Resumo: O presente trabalho objetiva analisar a evolução histórica da legislação penal e processual penal no tocante ao encarceramento de pessoas em virtude do cometimento de infrações penais mostrando que a legislação do CPP inspirada na lei italiana de 1930 em pleno regime fascista foi alicerçada em bases notoriamente autoritárias. Por tal motivo reformas processuais penais vêm sendo feitas gradativamente mostrando maior relevncia com o advento das Leis 11.689/2008 e 11.900/2009 até atingir hoje a Lei n 12.403/2011. As inovações trazidas na maioria das hipóteses são harmnicas em relação ao texto constitucional de 1988 assim como em relação à reforma processual penal de 2008. O tema aborda com maior ênfase as medidas cautelares div ersas da prisão apresentadas pela Lei n 12.403/2011 pois o sistema cautelar do processo penal sofreu reforma estrutural além de restabelecer o prestígio da fiança. Desse modo com o advento da Lei n 12.403/011 o instituto passa a permear toda a persecução penal desde a fase investigativa funcionando como verdadeiro substitutivo do cárcere cautelar.
Sumário: 1 Evolução do sistema processual penal brasileiro do Decreto-lei 3.689/41 à Lei 12.403/11. 2 Eficácia da privação de liberdade. 3 Busca de alternativas à prisão cautelar. 4 Da Comissão Grinover à Lei n 12.403/2011.
1 Evolução do sistema processual penal brasileiro, do Decreto-lei 3.689/41 à Lei 12.403/11
Às vésperas da eleição presidencial de 1938, Getúlio Vargas, ciente da impossibilidade de sua permanência no poder, denunciou a existência de um suposto plano comunista para tomada do poder no Brasil (Plano Cohen). A comoção popular causada pelo constante receio de uma revolução comunista e as seguidas vezes em que foram decretados estados de sítio no país abriram caminho para que Vargas, sem resistência, iniciasse um golpe de estado que se efetivou em 10 de novembro de 1937.
O Estado Novo, nome inspirado na ditadura de Antônio de Oliveira Salazar em Portugal, prolongou-se até 29 de outubro de 1945, quando Getúlio foi deposto pelas Forças Armadas.[1]
“O Presidente dos Pobres” determinou o fechamento do Congresso Nacional e a extinção dos partidos políticos, em seguida, ainda no ano de 1937, outorgou uma nova Carta Magna amplamente influenciada pela Constituição autoritária da Polônia, razão pela qual ficou conhecida por "Constituição Polaca".
Dentre as diversas medidas políticas do Estado Novo estava a modernização das leis e das instituições nacionais.
Inicia-se aqui o estudo da hodierna estrutura processual penal brasileira, nessa ambiência jurídico-administrativa de totalitarismo e fascismo foi decretado o atual Código de Processo Penal Brasileiro, Decreto-lei 3.689 de 03 de outubro de 1941, que entrou efetivamente em vigor a partir de 1º de janeiro do ano subsequente.
Em 71 anos, o citado Codex passou por quatro Constituições Federais (1946, 1967, 1969 e 1988), por inúmeras alterações pontuais de seu texto e pela edição de diversas leis extravagantes que alteraram substancialmente a estrutura processual penal pátria.
Quanto às alterações de seu texto, algumas se mostraram marcantes e visionárias com a edição das Leis de nºs. 5.349/67, 8.884/94, 6.416/77 e 5.349/67; a revogação dos artigos atinentes ao recurso extraordinário (Lei nº. 3.396/58); a possibilidade de apelar sem a necessidade de recolhimento prévio à prisão (Lei nº. 5.941/73);modificações no que concerne à prova pericial (Lei nº. 8.862/94);a impossibilidade de julgamento do réu revel citado por edital que não constituiu advogado (Lei nº. 9.271/96); a revogação do seu art. 35, segundo o qual a mulher casada não poderia exercer o direito de queixa sem o consentimento do marido, salvo quando estivesse separada dele ou quando a queixa contra ele se dirigisse (Lei nº. 9.520/97); etc.
