Resumo: O presente ensaio tem por finalidade tratar das imunidades tributárias, enfatizando que o intuito é salvaguardar bens intrínsecos aos princípios constitucionais. Para tanto, analisar-se-à a importância da educação e do acesso a cultura como direitos fundamentais, bem como os dispositivos constitucionais que dizem respeito à matéria. Não bastasse isso, buscar-se-à o reconhecimento das imunidades tributárias, que ocorreu já na Constituição de 1946 ao estabelecer a não-incidência em favor da imprensa. Adiante, realizar-se-à a contextualização das imunidades tributárias disposta no artigo 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição Federal, quais sejam: livros, jornais e periódicos, bem como o papel destinado a sua impressão, ressaltando que são exonerados de parte da tributação, ou seja, não sofrem a incidência de impostos. A escolha do tema tem como justificativa permitir uma interpretação mais abrangente, de modo que englobe além dos meios impressos, também os eletrônicos, visto que a imunidade está ligada a um ideal e não ao papel, e visa consagrar a liberdade para divulgar o conhecimento e ideias, o acesso à informação e à cultura, e consolidar as bases educacionais da sociedade. Para a realização deste ensaio, utilizar-se-à o método de abordagem dedutivo e o método de procedimento bibliográfico.
Palavras-chave: Cultura, Informação, Educação, Imunidades Tributárias.
1. Considerações iniciais
Este ensaio procura analisar a justificação das imunidades tributárias, especificamente as previstas no artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal, quais sejam: imunidades dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão, com ênfase no papel da exoneração tributária no acesso à informação, à cultura e à educação, estendendo-se aos livros eletrônicos e CD-ROM, bem como da tinta utilizada na impressão de livros, jornais e periódicos, já que o legislador apenas fez menção ao papel.
Partindo-se do pressuposto que a educação é de fundamental importância para a formação de todo complexo de vontades que constituem a personalidade, cumpre falar que as imunidades tributárias buscam salvaguardar bens maiores intrínsecos aos princípios constitucionais, a saber, a liberdade para divulgar o conhecimento e idéias, visando, assim, proteger o direito à informação e à cultura, a fim de consolidar as bases educacionais da sociedade.
Notadamente o direito ao acesso à informação, à cultura e à educação tem estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, que é concebido como cláusula integradora do Estado Democrático de Direito e será invocado sempre que necessário para promover o bem de todos, a manutenção da vida em patamares que permitam o amplo desenvolvimento das capacidades das pessoas, assegurando tutela aos meios necessários para a redução das desigualdades sociais.
Deste modo, evidencia-se a importância da análise do tema proposto, haja vista que pretende contribuir para o desenvolvimento da sociedade, uma vez que o direito à informação nos leva a ter conhecimento, obtendo conhecimento saberemos sobre a nossa cultura, e sabendo de nossa cultura estaremos atingindo o nível de maior superação de qualquer cidadão, qual seja, o direito à educação, concretizadora da cidadania.
2. O fomento à educação e acesso a cultura como direitos fundamentais
A educação assume papel essencial no pleno desenvolvimento da personalidade humana e para a concreção da cidadania. Com ela “o indivíduo compreende o alcance de suas liberdades, a forma de exercício de seus direitos e a importância de seus deveres, permitindo a sua integração em uma democracia efetivamente participativa.”[1] Por meio da educação assegura-se a prerrogativa de efetivação do exercício da cidadania, com a formação de sujeitos críticos e atuantes.
Verifica-se a relevância da educação presente nos contornos constitucionais do artigo 6º., como direito social (direito por meio do Estado). Nos artigos 205 e seguintes, reafirma-se “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família” e estabelece os princípios que regem a educação brasileira, entre os quais, a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais (artigo 206) e a garantia de todo o cidadão brasileiro, mesmo que de forma subjetiva, de exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional, independentemente de vaga, sem seleção, conforme predisposto na norma constitucional.
Assim, o direito à educação está intimamente ligado ao acesso aos livros, pois a leitura é um dos elementos do processo do conhecimento. Portanto, toda medida no sentido de reduzir o custo da aquisição desse material, é merecedora de respaldo e justifica-se com tratamento privilegiado em matéria tributária, concretizando-se em ações públicas que traduzem os valores da sociedade brasileira.
