Princípios do Direito do Consumidor

Entender os princípios consagrados pelo Código de Defesa do Consumidor é um dos pontos de partida para uma boa compreensão do sistema protetivo dos vulneráveis[1] negociais.

É de se frisar que todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente. Isso ocorre porque processualmente o consumidor pode ou não possuir meios de obtenção de prova cabal.

Afinal o CDC adotou um sistema aberto de proteção baseado em conceitos legais indeterminados e ainda em construções vagas que possibilitam a melhor adequação aos casos concretos.

Realizando a confrontação principiológica entre o CDC e o Código Civil percebemos que muitos de seus conceitos encontram raízes na Lei 8.078/1990. E devido à aproximação entre o C.C. de 2002 e o CDC, a professora Cláudia Lima Marques, a partir da lição de Erik Jayme propõe diálogos das fontes onde se dá prevalência a coerência de complementariedade e de subsidiariedade.

No plano conceitual os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

Enfim os princípios são regras de conduta que norteiam o juiz na interpretação da norma, do ato ou negócio jurídico. Os princípios são vetores axiológicos e ideológicos e como regras estáticas que carecem de concreção. E tem como função primordial auxiliar o julgador no preenchimento de lacunas. Também são aplicáveis de forma subsidiária e possuem incidência imediata.

Os princípios podem ser extraídos nos arts. 1º, 4º e 6º do CDC e, ainda existem os princípios implícitos, como é o caso do princípio de boa-fé objetiva[2] e ainda a função social dos contratos.

O art. 1º do CDC acena com o princípio do protecionismo do consumidor por isto o CDC estabelece normas de ordem pública e de interesse social.

Sempre lembrando que a proteção dos consumidores representa um dos fundamentos da ordem econômica brasileira. Por ser de ordem pública, a normatização do CDC, veio a Lei 12.291/2010 determinar como obrigatória a exibição de um exemplar do CDC em todos os estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços do país, sob pena de multa no valor de R$ 1.064,10 (hum mil e sessenta e quatro reais e dez centavos).

O princípio do protecionismo do consumidor[3] impõe que as regras do CDC não podem ser afastadas nem mesmo por convenção das partes, sob pena de nulidade absoluta.

Aliás, o art. 51, inciso XV do CDC segundo o qual são nulas de pleno direito as cláusulas abusivas que estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor. A segunda consequência é que caberá a intervenção do Ministério Público em questões envolvendo problemas de consumo.

O art. 82, inciso II do CPC enuncia que compete ao MP intervir nas ações em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte, o que é justamente o caso de demandas de consumo.

A terceira consequência que toda a prestação constante no CDC deve ser conhecida de ofício pelo juiz, caso de nulidade eventual cláusula abusiva.

A vulnerabilidade do consumidor segundo o art. 4º do CDC e de acordo com a realidade da sociedade de consumo, não há como afastar, tal posição desfavorável, principalmente se forem consideradas as revoluções pelas quais passaram as relações jurídicas e comerciais nas últimas décadas.

As desigualdades oriundas do liberalismo que não encontram resposta cabal para a solução de problemas decorrentes da crise de relacionamento e de lesionamentos que sofrem os consumidores. Por isso, a necessidade de elaboração de lei protetiva própria, no caso a Lei 8.078/90.

A vulnerabilidade é mais que um estado da pessoa, inerente de risco ou sinal de confrontação excessiva de interesses identificados no mercado. A vulnerabilidade é resultante de presunção iure et iure, não aceitando declinação de prova em contrário, sob nenhuma hipótese.

A vulnerabilidade é conceito diverso da hipossuficiência[4]. Todo consumidor é vulnerável, mas nem sempre é hipossuficiente. A vulnerabilidade é elemento posto da relação de consumo e não um elemento pressuposto, em regra. O elemento pressuposto é a condição de consumidor.

Para a vulnerabilidade pouco importa a situação política social, econômica ou financeira da pessoa, bastando a condição de consumidor conforme o enquadramento do arts. 2ª e 3º do CDC.

O princípio da hipossuficiência do consumidor esculpido no art. 6º, inciso VIII da Lei 8.078/90 é condição fática e não jurídica diante do caso concreto. Pode ser técnica, pelo desconhecimento em relação ao produto ou serviço adquirido, sendo perceptível na maioria dos casos. Leva em consideração a situação socioeconômica do consumidor perante o fornecedor.