Dentre as inúmeras leis extravagantes destacam-se as que instituíram os Juizados Especiais Criminais (Leis nºs. 9.099/95 e 10.259/01), e que constituem, indiscutivelmente, o maior avanço já produzido em nosso sistema jurídico processual, desde a edição do Código de 1941. Há, ainda, a que disciplinou a identificação criminal (Lei nº. 10.054/00); a proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas (Lei nº. 9.807/99); a que possibilitou a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais (Lei nº. 9.800/99); a lei de interceptações telefônicas (Lei nº. 9.296/96); a Lei nº 8.038/90, que disciplina os procedimentos nos Tribunais, e tantas outras.
Contudo, a mais pertinente das alterações legislativas deste período foi a promulgação da Constituição Federal em 05 de outubro de 1988, quarenta e sete anos após ser decretado o Código de Processo Penal. Editada em um contexto histórico sem precedentes: o renascimento da democracia brasileira após décadas de regime ditatorial militar. Em um trabalho único promulgou-se uma Constituição que nitidamente privilegia os direitos e garantias individuais, surgindo um forte contraste com o sistema processual penal até então vigente, formado basicamente por leis de conteúdo inquisitivo, contando apenas com alguns contornos garantistas.
Para Eugênio Pacelli de Oliveira:
“A incompatibilidade entre os modelos normativos do citado Decreto-lei nº 3.689, de 1941 e da Constituição de 1988 é manifesta e inquestionável. A configuração política do Brasil de 1940 apontava em direção totalmente oposta ao cenário das liberdades públicas abrigadas no atual texto constitucional. E isso, em processo penal, não só não é pouco, como também pode ser tudo”.[2]
Em uma visão global, após o término da Segunda Guerra Mundial, alvoreceu um novo sistema de pensamento multinacional que modificou substancialmente a mentalidade legislativa, doutrinária e jurisprudencial vigente até então, elevando-se os direitos humanos a um nível nunca antes galgado.
Até 1945 as questões internacionais se limitavam a economia e soberania dos Estados. Com o pós-guerra, diante um verdadeiro genocídio legalizado, aflorou-se o espírito humanista em âmbito internacional, as pessoas passam a ser vistas não apenas como cidadãs de um determinado Estado, mas como cidadãs do mundo.
Com o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU), do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, e suas respectivas ramificações intercontinentais, editaram-se um complexo rol de regulamentos e dispositivos na seara criminal visando o constante progresso dos direitos humanos.
Apesar das seguidas tentativas de modernização, o Código de Processo Penal viu-se, aos poucos, defasado e distante das evoluções econômicas, sociais e, sobretudo, culturais do povo brasileiro, apresentando, ainda, fortes resquícios de um sistema acusatório e com um apego exagerado ao formalismo.
Tornavam-se cada vez mais necessárias mudanças legislativas, sem as falsas ilusões ou tendências midiáticas advindas com as reformas pontuais, uma revisão completa do Código de Processo Penal, capaz de atualizá-lo a realidade do século XXI e, sobretudo, adaptado às matizes basilares da Constituição Federal de 1988.
Quanto às reformas pontuais até então editadas, observa Fauzi Hassan Choukr:
“Não raras vezes, o legislador editou leis empregando o sistema penal numa visão promocional, pela qual ele é visto como o primeiro instrumento de regulação social com a transformação do sistema penal e processual penal como um instrumento de política de governo pela profunda influência midiática no emprego de sistema penal e processual penal como um sistema de governo.”[3]
No mesmo viés, Guilherme de Souza Nucci anota que: “as respostas legislativas do Congresso Nacional não seguem a lógica do ‘devido’, mas a lógica do ‘possível’”[4], e complementa, afirmando que:
“Sentimos falta de uma modernização efetiva do processo, o que somente poderia ser feito pela revisão global do Código de Processo Penal, editado nos anos 40. Quanto tempo ainda havemos de aguardar até que se chegue à conclusão, no Poder Legislativo, de que a impunidade reinante no Brasil resvala em regras processuais arcaicas e retrógradas em vários sentidos?”[5]
Ciente das dificuldades na edição de reformas totais, principalmente pela morosidade própria da tramitação legislativa dos códigos e a dificuldade prática do Congresso Nacional aprovar um estatuto inteiramente novo, no intuito comum de dotar o Brasil de instrumentos modernos e adequados, na ótica de um processo que deve assegurar, com eficiência e presteza, a aplicação da lei penal, realçando ao mesmo tempo as garantias próprias do modelo acusatório, a Comissão do Instituto Brasileiro de Direito Processual, nomeada pelo Ministro da Justiça e presidida por Ada Pellegrini Grinover, produziu onze anteprojetos de reforma do Código de Processo Penal. Seu objetivo maior era destacar o modelo acusatório para, consequentemente, alcançar os objetivos maiores da efetividade e do garantismo do processo penal. A celeridade, a descomplicação, a transparência e a desburocratização são corolários do referido objetivo.
