Privatização dos presídios: Problema ou solução?

Celas[1] abarrotadas de delinqüentes, rebeliões em massa nos presídios, cidadãos inassistidos para um posterior convívio em sociedade. Este é o cenário da mazela social em que os encarcerados vivem no Brasil. O problema é há muito estudado, agora, urge uma solução.

A mídia veicula a privatização dos presídios como assunto instigante na seara do Direito e também podemos vê-la em debates ingênuos ou sofisticados. Tanto alvoroço se dá porque o tema é pertinente não apenas ao Direito Público, mas às concepções morais e ideológicas da população. Muitos moralistas fervilham ao dizer que as empresas financiadoras da privatização de um serviço até então público exercem tais atividades à procura de lucros cada vez mais rentáveis (a gananciosa comercialização de uma atividade do governo). No que tange à esfera ideológica este fato pode ser traduzido como algo que se insurge ao controle do Estado o que acabaria por arruinar nossa ordem político-econômica. Surge, então, um acalorado conflito de idéias debatendo o que para uns seria um problema maior e para outros uma parte da solução. Neste momento cabe ao leitor se definir por uma posição.

Privatização das prisões é subsidiar certos serviços públicos ao setor privado dasafogando assim parte do trabalho estatal na condução dos presídios. A atividade da iniciativa particular deve se resumir na administração do espaço físico prisional com a possibilidade de ser empregador do preso.

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A sua história se remete à política do hands-off, quando o juiz sentenciava de acordo com a decisão dos jurados. Entretanto, a definição da quantidade da pena e o acompanhamento da execução penal eram de responsabilidade do “Adult Authority”, órgão administrativo. Isto acabou por enfraquecer o sistema penal e implicou na interdição de vários presídios pelos tribunais americanos devido abusos contra os presos. E foi o empresário Thomas Beasley quem propagou a idéia de privatização dos estabelecimentos prisionais motivado pela falta de vagas que geravam muitos abusos contra os presos nas cadeias.

O seu estopim também se reputa à década de 80 com o presidente norte-americano Ronald Reagan, devido à escassez de recursos públicos em face de grande demanda por vagas o que beneficiaria às empresas e ao país. E ele logo foi seguido pela primeira-ministra britânica Margareth Tatcher. Daí a preocupação com a redução dos gastos públicos e a política neoliberal de apoio às empresas privadas. Desde que a privatização começou, hoje envolve 10% das prisões americanas, o lucro das empresas que a fazem só tem aumentado. As evidências indicam que este ganho continuará a crescer porque houve endurecimento das leis Antidrogas e o contingente de 2.193.798 presos 1 progredirá. Neste país onde a população carcerária subiu 4 vezes em 20 anos, mais de 1 milhão dos atuais detidos são condenados por infração não violenta. Os números são 8 vezes maiores que de países como França, Itália, Alemanha, 14 vezes do Japão e o dobro da África do Sul no ápice da luta contra o apartheid2. Tendo estes resultados em vista muitos sustentam que os EUA vêm provocando um inchaço de detentos com o passar dos anos.

As estatísticas também são álibi para os oposicionistas, pois dizem ser a tal “Gestão Penal da Miséria” que acumula entre seus malogros, de cada 4 cidadãos negros 1 que está encarcerado. Estudando as principais causas que fizeram destes excluídos marginais sustentam a opinião ferrenha contra a privatização.

Os opositores afirmam que a privatização é imprópria porque seria realizada devido a urgência. Tendo isso em vista, Ercília Rosana3 disse:“O importante é não deixar que a urgência nos conduza a medidas impróprias e desvinculadas da realidade nacional e que pouco possam produzir em termos de justiça”. Dizem que observar apenas o fato da superpopulação das prisões é imaturo e poderia fazer o Brasil acatar a terceirização das prisões por impulsividade.