Também se caracteriza quando há a situação jurídica em que o consumidor é impedir de conseguir prova[5] que se tornaria indispensável para responsabilizar o fornecedor causador de dano verificado.

A hipossuficiência é um plus, um algo a mais que traz ao consumidor, mais um benefício qual seja a possibilidade de pleitear no campo judicial, a inversão do ônus da prova, conforme estatui o art. 6º, VIII do CDC.

Conforme posicionamento dominante na doutrina e na jurisprudência, notadamente o STF, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor é regra de julgamento. A doutrina começou a desenvolver uma teoria a chamada teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova ou das cargas probatórias dinâmicas para flexibilizar a distribuição do ônus da prova de acordo com as peculiaridades do caso concreto.

E tal redistribuição do ônus da prova se justifica plenamente pela perspectiva constitucional do processo, tendo em vista os princípios basilares da ampla defesa, da cooperação e da igualdade entre os litigantes.

A referida teoria fora delineada e sistematizada na Argentina pelos estudos de Jorge W.Peryano no final do século XX. O relevante nessa teoria é saber quem tem maior facilidade de produção daquela prova[6], de forma a esclarecer os fatos controvertidos e ter uma solução justa no caso concreto.

A matéria é deveras controvertida e tem como pano de fundo o debate acerca da natureza jurídica do ônus da prova, ou seja, se ele deve ser compreendido como regra de julgamento para o juiz ou regra para as partes.

É que, uma vez reputado apenas como regra de julgamento[7], da qual se vale o julgador no momento da decisão, diante da ausência de prova quanto a fato relevante e da impossibilidade de pronunciamento non liquet, para proferir a sentença em desfavor da parte que deveria produzir a prova e não o fez, será admitida a distribuição dinâmica apenas nesse momento.

Em contrapartida, considerando-se o ônus da prova também como regra de conduta, que orienta a atividade das partes no processo durante a instrução, indispensável será o pronunciamento do magistrado quanto à repartição do encargo probatório de antemão, logo na abertura da fase instrutória, a fim de que os litigantes estejam previamente cientes da sua responsabilidade e dos riscos que poderão ser suportados por cada qual.

Princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, inciso III do CDC) tem sua real importância por ser um dos princípios basilares da Política Nacional das Relações de Consumo e busca a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilizando com a proteção do consumidor com a necessidade do desenvolvimento econômico e tecnológico.

Assim a boa-fé contratual prevista no Código Civil relaciona-se com o art. 4º, inciso III do CDC confirmada pelo Enunciado 27 do CJF que informa: “na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema e fatores metajurídicos”.

Assim o enunciado reconhece o imperioso diálogo existente entre as duas leis numa feliz conexão legislativa. Como é sabido, a boa-fé objetiva representa uma evolução do conceito que saiu do plano psicológico ou intencional (o da boa-fé subjetiva) para o plano concreto da atuação humana (boa-fé objetiva).

Cumpre assinalar que foi com o jusnaturalismo e toda a influência católica e cristã que a boa-fé ganhou uma nova faceta relacionada com a conduta dos negociantes sendo chamada de boa-fé é uma regra histórica de comportamento. Então partiu da subjetivação para a objetivação sendo consolidado pelas codificações privadas europeias.

E o Enunciado 26 do Conselho de Justiça Federal aponta que a boa-fé vem a ser exigência de um comportamento de lealdade dos participantes negociais em todas as fases do negócio.

A boa-fé objetiva gera os deveres anexos ou laterais de conduta que são inerentes a qualquer negócio, sem a necessidade de previsão no instrumento. Entre estes deveres merece maior destaque: o dever de cuidado, o dever de informar, o dever de respeito, o dever de lealdade, o dever de probidade e o dever de informar, o dever de transparência, o de agir honestamente e com razoabilidade.

Convém destacar igualmente que o princípio da boa-fé objetiva possui três funções básicas, a saber: a) servir de fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual (função criadora); b) constituir causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo (função limitadora); c) ser utilizada na concreção e interpretação dos contratos (função interpretativa).

Afinal, a boa-fé se traduz em ser cooperação e respeito, é conduta esperada e leal e tutela todas as relações sociais. Traz a noção de equilíbrio negocial.

O art. 9º do CDC valoriza a boa-fé objetiva ao prever o dever do prestador de serviços ou fornecedor de informar ao consumidor quanto ao perigo ou nocividade do produto ou serviço que coloca no mercado, visando a proteção da sua saúde e da sua segurança.

