Resumo: O presente trabalho tem por escopo analisar e definir os contornos da prisão civil no direito brasileiro, identificando a sua aceitação no ordenamento jurídico brasileiro e, principalmente, face à Constituição Federal de 1988. O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela inadmissibilidade da prisão do devedor fiduciante, uma vez que este não é considerado depositário em sentido estrito.
Palavras-chaves: Prisão Civil; liberdade; obrigação alimentícia; princípios.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. A liberdade de locomoção. 2.2. Histórico da privação da liberdade por dívidas. 2.3. Os fundamentos constitucionais da prisão por dívida. 2.4. Natureza jurídica da prisão civil e distinção da prisão penal. 3. Conclusão. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é trazer à baila os principais aspectos do instituto da prisão civil, identificando a sua natureza jurídica, os bens jurídicos que visa tutelar, dando enfoque ao seu surgimento no ordenamento jurídico brasileiro e aceitação no âmbito constitucional.
Para tanto, faz-se necessário uma abordagem especial ao direito à liberdade face às obrigações civis, tais como a sua introdução no Direito Constitucional Brasileiro, os seus fundamentos justificadores, e, principalmente, esclarecendo em quais hipóteses esta garantia pode ser validamente excepcionada.
Analisar-se-á também a influência dos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos na Constituição Federal de 1988, em especial, o Pacto de São José da Costa Rica, que disciplina a prisão por dívidas nos seus países signatários.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1A LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO
Esboçando uma definição para o que seria liberdade, José Afonso da Silva (2008, p.232) afirma que esta “consiste na ausência de toda coação anormal, ilegítima e imoral”. Portanto, “toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade restringe”. Em seguida, o mesmo autor complementa que a liberdade “consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal”.
A liberdade encontra abrigo no âmbito dos regimes democráticos, os quais se apresentam como uma garantia geral do atendimento aos direitos humanos fundamentais. Por isso que se diz que quanto mais avançado é o processo de democratização, mais liberdade o homem conquista (SILVA, 2008, p.234).
Em que pese haja diversas formas de manifestação da liberdade, a exemplo da liberdade de expressão coletiva, de pensamento, de ação profissional, o corte epistemológico do presente trabalho permite apenas a análise da chamada liberdade de locomoção, tutelada pelo art. 5º, XV, da Constituição Federal, a qual é abrangida pelo conceito mais amplo de liberdade da pessoa física.
A liberdade da pessoa física pode ser entendida como “a possibilidade jurídica que se reconhece a todas as pessoas de serem senhoras de sua própria vontade e de locomoverem-se desembaraçadamente dentro do território nacional” (SILVA, 2008, p.237).
No dizer de André Ramos Tavares (2003, p.433), é simplesmente “o direito que tem todo indivíduo de não ser preso ou detido arbitrariamente”, podendo ser desmembrada em quatro aspectos fundamentais, a saber, direito de ingresso no território nacional, direito de permanência no território nacional, direito de deslocamento intraterritorial e direito de deslocamento interterritorial.
Alexandre de Moraes (2007, p.122) defende que “o direito à liberdade de locomoção resulta da própria natureza humana”, estendendo-se a incidência desse direito tanto aos brasileiros quanto aos estrangeiros que se encontrem no território nacional.
O art. 5º, XV, da Constituição Federal de 1988 dispõe que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Tal dispositivo, bem como quaisquer outras normas constitucionais que definam as liberdades (amplamente consideradas), possui aplicabilidade direta e imediata.
O mesmo não ocorre quando se pretende restringir o acesso à liberdade. As normas restritivas “esbarram no princípio de que é a liberdade, o direito, que deve prevalecer, não podendo ser extirpado por via da autuação do Poder Legislativo nem do poder de polícia”. Ou seja, só devem ser consideradas válidas na exata extensão do bem-estar social requerido, fora do que haveria arbítrio (SILVA, 2008. p.268-269).
No mesmo sentido é o entendimento de André Ramos Tavares (2003, p. 433-434), para quem é possível se estabelecer restrições ao direito à liberdade de locomoção, desde que estas nunca sejam arbitrárias e havendo motivo fundante.
Neste sentido, diz-se que a ampla liberdade de locomoção encontra limitação tanto no direito à propriedade, como no Direito Penal, estando a análise desta última restrição fora dos alcances epistemológicos do presente trabalho. No entanto, os limites estabelecidos à liberdade de locomoção pelo direito à propriedade, dão ensejo à chamada prisão civil, que será objeto central deste estudo.