E entre tantos argumentos para criticar a privatização o que vem ganhando mais força é a defesa da execução como função jurisdicional que não pode ser exercida por nenhum outro organismo. Dizem que a terceirização vai ofuscar a função que cabe ao Estado. Ora, a execução penal é extensão desta atividade executiva penal, não é só serviço público, mas função pública. Assim, o poder-dever jurisdicional do Estado é do judiciário (Sistema de pesos e contrapesos de Montesquieu). Daí também se depreende que os três poderes são harmônicos e independentes entre si sendo três funções com independência, prerrogativas e imunidades próprias. Obedecendo a esta regra basilar do Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal de 1988 prevê em seu art. 2°: “são poderes da União independentes e harmônicos entre si, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário”. Pautando-se nesses argumentos eles afirmam categoricamente que se esta privatização ocorresse, seria inconstitucional uma vez que anularia um dos preceitos mais clássicos da Constituição brasileira (art.60 parágrafo único).

Explicitam os opositores que as empresas só pensam em lucro o que redundará numa perda da qualidade de serviços como saúde e alimentação dos detentos. Ora, após uma imagem de eficiência passada pelos EUA, o preço da CCA4 na bolsa de valores de New York subiu de 200 milhões para US$1 bilhão em 5 anos. Estando ela agora em diversos países bem como a Wackenhut empresa de igual ramo e também lucrativa.

Ainda visualizando a experiência norte-americana, são acusados de usar o “trabalho semi-escravo” dos detentos e, por conseguinte todos os países que apóiam esta idéia. Lá, acusam o país de utilizar tal trabalho, pois todos os detentos precisam ser força produtiva recebendo US$0.28 a hora enquanto o salário mínimo é US$5/h. Esta polêmica sobre o tal “trabalho escravo” dos presos de cadeias em regime privado que vem se espalhando sem que a população indague o motivo do fato, começou em 1994. Época em que sindicalistas flagraram ex-policiais que dirigiam um presídio em Chicago levando detentos para empilhar brinquedos de uma loja famosa6.

Ainda para acalentar a discussão sobre o tema, a Comissão do Congresso Norte-americano –Escritório Geral de Contabilidade- comprovou que as prisões privadas custam apenas 1% a menos que as administradas pelo governo. As pesquisas mesmo indicam que no Estado do Texas e Califórnia onde se localizam 40% dos 160 presídios do referido sistema nos EUA o gasto com a manutenção desta estrutura é maior que com a educação. No Texas, em 1980 um preso custava ao governo US$13, hoje são US$45 por dia. Os números também chamam atenção para Califórnia que tem gatos de US$5,3 bi para construção e reenovação de celas e dívida de US$10 bi devido estes gastos super-elevados. Os agentes dessas prisões recebem 30 % a mais que um professor universitário- assistente. Daí as alegações que o país gasta mais com presidiários que em educação do povo. As já citadas CCA e Wackenhut faturam juntas cerca de 900mi de dólares por ano com 110 presídios e 103 mil presos administrados.

Remetendo-nos à opinião dos favoráveis à privatização, argumentam que não é pelo fator urgência que o Brasil a quer não seria apenas uma medida rápida e aparentemente eficaz, mas pouco estudada. Assim rebatem o argumento contrário. Ela já é analisada há anos em diversos países. Mas como não basta o espelho eles solidificam opinião nos casos brasileiros. Dos 11 mil detentos do Ceará, 1549 cumprem pena com regime privado, como na prisão da Penitenciária Regional Industrial do Cariri, na periferia de Juazeiro do Norte.

O modelo de gestão privada quando criticado é visto como um conglomerado de empresas ávidas por lucros e com terceiras intenções, o que acabaria por desmoronar a estrutura estatal. Os favoráveis dizem ser tal opinião uma falácia tendo em vista argumentos fortes para pautar este parecer. O Estado e seus juristas não estão enfraquecidos ao ponto de permitir esta desordem, pois entendem que as empresas que aquecem a economia são as mesmas que podem contribuir para um avanço no sistema penitenciário brasileiro quando em parceria com o governo. E não deixam sua qualidade por conta disso, afirmam os favoráveis, continuam a ser empresas com fins lucrativos (amparadas pelo Livro II do CC). Há sim, que se exigir o cumprimento das metas e orçamento à risca o que bem fazem muitas empresas particulares. Com as tarefas pública e privada bem estabelecidas a função que cabe ao Estado -da execução- será melhor cumprida, afirmando assim os princípios do art. 37 da CF/88 que são: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, o quinteto da boa gerência governamental que já nos provou não poder trabalhar sozinha.