Para Ada Pellegrini Grinover:
“Os valores fundamentais do moderno processo penal são o garantismo e a efetividade. Garantismo, visto tanto no prisma subjetivo dos direitos das partes, e sobretudo da defesa, como no enfoque objetivo da tutela do justo processo e do correto exercício da função jurisdicional. Efetividade, na visão instrumental do sistema processual, posto a serviço dos escopos jurídicos, sociais e políticos da jurisdição.”[6]
O Ministro da Justiça, José Carlos Dias, mediante o Aviso 1.151, de 29.10.1999, convidou o Instituto Brasileiro de Direito Processual a apresentar propostas de reforma do Código de Processo Penal, para posterior encaminhamento ao Congresso Nacional. Pela Portaria 61, de 20.01.2000, o Ministro da Justiça constituiu a Comissão, para, no prazo de 90 dias a partir da sua instalação, apresentar propostas visando à reforma do Código de Processo Penal brasileiro. A Comissão foi formada dos seguintes juristas do Instituto Brasileiro de Direito Processual: Ada Pellegrini Grinover (presidente), Petrônio Calmon Filho (secretário), Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rogério Lauria Tucci e Sidnei Beneti.
Em consonância com a Portaria, a Comissão apreciou os projetos apresentados pelo Ministro da Justiça em 1994, fruto do trabalho da Comissão anterior, da qual oito dos membros da atual comissão participavam.
Seis anteprojetos já haviam sido apresentados ao Ministro José Carlos Dias, para ampla divulgação, quando se registrou seu pedido de demissão e a subsequente nomeação de José Gregori para o cargo. Este, pela Portaria 371, de 11.05.2000, confirmou a Comissão, prorrogando o prazo para a conclusão dos trabalhos em mais 90 dias.
A comissão entregou ao Ministro Gregori mais cinco anteprojetos, perfazendo o total de onze.
Na verdade, como dito, os anteprojetos compõem um conjunto harmônico remodelando institutos inteiros, sempre na preocupação de adequação das normas processuais à Constituição de 1988 e à Convenção Americana sobre os Direitos do Homem, a qual integra o ordenamento brasileiro, bem como na plena observância dos princípios do moderno processo acusatório.
Foram os seguintes anteprojetos apresentados: 1) Investigação Policial; 2) Procedimentos; 3) Efetividade da defesa; 4) Interrogatório; 5) Prova pericial; 6) Prova testemunhal; 7) Prova ilícita; 8) Citação por edital e suspensão do prazo prescricional; 9) Júri; 10) Recursos;11) Prisão, medidas cautelares e liberdade.
Os estudos acerca da prisão, medidas cautelares e liberdade originaram o Projeto de Lei nº 4.208, que após um longo período de tramitações legislativas culminou na Lei nº 12.403/2011.
2 Eficácia da privação de liberdade
A prisão, ainda que provisória, está no patamar mais elevado de importância no âmbito do Direito Processual Penal em face da gravíssima violação ao direito à liberdade que pode ser gerada com a sua indevida aplicação.
Quanto à privação provisória da liberdade, Mirabete leciona:
“[…] refere-se a qualquer espécie de prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, podendo esta se dar em flagrante delito, preventivamente, por sentença de pronúncia, por sentença condenatória recorrível, desde que demonstrado o periculum in mora e o fumus boni iuris, bem como nos casos autorizadores da prisão temporária.”[7]
No mesmo sentido, quanto ao sujeito a que é impingido o cárcere, Fernando Capez afirma que o preso provisório é aquele que “teve sua liberdade de locomoção despojada sem sentença penal condenatória transitada em julgado, ou seja, aquele que aguarda julgamento do seu processo recolhido à prisão”[8]. Esta provisoriedade se manifesta como medida cautelar necessária para se atingir os fins colimados pelo Estado.