O remédio constitucional para que o direito fundamental à liberdade de locomoção seja respeitado está previsto na norma contida no inciso LXVIII, do mesmo art. 5º. Trata-se do habeas corpus, que tem natureza constitucional penal e que “consiste em proporcionar acesso célere ao Poder Judiciário contra atos que violem a liberdade de locomoção” (TAVARES, 2003, p.643).
De todo o exposto, observa-se que o bem jurídico tutelado pelo referido art. 5º, incisos XV e LXVII, qual seja, a liberdade da pessoa humana, é um bem de extrema relevância e, por isso mesmo, amplamente protegido pela Constituição Federal de 1988. E de outra forma não poderia ser, visto que injustificadas restrições ao direito fundamental à liberdade são, na verdade, incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.
Dissertando sobre os cuidados que se deve ter ao restringir ou excetuar o direito à liberdade, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2008, p. 684) referem-se ao art. 5º, LXII, da CF, como sendo “um direito fundamental com âmbito de proteção estritamente normativo”. E já adentrando ao tema da prisão civil por dívida, objeto da presente monografia, afirmam que ao legislador cabe dar conformidade à garantia constitucional contra este tipo de prisão, regulando as hipóteses em que poderão ocorrer as exceções expressamente previstas, quais sejam, depositário infiel e devedor de alimentos.
2.2. HISTÓRICO DA PRIVAÇÃO DA LIBERDADE POR DÍVIDAS
Historicamente, a primeira Constituição Federal brasileira que tratou de garantir o direito à liberdade humana face ao direito patrimonial foi a Constituição de 1934, que em seu art. 113 estabelecia que não haveria prisão por dívidas, multas ou custas.
Já a Constituição de 1937 nada mencionava sobre tal situação, o que dava ao legislador ordinário a opção de criar e regulamentar possibilidade de prisão civil, que já não era mais objeto de garantia constitucional.
A Constituição Federal de 1946 restabeleceu a garantia proibitiva da prisão por “dívida, multa ou custas”, todavia, no dizer de Álvaro Villaça Azevedo (1993, p.63), a “mutilaram com as odiosas exceções da prisão do depositário infiel e do devedor de alimentos”.
Por sua vez, a Constituição de 1988 arrola no rol dos direitos e garantias fundamentais a proibição de que ninguém será preso por dívida, mas manteve as ressalvas do depositário infiel e do devedor de alimentos. Contudo, apresentou grande avanço ao delimitar que o inadimplemento do devedor de alimentos e do depositário infiel deve ser voluntário e inescusável, ou seja, “é preciso que o devedor queira descumprir sua obrigação e não tenha qualquer desculpa, para tanto” (AZEVEDO, 1993, p. 64).
Luigi Mattirolo, citado por Álvaro Villaça Azevedo (1993, p.47), afirma que a prisão decorrente de dívida, civil ou comercial, percorreu, basicamente, três estágios: inicialmente, apresentou caráter de servidão humana, onde o servo e a sua família trabalhavam para o credor até o integral pagamento do débito; em seguida, assumiu o caráter de aprisionamento, como pena imposta ao devedor pela quebra do compromisso de pagamento; e, por fim, tornou-se a simples experiência de solvabilidade do devedor.
Observa-se, pois, que “o homem se liberta no correr da história pelo conhecimento e conseqüente domínio das leis da natureza, na medida em que, conhecendo as leis da necessidade, atua sobre a natureza real e social para transformá-la no interesse da expansão de sua personalidade” (SILVA, 2008, p.231-232). É o que leva José Afonso da Silva a afirmar que a “liberdade é conquista constante”.
Diante deste breve panorama histórico, o que se percebe é que a humanidade passou por um processo evolutivo, onde o direito à liberdade era muito menos tutelado e alvo de constantes invasões por parte do legislador originário. Atualmente, não se admite mais que o legislador infraconstitucional crie outras exceções à impossibilidade de prisão por dívida, salvo àquelas já previstas na própria Carta Magna, as quais devem ser interpretadas de forma restrita.
2.3 OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA PRISÃO POR DÍVIDA
Não é difícil compreender a grande relevância (prática e teórica) atribuída ao direito fundamental à liberdade, principalmente porque, uma vez violado este direito, o homem pode se colocar face à situação tão extrema que deixará de exercer livremente uma série de outros direitos individuais, garantidos através da sua liberdade de ir e vir.
