Professores debatem novos contratos no CC

As novas regras legais aplicáveis aos contratos foram o tema da décima aula, de um total de dezesseis, do
curso sobre o novo Código Civil, que está sendo realizado em São Paulo,
conjuntamente pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e pela Escola Paulista
da Magistratura, e que conta com cobertura exclusiva de Carta Maior.

Carlos Alberto Ferriani,
advogado, ex-procurador do Banco Central do Brasil e professor de Direito Civil
da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) falou sobre cinco novos contratos
que antes não estavam previstos na lei civil, com destaques para o contrato estimatório, o contrato de agência e distribuição e a
comissão. O advogado gaúcho e professor da PUC do Rio Grande do Sul, Luiz
Renato Ferreira da Silva, por sua vez, tratou de assuntos ligados à parte geral
dos contratos, como vícios redibitórios, evicção e o contrato com pessoa a
declarar.

Os novos contratos

Antes de entrar propriamente no tema de sua
palestra, Ferriani considerou exageradas as críticas
ao novo Código Civil, um trabalho que não pode deixar de ser aproveitado,
embora necessite de algumas mudanças. “As alterações são modernas para a
época em que foram elaboradas (a partir de 1969). O Código certamente está
desatualizado, mas basta que se atualize”, afirmou.

Com relação aos contratos, sua primeira observação
foi a presença de regra expressa autorizando as partes
a estipular contratos atípicos (art. 425). O requisito básico é que sejam
observadas as normas gerais do próprio Código. A seguir, abordou as cinco novas
modalidades contratuais do Código Civil de 2002: contrato estimatório,
agência e distribuição, comissão, corretagem e, por último, o contrato de
transporte. Apesar de serem novidades no corpo do Código Civil, estas
modalidades de contratos já eram disciplinadas por leis especiais.

O contrato estimatório
está previsto nos artigos 434
a 437. “É a venda em consignação de bens
móveis”, explicou o professor paulista: “uma pessoa entrega a outra
um bem para que esta o venda por preço já estimado ou lhe devolva o próprio
bem”. Trata-se de contrato real, que se aperfeiçoa com a entrega da coisa.

Regra interessante é a do art. 435, que determina
que o consignatário responde
pela perda da coisa ainda que por fato a ele não imputável (caso
fortuito ou força maior). Assim, a responsabilidade do consignatário
é semelhante à do proprietário da coisa e sua obrigação é alternativa, pois a
impossibilidade de cumprir uma das prestações faz com que a obrigação fique
concentrada na outra.

Os contratos de agência e distribuição estão
previstos nos dispositivos dos artigos 710 a 721. Pode-se dizer que a agência já
estava prevista na Lei 4.886/65, que dispõe sobre a representação comercial e
que a distribuição é correlata à concessão comercial de veículos, da Lei
6.729/79. O caput do art. 710 define os dois novos institutos:

Art. 710. Pelo contrato de agência, uma
pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a
obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de
certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição
quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

O contrato de agência é bilateral, oneroso,
pessoal, consensual e não solene. Tem como características a profissionalidade e a independência do agente, que atua em
uma área definida, onde poderá contar com exclusividade, embora esta não seja
absoluta, salvo nos casos previstos em lei. O principal direito do agente é perceber a
remuneração pela sua atividade (arts. 714 e 716 a 719). Já o proponente,
tem a resilição (art. 720) como direito mais
importante.

O contrato de comissão vem disciplinado pelos arts. 693 até 709. Muitas de suas regras eram reguladas
pelo Código Comercial de 1850 (comissão mercantil). São direitos do comissário:
remuneração (que pode ser arbitrada se não estipulada previamente); retenção;
recebimento de juros; e concessão de dilação de prazo para pagamento.
Especificamente no tocante à dilação de prazo, o art. 699 prevê este direito
desde que na conformidade dos usos do lugar onde se realiza o negócio.
Suas principais obrigações são a de concluir o negócio e comunicar ao
comitente.

Regra importante neste contrato é a que concede
privilégio geral ao crédito relativo a comissões e despesas feitas pelo
comissário, na eventualidade de falência ou insolvência do comitente (art.
707).

A corretagem é regulada pelos artigos 722 a 729. Para Carlos
Alberto Ferriani, “é uma espécie de mediação. O
corretor, agindo com autonomia, aproxima as pessoas e tenta conciliar seus
interesses”. Nos casos de pluralidade de corretores, a comissão deve ser
repartida entre eles, em partes iguais, salvo acordo em contrário (art. 728).
Para desempenhar seu mister, o corretor deve agir com diligência e prudência,
prestando ao cliente todas as informações sobre o andamento dos negócios e
esclarecimentos sobre segurança e risco do negócio (art. 723).

Por fim, tratou do contrato de transporte,
disciplinado nos arts. 730 a 756 do Código Civil.
Muitas normas jurídicas anteriores já tratavam do transporte, como o Decreto
2.681/12 (estradas de ferro), a Lei 7.565/86 (Código Brasileiro Aeronáutico),
Decreto 2.521/98 (transporte rodoviário) e a Lei 9.611/98 (transporte multimodal de cargas).

