Projeto Ficha limpa

O Projeto de Lei Complementar n° 518/2009, que altera a redação das alíneas, do art. 1°, da Lei Complementar n° 64, de 18-5-1990, após aprovado pela Câmara dos Deputados seguiu para deliberação do Senado Federal.


Como se sabe, a LC n° 64/1990 estabelece os casos de inelegibilidade e prazos de cessação, além de outras providências.


Como resultado do exercício da cidadania veio à luz o projeto legislativo sob comento, a fim de impedir a candidatura dos chamados “fichas sujas”, expressão utilizada pela mídia para designar pessoas que respondem a processos criminais ou cíveis por atos de improbidade administrativa.


Pretende o projeto de lei em questão afastar o princípio da presunção de inocência, vigorante na esfera criminal, da esfera eleitoral onde os cidadãos escolhem os melhores, os mais aptos para o exercício de mandatos políticos.


Sobre eles não pode pairar sombras ou dúvidas quanto a sua idoneidade moral.


Portanto, certíssimo está o projeto legislativo, ainda, dependente de aprovação na Câmara Alta, ao tornar inelegível:


a) os que tiverem sido declarados incompatíveis com o decoro parlamentar, independentemente da aplicação da sanção da perda de mandato;


b) governador, prefeito e respectivos vices que tenham perdido os cargos por infringência a dispositivos da Constituição Federal, da LOMP ou do Distrito Federal;


c) ………………….


d)…………………..


e) os que tiverem sido condenados em primeira ou única instância ou tiverem contra si denúncia recebida por órgão colegiado pela prática de crimes descrito nos incisos XLII[1] ou XLIII[2], do art. 5°, da CF ou por crimes contra a economia popular, a fé pública, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e drogas afins, por crimes dolosos contra a vida, crimes de abuso de autoridade, por crimes eleitorais, por crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, pela exploração sexual de crianças e adolescentes e utilização de mão-de-obra em condições análogas à de escravo, por crime a que a lei comine pena não inferior a 10 (dez) anos, ou por houverem sido condenados, em qualquer instância, por ato de improbidade administrativa, desde a condenação ou o recebimento da denúncia, conforme o caso, até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.


O projeto legislativo elencou várias outras hipóteses de inelegibilidade, mas, a mais importante inovação é aquela da letra “e” supra transcrita.


Basta condenação em primeira instância ou instância única (competência originária do tribunal) ou o recebimento da denúncia por órgão judicial colegiado pela prática dos crimes mencionados na referida letra. Conforme esse inciso legal, torna-se inelegível, também, quem tiver sido condenado por ato de improbidade administrativa em qualquer instância, desde a condenação ou o recebimento da denúncia conforme o caso[3], até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.


Por conta disso, muitos políticos que já foram condenados em primeira instância por ato de improbidade administrativa, inclusive, por desvio de verbas destinadas ao pagamento de precatórios judiciais, poderão ter negado o registro de sua candidatura.


Aprovado o projeto legislativo em discussão, não mais poderá ser invocado o art. 20, da Lei n° 8.429/92 que prescreve:


“A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o transito em julgado da sentença condenatória”.


A inelegibilidade de que estamos tratando nada tem a ver com perda da função pública, que continua sujeita ao princípio da coisa julgada.


Vigência e Aplicação


Desde já, especialistas divergem quanto a aplicação da lei resultante do projeto legislativo sob comento para as eleições deste ano.


Alguns entendem que se aprovada a proposta legislativa até o início de junho de 2010 a lei poderá ser aplicada para as eleições deste ano. Outros entendem que só poderá ser aplicada a partir do ano de 2012, argumentando com o princípio da anualidade previsto no art. 16[4] da CF.


Não tem razão, ao nosso ver, este último posicionamento.


O art. 16, da CF, que cuida da lei que altera o processo eleitoral, nada tem a ver com legislação que estabelece os casos de inelegibilidade. Processo eleitoral, na precisa definição dada pelo TSE “consiste num conjunto de atos abrangendo a preparação e a realização das eleições, incluindo a apuração e a diplomação dos eleitos”.


A legislação concernente à inelegibilidade não fixa prazos distintos para vigência e para sua aplicação, como ocorre na lei que altera o processo eleitoral.


A lei de inelegibilidade aplica-se a partir de sua vigência, ou seja, na data de sua publicação, se outra não tiver sido designada.


Ela só não poderá retroagir, isto é, alcançar quem já tenha obtido o registro de sua candidatura sob o império da lei então vigente. A rigor, aplica-se a nova lei em relação ao candidato que, ainda, não tenha requerido o registro de sua candidatura até a data da vigência da nova lei.


Nem é preciso que a lei nova seja sancionada antes da convenção para escolha dos candidatos, pois ela não estabelece os critérios dessa escolha, mas, tão somente as hipóteses de inelegibilidade. E o momento certo para aferir os requisitos da elegibilidade é exatamente quando o candidato requer o registro de sua candidatura.


Assim, sem embargos das opiniões em contrário, entendo que se a proposta legislativa em discussão for aprovada antes do início do prazo para registro de candidaturas ela poderá ser aplicada nas eleições de 2010.


 


Notas:

[1] Prática do racismo.

[2] Crimes inafiançáveis e insusceptíveis de graça ou anistia.

[3] Ilícito cível/administrativo ou ilícito penal.

[4] A lei que altera o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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