É curial importância frisar a existência da responsabilidade objetiva prevista nos artigos 12, 14 e 18 do CDC que traz as consequências decorrentes do desrespeito do dever, havendo ampliação de responsabilidade inclusive pela informação mal prestada.

Em relação aos meios de oferta, o CDC consagra normas conforme o seu art. 31 que impõe a necessidade de informações precisas quanto à essência, quantidade, qualidade do produto ou serviço.

Também há a proibição da publicidade simulada, abusiva e enganosa[8] conforme os arts. 36 e 37 do CDC.

No art. 39 do CDC estabelece o conceito de abuso de direito como precursor da ilicitude de situações, com a penalização civil de condutas que não obedecem à boa-fé objetiva.

Ainda os Enunciados 25 e 170 do CTF aprovados nas Jornadas de Direito Civil estabelecendo que o juiz deve aplicar e as partes devem respeitar a boa-fé objetiva nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual.

O princípio da transparência ou da confiança previsto no art. 4º, caput e art. 6º, III do CDC que consolida a tutela da informação. No mundo contemporâneo os juristas observaram o déficit de informação do Direito Privado e ainda, o ato poder da publicidade principalmente nos meios midiáticos.

A informação no âmbito jurídico se desdobra no dever de informar e o direito de ser informado, sendo o primeiro relacionado com quem oferece o produto ou serviço e, o segundo, com o consumidor vulnerável.

O amparo da informação consta no caput do art. 4º do CDC que possibilita a aproximação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor.

Com isso, há regras específicas para disciplinar publicidade[9] nos arts. 30 e 28 do CDC. Cabendo o cumprimento forçado do meio de oferta, por meio de tutela processual específica, nos termos dos arts. 35 e 84 do CDC.

O princípio da função social do contrato e o CDC representam prova inconteste de que não se pode mais aceitar o contrato regido pela autonomia de vontade ilimitada e com sua força obrigatória (pacta sunt servanda).

A sociedade sob o domínio do capital deve rever os contratos notadamente os contratos de consumo. A mitigação da obrigatoriedade da convenção principalmente na hipótese em que o negócio jurídico celebrado encerra uma injustiça.

A relativização do pacta sunt servanda é trazida pela função social do contrato. O principal objetivo da função social dos contratos é tentar equilibrar uma situação onde em geral o consumidor sempre foi vítima das abusividades.

É principio contratual de ordem pública conforme estatui o art. 2.035, parágrafo único, do Código Civil de 2002, pelo qual o contrato deve ser necessariamente interpretado e visualizado de acordo com o contexto da sociedade.

Está expresso no art. 421 do C.C. e valoriza a finalidade coletiva dos contratos representando uma nítida limitação ao exercício da autonomia privado no campo contratual.

No CDC o princípio da função social é implícito mesmo sendo aplicável na revisão dos contratos de consumo fundada na teoria da base do negócio jurídico (Larenz) e da culpa in contrahendo[10] (Ihering).

A função social do contrato constitui um regramento que tem tanto eficácia interna, ou seja, entre os contratantes quanto à eficácia externa (que vai além dos contratantes).

Aprovou-se o Enunciado 21 do CJF que estabelece que a função social do contrato que representa uma exceção do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, possibilitando a tutela externa do crédito, ou seja, a eficácia do contrato perante terceiros.

Exemplo desta aplicação é a jurisprudência do STJ que tem entendido que a vítima de um acidente de trânsito pode demandar diretamente a seguradora do culpado, mesmo não havendo uma relação contratual de fato entre eles. (Vide: STJ, Resp 444716/BA, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11/05/2004, DJ 31/05/2004, p.300).

Nessa decisão se reconhece que a função social dos contratos está estribada no princípio da solidariedade social, conforme o art. 3º, I da CF/1988, ampliando-se as responsabilidades, o que gera o dever de reparar por parte da seguradora, mesmo não tendo contrato assinado e firmado, formalmente com a vítima do acidente.

O CDC inseriu a regra de que mesmo uma simples onerosidade excessiva ao consumidor, decorrente de fato superveniente, poderá ensejar a chamada revisão contratual (art. 6º, V do CDC).

É preciso conectar a eficácia interna da função social dos contratos com a conservação dos negócios jurídicos, sendo a extinção contratual tida como última medida.

Como tendência em prol da conservação contratual nos socorre a teoria de adimplemento substancial[11] ou substancial performance amplamente admitida pela doutrina e jurisprudência.

O Enunciado 261 do CJF aduz que: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”.