Tal observação nos faz refletir acerca do indivíduo, que a fim de desempenhar seu papel de cidadão, com deveres e não apenas direitos a serem cumpridos, necessita do acesso às informações, adquirindo o conhecimento necessário com as trocas de experiências, interagindo com o meio e com a sociedade em que vive. Ou seja, coloca-se “a pessoa sintonizada com o mundo que a rodeia (…), para que possa desenvolver toda a potencialidade da sua personalidade e, assim, possa tomar as decisões que a comunidade exige de cada integrante”[2].
Para se concretizar a “plenitude da formação da personalidade”, são imprescindíveis a disponibilidade “de meios para conhecer a realidade e as suas interpretações, e isso como pressuposto mesmo para que se possa participar de debates e para que se tomem decisões relevantes”[3]. Igualmente, a manifestação de pensamento, o direito à informação e a liberdade de criação de obras também se encontram protegidos, pois mediante a supressão do imposto sobre as formas de materialização, consegue-se alcançar um maior número de pessoas.
Em relação aos direitos culturais, constata-se que os mesmos encontram-se assegurados constitucionalmente, nos artigos 215 e 216, nos quais está impregnada a noção de cultura como a identidade de cada um e de todos, e como tal merecedora de especial atenção tanto no campo pedagógico quanto no legal, neste último, inclusive, servindo de referencial fonte jurídica. Em suma, busca-se a satisfação geral da cidadania e não apenas de um indivíduo.
A propagação da cultura está intimamente ligada à educação, tornando-se a soma desses componentes, processo fundamental para que a pessoa adquira plena capacidade para realizar os atos da vida civil com dignidade, exercer a sua cidadania, podendo assim gozar de seus direitos, uma vez que terá maior acesso aos instrumentos, quais sejam jornais, livros e periódicos, gerando desenvolvimento para a sociedade.
Por conseguinte, a cultura perpetua-se no presente e no futuro, pois o passado já não responde suficientemente, contudo não é nossa idéia desprezá-lo, muito pelo contrário, uma vez que a cultura é um conjunto de artefatos e ideias elaborados pelo homem no passado, seguindo determinados valores na busca de determinado fim, ou seja, é a reprodução e persistência de toda uma sociedade no tempo.
A difusão da cultura e a promoção da ciência e da tecnologia também se correlacionam com a imunidade tributária, pois a ciência pressupõe intenso trabalho intelectual e de pesquisa, e caso não houvesse meios de garantir a reprodução desses materiais e acesso a todos, de nada adiantaria a pesquisa, pois não haveria a propagação do conhecimento, o que dificultaria um maior desenvolvimento dos campos científicos, além de que ao se permitir o acesso a ela, com o surgimento de novos nichos de pesquisa e pólos tecnológicos, se permitiria um maior desenvolvimento nacional.
Todas essas observações remetem à análise da trajetória do reconhecimento das Imunidades Tributárias, tema do próximo item, ressaltando que as mesmas se justificam como formas de acesso ao direito à educação, informação e cultura.
3. O reconhecimento das Imunidades Tributárias
As transformações ocorridas, tanto em nível social, cultural, quanto político, não podem ser compreendidas sem o conhecimento de como funcionam os meios de comunicação, uma vez que exercem forte poder sobre as escolhas e rumos da sociedade. Faz-se uma pausa neste momento para frisar que o maior meio propagador das informações é a imprensa, por seus diversos veículos impressos (livros, jornais e periódicos) ou eletrônicos (rádio, televisão, internet).
Sabe-se que, em relação a outros países, a implantação da imprensa brasileira é vista com um atraso de três séculos, devendo ser considerado o descaso da Coroa Portuguesa, que se atinha a inibir qualquer propagação de informação que representasse possibilidade de crítica ao seu governo. O jornal ‘A Gazeta do Rio de Janeiro’ foi o primeiro publicado oficialmente no território nacional, em setembro de 1808. Na seqüência, o jornal A Idade d’ Ouro começou a ser publicado em Salvador, no ano de 1811. Em 1812 foi lançada pela maçonaria a primeira revista brasileira, denominada ‘As Variedades’, que tratava de obras literárias. [4] Com a Proclamação da República[5], coube à imprensa explicar ao povo que não se tratava de ditadura militar[6], mas as críticas à República não tardaram. A imprensa[7], que tivera um papel significativo na mudança do regime, passa a apresentar descontentamentos; dos elogios, cedem lugar às críticas. O principal argumento era que o projeto republicano não havia se concretizado democraticamente.