Pimenta Bueno, citado por José Afonso da Silva (2008, p.236) afirma que
“a liberdade não é pois exceção, é sim a regra geral, o princípio absoluto, o Direito positivo; a proibição, a restrição, isso sim é que são as exceções, e que por isso mesmo precisam ser provadas, achar-se expressamente pronunciadas pela lei, e não por modo duvidoso, sim formal, positivo”.
Diante disto, deve-se questionar o que levou o legislador constitucional a restringir o direito à liberdade de locomoção nas hipóteses de descumprimento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e no caso do depositário infiel. Ou seja, o que justificaria a permissibilidade de tais exceções.
Paulo Lôbo (2008, p.345) acredita que, do ponto de vista constitucional, a obrigação de alimentar funda-se no princípio da solidariedade, previsto no art. 3º, I, da CF, o qual se impõe a toda a organização da sociedade brasileira, seja na relação entre parentes, seja na relação familiar (cônjuges e companheiros). “A família é a base da sociedade (art. 226), o que torna seus efeitos jurídicos, notadamente os alimentos, vincados no direito/dever de solidariedade”.
Na mesma linha, Cristiano Chaves de Farias (2006, p. 10) afirma que a obrigação de alimentar “é expressão da solidariedade social e familiar (enraizada em sentimentos humanitários) constitucionalmente impostas como diretriz da nossa ordem”.
Também para Maria Berenice Dias (2007, p. 451) o dever de prestar alimentos encontra sua fundamentação no princípio da solidariedade e visa atender às necessidades daquele que não pode, por si só, prover a sua própria subsistência.
O dever de alimentar tem tamanha importância no ordenamento jurídico brasileiro que, para alguns doutrinadores, pode até ser delineado como “verdadeira materialização do próprio direito à vida digna, proclamado pelo art. 1º, III, do Pacto Social de 1988” (FARIAS, 2006, p.8-9).
Além disto, é possível afirmar que o fundamento axiológico da obrigação alimentícia é a própria afirmação do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual se relaciona com a nova feição da família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros, principalmente (mas, não exclusivamente) à criança e o adolescente.
Os alimentos têm ainda especial função enquanto elementos essenciais à subsistência, desenvolvimento e dignidade da pessoa do alimentando. Neste sentido, a prisão do devedor presta-se a solucionar as grandes dificuldades encontradas na prática em assegurar, de forma eficaz, o cumprimento das obrigações alimentícias.
Isto porque a recusa injustificada da obrigação de prestar alimentos “coloca em xeque não apenas a efetividade de uma decisão judicial, mas o próprio direito à vida e o fundamento do ordenamento jurídico, que é a proteção do ser humano” (FARIAS, p. 14).
Partindo para a análise da prisão do depositário infiel, verifica-se que, enquanto contrato, o depósito é o negócio jurídico por meio do qual uma das partes recebe coisa alheia, normalmente móvel, para que a guarde e conserve em sua posse, devendo restituí-la ao depositante, tão logo este a reclame. Existe ainda o depósito judicial, ou seja, aquele que é imposto ao depositário por uma decisão judicial, como um múnus público.
Sem que se adentre às modalidades e particularidades do depósito, as quais serão abordadas em capítulo específico, o que se observa é que a norma constitucional visou tutelar a confiança estabelecida entre as partes na vigência das relações negociais envolvendo o referido instituto.
Conforme lembrado por André Ramos Tavares (2003, p. 434), a liberdade de locomoção não é um direito absoluto, encontrando limites, também, no direito de propriedade. Tais limites ficam bastante nítidos no art. 5º, LXVII, na parte em que se autoriza a prisão do depositário infiel.
Ou seja, preferiu o legislador constitucional sobrepor à frustração do credor, que não tem satisfeita a sua pretensão de receber o bem depositado, à liberdade do depositário, que descumpre a obrigação de restituir a coisa.
Inúmeras são as críticas apresentadas por doutrinares brasileiros, face à desproporcionalidade existente em restringir a liberdade de um indivíduo apenas para coagi-lo ao pagamento de uma dívida, vez que existem outros meios menos gravosos de compelir o devedor à quitação adequada do débito.
Em razão disto, imprescindível que se faça um exame de proporcionalidade para que se verifique a legitimidade constitucional das intervenções na esfera da liberdade individual (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p.678).
Neste sentido, verifica-se que a peculiar natureza da obrigação alimentar, com o propósito de garantir a própria dignidade e integridade do alimentando, poderia tranquilamente justificar a opção do legislador constitucional em permitir a prisão do devedor desta obrigação (FARIAS, p. 15). Não é que se trate de uma forma de punição, mas sim para seja possível compelir o devedor inadimplente a cumprir com o seu dever.