Pela teoria do adimplemento substancial em hipótese em que a obrigação tiver sido quase toda cumprida, sendo a mora insignificante, não caberá a extinção do negócio, mas apenas outros efeitos jurídicos visando sempre à manutenção da avença. (Vide STJ Ag. Rg. 607.406/RS, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 25/3/2003, DJ 05/5/2003, p. 310, RiNDJ 43/122).

Todo o contrato deve ser, regra geral, mantido e conservado, sendo admitida a sua resolução ou revisão somente quando no mundo fático, de modo a tornar insuportável a manutenção do relacionamento negocial.

A conservação contratual pode ser vista em razão do art. 51, §2º do CDC que estabelece explícita vedação de nulidade automática de todo o negócio jurídico pela presença de cláusula abusiva. Pois a nulidade da cláusula abusiva não invalida o contrato exceto quando de sua ausência decorrer um ônus excessivo a qualquer das partes.

Decretando-se a nulidade da cláusula desproporcional, mas mantendo-se todo o resto do negócio jurídico. A parte inútil do negócio geralmente prejudica a parte útil do negócio.

O princípio da equivalência negocial[12] previsto no art. 6º, inciso II do CDC. Por esse princípio é garantida a igualdade de condições no momento da contratação ou de aperfeiçoamento da relação jurídica patrimonial. Reserva-se um tratamento isonômico a todos os consumidores.

Com o advento do CDC, leciona Cláudia Lima Marques, o contrato passa a ter equilíbrio, conteúdo ou equidade mais controlado, valorizando-se o seu sinalagma. Segundo Gernhuber, o sinalagma é elemento imanente e estrutural dos contratos, é a dependência genética, condicionada e funcional de pelo menos duas prestações correspectivas, é o nexo final oriundo da vontade das partes, é moldado pela lei.

Lembremos que sinalagma não significa apenas a bilateralidade mas, sim um modelo de organização de relações privadas. O papel preponderante sobre a vontade das partes, a impor uma maior boa-fé nas relações de mercado, conduz o ordenamento jurídico a controlar mais efetivamente este sinalagma, e por consequência, o equilíbrio contratual.

Mas entre os consumidores podemos identificar os hipervulneráveis tais como idosos, portadores de necessidades especiais, crianças e adolescentes e outros que merecem redobrada proteção.

Pelo princípio da equivalência negocial, assegura-se ao consumidor o direito de conhecer o produto ou o serviço que está adquirindo de acordo com a ideia de plena liberdade de escolha e do devedor anexo de informar.

O Decreto 4.680/2003 que regulamenta o direito à informação, prevendo o seu art. 1º, o dever dos fornecedores de informar quanto os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano o animal que contenham organismos geneticamente modificados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis.

O art. 10 do CDC veda a colocação de produto ou serviço que ofereça alto grau de nocividade à saúde, à segurança.

E, nesse caso, há o dever geral de vigilância e informação que atinge inclusive também a fase pós-contratual, ou seja, um momento posterior ao aperfeiçoamento do contrato.

E, para algumas situações, os artigos 81 e 82 do CDC ainda preveem a possibilidade de defesa de interesses e direitos individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos, o que faz ser possível a proteção coletiva dos consumidores.

O princípio da reparação integral dos danos é previsto no art. 6º, inciso VI do CDC e também assegura aos consumidores as efetivas prevenção e reparação de todos os danos suportados, sejam eles materiais ou morais, individuais, coletivos ou difusos. Também faz jus aos lucros cessantes.

O dano moral coletivo é modalidade de dano que atinge ao mesmo tempo, vários direitos da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis. Em sede jurisprudencial superior o principal julgado que admitiu a reparação dos danos morais coletivos foi exarado pela Terceira Turma do STJ no famoso caso das pílulas de farinha[13].

O referido tribunal decidiu por indenizar as mulheres que tomaram as referidas pílulas e vieram a engravidar, o que não estava planejado. A indenização foi em face da Schering do Brasil, que fornecia o anticoncepcional chamado de Microvlar, presente na decisão numa apurada análise de extensão do dano em relação  às consumidoras. (Vide STJ, Resp 866.636/SP, 3ªT., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29/11/2007, DJ 06/12/2007, p.312).

Podemos deduzir três conclusões em face do retromencionado julgado, a saber: a primeira é que o PROCON como entidade de defesa dos consumidores, com legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos com clara repercussão social.