Sob uma perspectiva histórica, é importante salientar que algumas de nossas Constituições corroboraram para a implantação do instituto das imunidades tributárias em nosso país, mas antes ressalta-se, a título ilustrativo, “que não se encontra no direito comparado exemplo de imunidade nem de não-incidência constitucional de imunidades de livros e jornais”. [8] A Constituição de 1946 estabeleceu a não-incidência em favor da imprensa, “como reação contra as medidas restritivas às importações de papel e à livre manifestação de pensamento adotadas no Estado Novo” [9].
A garantia da imunidade tributária desde a Constituição de 1946, nas observações de Baleeiro[10], “se fundamenta na proteção da liberdade de expressão, de idéias, de conhecimento e de cultura, e vem sendo viabilizada com base em duas justificações que, tecnicamente, têm norteado sua extensão e seus limites”. Essa mesma justificativa garantiu a previsão da imunidade tributária na Constituição de 1988, agora “voltada à efetividade e à concreção do Estado Democrático de Direito”. Percebe-se que houve um acréscimo às justificativas que amparavam classicamente “a meta de neutralidade da imunidade, de tal forma que ela não resulte em eliminação dos grupos de informação economicamente mais fracos, em reforço de grupos monopolísticos poderosos, que controlem a produção e a comercialização de jornais, livros e periódicos”.
Na elaboração do Código Tributário Nacional, em 1965, estabeleceu-se a imunidade “do papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros” (art. 9º, inc. IV, letra “d”). Esse preceito foi alterado pelo texto da CF de 1967 e pela Emenda de 1969, que inseriu a “proibição de instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. O texto de 1988 recepcionou a exoneração vedando a incidência de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”, ficando expresso esse privilégio, que tem por fim proteger valores sociais, culturais, religiosos, políticos, dentre outros.
4. Contextualização das Imunidades Tributárias
Muitas são as conceituações trazidas pelos tributaristas ao instituto das imunidades. Carvalho[11] elucida imunidade como a normas jurídicas que estabelecem “de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributo que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”. No mesmo sentido, é a abordagem de Machado[12], que considera as imunidades como “obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado”. Igualmente, bem ilustra Baleeiro[13], expondo que “as imunidades não norteiam o bom exercício da competência tributária, mas denegam o poder tributário, limitando-o relativamente a certos fatos”.
A partir da análise conceitual, é possível distinguir a dupla natureza das imunidades, pois, segundo Sabbag[14] “de um lado, mostra-se como norma constitucional que demarca a competência tributária, ao apresentar fatos que não são tributáveis, no bojo do aspecto formal da imunidade” o que pode ser somado a outra natureza do “direito público subjetivo das pessoas que, direta ou indiretamente, usufruem os seus benefícios, à luz do aspecto substancial ou material da norma.’’
Como direito subjetivo “a imunidade visa a baratear o acesso à cultura e, por facilitar a livre manifestação do pensamento, a liberdade de atividade intelectual, artística, científica e da comunicação e o acesso à informação, todos os direitos e garantias individuais constitucionalmente protegidos (…), configura, também, cláusula pétrea”[15], pois a justificativa da “intributabilidade dos livros, jornais e periódicos é a idéia de justiça fiscal, nela incluída a de utilidade social, consubstanciada na necessidade de baratear o custo dos livros e das publicações”. [16]
Além disso, a exoneração tributária ao passo que retira os impostos “dos veículos de educação, cultura e saber para livrá-los, de sobredobro, das influências políticas para que, através do livro, da imprensa, das revistas, possa-se criticar livremente os governos sem interferências fiscais”. [17]
Quanto à abrangência da limitação ao poder de tributar, compreende a importação de livros, jornais, periódicos e papel de imprensa, não incidindo Imposto de Importação (II), e na comercialização interna o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS).
Relativamente à incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) sobre as receitas de publicidade há divergência entre os doutrinadores, pois “o ISS, porque não grava os objetos imunes, senão a receita bruta de pessoas físicas e jurídicas incidente sobre serviços de qualquer natureza (art. 156, III) sem exceções” [18]. Todavia Torres[19] expõe que “o ISS não incide sobre a publicidade em jornais nem, segundo a jurisprudência do STF, sobre as fases intermediárias de confecção de livros e periódicos”. Além disso, o STF considerou as listas telefônicas imunes ao ISS, ressaltando o cumprimento do papel de utilidade social.