Todavia, embora a norma constitucional prevista no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal autorize expressamente a prisão do depositário infiel, esta encontra óbices mais sérios do que a do devedor de alimentos, pelo que está longe de gozar da aceitação total da doutrina e da jurisprudência.
Acredita-se que esta difícil aceitação se deve, principalmente, à disparidade existente entre o bem jurídico que a permissiva constitucional se presta a tutelar (confiança) e o direito à ampla liberdade de locomoção, o qual tem sido cada vez menos restringido, inclusive no âmbito do direito penal.
No mesmo sentido é a visão de Adolpho Bergamini (2008), para quem
“até mesmo no direito penal, a tendência está em substituir as reprimendas privativas de liberdade por variadas penas restritivas de direitos (art. 44, inciso I do Código Penal, com nova redação dada pelo artigo 1º da Lei nº 9.714/98)”.
Por isso mesmo o referido autor conclui que a prisão pela infidelidade do depositário releva-se desproporcional e fora de qualquer razoabilidade.
Outrossim, as normas garantidoras dos direitos fundamentais, tal qual é a liberdade de locomoção, devem ser aplicadas não só de forma imediata, mas também com sua máxima efetividade.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 466343 – SP, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, entendeu no mesmo sentido das legislações mais avançadas em matéria de direitos humanos, proibindo expressamente qualquer tipo de prisão civil decorrente do descumprimento de obrigações contratuais, excepcionando apenas o caso do alimentante inadimplente.
Assim, a nossa Magna Corte reconheceu a inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel, permitindo-a somente nos casos de inadimplemento de obrigações alimentares.
2.4 NATUREZA JURÍDICA DA PRISÃO CIVIL E DISTINÇÃO DA PRISÃO PENAL
Em que pese os efeitos produzidos sejam, basicamente, os mesmos (a privação do direito à liberdade de locomoção do apenado), algumas importantes características diferenciam, consideravelmente, a prisão civil daquela que decorre do descumprimento de norma de Direito Penal.
No dizer de Julio Fabbrini Mirabete (2002, p.73), “praticado um fato definido como infração penal, surge para o Estado o jus puniendi, que só pode ser concretizado através do processo”. Sabe-se que deste processo poderá o acionado sofrer uma pena, que pode ser de prisão ou outra qualquer prevista no Código Penal, conforme circunstâncias do caso.
Daí já é possível perceber que eventual ordem de prisão, no âmbito do processo criminal, surgirá da prática de um ilícito penal, o qual faz surgir para o Estado o jus puniendi, que, por sua vez, é efetivado através da chamada persecução penal (persecutio criminis). A persecução penal, que significa “a ação de perseguir o crime” (MIRABETE, p.73), inclui, dentre outros elementos que fogem ao objetivo deste trabalho, a idéia de justiça para punição e condenação do criminoso, materializadas por inúmeras vezes na prisão do indivíduo.
De outro lado, na prisão civil o sujeito não praticou um ato tipificado como crime, mas somente descumpriu o seu dever de restituir uma dívida, o que configuraria um ilícito meramente civil. No caso do depositário, a sua obrigação é a se restituir o bem que lhe foi confiado, podendo, contudo, depositar a quantia correspondente, conforme inteligência do art. 904, do Código de Processo Civil.
Verifica-se, pois, que a decretação da prisão do devedor (de alimentos ou depositário) não visa a sua punição, como ocorre no Direito Penal, mas sim coagi-lo, de forma a forçar o adimplemento da obrigação. Tanto é assim que o art. 905, do Código de Processo Civil, ao autorizar a busca e apreensão da coisa diz que “se esta for encontrada ou entregue voluntariamente pelo réu, cessará a prisão e será devolvido o equivalente em dinheiro”.
No mesmo sentido, o art. 733, §3º, do Código de Processo Civil, determina que, uma vez “paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão”.
Ora, se a simples entrega da coisa ou o pagamento da dívida fazem cessar a prisão civil, evidente que esta não apresenta caráter sancionatório algum, configurando-se, tão somente, como um meio, bastante eficaz, vale frisar, de forçar o devedor a cumprir com seu dever legal, muito diferente da prisão criminal, cuja finalidade é tipicamente repressiva.
Assim é que se afirma que “também na esfera civil e comercial é possível a decretação da prisão, não como sanção civil, administrativa ou penal, mas como meio de compelir alguém ao cumprimento de uma obrigação” (MIRABETE, 2002, p.399).