A segunda conclusão é no sentido de que os danos morais podem ser coletivos e não só individuais, o que é claro, pela leitura do art. 6º, inciso VI do CDC.

A terceira e derradeira conclusão e que as mulheres que engravidaram sofreram lesão à personalidade diante de uma situação não esperada ou não planejada.

Obviamente não é o nascimento do filho que causa dano moral, mas a frustração de uma opção pessoal. Sobre o dano difuso este pode ser visualizado como dano social principalmente pela diminuição de qualidade de vida.

Constata-se que tais prejuízos podem gerar repercussões gerais ou morais, o que os diferencia dos danos morais coletivos, pois os últimos são apenas extrapatrimoniais.

Os danos sociais são danos difusos e atingem pessoas indeterminadas ou indetermináveis, conforme os termos do art. 81, parágrafo único do CDC. Devendo, ser instituído um fundo de proteção para indenizar de acordo com os direitos atingidos, ou mesmo para instituição de caridade, a critério do juiz.

Evidenciando a reparação de danos difusos e sociais temos o caso de sistema de loterias chamado TOTO BOLA[14] que gerou danos à sociedade. Uma vez fixada a indenização, os valores foram revertidos a favor do fundo gaúcho de proteção de consumidores (in TJRS – Recurso Cível -71001281054 – 1ª Turma Recursal Cível. Rel. Des. Torres Hermann – j.12.07.2007).

Com intuito didático, resumiremos que os danos morais coletivos atingem vários direitos da personalidade; direitos individuais homogêneos ou coletivos em sentido stricto C(ocorrem vítimas determinadas ou determináveis). Neste caso, a indenização é destinada para as próprias vítimas.

Danos sociais ou difusos que causam rebaixamento no nível de vida da coletividade. As vítimas são indeterminadas e, a indenização é dirigida para um fundo de proteção ou instituição de caridade.

A perda de uma chance[15] está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, como expõem os doutrinadores, essa chance deve ser séria e real.

Buscando critérios objetivos para a aplicação da teoria, Sérgio Savi leciona que a perda da chance[16] estará caracterizada quando a probabilidade da oportunidade for superior a cinquenta por cento.

Para bem ilustrar a prática, o TJRS já responsabilizou um hospital por morte de recém-nascido havendo a perda de chance de viver (TJRS, Processo 70013036678, Caxias do Sul, 10ª Cam. Cível, Juiz Rel. Luiz Ary Vessini de Lima, J. 22/12/2005).

Cogita-se também em perda de chance de cura do paciente, pelo emprego de uma técnica malsucedida pelo profissional da área de saúde. (In: TJPR, Apelação Cível, 0604589-4, Londrina, 10ª Cam. Cível, Rel. Juiz Convocado Vitor Roberto Silva, DJPR 25/3/2010, p. 204).

Noutra ocasião, o tribunal gaúcho responsabilizou um curso preparatório para concursos públicos que assumiu o compromisso de transportar o aluno até o local da prova. Porém, houve atraso no transporte, o que gerou a perda da chance de disputa em concurso público, exsurgindo o dever de indenizar. (TJRS, Processo 7100 0889238, Cruz Alta, Segunda Turma Recursal Cível, Juiz Rel. Clóvis Moacyr Mattana Ramos, j. 07.06.2006).

Depois que superada a análise dos danos reparáveis na órbita das relações de consumo, o princípio da reparação integral de danos gera a responsabilidade objetiva de fornecedores e prestadores como regra das relações de consumo.

Tal responsabilidade independentemente de culpa visa à facilitação das demandas em prol dos consumidores, representando um aspecto material do acesso à justiça. E tanto para o consumidor padrão e o para o consumidor bystander (por equiparação).

Outro aspecto relevante é que havendo mais de um autor da ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos provocados e previstos nas normas do CDC (art. 7º do CDC).

O CDC adotou também o princípio da segurança que juntamente com a responsabilidade objetiva dos fornecedores e prestadores, afastando-se a necessidade de prova do elemento culpa.

Enfim, atualmente CDC festeja seus vinte e quatro anos de promulgação e teve grande impacto pois mudou o mercado brasileiro trazendo novo patamar de boa-fé e qualidade das relações privadas no Brasil, especialmente na proteção dos mais vulneráveis nas relações econômicas.

E os princípios vieram dinamizar essa proteção ao consumidor, elevando a qualidade da prestação de serviços e fornecimento de mercadorias principalmente em face da pluralidade de leis que é um dos maiores desafios para o aplicador de direito no mundo contemporâneo.