Essa controvérsia a respeito do expresso na lei pode ser compreendida na exposição de Baleeiro[20], segundo o qual “na jurisprudência, prevalece ainda o entendimento de que a publicidade paga, veiculada em jornais, livros e periódicos, está abrangida pela imunidade em relação ao ISS, de competência dos Municípios.” Verifica-se que predomina a “tese da imunidade ampla. Ela abrange todo o conjunto de serviços que realizam o livro, como a redação, a revisão da obra, a parte editorial, como também de publicidade de anunciantes.”
A respeito do Imposto de Renda a imunidade “não alcança a empresa jornalística, a empresa editorial, o livreiro, o auto etc., que, por exemplo, deverão pagar o imposto sobre os rendimentos que obtiverem com o livro, o jornal, o periódico e o papel destinado à sua impressão” [21], pois a exoneração tributária tem critérios objetivos aplicando-se a coisas e não a pessoas. Mesmo assim, a imunidade deve ser compreendida amplamente, “sem quaisquer reduções e de forma a ser economicamente neutra, sem beneficiar mais a uns – especialmente os grupos econômicos jornalísticos poderosos e monopolísticos – do que a outros – as empresas de imprensa dissidentes, minoritárias e economicamente mais fracas (os jornais de opinião p. ex.)”[22].
E com esse propósito, é necessário que se compreenda a distinção entre a cultura tipográfica da eletrônica, assim como o espaço público do cibernético, para que possamos num momento posterior entender a extensão dada às imunidades tributárias. Os avanços da ciência e da tecnologia são uma forma de exercício da cidadania, comprovando que a ciência e evolução tecnológica não são atividades à parte, autônomas, mas estão atreladas a fatores econômicos, políticos, históricos, sociais e ideológicos da sociedade.
Esse novo paradigma[23] expressa outra forma de comunicação de “idéias, que exige a reformulação das velhas figuras constitucionais e legais que surgiram para a proteção de relações jurídicas formadas em ambiente cultural diverso”. Portanto, uma nova configuração da visão atual suportada por tecnologias pode transformar a nossa forma de trabalhar, viver e conviver. Isso porque a tecnologia deve constituir-se como elemento em função do homem, para ajudar e facilitar sua vida, propiciando mais conforto, qualidade de vida, preservando sua energia e melhorando o uso de seu tempo. Quando se faz menção a espaço público, a imprensa escrita, que aqui pode ser manifestada pelos jornais, livros e periódicos, se traduz no instrumento para comunicação no mesmo.
Já o espaço cibernético[24] “é aquele no qual se dá o relacionamento fundado na troca de informações transmitidas pelos servo-mecanismos. É um espaço virtual, um ‘fantasma’ que não existe fisicamente, mas que produz o espaço existencial”. Assim, configura-se a distinção entre espaço público e cibernético, trazendo conseqüências de relevância apresentadas por Torres[25]: “a) valor preponderante no espaço cibernético é a liberdade, e não a justiça, como ocorre no espaço público e b) a internacionalização das auto-estradas da informática leva à erosão do próprio conceito de Estado Nacional.”
Desse modo, a era da informação, da imagem, do satélite, da fibra ótica, da Internet, repercute na interpretação e aplicação do direito relativamente à previsão do artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal, bem como as demais controvérsias implantadas pela doutrina, referente, por exemplo, aos livros eletrônicos, CD-ROM e a tinta, o que será objeto de análise no próximo item.
5. A extensão da Imunidade Tributária prevista no artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal
Sabe-se que as imunidades previstas no artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal dizem respeito a livros, jornais, periódicos e ao papel que se destina a sua impressão, e o objetivo neste momento é elencar as situações que foram ou não abarcadas pelo constituinte. O efeito do reconhecimento da garantia constitucional do conceito de livro é marcado por uma complexa e ambígua discussão doutrinária.