Feitas estas considerações, cabe agora identificar a natureza jurídica do instituto ora analisado.
Já foi visto que a prisão civil não tem natureza sancionatória. Na definição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.318), “trata-se, portanto, de uma medida de força, restritiva da liberdade humana, que, sem conotação de castigo, serve como meio coercitivo para forçar o cumprimento de determinada obrigação”.
Pontes de Miranda (1976, p.483) já corroborava do mesmo entendimento, ao afirmar que a prisão do alimentante não foi concebida “como medida penal, nem como ato de execução pessoal, e sim como meio de coerção”.
Dissertando, especificamente, sobre a prisão do devedor de obrigação alimentícia, Cristiano Chaves (FARIAS, 2006, p.16) observa que essa medida configura-se como uma forma, ágil e eficaz de se garantir o cumprimento das prestações alimentícias, tão relevantes para a integridade física e psíquica do credor. Ainda nas palavras do referido autor, a prisão do alimentante
“não tenciona sancionar aquele que deixou de pagar os alimentos, mas, diversamente, tende a coagi-lo ao pagamento da prestação tão importante para a subsistência do alimentando”.
Verifica-se assim que a natureza jurídica da prisão civil é de meio coativo, direto ou ativo, com o intuito de constranger o devedor ao cumprimento de uma obrigação de caráter privada, nos casos previstos em lei (AZEVEDO, 1993, p.47-49).
3. CONCLUSÃO
Diante de todas as questões expostas ao longo do presente trabalho, cumpre apresentar as principais conclusões acerca do problema da prisão civil face ao Direito Constitucional brasileiro.
É sabido que os Tratados internacionais que tutelam os direitos humanos são uma conseqüência do período pós II Guerra Mundial, em que o mundo foi palco de verdadeiras cenas de terror, criando uma preocupação da comunidade internacional face às atrocidades cometidas.
Conforme acentuado por Francisco Rezek (2008, p.218-219), até o ano de 1945, quando surgiu as Nações Unidas, não se podia afirmar que houvesse, em direito internacional público, preocupação consciente e organizada sobre o tema dos direitos humanos. Em 1948, a Assembléia Geral aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que exprimia as normas pertinentes ao tema e que servia como inspiração às convenções supervenientes.
“Conjugando normas substantivas e instrumentais, a Europa comunitária já adotara, em 1950, na sua Convenção sobre os direitos do homem” (REZEK, 2008, p.221) (grifos do Autor). Em 1969, em São José da Costa Rica, os países americanos também concluíram a Convenção americana sobre direitos humanos, na época com a participação de doze Estados, mas que no início de 2005 já contava com vinte e cinco membros.
No Brasil, o art. 105, III, b, da Constituição Federal equipara os tratados à lei federal, sendo esses inclusive passíveis de controle de constitucionalidade, nos termos do art. 102, III, b, da Carta Magna. Por esta ótica, vale a regra de que tratado posterior revoga lei anterior, bem como a lei posterior revogaria o tratado anterior (SIQUEIRA JR., 2003, p.19).
Alexandre de Moraes (2007, p.683) acredita que a opção de incorporação dos tratados de direitos humanos no Brasil como lei ordinária ou como emenda constitucional será uma opção discricionária do Congresso Nacional, atendidos o art. 49, I ou art. 5º, §3º da Constituição Federal, conforme seja o caso.
A elucidação destas questões referentes à incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro se torna relevante para o estudo do presente tema na medida em que há, no chamado Pacto de São José da Costa Rica, um dispositivo (art. 7º, 7) visivelmente incompatível com a norma prevista no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal brasileira.
O referido Pacto, que também é chamado de Convenção Americana de Direitos Humanos, foi incorporado no Brasil pelo Decreto 678/92, e proíbe, nos seguintes termos, a prisão civil do depositário infiel: “ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.
Urge esclarecer o que deve, no caso do depositário infiel, prevalecer: o art. 7º, 7, do Tratado internacional de direitos humanos ou o disposto no art. 5º, LXVII, da Carta Constitucional?
Conforme identificado por Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2008, p.691), existem quatro correntes que se prestam a responder tal questionamento: a) os tratados e convenções internacionais em matéria de direitos humanos possuem natureza supraconstitucional; b) estes tratados têm caráter constitucional; c) possuem status de lei ordinária; e, d) os tratados e convenções sobre direitos humanos são dotados de caráter supralegal.