São partes neste contrato o transportador e o
passageiro (transporte de pessoas) ou o expedidor (transporte de cargas). O
destinatário não é parte. Trata-se de contrato bilateral, comutativo,
consensual e de adesão. Pode ser realizado por meio terrestre, aéreo ou
aquaviário.

O passageiro deve sujeitar-se às normas
estabelecidas pelo transportador, evitando causar incômodos
ou prejuízos aos outros passageiros ou ainda dificultar ou impedir a execução
do serviço (art. 738). Se quiser desistir da viagem, poderá fazê-lo. Se antes
de iniciada a viagem, deve ter o preço pago restituído, desde que a desistência
tenha sido comunicada ao transportador em tempo de ser negociada a passagem. Se
a desistência é posterior ao início da viagem, a restituição do valor
proporcional ao trecho não utilizado é devida caso o passageiro possa provar
que outra pessoa foi transportada em seu lugar (art. 740, caput e § 1o).
Em qualquer caso, o transportador tem direito a reter até 5% do valor a ser
restituído, a título de multa compensatória (§ 3o).

Deve ser ressaltado que as regras são aplicáveis
aos transportes onerosos. O transporte gratuito, por mera liberalidade do
transportador, não se subordina às normas do Código Civil.

Os vícios redibitórios e a evicção

O advogado Luiz Renato Ferreira da Silva tratou
conjuntamente dos vícios redibitórios dos contratos e da evicção, institutos
ligados à fase pós-contratual. Nesta fase, explicou, podem surgir obrigações
que não existiam na fase contratual, como, por exemplo, o direito de todo
empregado exigir referências do seu ex-empregador. Estas obrigações somente surgem
porque existiu antes um contrato entre as partes.

Os vícios redibitórios (arts.
441 a
446) são vícios ocultos e não identificáveis quando da assinatura do contrato
que tornam a coisa recebida imprópria para o uso ou lhe diminuam o valor. A
responsabilidade por tais vícios existe apenas nos contratos bilaterais
comutativos. Rompida a paridade inicial entre os contratantes, pode haver a
conversão em perdas e danos ou a manutenção do negócio com redução no preço.

A grande dificuldade no uso da garantia pelos
vícios redibitórios estava na exigüidade de seus prazos prescricionais (de
quinze dias a seis meses pelo atual Código Civil, aumentado um pouco nos casos
do Código do Consumidor). O novo Código aumentou o prazo das ações
redibitórias: 30 dias para bens móveis e um ano para imóveis (art. 445). O
palestrante classificou de “bastante sábia” a nova redação da lei
civil ao determinar que, para os vícios que só aparecem com o passar do tempo,
o prazo só se inicia com o efetivo aparecimento do vício. Há, contudo, um
limite máximo para que o vício se manifeste, que é de
180 dias para os móveis e um ano para os imóveis. Se o produto tiver um prazo
de garantia maior ofertado pelo próprio fabricante ou pelo vendedor, durante
esta garantia não corre o prazo prescricional.

A evicção, prevista nos artigos 447 a 457, sofreu três
importantes modificações com a nova lei. Em primeiro lugar, foi estendida às
aquisições ocorridas por hasta pública (art. 447). Outra alteração se deu no
tocante à regra da denunciação da lide para os casos de evicção. O novo Código
continua exigindo a denunciação da lide, nos termos do Código de Processo
Civil, mas foi facultado ao evicto escolher entre denunciar o alienante
imediato ou qualquer dos anteriores (art. 456). Para Ferreira da Silva, “o
Código criou uma responsabilidade contratual para quem não foi parte no
contrato. É mais um exemplo da função social do contrato, prevista no art.
421”.

A terceira e última modificação neste instituto foi
a do art. 455: se parcial, mas considerável, for a
evicção, poderá o evicto optar entre a rescisão do contrato e a restituição da
parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. Se não for considerável,
caberá somente direito a indenização
. A regra adotada foi a da preservação
dos contratos, não cabendo mais a rescisão se mínima a parte perdida pela
evicção.

No encerramento de sua palestra, o professor gaúcho
abordou uma novidade no Brasil já existente nos ordenamentos jurídicos
português, italiano e peruano, entre outros: o contrato com pessoa a declarar (arts. 467
a 471). Por este instituto, uma pessoa faz o contrato mas reserva-se ao direito de não ser ela própria a
contratante. Em um prazo determinado, a pessoa indicará quem será o
contratante, que ocupará seu lugar no contrato desde o início, com eficácia
retroativa.

Os dois exemplos apresentados foram o da
intermediação (muito comum em revenda de automóveis) e o de transitoriedade da
relação contratual (a pessoa vai montar uma empresa, mas antes de constituída,
precisa alugar sala, comprar móveis, etc). Não
havendo prazo expresso para nomeação do contratante, este será de apenas cinco
dias da conclusão do contrato (art. 468).

A aceitação deve se revestir da mesma forma em que
foi celebrado o contrato e, em caso de recusa por parte do nomeado ou se este
era insolvente e a outra parte desconhecia tal fato, o contrato será eficaz
entre os contratantes originários (art. 470).

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Ricardo Maffeis

 

Advogado e jornalista.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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