O conceito de livro, inicialmente, como o resultado da impressão, em papel, de ideias, doutrinas ou informações com finalidade cultural, cuja “base física constituída por impressão em papel e a finalidade espiritual de criação de bem cultural ou educativo” [26], atualmente abarca também a possibilidade de ser ‘virtual’, disponível “no espaço cibernético; pode conter folhas soltas ou cosidas; pode vir com capa flexível ou dura; pode conter informação científica ou leviana; entre outras tantas multifacetadas possibilidades”. [27]
Notadamente, o conceito de livro, para fins de imunidade, ampliou-se, passando a significar “qualquer objeto que transmita conhecimentos (idéias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias etc.), pouco importando se isto se faz por caracteres alfabéticos, por imagens, por sons, por signos Braille, por impulsos magnéticos etc” [28], desse modo as publicações em meios eletrônicos, estariam divulgando cultura, portanto abrangidas pela imunidade. Como refere Torres[29] em relação aos livros produtos da evolução tecnológica “constituem transposição para CD-Rom, a ser utilizado em computador, do livro originariamente impresso em papel”.
Acompanha esse posicionamento, Paulsen[30], afirmando que tanto CD-ROM como a revista eletrônica são alcançados pela imunidade, pois, segundo o autor, “não há que se entender tal referência como limitativa da imunidade, ou seja, como impeditiva da imunidade dos livros, jornais e periódicos gravados ou divulgados por outro meio. A essa conclusão se chega analisando os direitos fundamentais a que a Constituição visou proteger com a norma em questão.”
Há um entendimento por parte dos doutrinadores da possibilidade das publicações virem acompanhadas de CDs ou videocassetes. Nesse sentido, Torres[31] inclui essas mercadorias como imunes “desde que haja a preponderância econômica e intelectual do texto sobre o disco compacto”.
Na mesma senda são equiparados ao livro, para fins imunidade, “os veículos de idéias, que hoje lhe fazem as vezes (livros eletrônicos) ou, até, o substituem. Tal é o caso – desde que didáticos ou científicos – dos discos, dos disquetes de computador, dos CD-Roms, dos slides, dos videocassetes, dos filmes etc”[32].
Os jornais também gozam de amplo privilégio fiscal, referindo-se à mídia escrita apenas, ou seja, “excluem-se do campo do privilégio constitucional os veículos de radiodifusão, neles compreendidos os “jornais da tela” ou os “jornais da televisão”, que apenas metaforicamente podem ser considerados jornais”[33]. Naturalmente que as diversas propagandas veiculadas em jornais e periódicos são importantes fontes de rendas, por isso não correspondem aos objetos tutelados pelo preceito imunizante, obtendo normal incidência tributária. Porém, o periódico propriamente dito é amparado pela norma imunizatória e sua conceituação se traduz em:
“Revistas, técnicas ou não, e os impressos que se editam repetidamente dentro de certos intervalos de tempo. O seu conceito é amplo e abrange até mesmo as revistas pornográficas, tendo em vista que a acusação de pornografia sempre serviu de base à opressão da livre manifestação do pensamento e às discriminações no campo da literatura”[34].
Ainda, o Supremo Tribunal Federal para abarcar os periódicos valeu-se de uma interpretação extensiva, buscando saber se o objeto impresso busca disseminar pensamentos e idéias, não estando incluídos, os calendários comerciais[35], mas as revistas médicas[36], listas telefônicas[37] e álbuns de figurinhas sim. Sobre este último:
“não se concebe qualquer distinção – para fins de imunidade – entre um livro que tenha estampado figuras de esportistas, artistas etc. e um álbum em que tais imagens (cromos) sejam adquiridas em separados, para serem coladas, como apontado que a “venda de um opúsculo ilustre a ser completado por ‘figurinhas’ periodicamente distribuídas pelas bancas, que podem ser adquiridas diretamente da editora, se assim o desejar a criança, em técnica de indiscutível atração não distinta daquela outra de venda de fascículos semanais, que terminam por formar um livro, embora objetivando a disputa de mercado é algo incensurável do ponto de vista ético-social, e não vedado pela imunidade constitucional, que, como já se disse, por ser objetiva, protege o veículo de expressão escrita, independente das intenções, difusão de idéias ou de imoralidades”[38].