Com a Emenda Constitucional nº 45/2004, que acrescentou o §3º ao art. 5º, da CF, acredita-se hoje não haver mais dúvidas de que os tratados de direitos humanos, incorporados após a vigência da referida Emenda e aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão recebidos com caráter constitucional.
Neste sentido, diz-se que, se por um lado, a reforma acentuou o caráter diferenciado e especial dos tratados de direitos humanos face aos demais pactos internacionais, de outro, em termos práticos, configurou também uma declaração de que os tratados ratificados anteriormente pelo Brasil, e não submetidos ao procedimento legislativo específico, não poderão ser equiparados às normas constitucionais (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p.696).
Assim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 466343 esclareceu de forma definitiva a situação dos tratados ratificados antes da referida emenda, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica, adotando a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos.
O § 2º, do art. 5º, da Constituição Federal reza que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios também adotados pela Carta Magna, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Além disto, em decorrência do disposto no §1º do mesmo dispositivo, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, razão pela qual os tratados que consagram ou ampliam direitos e garantias constitucionais também teriam esta mesma aplicabilidade.
Flávia Piovesan, citada por Paulo Hamilton Siqueira JR. (2003, p.25) defende que o Direito brasileiro fez a opção por regimes jurídicos diferenciados, sendo um regime aplicável aos tratados de direitos humanos e outro aplicável aos demais tratados internacionais. Estes últimos apresentariam hierarquia infraconstitucional e se submeteriam à sistemática da incorporação legislativa. Já os tratados de direitos humanos irradiariam seus efeitos concomitantemente no ordenamento jurídico nacional.
Na mesma linha, diz-se que todos os direitos e garantias da Convenção Americana integram o sistema constitucional brasileiro, gozando da mesma hierarquia das normas inscritas na Constituição Federal. Significa que as garantias constitucionais e as existentes no mencionado tratado interagem entre si e se completam. No caso de uma delas ser mais ampla que a outra, prevalecerá aquela que melhor assegure os direitos fundamentais (SIQUEIRA JR., 2003, p.26-27).
Paulo Hamilton Siqueira JR. (2003, p.26-27) diz que
“todos os direitos e garantias da Convenção Americana integram, hoje, o sistema constitucional brasileiro, tendo o mesmo nível hierárquico das normas inscritas na Lei Maior. Isso quer dizer que as garantias constitucionais e as da Convenção Americana interagem e se completam. Na hipótese de uma ser mais ampla do que a outra, prevalecerá a que melhor assegure os direitos fundamentais”.
O mesmo autor, citando Carlos Weiss, (SIQUEIRA JR., 2003, p.26), diz ainda que da mesma forma como as emendas constitucionais extraem sua legitimidade mediante aprovação por maioria qualificada, os tratados internacionais são aprovados por um complexo procedimento, já que a sua incorporação no direito interno passa pelo crivo de dois Poderes, que representariam a vontade popular.
Neste contexto, se um direito ou garantia, resguardado por um tratado internacional do qual o Brasil faz parte, contraria preceito constitucional, o que deve prevalecer é o princípio mais favorável ao destinatário da norma.
O art. 7º, 7, do referido tratado não tem a pretensão de restringir ou violar quaisquer dos direitos fundamentais tutelados pela Constituição Federal, ao contrário, visa somente ampliar o direito à liberdade. Em razão disto, inseri-se no rol dos direitos e garantias agregados à Constituição Federal por meio do seu art. 5º, §2º, representando verdadeiro progresso no âmbito dos direitos humanos.
Entende-se que o §3º do mesmo dispositivo constitucional apenas explicitou o inegável caráter especial dos tratados e convenções que versam sobre direitos humanos, reforçando a idéia de que deve prevalecer a norma que confira maior proteção ao indivíduo.
Ademais, ao se promulgar tal dispositivo, não foi feita nenhuma ressalva abjuratória dos tratados sobre direitos humanos concluídos pelo procedimento simples, antes da EC nº 45, pelo que teria o Congresso os elevado à categoria dos tratados de nível constitucional (REZEK, 2008, p.103).
Por outro lado, nem que se quisesse poderia o Congresso ter aprovado o mencionado tratado pelo quorum qualificado, uma vez que esta possibilidade somente passou a existir em 2004, por força da Emenda nº 45, ou seja, após a ratificação do pacto pelo Brasil.
Logo, acredita-se que a finalidade de se firmar tratados e acordos internacionais não é outra senão cumpri-los, configurando o seu descumprimento um ilícito internacional, embora este não seja o cerne da questão.
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