O texto constitucional preconiza como ordem fundamental, já no primeiro dispositivo, a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), ratificando o valor supremo da liberdade que é um direito universal e natural dos humanos. Assim, no Brasil, a prisão é um comando constitucional que se constitui na ultima ratio. O texto Magno prossegue, em seu artigo 5º, estabelecendo uma série de direitos, conhecidos como direitos fundamentais. A primeira observação a ser feita é que os réus, acusados, denunciados, pouco importa a terminologia adotada, também são titulares de direitos fundamentais. Essa premissa é, muitas vezes, esquecida, passando-se a tratar os investigados ou processados como coisa e não sujeito de direito.
Os principais direitos fundamentais que interessa abordar são aqueles previstos nos incisos LIV, LVII e LXI, abaixo transcritos:
“CF/88. Art. 5º:
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;”
Está consagrado nesses dispositivos, respectivamente, o princípio do devido processo legal, o princípio da presunção de inocência e a exigência de ordem judicial escrita e fundamentada para a decretação da prisão cautelar.
Com base nessa sinótica análise constitucional, deve-se reafirmar que as prisões provisórias (temporária e preventiva) existentes no ordenamento jurídico, são medidas excepcionais, independentemente do advento da Lei nº 12.403/2011. Trata-se de um instituto excepcional de privação da liberdade que pode ocorrer no âmbito da formação da culpa, antes de sentença condenatória definitiva, bem como pena prevista em lei. Ainda antes da edição desta lei, a prisão temporária e a prisão preventiva somente deveriam ser decretadas quando imprescindíveis à persecução criminal, fosse em sede de inquérito, fosse em juízo.
Todavia, faz-se mister lembrar que muitas pessoas são enclausuradas diuturnamente, levando-se a um questionamento no tocante a aplicação da melhor política criminal. A antecipação da pena faz parte da infeliz realidade brasileira, alguns juízes cometem excessos, por consequência inúmeros indivíduos estão pagando penas em medidas cautelares privativas de liberdade antes da condenação, ferindo o Diploma Constitucional.
Para Luiz Flávio Gomes no sistema do Código Penal de 1941 a prisão em flagrante significava presunção de culpabilidade, conforme ressaltado abaixo:
“No sistema do Código Penal de 1941, que tinha inspiração claramente fascista, a prisão em flagrante significava presunção de culpabilidade. A prisão se convertia automaticamente em prisão cautelar, sem necessidade de o juiz ratificá-la, para convertê-la em prisão preventiva (observando-se suas imperiosas exigências). A liberdade era provisória, não a prisão. Poucas eram as possibilidades de liberdade provisória.”[9]
Vislumbra-se, portanto, que a legislação penal brasileira optou, já em seu nascedouro, pela privação de liberdade, entretanto, a ineficácia de tal medida mostra-se latente, uma vez que os índices de violência cresceram ano a ano, apesar de muitos humanos encontrarem-se privados de sua liberdade.
Em seu trabalho acerca das prisões cautelares, Luiz Flávio Gomes, aponta soluções alternativas à reclusão:
“[…] para tentar adequar a realidade do Brasil com futuras e necessária mudanças, seja por argumentos acadêmicos, seja por argumentos políticos, ou ainda por argumentos econômico-estruturais, todas as verdades deságuam na mesma solução: medidas alternativas à prisão”.[10]
Indubitavelmente, os mais sábios debates que envolvam tal temática caminham na busca incessante por soluções mais humanas, proporcionais e, sobretudo, eficazes para erradicar o crescente quadro de violência nacional.
3 Busca de alternativas à prisão cautelar
Não é novidade no direito brasileiro a procura de mecanismos alternativos à prisão cautelar, cabendo recordar que o Projeto de Lei nº 1.655/1981, proveniente dos trabalhos de Comissão de Juristas (Rogério Lauria Tucci, Francisco de Assis Toledo e hélio Fonseca) instituída no governo Geisel, havia a sugestão de medidas que viessem a suceder a constrição da liberdade.