É alegado que o fato dos presos trabalharem é positivo sob todos os aspectos. Os detentos brasileiros sairiam da inércia, como se pode ver do RJ que de 22 mil apenas 900 encarcerados se ocupam produtivamente nas prisões. Os benefícios vão desde a redução da pena, de 1 dia para cada 3 de trabalho, o salário de R$295 a R$550 sendo que 5% do valor é retido como imposto para custear o encarceramento, até o aspecto mais importante que é a ressocialização envolvendo a aprendizagem de um ofício e sua execução. Assim, é notório que o argumento de trabalho escravo (ainda mais num país que zela pelos Direitos Humanos como o Brasil) é defasado. Neste entendimento, mesmo que os presos recebessem nenhum centavo do governo ganhariam benesses mais valiosas para seus futuros. Ainda, a CF/88 esclarece no art. 170 que a ordem econômica nacional é fundada na valorização do trabalho humano e livre iniciativa, o que representa amparo ao labor que os presos devem ter e aceitação da iniciativa privada no que a refere. Ora, a própria Constituição aceita claramente a economia de mercado capitalista que favorece as empresas.

Assim, mostram-se contrários a parte do argumento do sociólogo Benoni Belli7: “Não podemos deixar que os ladrões de galinha no Brasil, isto é, as pessoas das classes mais desfavorecidas que cometem deslizes leves, virem instrumento de negócio para os empresários. Os políticos que respeitam os direitos humanos devem pensar muito sobre isso, antes de apoiarem a privatização do sistema carcerário”.

A privatização dos presídios, já presente entre nós, tem se mostrado a solução mais palpável para assegurar uma utilização eficiente da grande quantia de dinheiro público dispendido. Embora haja inúmeras críticas, devemos ser plausíveis em admitir que a situação estarrecedora de nossas prisões já passou do tempo de ser mudada. A população corre risco com este modelo prisional cuja gestão é ineficiente e desequilibrada, ambiente propício para a fertilização e desenvolvimento do crime. Por certo as medidas a serem implantadas devem condizer com a realidade nacional e serem objeto de acompanhamento intenso por parte do Estado. Este, já percebeu que não pode lutar sozinho, por isso no Paraná observamos o sistema de co-gestão, com administração terceirizada presente na Casa de Custódia de Londrina, nos Presídios Industriais de Guarapuava e Cascavel e na Penitenciária Estadual de Piraquara.

Ainda temos diversos fatores a tratar em prol da privatização uma vez que a força produtiva do encarcerado terá mais condições de ser desenvolvida e, portanto só gera benefícios para o mesmo e à sociedade. Como disse Michel Foucalt, em sua obra clássica sobre prisões e Direito Penal (Vigiar e punir, p. 196, 25 ed. Vozes): “a obviedade da prisão se fundamenta também em seu papel de aparelho para transformar os indivíduos”. Nesta linha, propomos um sistema onde a administração e a execução da pena serão facilitadas uma vez que nesta estrutura mais sadia para o Brasil os presos serão grandemente beneficiados, humanizados. Deste respeito advirão resultados positivos para toda a sociedade.

Do exemplo da penitenciária de Guarapuava observa-se que quase todos os presos trabalham e a reincidência é de apenas 6%. A empresa Humanitas, que ganhou por licitação o direito de coordenar as atividades internas do presídio tem quase os 140 funcionários da prisão pagos por ela. Além do “cunho social”, como ressalta o gerente-administrativo, José Mário Valério, a empresa tem retorno financeiro. No Rio Grande do Sul, por exemplo, cada preso custa  em média R$ 450,00. Na PIG, o governo do  Paraná paga à Humanitas R$ 1,4 mil mensais por interno. É por onde  lucra a empresa. Para a secretária nacional de Justi-ça, Elisabeth Süssekind, o  custo mais alto compensa. Ela vê na possibilidade de demissão imediata de agentes corruptos ou incompetentes as principais vantagens da terceirização.