A análise do papel destinado a impressão é o assunto de maior controvérsia, revelando-se problemático. A Constituição de 1948 continha a seguinte previsão: “são muito variáveis os produtos da imprensa: livros, jornais, circulares, cartazes, brochuras, gravuras. Pouco importa igualmente a substância ou matéria empregada: papel, pergaminho, tela, cartão, madeira, papelão ou metal”. [39]
Com isso, percebe-se que já naquela época o papel era um dos suportes do livro, mas não o único. Conforme o mesmo autor[40] tem-se que “inventado pelos chineses e trazido para a Europa nos fins da Idade Média, o papel, sendo muito mais barato, veio a substituir, com vantagens, o papiro, dos antigos egípcios”. Necessário faz-se esclarecer que apenas o papel destinado aos livros, jornais ou periódicos, ou seja, o papel de imprensa é que estão abarcados pela imunidade, não estando incluso, por exemplo, o papel de embrulho[41].
Os materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, em conseqüência, para esse efeito o papel para telefoto, o papel fotográfico e os filmes fotográficos também estarão imunes[42]. A Súmula nº 657 do STF vem para confirmar o exposto, “a imunidade prevista no art. 150, VI, ‘d’, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos”.
Desse modo, de todos os insumos necessários para a fabricação de um livro, de um jornal ou de um periódico, tais como máquinas, aparelhos, tinta[43], cola, linha e papel[44], apenas este último ficou imune. Mas, há uma tendência a dar uma abrnagência mais ampla a norma. Sabbag[45] apresenta que “os Tribunais vêm entendendo que a imunidade deve ser estendida, por exemplo, à tinta destinada à impressão dos livros, jornais e periódicos, com fundamento de que é um insumo imprescindível para a publicação daqueles”[46]. Assim, percebe-se a vulnerabilidade da temática “diante da jurisprudência, que ainda oscila, e da doutrina, que também se movimenta”[47].
6. Considerações finais
Pelo estudo realizado, verifica-se que a minimização da incidência tributária, como no caso das imunidades tributárias, insere-se como salvaguardas de bens maiores intrínsecos aos princípios constitucionais, a saber, a liberdade para divulgar o conhecimento e ideias, visando, assim, proteger a cultura, a fim de consolidar as bases educacionais da sociedade.
Procurou-se apresentar as imunidades tributárias concedidas aos jornais, periódicos, livros, bem como o papel destinado a sua impressão, restando claro o posicionamento da maioria dos doutrinadores, os quais entendem que o instituto em análise não deve ser interpretado de maneira literal, sendo que existem princípios constitucionais que recebem proteção da Constituição Federal. Logo, caberia a sua aplicação toda vez que se ameaçasse a divulgação do conhecimento mediante a cobrança de preços elevados.
Ante o exposto, fica evidente a possibilidade de uma interpretação mais abrangente das imunidades, de sorte que hoje já é unanimidade, por parte dos doutrinadores, a imunidade tanto dos livros eletrônicos quanto do seu meio de suporte (cd-rom), mas o mesmo não pode se afirmar quanto aos instrumentos que são utilizados para impressão dos livros, jornais e periódicos, tratando-se da tinta, maquinários e outros.
Conclui-se ser necessário ampliar ainda mais a exoneração tributária, pois as imunidades tributárias estão ligadas a um ideal, qual seja a propagação da cultura e esta será alcançada plenamente, quando todos tiverem acesso à informação, que formam as bases da educação e da concretização da dignidade da pessoa, reduzindo desigualdades e exclusão social.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito-Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Trabalho vinculado à Linha de Pesquisa “Políticas Públicas de inclusão social”, projeto “Políticas Públicas para a inovação, proteção jurídica da tecnologia e desenvolvimento: em busca do equilíbrio entre a propriedade privada e os interesses difusos”. Pós-doutora em Direito de Propriedade Intelectual pela UFSC. Doutora em Direito pela UNISINOS. Professora da Faculdade Meridional – IMED- Passo Fundo-RS. Professora do Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo – IESA
Mestranda em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, área de concentração em Demandas Sociais e Políticas Públicas. Linha de pesquisa: Políticas Públicas de Inclusão Social. Integrante do Grupo de Pesquisa: Políticas Públicas de Inclusão Social – Subgrupo: Políticas Públicas para a Inovação e a Proteção Jurídica da Tecnologia, coordenado pela Profª. Pós-Drª. Salete Oro Boff. Também participa do Grupo Direito, Cidadania e Políticas Públicas, coordenado pela Profª. Drª. Marli Marlene Moraes da Costa, todos do Programa de Pós Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da UNISC.
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