Referências:
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor . São Paulo: Editora Atlas, 2008.
DENSA, Roberta. Direito do Consumidor  . Série Leituras Jurídicas – Provas e Concursos. Vol. 21. 6ª. Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. Código Comentado e Jurisprudência. 6ª. Edição. Niterói: Editora Impetus, 2010.
MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Hermann V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4ª. Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
OLIVEIRA, Katiane da Silva. A teoria da perda de uma chance: Nova vertente na responsabilidade civil . In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n.83, Disponível: http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8762&revista_caderno=7 Acesso em 25/06/2014.
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. Direito Material e Processual. Volume único. São Paulo: Editora Método, 2012.
LEITE, Gisele. Compreensão sobre Princípios do Direito do Consumidor. Disponível em: http://www.jurisite.com.br/doutrinas/Comerciais/doutcons24.html Acesso em 10/12/2014.
SOUZA, Rogerio de Oliveira. Da Hipossuficiência. Disponível em: http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=f397314c-6e89-4e94-b2e9-d05e06d3b6ca&groupId=10136 Acesso em 10.12.2014.

Notas:
[1] Nesse sentido a ilustre professora Cláudia Lima Marques aponta que vulnerabilidade é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção. Ainda reconhece que a vulnerabilidade se desdobra em quatro faces: a) informacional; b) a técnica; c) jurídica/científica;  d) fática ou socioeconômica.
Já hipossuficiência com esta não se confunde posto que se apresente exclusivamente no campo processual devendo ser observado conforme o caso concreto, uma vez que se refere a uma presunção relativa, então, carecerá sempre de ser comprovada diante do juiz. São duas as principais noções de hipossuficiência, segundo a lei: 1ª) Aplicação do art. 4º da Lei 1.060/50 (Lei de Assistência Judiciária), que concede o benefício da justiça gratuita aos que alegarem pobreza e comprovando-a na forma da lei então, considera-se a parte hipossuficiente; 2º) Relaciona-se à inversão do ônus da prova, prevista no inciso VIII do art. 6º do CDC, mas que não se relaciona necessariamente à condição econômica dos envolvidos.
[2] Um dos princípios fundamentais do direito privado é o da boa-fé objetiva, cuja função é estabelecer um padrão ético de conduta para as partes nas relações obrigacionais. No entanto, a boa-fé não se esgota nesse campo do direito, ecoando por todo o ordenamento jurídico. A partir do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, a boa-fé foi consagrada no sistema de direito privado brasileiro como um dos princípios fundamentais das relações de consumo e como cláusula geral para controle das cláusulas abusivas. Vide in  http://stj.jusbrasil.com.br/noticias/100399456/principio-da-boa-fe-objetiva-e-consagrado-pelo-stj-em-todas-as-areas-do-direito
[3] Assim, considerando que as normas proibitivas de cláusulas abusivas são imperativas e visam o equilíbrio na relação de consumo, bem como ciente de que é na fase de execução do contrato que as cláusulas abusivas são percebidas, gerando efeitos desfavoráveis ao consumidor.
[4] Em todas as intervenções legislativas relacionadas ao tema da hipossuficiência, pode-se apreender, com facilidade, uma ligação umbilical que o legislador constitucional e infraconstitucional faz do direito de acesso à Justiça com as condições econômicas da pessoa. Apenas terá “assistência jurídica integral” (CF, 5ºLXXIV) aquele que “comprovar insuficiência de recursos”; essa insuficiência de recursos diz respeito a impossibilidade de suportar as despesas com a contratação de advogado, as custas do processo (CPC, 19) e quaisquer gastos relacionados com a atuação em Juízo ou fora dele na defesa ou afirmação de direitos. É “instituto pré-processual”, na lição de Pontes de Miranda, não sendo indispensável a existência de processo judicial para o seu reconhecimento.
[5] Segundo o STJ, trata-se de regra de instrução, devendo a decisão judicial determiná-la ser proferida  preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurar à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo a reabertura de oportunidade para manifestar-se nos autos. (Segunda Seção, EREsp 422.778-SP, Rel. originário Min. João Otávio de Noronha, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti) julgados em 29/2/2012.A inversão do ônus da prova para processualista DIDIER é regra de julgamento devendo o juiz observar se as partes se desincumbiram dos seus ônus processuais. Todavia, o CDC autoriza também a inversão judicial do ônus da prova, quando o juiz verificar verossimilhança das alegações do consumidor e que este é dotado de hipossuficiência.