Além de Guarapuava, existe apenas mais uma penitenciária inteiramente administrada por empresa privada no país  em Juazeiro do Norte, no Ceará. ‘‘Os presídios de Guarapuava e do Cariri oferecem aos detentos apenas o que determina a Lei de Execução Penal, mas que nenhuma outra penitenciária do país consegue oferecer por inteiro’’, afirma Elizabeth Süssekind. (Correio brasiliense, peniteciária ltda 10/5/2001).  A empresa recebe do governo R$ 650,00 por preso, mesmo valor gasto nos presídios públicos. Também monitoram todos os passos dos presos que cumprem pena lá por 64 câmeras ligadas dia e noite. Tudo que é gravado no presídio fica arquivado por três dias. Os presos só ficam livres das câmeras em uma situação: quando entram nas celas. Outra medida eficazmente implantada é o rodízio de funcionários e a proibição de quaisquer intimidades com os presos. Desde sua implantação nenhuma fuga ou rebelião. Assim, a corrupção latente nas prisões administradas pelo governo é barrada. Daí um exemplo real da utilidade de tal sistema.

A empresa Montesinos – Sistemas de Administração Prisional Ltda, é que administra maior quantidade de prisões no Brasil. São quatro prisões no Paraná e seu êxito a coroou de reconhecimento internacional gerando interesses em Chile e Angola. Por certo, além da função de humanizar os presídios essas empresas auferem os lucros válidos pelo trabalho realizado. Ora, Luiz Flávio Borges D’Urso, (insigne advogado criminalista em entrevista à Revista Consulex nº 07 31.7.1997) disse da privatização, termo mal empregado na maioria das vezes, que não se trata de vender ações de grandes penitenciárias em bolsa, mas de chamar e admitir a participação da sociedade, da iniciativa privada para colaborar com o Estado na importante função de gerir as unidades prisionais.

Não estamos mais em tempo de questionar a motivação dos que empreendem os negócios que garantirão a privatização das prisões. A discussão ideológica que tem impedido o melhor andamento das privatizações no Brasil, é combatida arduamente por Fernando Capez (promotor e escritor, DATAVENI@ – Entrevista de Fernando Capez – Ano VI – N.º 55 – março de 2002) diz que a privatização não deve ser enfrentada analisando a opinião contrária ou favorável, antes, como uma necessidade absolutamente insuperável. Há que se analisar o exemplo que deu certo no setor da alimentação. Hoje, nos lugares onde as cozinhas industriais que são administradas pelo governo não atingem satisfatoriamente o padrão, cede-se o espaço para as particulares.

Como o demonstrado, a privatização é uma medida sensata para que o Brasil tenha prisões mais decentes. Um sistema carcerário digno, representando a segurança da população. Pois que melhor analogia para se balancear o nível de segurança do país que não a observância da eficácia da própria pena do condenado? Se o sistema carcerário atual não funciona nos seus aspectos básicos imaginemos quão vulnerável está a população. O que apresenta maior viabilidade como medida para melhorar a situação do país, a mais próxima de nós, é a Privatização das Prisões. Válida e eficaz representa parte da solução deste problema intrínseco no Brasil.

 

Bibliografia
ARAÚJO JUNIOR, João Marcello –coordenador. Privatização das prisões. Editora Revista dos Tribunais ed. 1995.
GRABIANOWSKI, Ed. Como funcionam os presídios nos Estados Unidos. http: //autores-  howstuffworks.htm
LEIRIA, Cláudio da Silva. Privatização dos presídios
MING, Celso. Prisões Privatizadas, O Estado de S. Paulo 20/5/2006
MINHOTO, Laurindo Dias. As prisões do Mercado
FERNANDES, Nelito. Privatizar resolve.  http: //revistaepoca.gobo.com/Revista/Época.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública:Permissão, Concessão, Franquias, Terceirização e outras formas. São Paulo: Atlas, 1996.
Notas:
[1] Orientação: Alexandre Magno Fernandes

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Priscila Almeida Carvalho

 

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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