Essa sugestão acompanhava aquela já preconizada no Projeto Frederico Marques (este também presente na comissão dos trabalhos do mencionado PL) de forma a conferir ao Magistrado o “poder de aplicação, pelo juiz, de medidas alternativas à prisão provisória, de acordo com as recomendações da Organização das Nações Unidas em Congresso realizado em 1980 em Caracas, Venezuela, sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente”.
Tal projeto foi retirado do Congresso Nacional em 1989 quando se encontrava no Senado (PLC nº 175/1984).[11]
Com efeito, o Projeto Frederico Marques (PL nº 6333/1975) havia previsão no então art. 472 que abria o título “Das Providências cautelares” (título IV, capítulo I) com vistas a “assegurar a atuação da justiça penal” de que pessoa acusada ou suspeita pudesse vir a ser submetida a um regime de prisão e, alternativamente, liberdade provisória com ou sem fiança.
Na sequência era concebida a possibilidade de submissão às seguintes “medidas”: a) medida de segurança provisória; b) inabilitações provisórias e c) restrições processuais. Malgrado as diferenças estruturais entre aquela proposta legislativa e a Lei nº 12.403/2011 a busca pela alternatividade à prisão era a mesma e a forma como compreendida a fundamentação da prisão e a imposição dessas medidas têm algum aspecto semelhante.
No plano internacional, às normas que inspiraram as ideias dos anos 1970 seguiram-se as denominadas regras mínimas das Nações Unidas para a elaboração de medidas não privativas de liberdade (Regras de Tóquio), adotadas pela Assembleia-Geral das Nações Unidas na sua Resolução nº 45/110, de 14.12.1990[12]. Especificamente sobre a prisão de natureza cautelar, a Resolução define que: a) a prisão preventiva deve ser uma medida de último recurso nos procedimentos penais; b) medidas substitutivas da prisão preventiva serão utilizadas sempre que possível; c) a prisão preventiva não deve durar mais do que o necessário para atingir os objetivos enunciados e deve ser administrada com humanidade e respeitando a dignidade da pessoa; d) o delinquente tem o direito de recorrer, em caso de prisão preventiva, para uma autoridade judiciária ou para qualquer outra autoridade independente.
Encerrada a tramitação dos projetos reformistas das décadas de 1970 e 1980, no transcurso das reformas pontuais nos anos 1990, nos trabalhos da Comissão presidida pelo então Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira instituída pelo Poder Executivo, houve, entre as inúmeras propostas, a de reformar a disciplina de prisão cautelar para contemplar “a aplicação das hipóteses de prisão preventiva e a possibilidade de sua substituição por medidas restritivas de liberdade que dispensam o recolhimento à prisão, contribuindo para a melhora do sistema carcerário”.[13]
Naquela sugestão, existiam dois tipos de medidas que constituem alternativa à prisão preventiva. Elas podem restringir a liberdade ou outros direitos do imputado. As primeiras estão previstas no art. 319, verbis:
“A prisão preventiva poderá ser substituída por medidas restritivas de liberdade, consistentes em:
I – apresentação semanal em local determinado;
II – proibição, sem autorização judicial, de ausentar-se:
a) Da comarca, ou seção judiciária, por mais de oito dias;
b) Do País;
c) Da residência, salvo pata exercer as funções relativas ao trabalho.”
As outras estão descritas no art. 320:
“No caso de crime contra a fé pública, contra a administração pública, a ordem tributária, a ordem econômica, as relações de consumo ou contra o sistema financeiro, será facultado ao juiz impor, também, as seguintes medidas:
I – afastamento do exercício da função pública;
II – impedimento de participar, direta ou indiretamente, de licitação pública, ou de contrato com a administração pública direta, indireta ou fundacional, e com empresas públicas e sociedades de economia mista.”
Com a interrupção daquele projeto legislativo, o tema foi retomado com a instituição da Comissão Grinover e, desde a redação do anteprojeto, a ideia das medidas cautelares alternativas à prisão surgiu de forma bastante semelhante àquela que, quase dez anos depois, viria a ser sancionada.
