paz em que toda pessoa deve atuar e viver.”

Ainda sobre os direitos dos presos, escreve Zaffaroni e Pierangeli (1999, p. 800):

“A idéia dos direitos do preso tem origem bem recente. Decorre da conseqüência  lógica de se considerar a privação da liberdade como uma medida extremada, cujos limites devem ser estabelecidos, e que, em definitivo, é reforçado pela comprovação de que é um mal, para o qual ainda não se encontrou substituto, e nem mesmo parece existirem esforços sérios para reduzi-lo, pelo menos na América Latina.”

Alexandre de Moraes (2000, p. 244), ao tratar das regras internacionais de proteção aos direitos dos reclusos, afirma que a ONU consagra a igualdade como princípio básico. Além disso, prevê a necessidade de separação dos reclusos em diversas categorias, levando em consideração a idade, o sexo, antecedentes penais e medidas necessárias a aplicar. E, por fim, é estabelecido um sistema de disciplinas e sanções.

O Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, em seu artigo 5°, trata do Direito à integridade pessoal, da seguinte forma:

“1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite a sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

3. A pena não pode passar da pessoa do delinqüente.

4.Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, a ser submetido a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas.

5.Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento.

6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social do condenado.”

A Lei de Execução Penal estabelece, em seu artigo 41, alguns Direitos do preso:

“Constituem Direitos do preso: I- alimentação suficiente e vestuário; II- atribuição de trabalho e sua remuneração; III- previdência social; IV- constituição de pecúlio; V- proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI- exercício de atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII- assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII- proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX- entrevista pessoal e reservada com o advogado; X- visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI- chamamento nominal; XII- igualdade de tratamento salvo exigências da individualização da pena; XIII- audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV- representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV- contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.”

Apresentados alguns dos vários benefícios concedidos ao preso, quando do cumprimento da sanção penal, imperioso se faz trazer à lume a questão do regime inicial para cumprimento de pena pela prática de crimes hediondos e equiparados. 

Inicialmente, os condenados pela prática de crimes hediondos e equiparados tinham de cumprir a pena em regime integralmente fechado, não sendo permitida a progressão. Porém, depois do julgamento do HC 82959/06, tal situação mudou: a imposição de regime integralmente fechado, para autores de crimes hediondos e equiparados, foi considerada inconstitucional, o que motivou a criação e promulgação da Lei 11.464/07.

Com tal lei, a progressão de regime para quem comete crimes hediondos e equiparados passou a ser permitida. Persistindo, ainda, no entanto, divergências quanto à constitucionalidade do dispositivo que prevê o cumprimento de pena em regime inicialmente fechado: questiona-se se o princípio da individualização da pena não estaria sendo violado, posto que se estaria determinando o regime inicial fechado, impossibilitando valoração e escolha de outro regime.

Favoretto (2012, p. 124) defende que:

“[…] não consideramos haver ofensa alguma ao princípio da individualização da pena. Crimes Hediondos e Crimes Comuns devem receber tratamento distinto, postura que, pelo conteúdo das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, vem sendo cada vez mais mitigada.”

O STF, em recente decisão, posicionou-se, com efeito, pela admissibilidade de regime diverso para o início do cumprimento da pena imposta pela prática de crime hediondo ou equiparado:

“Assinalou que, a partir do julgamento do HC 82959/SP (DJe de 1º.9.2006), o STF passara a admitir a possibilidade de progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos, tendo em conta a declaração de inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Frisou que essa possibilidade viera a ser acolhida, posteriormente, pela Lei 11.464/2007, que modificara a Lei 8.072/90, para permitir a progressão. Contudo, estipulara que a pena exarada pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados seria, necessariamente, cumprida inicialmente em regime fechado. Concluiu que, superado o dispositivo adversado, deveria ser admitido o início de cumprimento de reprimenda em regime diverso do fechado, a condenados que preenchessem os requisitos previstos no art. 33, § 2º, b; e § 3º, do CP. HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 14.6.2012.” (HC-111840)

A questão resta controversa, de modo que, deve-se sempre pensar nos princípios constitucionais, ponderando-se os valores da ordem constitucional.

CONSIDERaÇÕES FINaIS

Como visto, o princípio da individualização da pena se desdobra em três momentos distintos, todavia, interligados. O primeiro diz respeito à individualização legislativa, o segundo à individualização judiciária, o terceiro, e último, à individualização da execução da pena.

Na individualização legislativa, o legislador escolhe as condutas mais gravosas para tipificar como crime, estabelecendo, ainda, a pena abstrata do mesmo.

Na individualização judiciária, o juiz aplica a pena abstrata ao caso concreto, perpassando, no sistema atual, por três fases.

Na individualização executória, o juiz da execução penal observa os benefícios a que os presos têm direito, concedendo-os quando devidos.

Importa observar que, independentemente da etapa da individualização que se estiver a realizar, o princípio da individualização da pena consagra a isonomia material, isso porque ele atribui tratamento diverso a indivíduos que se encontram em situações distintas, primando, assim, pela efetivação da Justiça e pelo respeito às garantias constitucionais.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Luciano de Almeida Maracajá

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará (2002); Professor de Direito Penal na Universidade Estadual da Paraíba e Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Paraíba


Equipe Âmbito Jurídico

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