[6] No Brasil, com o intuito de ultrapassar uma aplicação inflexível do art. 333 do CPC, surgiu a doutrina das cargas probatórias dinâmicas, que preconiza a repartição do ônus probatório, incumbindo a prova a quem tiver melhores condições de produzi-la, à luz das circunstâncias do caso concreto, independente de que posição a parte ocupe na demanda ou da natureza do fato probando. O objetivo desta teoria é promover a igualdade, em sentido material, das partes. Busca evitar que uma das partes tenha o ônus de uma prova diabólica, ou seja, aquela prova de impossível produção.
[7] O Projeto de Lei 8046/2010, Projeto do Novo Código de Processo Civil, em trâmite na Câmara dos Deputados, prevê a aplicação da Teoria da Carga Dinâmica:
Art. 380. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de sedes incumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3o A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
§ 4o A convenção de que trata o §3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.
[8] A publicidade enganosa é aquela que induz o consumidor ao erro. O CDC caracteriza como transmissão parcial de informação ou informação totalmente falsa. Às vezes a propaganda pode ser falsa e não necessariamente enganosa. O imaginário das pessoas, que necessariamente é falso, nem sempre induz ou é capaz de induzir o individuo. O CDC proíbe a publicidade abusiva discriminatória no 2º do artigo 37. A publicidade abusiva é aquela que agredi os valores sociais. Propagandas de teor racistas, machistas, lesiva ao meio ambiente e aquelas que fazem apologia ao crime e violência. Palavrões, nudez, etc. não podem ser considerados abusivos, dependendo do contexto onde são aplicados. A publicidade simulada procura ocultar o caráter de propaganda ou que interfere no inconsciente do consumidor. O CDC estabelece que a propaganda deve ser feita de modo que o consumidor possa percebe-la,  fácil e imediatamente. Como exemplo de propaganda simulada temos as propagandas de jornais que parecem como reportagens.
[9] A publicidade simulada segunda a lei brasileira protetiva do consumidor é aquela que oculta o seu caráter de propaganda e que pode vir a interferir no inconsciente do consumidor. Temos como exemplos: a inserção em jornais e revistas, de propaganda com a aparência externa de reportagem, e a subliminar, captável pelo inconsciente, mas perceptível ao consciente, que interfere diretamente na vontade do consumidor, sem que este, ao menos, tenha noção disto; A publicidade enganosa é a capaz de induzir o consumidor em erro. E o art. 37 do CDC menciona a transmissão de informação parcial ou totalmente falsa ou fraudulenta, mas o conceito não é ajustado. Nem sempre induz ou é capaz de induzir em erro o consumidor. Não se exige que o dolo do fornecedor para se caracterizar a enganosidade da publicidade. Esta é de fato aferida objetivamente, ou seja, a partir do potencial de enganosidade apresentado no anúncio e seu público-alvo. Já a publicidade abusiva corresponde àquela que agride valores sociais, mas cabe frisar que tal agressão dependerá do contexto histórico onde está inserida a sociedade e o mercado de consumo. Exemplificando podemos apontar a publicidade racista, sexionista, discriminatória, lesiva oa meio ambiente bem como aquela que faz apologia ao crime e a violência. Porém, é necessário não confundir agressão aos valores sociais com mero desconforto derivado de problemas de ordem pessoal.
[10] A expressão latina culpa in contrahendo significa falha na celebração de um contrato. É conceito pertinente ao direito contratual para muitos países de direito civil que reconhecem a clara obrigação de negociar com cuidado, e não para liderar um parceiro de negociações para atuar em seu prejuízo antes de um contrato firmemente concluído. No direito alemão é previsto no parágrafo 311 do BGB que enumera uma série de passos pelos quais a obrigação de pagar os danos que podem ter sido criados. Já no direito contratual inglês, bem como outras jurisdições de direito comum, não há plena aceitação deste conceito.
[11] A substantial performance teve origem no direito inglês, no século XVIII. De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o instituto foi desenvolvido “para superar os exageros do formalismo exacerbado na execução dos contratos em geral”.
Embora não seja expressamente prevista no CC, a teoria tem sido aplicada em muitos casos, inclusive pelo STJ, tendo como base, além do princípio da boa-fé, a função social dos contratos, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa.  De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do STJ, “a insuficiência obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da relevância social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do pacto não responda satisfatoriamente a esses princípios”. Para ele, essa é a essência da doutrina do adimplemento substancial. (Vide in http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106897 ).