4 Da Comissão Grinover à Lei nº 12.403/2011
A Lei nº 12.403/2011 originou-se da comissão constituída no início da década de 1990, pelo então Ministro da Justiça José Carlos Dias, e que foi coordenada por Ada Pellegrini Grinover. Após o longo período de tramitação, com diversas modificações nas casas legislativas, culminou o PL 4.208 com a edição do novo diploma, o qual retirou inspiração das legislações de Itália e de Portugal e pretende reduzir a utilização da prisão cautelar, criando outras alternativas acautelatórias no processo penal.
Quanto à sistematização e atualização do tratamento da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória, com ou sem fiança, Ada Grinover salienta que:
“Busca-se superar distorções produzidas no Código de Processo Penal com reformas sucessivas, que desconfiguraram o sistema e, ao mesmo tempo, ajustá-lo às exigências constitucionais e colocá-lo em consonância com as modernas legislações estrangeira como as da Itália e de Portugal.”[14]
Já em 1948, a Carta de ONU sinalizou às Nações signatárias que Constitucionalizassem os Direitos Fundamentais principalmente os relativos à Dignidade da Pessoa Humana. O Brasil abraçou as diretrizes da ONU e inseriu como cláusula nuclear da Constituição de 1988 as relativas aos Direitos e Garantias Fundamentais (arts. 5º ao 17) elegendo como fundamento a prevalência dos Direitos Humanos (art. 4º, II, CF 88).
Assim, como dito anteriormente, a medida restritiva de liberdade só é válida se ela for indispensável, se puder ser substituída por outra providência também eficaz, porém menos gravosa e hábil a alcançar o mesmo resultado.
Nesse sentido, a Lei 12.403/2011 procura, de toda forma, evitar que o investigado ou denunciado sofra pena antecipada antes do transito em julgado da sentença condenatória. A novel legislação sugere medidas alternativas à prisão, que superam as distorções produzidas no Código de Processo Penal com as reformas que, rompendo com a estrutura originária, desfiguram o sistema. Em suma, a prisão preventiva somente será determinada quando impossível a sua substituição por outra medida cautelar, pois, o novo diploma legal ampliou consideravelmente o leque de medidas cautelares diversas da prisão cautelar, concedendo ao magistrado o direito de escolha dentro da legalidade proporcional no caso concreto.
Afirma Luiz Flávio Gomes, “o sistema processual penal brasileiro em matéria de prisão cautelar sempre se caracterizou pela bipolaridade: prisão ou liberdade”[15]. O Sistema Nacional carecia de medidas intermediárias que possibilitem ao juiz evitar o encarceramento desnecessário. Tal bipolaridade conduziu à banalização da prisão cautelar. Muitas pessoas estão recolhidas nos cárceres brasileiros desnecessariamente, o novo sistema oferece ao juiz possibilidades de não encarceramento (CPP, artigo, 319).
Vale ressaltar que no sistema carcerário brasileiro a prisão provisória é um dos problemas e dos entraves mais chocantes da evolução civilizatória, visto que não existe no Brasil prisão que atenda todas as exigências internacionais, legais e constitucionais. Assim, os presos recolhidos em tais ergástulos públicos, em sua quase totalidade, desprovidos da garantia constitucional e legal são uma prova do quão falho é o sistema.
Alude Luiz Flávio Gomes que “para contornar o problema prisional decorrente do excesso de prisioneiros, não basta apenas apostar nas penas e medidas alternativas à prisão, aplicadas no momento da condenação definitiva”[16]. O cenário nacional exigia medidas que possibilitassem alternativas também à prisão cautelar já que esta é a principal responsável pela superlotação carcerária.
Faz-se relevante mencionar que as medidas cautelares possuem natureza instrumental, ou seja, estão a serviço do processo e da eficácia da justiça
criminal. Existem para a garantia do regular desenvolvimento do processo assim como para assegurar a efetividade do poder de punir do Estado.
Renato Brasileiro assim se reporta no tocante a tal natureza:
“As medidas cautelares não possuem um fim em si mesmas. Não são penas, elas existem para assegurar a aplicação da lei penal ou a eficácia do processo penal ou da investigação ou para evitar novas infrações penais. O processo penal serve para a tutela da liberdade assim como para efetivação do direito de punir do Estado. O Antigo conflito entre liberdade e castigo também está presente nas medidas cautelares. As medidas constituem um meio para que a jurisdição alcance suas finalidades.”[17]
Nesta sistemática, a doutrina processual penal majoritária afirma que as medidas cautelares devem estar fundadas em duas premissas, quais sejam fumus boni iuris e periculum in mora. Tal terminologia é pertinente para o processo civil. Todavia, não corresponde em nada com o escopo do processo penal, pois, é requisito primordial para a decretação de qualquer medida cautelar no processo penal o fumus commissi delicti.
No amplo leque de medidas cautelares diversas de prisão, proporciona-se ao juiz a escolha, dentro dos critérios de legalidade e proporcionalidade, da providência mais ajustada ao caso concreto.
As medidas cautelares diversas de prisão podem ser aplicadas na fase investigativa ou processual propriamente dita. Serão aplicadas quando houver necessidade e adequação, relegando à segundo plano a decretação da medida cautelar privativa da liberdade – prisão preventiva.
Isso trouxe outra dinâmica à prisão preventiva, impondo a sua decretação somente àqueles crimes cuja pena máxima seja superior a 4 anos, bem como foi adicionado ao rol das hipóteses passíveis de decretação da preventiva o descumprimento das denominadas medidas cautelares.
Caso o investigado, suspeito ou acusado descumpra alguma das obrigações impostas, o juiz poderá substituir a medida por outra, impor outra em cumulação e até mesmo, em último caso, decretar a prisão preventiva. A medida também poderá ser revogada ou substituída quando o juiz verificar a falta de motivo para que subsista.
Em se tratando do tema liberdade provisória, a alteração mais substancial, adveio do campo da denominada liberdade provisória com fiança que foi revitalizada pela nova lei. Quanto à fiança, cabe realçar, dentre outros aspectos relevantes: a ampliação da possibilidade de a autoridade policial concedê-la, o alargamento de suas hipóteses de incidência, observadas as proibições constitucionais na matéria, a atualização de seus valores e adequação da disciplina do quebramento.
Em síntese, o que se quer da novel legislação é a melhor aplicabilidade da lei penal brasileira, buscando-se alternativas à privação da liberdade, visto que o caráter de ressocialização só logrará êxito quando preceitos fundamentais forem efetivamente respeitados, uma vez que a sociedade assistiu, no decorrer do tempo, ao recrudescimento da violência, pois, a segregação apenas distanciou mais aqueles que sempre estiveram distantes das oportunidades.
É de clareza solar a divisão de opiniões no que tange a lei, quando por um lado mostra-se aceitável a liberdade do preso de baixa periculosidade desafogando os presídios sufocados. Por outro lado, vislumbra-se que haverá aumento da violência, em virtude da flexibilização para com aquele que comete delito de pouca gravidade, posto que toda pessoa alegará, de imediato, a presunção da inocência, mesmo estando em situação de flagrância de ato criminoso.
A nova lei vai beneficiar, principalmente, aqueles que estão cumprindo prisão preventiva, temporária ou foram detidos em flagrante por delitos de pouca monta. Um dos principais escopos é a diminuição nos cárceres, visto que, atualmente, encontram-se superlotados. As celas abrigam quase o dobro de suas capacidades, cuja maioria é composta por aqueles que esperam julgamento.
Vale frisar que a nova lei deve impor aos magistrados a revisão de mais de 200.000 (duzentos) mil casos em todo o país[18]. Assim sendo, o julgador deverá fazer várias analises, pois quando uma pessoa vem a ser detida, apenas permanecerá presa caso não se encaixe nas hipóteses diversas do encarceramento, até porque, a recuperação dos presidiários é quase que imperceptível, já que ínfima, com poucos exemplos significativos no meio social, muitas vezes, inclusive, pela ociosidade dos enclaustrados.
O artigo 319 da Lei nº 12.403/2011 prevê nove medidas cautelares diversas da prisão, são elas: 1) comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; 2) proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; 3) proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; 4) proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; 5) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; 6) suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; 7) internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; 8) fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; 9) monitoração eletrônica.
A seguir passa-se à análise específica das medidas cautelares diversas de prisão.
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