[12] O princípio da equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização dos interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias possam ser previsíveis. O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou celebrado.
[13] O STJ afastou a responsabilidade por pílula de farinha as duas consumidoras. Foi a decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar indenização por parte do Laboratório Schering do Brasil Química Farmacêutica Ltda., a duas consumidoras. Que alegaram gravidez indesejada por causa de ingestão de anticoncepcional Microvlar, conhecido como a pílula de farinha. O caso das "pílulas de farinha" ocorreu em 1998, em decorrência de teste na fabricação do anticoncepcional  por uma máquina embaladora, usando-se farinha e não medicamento. No entanto, essas pílulas acabaram chegando ao mercado para consumo. A Quarta Tuma julgou também um caso semelhante de consumidora capixaba que, em ação de reparação de danos contra o Laboratório Schering do Brasil, sustentou que já tinha filhos e não pretendia engravidar novamente, pois não teria condições de arcar com a educação de mais um filho. Mesmo com a ingestão do Microvlar, teria engravidado, o que gerou a ação por danos morais e materiais contra o laboratório. Em primeira instância, a indenização por danos morais de R$ 30 mil foi concedida. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) manteve a indenização. No caso específico, a consumidora informou, segundo os autos, que teria comprado  as pílulas em 10 de janeiro de 1998, ao passo em que o laboratório afirma que os testes foram iniciados em 15 de janeiro de 1998.A data precisa da compra do Microvlar pela consumidora foi extraída pelo laboratório de um boletim de ocorrência lavrado mais de seis meses após a compra das pílulas, quando a consumidora informou o ocorrido. (Vide in http://stj.jusbrasil.com.br/noticias/1880041/stj-afasta-possibilidade-de-indenizacao-por-pilula-de-farinha-a-duas-consumidoras ).
[14] O processo teve início em 2004, quando o Ministério Público Federal (MPF) apresentou denúncia, a partir de uma investigação da Polícia Federal (PF). A PF instaurou inquérito a fim de investigar delitos, principalmente contra o sistema financeiro nacional, praticados pelos sócios da empresa responsável pela exploração do sorteio Toto Bola. Implantado no Brasil em 1997, esse sorteio tinha entre seus responsáveis a mesma pessoa que explorava, na Argentina, um jogo chamado Toto Bingo. O esquema de fraudes dava-se, inicialmente, nos sorteios televisionados, que na verdade eram gravados entre 4 e 48 horas antes da veiculação. A ausência de informações, a respeito do local e do horário do sorteio, impedia a fiscalização acerca do mesmo. Esse procedimento durou até 2001, quando a Loteria do Estado do Rio Grande do Sul (Lotergs) passou a exigir informações sobre o horário e local dos sorteios e as cartelas vendidas. A organização deixou de gravar previamente os sorteios e adotou uma máquina, a partir de 2003, conhecida por bingueira que, juntamente com um software, efetuava a leitura de um código de barras impresso nas bolas a serem sorteadas e, através de uma mecânica oculta, as descartava ou não. Assim, milhares de consumidores foram induzidos e mantidos em erro ao longo do período, uma vez que adquiriam as cartelas acreditando na lisura do sorteio, afirmou o magistrado.
[15] A teoria da perda de uma chance se origina das construções doutrinárias francesas e italianas, configurando-se na possibilidade de obter indenização em decorrência da perda da oportunidade de alcançar determinado resultado ou evitar determinado prejuízo. Perte d'une chance é teoria que representa um legado dos tribunais franceses ao julgarem os médicos daquele país sob o enfoque da responsabilidade civil. O caso precípuo tratou da acusação e posterior condenação de um médico ao pagamento de uma pensão devido à verificação de falta grave contra as regras da arte considerado desnecessário o procedimento que adotava consistente em amputar os braços de uma criança para facilitar o parto.
[16] Apesar da teoria da perda de uma chance encontrar-se galgando passos cada vez mais firmes no direito brasileiro, a doutrina ainda não é uníssona quanto à natureza indenizatória deste instituto. Diverge quanto à caracterização em dano emergente, lucro cessante ou dano moral. Há, ainda, quem defenda o descabimento do pleito indenizatório sob este enfoque, eis que, como inexiste possibilidade de se determinar qual seria o resultado final, não se cogita dano pela perda da chance, pois esta recai na seara do dano hipotético, eventual e, por sua vez, juridicamente repelido.

Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


Equipe Âmbito Jurídico

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